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sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Brasil, um pais literalmente sufocado por 5 MILHOES (sim, milhoes) denormas desde 1988

A culpa não é só da Constituição-cidadã, ainda que ela seja um monumento à esquizofrenia econômica, como eu já designei em um trabalho feito nos seus 25 anos (e 83 emendas).
Os brasileiros parecem acreditar que as leis mudam a realidade.
E os burocratas corporativos são os nossos mandarins fascistas.
Paulo Roberto de Almeida 

Quase 5 milhões de normas foram editadas no país, desde a Constituição de 88

Em 26 anos da promulgação da Constituição Federal, também foram publicadas 320.343 normas tributárias, uma média de 46 a cada dia útil
Às vésperas de completar 26 anos, no próximo dia 5 de outubro, da Constituição Federal de 1988, o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação – IBPT detectou que foram editadas 4.960.610 normas para reger a vida do cidadão brasileiro, entre emendas constitucionais, leis delegadas, complementares e ordinárias, medidas provisórias, decretos e normas complementares e outros. Ou seja, foram publicadas em média, 522 normas a cada dia do período ou 782 normas por dia útil.
Do total dos normas editadas, 6,46%, ou 320.343 delas são tributárias, sendo 30.322 de âmbito federal; 96.664 estadual e 193.357 municipal. O estudo completo pode ser acessado no site do IBPT.
Para o presidente do Conselho Superior e coordenador de estudos do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral “a enorme quantidade e a complexidade da legislação brasileira confundem o cidadão e também as empresas, que têm dificuldades em compreender e atender às exigências legais, além do que o custo empresarial tem impacto direto na formação do preço das mercadorias e serviços”.
Empresas sofrem para cumprir as leis
A complexidade legislativa do país também causa grande impacto às empresas brasileiras, que devem seguir em média 3.639 normas, ou 40.865 artigos, 95.216 parágrafos, 304.446 incisos e 40.048 alíneas. Para acompanhar as constantes mudanças na lei, o empresário brasileiro precisa arcar com um custo médio de R$ 50 bilhões por ano para manter equipe especializada, sistemas e equipamentos.
O coordenador do Estudo, Gilberto Luiz do Amaral, elucida a situação com o seguinte exemplo: “Se esse volume de leis fosse impresso em papel formato A4 e letra tipo Arial 12, corresponderia a 5,8 quilômetros de normas”.
Principais legislações editadas em um ano
Entre as principais legislações editadas no período de 1º de outubro de 2013 a 30 de setembro de 2014, destacam-se a Lei Complementar n° 147/2014, que ampliou os benefícios do Simples Nacional a 140 atividades profissionais a partir de janeiro de 2015;
A publicação da Lei n°12.973/2014, conversão da Medida Provisória 627/2013, que disciplina o cálculo do Imposto de Renda devido pelas pessoas jurídicas;
A Medida Provisória nº 649, que amplia para 31 de dezembro de 2014 a vigência do prazo para que os estabelecimentos informem nas notas e cupons fiscais a carga tributária incidente sobre mercadorias e serviços ao consumidor. Esta MP tem validade até o dia 03 de outubro de 2014.
Edição da Lei n° 13.025/14 – que criou o número telefônico destinado a atender denúncias de casos de violência contra a mulher;
e a Lei n° 13.005, que aprova o Plano Nacional de Educação – PNE.
Devido a sua expertise em acompanhar e analisar as questões tributárias nacionais, há 22 anos, o IBPT tem contribuído, por meios do fornecimento de dados, para a elaboração de textos legais no segmento tributário. Um exemplo efetivo dessas contribuições foi com relação a Lei Complementar 147/2014, referente à universalização do Simples Nacional.
Fonte: site IBPT

Eleicoes 2014: o chanceler oficioso defende a diplomacia companheira -MAG

Nem vou me dar ao trabalho de refutar os argumentos daquele que já foi chamado de chanceler para a América do Sul, e a quem o próprio detentor do copyright do Nunca Antes designou como sendo o responsável pela "diplomacia partidária" -- dixit, num raro momento de distração terminológica -- mas apenas destacar uma frase dessa peroração defensiva.

Esta última frase me parece que pode, e deve, ser invertida:
 "A defesa intransigente do interesse nacional se sobrepõe a idiossincrasias ideológicas."

Ela resume (ou confessa), justamente, o que o governo do PT não fez nos últimos 12 anos em termos de política externa brasileira: colocar o interesse nacional acima das idiossincrasias ideológicas.  
Basta isto.
Mas como eu não sou de censurar ninguém, ao contrário dos companheiros, que só leem e publicam eles mesmos para si mesmos, reproduzo aqui a íntegra do artigo-panfleto, também para fins de registro destes tempos do Nunca Antes.
Paulo Roberto de Almeida 

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/188548-dilma-nas-nacoes-unidas-fatos-e-versoes.shtml
Opinião

Dilma nas Nações Unidas: fatos e versões

No afã de reverter o curso da política brasileira nos últimos 12 anos, analistas atacaram pronunciamento em NY
MARCO AURÉLIO GARCIA ESPECIAL PARA A FOLHA
A proximidade das eleições ensejou, mais uma vez, a associação entre desinformação e má fé por parte de alguns analistas da cena internacional, em especial da política externa brasileira.
No afã de reverter o curso que a política brasileira assumiu nos últimos 12 anos, nossos analistas atacaram os pronunciamentos da Presidenta Dilma Rousseff em Nova York como sendo (1) tentativa de transformar a tribuna da Nações Unidas em palanque eleitoral, (2) recusa de chancelar a proposta de desmatamento zero no Brasil e (3) atitude indulgente vis-à-vis os bárbaros crimes do Estado Islâmico.
Vejamos cada uma dessas afirmações.
A Presidenta, em primeiro lugar, tem claro que a política externa não é apenas um instrumento de projeção do Brasil no mundo, mas um elemento consubstancial de nosso projeto nacional de desenvolvimento.
Os temas "internos" por ela abordados em seu discurso são, assim, questões globais e da maior relevância: o enfrentamento local dos efeitos da crise econômica internacional, o combate à fome e às desigualdades; a defesa e a extensão dos direitos humanos. Todos os Presidentes vinculam aspectos internos e externos ("eleitoreiros", segundo nossos críticos) em seus discursos na Assembleia Geral, na medida em que buscam construir uma apreciação da situação internacional a partir de sua percepção nacional.
Se alguém duvida disso, basta ler o discurso do Presidente Obama na ONU.
Em segundo lugar, a recusa pelo governo brasileiro da proposta de desmatamento zero apresentada por três países e algumas ONGs se explica pelo conflito que tem com a legislação brasileira.
Ela prevê o manejo florestal como mecanismo importante de nossa política ambiental. Os proponentes não aceitaram a tese do "desmatamento ilegal zero". Apenas 28 dos 130 participantes da Cúpula do Clima da ONU se somaram à proposta de desmatamento zero.
O Brasil, apesar de possuir a maior reserva florestal do planeta, não foi convidado a participar da elaboração do texto. As críticas à soberana postura brasileira omitem os grandes resultados obtidos na luta contra o desmatamento (redução de 79% nos últimos 10 anos) e a liderança internacional que o Brasil tem desde que, na COP-15, em Copenhague, apresentou unilateralmente a proposta de redução das emissões de gás de efeito estufa entre 36% e 39% projetadas até 2020.
Finalmente, está a questão da posição brasileira em relação ao terrorismo do EI.
Só a profunda má fé pode atribuir ao discurso da Presidenta da República qualquer indulgência em relação a essa seita, menos ainda a disposição de dissuadir os terroristas pelo "diálogo".
A posição brasileira deixa clara a necessidade de que o uso da força só possa ser exercido quando legitimado por uma decisão do Conselho de Segurança, o que não ocorreu. É o caso da Síria, que, diferentemente do Iraque, não solicitou qualquer intervenção armada.
Tentativas de resolver questões semelhantes à margem do Direito Internacional, além de ilegais, têm sido desastrosas.
Será necessário chamar a atenção para a catastrófica invasão do Iraque, sem autorização do Conselho, e que está na origem do Estado Islâmico? Será necessário mencionar a desestabilização da Líbia e suas implicações no alastramento do terrorismo no Sahel? Será preciso chamar a atenção para o custo que teve, em passado mais remoto, o apoio ao Iraque de Saddam Hussein e aos talebans no Afeganistão?
O Brasil quer o diálogo da (e na) comunidade internacional para enfrentar esses graves problemas. O uso preferencial, unilateral e indiscriminado das armas ou de sanções econômicas tem se revelado inócuo, produzindo resultados opostos àqueles pretendidos. O terrorismo ganha mais força e visibilidade.
A política externa brasileira, que sempre pôs a defesa da soberania nacional e do Direito Internacional no centro de suas preocupações, não pode deixar-se arrastar em aventuras, como aquelas que acabam por reduzir nossa presença no mundo ao alinhamento automático --e muitas vezes desastroso-- com as grandes potências.
A defesa intransigente do interesse nacional se sobrepõe a idiossincrasias ideológicas.
MARCO AURÉLIO GARCIA é assessor-chefe da Assessoria Especial da Presidenta da República, função que ocupou no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010)

Eleicoes 2014: a politica externa do continuismo diplomatico-academico- Sebastiao Velasco

Em artigo publicado no Correio do Brasil, o panfleto possivelmente mais mentiroso criado (e financiado) pelo Stalin Sem Gulag -- ainda bem, do contrário eu não estaria aqui -- um acadêmico típico do típico gramscismo dominante nesses ambientes que anteriormente eram críticos, mas que deixaram de sê-lo há mais ou menos dez anos,, vem, tipicamente, defender o continuismo na política externa e nas opções diplomáticas do lulo-petismo.
A pretexto de examinar as propostas dos dois principais candidatos oposicionistas -- que ele tenta caracterizar, desonestamente, como aliados do império e subservientes aos "ricos" -- ele faz uma defesa indisfarçável das más opções adotadas nesses anos do Nunca Antes.
Parece que ele não sabe muito bem distinguir uma união aduaneira de uma zona de livre comércio, no caso do Mercosul -- já que acha que a simples eliminação de tarifas, que ele reduz a acordos com os "ricos", retira o significado do Mercosul, esquecendo que este pretenderia ser um mercado comum -- e se compraz em reproduzir beatamente a fórmula, que ele acha "feliz", de um ex-chanceler, que chamou a sua própria política externa, sem se envergonhar por fazer elogio em causa própria, de "ativa e altiva". 
Parece que esse pessoal quer ter o monopólio de todas as virtudes, acusando, de forma totalmente desonesta, os demais de submissão ao império.
Ah, sim, ele esqueceu completamente o apoio ideológico -- e eu até diria sectário e criminoso -- dos companheiros travestidos de diplomatas a algumas das piores ditaduras, na região e alhures, além daquele antiamericanismo infantil e anacrônico, que eles confundem com oposição ao hegemonismo imperial.
Enfim, nada que seja propriamente surpreendente: nossa academia continua a chafurdar no entulho autoritário dos neobolcheviques.
Paulo Roberto de Almeida 

Política externa: O que está em jogo nesta eleição

Correio do Brasil, 2/10/2014 13:42
Por Sebastião Velasco - de São Paulo

Política externa: O que está em jogo nesta eleição
Política externa: O que está em jogo nesta eleição
As cartas estão na mesa. Mais do que em 2010, mais do que em 2006 e provavelmente bem mais do que em qualquer outra depois do longo recesso do pós 1964, as diferenças programáticas no tema dapolítica externa estão muito claras na campanha presidencial deste ano.
A posição da candidatura oficial não reserva surpresas: com as adaptações necessárias para ajustar-se aos dados sempre cambiantes da conjuntura internacional, com esta ou aquela correção de rumo, o programa de Dilma não se distingue  essencialmente daquele que vem pautando, desde o início, as ações de seu governo.  O qual, por sua vez, segue pelo caminho aberto oito anos antes pela política de Lula, “ativa e altiva” na fórmula feliz do Ministro Celso Amorim.
O que há de novo é o espaço dedicado ao tema da política externa nos pronunciamentos oficiais da oposição, e os pontos de vistas expostos nesses documentos. Deixando de lado artigos de circunstância e entrevistas, são dois os documentos mais importantes: o Programa da coligação “Unidos pelo Brasil” (Marina-Beto Albuquerque), e uma longa entrevista publicada pela revista Política Externa, a que responderam os dois candidatos de oposição (na época, Aécio e Eduardo Campos).
Chama atenção a grande semelhança entre o programa das duas candidaturas. Elas coincidem em sua retórica — ao se apresentarem como restauradoras da autonomia do Itamaraty, supostamente sacrificada aos interesses e aos preconceitos ideológicos do partido dominante. Convergem na defesa da  adesão brasileira aos grandes acordos comerciais ora em negociação sob patrocínio dos Estados Unidos com países latino-americanos e asiáticos (a Parceria Comercial Trans-pacífica), com a União Européia (o Acordo Transatlântico de Comércio e Investimento), e com ambos: o Acordo sobre Comércio em Serviços. Fazem coro na crítica ao estado presente do Mercosul, e na proposta de flexibilização de suas regras para dar margem de liberdade maior ao Brasil na condução de sua política de comércio exterior. Estão afinadas também na defesa de uma aproximação maior com os Estados Unidos e de uma postura abertamente crítica face a (alguns) governos apontados como responsáveis por violações de direitos humanos.
No plano mais geral, ambos os programas contemplam a transformação do sistema internacional, no sentido de uma distribuição mais equilibrada de poder, e advogam para a diplomacia brasileira o exercício de um papel construtivo no redesenho de seus mecanismos de governança. Apesar dessas e outras similitudes, há algumas diferenças entre as duas propostas, como veremos logo a seguir.
Mas seguir é preciso? Não seria melhor indicar logo essas diferenças, de resto adjetivas, e deixar aos eleitores – a essa altura bem instruídos  –  o encargo de escolher entre os programas, de acordo com suas preferências e seu juízo?
Seria assim se os programas políticos fossem translúcidos. Mas não são. Usualmente, eles ocultam, tanto quanto revelam  — e quando prestamos atenção a esse jogo de claro escuro vemos que eles informam mais do que os seus autores imaginavam.
Tome-se, por exemplo, o caso da integração regional e a adesão aos acordos comerciais promovidos pelos Estados Unidos. Embora avaliem muito criticamente o Mercosul, ambas as candidaturas falam em reformulá-lo, sob liderança brasileira, para lhe dar maior flexibilidade e, no final das contas, revigorá-lo. Ora, do ponto de vista estritamente comercial, é evidente que a celebração, com economias desenvolvidas, de acordos com cláusula de eliminação de tarifas retira a razão de ser do Mercosul. O leitor está autorizado, portanto, a depreciar os protestos de compromisso com a integração regional. Fazendo eco a anos de propaganda negativa da grande imprensa, a opção preferencial dos dois programas é pelos ricos.
Mas os acordos em questão não se restringem a remover barreiras tarifárias, nem é este o seu maior objetivo. Do contrário, não haveria muito o quê negociar entre a Europa e os Estados Unidos, pois suas tarifas já são muito reduzidas. O que esses acordos pretendem é harmonizar regras para uma gama enorme de temas tradicionalmente objeto de regulamentação pelos Estados Nacionais: serviços, investimento estrangeiro, propriedade intelectual, compras governamentais, para citar apenas alguns.
Ao fazer isso, esses acordos não inovam. No final do século passado, vários desses temas passaram a ser disciplinados por regras estabelecidas em negociação multilateral, que desde então vêm sendo aplicadas pela OMC. O meio natural para reformá-las seria também a negociação multilateral no âmbito desta organização. É a inexistência de consenso sobre o que mudar, e sobre própria direção da mudança que leva os Estados Unidos e seus aliados a optarem pelo caminho da negociação secreta entre “iguais”.
É desnecessário insistir no que significa essa escolha do ponto de vista do sistema multilateral de comércio. O argumento para aderir a esses acordos deixa isso muito claro: “não podemos correr o risco de ficar de fora, e sermos obrigados a nos sujeitar depois a normas decididas por outrem”. O suposto é claro: os outros definirão novas regras, independentemente de nossa vontade  –  e, no caso, o coletivo indicado pelo pronome vai muito além de nós, brasileiros. Se a regra de ouro do regime em vigor é a mudança por consenso (ou, em última instância, pelo voto da maioria), o que prevalece nos referidos acordos é a lógica excludente da oligarquia: os pares decidem; aos demais resta a opção entre aceitar o que foi decidido, ou ficar à margem.
Agora, o que há de tão especial nessas “novas regras”? Seus defensores usam termos sedutores quando se referem a elas. Seriam mais “ambiciosas”, ou mais “avançadas” – quem vai insistir em manter regras “modestas” e “atrasadas”? Mas há um ardil nessa linguagem: esses adjetivos não se aplicam com propriedade às regras, mas aos interesses sociais que as promovem e são por elas beneficiados. Em detrimento de outros interesses, naturalmente, mas sobre isso é melhor não dizer nada.
Os dois programas apresentam tais mudanças como respostas aos imperativos da economia industrial, que se organizaria hoje em cadeias produtivas globais. Nesse contexto, as normas precisariam ser harmonizadas, sob pena de entravar a atividade das firmas.  Quando se abre a caixa preta (o que acontece por vezes, quando o segredo que cerca a negociação desses acordos é quebrado por um bisbilhoteiro mal intencionado qualquer), a desconfiança nos assalta. As regras propostas conferem amplas prerrogativas às corporações multinacionais e limitam severamente os graus de liberdade dos poderes públicos. E quando vemos que países participam das negociações desses acordos, e quem fica fora deles –  nenhum dos BRICS, para início de conversa  — concluímos com facilidade: o que se pretende é a integração subordinada nessas ditas cadeias  –  que funcionariam efetivamente como tais, liames aprisionando os anseios de desenvolvimento econômico e social de nosso país.
Até aqui, os dois programas vão de mãos dadas. Mas em alguns momentos eles se separam (não muito, é verdade). Os documentos da chapa encabeçada por Marina são bem mais incisivos na condenação a governos acusados de violar direitos humanos  – por coincidência, todos eles na lista negra dos Estados Unidos  –, mas não dizem uma palavra sobre as crises humanitárias provocadas pelas intervenções militares da superpotência e seus aliados, ou sobre as violações crônicas que prevalecem em muitos de seus Estados clientes.
E há a denúncia do princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”, que sempre orientou o Brasil nas negociações sobre o clima. Essa noção serviria de escudo para os novos grandes poluidores globais, e o governo a estaria usando para fugir às nossas obrigações como membros solidários da humanidade, ameaçada pelo desastre que ronda o nosso planeta. Imbuído desse espírito generoso, no capítulo dedicado à matéria, o programa de Marina estabelece metas “ambiciosas” para o Brasil em futuro próximo e distante: redução das emissões de CO2 per capital em 70% até 2050. O fato de os Estados Unidos responderem, sozinhos, por cerca de 17 % das emissões globais de carbono, enquanto a contribuição do Brasil não passa de 1,5%, não conta. Somos todos responsáveis, e temos de contribuir igualmente na resolução do problema.
Chegamos, enfim, ao tema da multipolaridade. Como se sabe, o conceito é central na política exterior do Brasil desde o início do governo Lula. Àquela época, o mantra nos estudos em Relações Internacionais era a unipolaridade. No mundo do pós Guerra-Fria haveria apenas uma única hiperpotência, um único pólo. E daí a falar em Império global era um passo  –  que muitos deram celeremente, durante os preparativos da invasão do Iraque, e pouco depois. Como se sabe também, o Brasil se opôs a essa operação militar, pela voz de seu presidente Lula — para grande escândalo dos comentaristas que integram o que poderíamos denominar de “Partido Americano do Brasil”.
Outros tempos, outras palavras. Agora, a fórmula “um mundo multipolar” entrou na moda. Mas entre o significado dela no discurso oficial e no léxico da oposição há uma diferença flagrante. Para o primeiro, ao promover a integração sul-americana o Brasil contribui para a constituição de um pólo a mais no sistema internacional; para o segundo, o sistema tende a assistir à afirmação de outros pólos de poder, mas o Brasil deve continuar gravitando na órbita do mesmo astro de sempre.
Sebastião Velasco,  é professor da Unicamp, especialista em Ciência Política, com ênfase em Economia Política e Relações Internacionais e pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).

Dez novas regras da vida diplomatica - Paulo Roberto de Almeida

E já que estamos falando da carreira diplomática, reproduzo aqui, em versão muito reduzida, o que talvez seja meu texto mais amplamente reproduzido, aqui e ali, nesses mais de dez anos depois que foi elaborado pela primeira vez.
Sempre me pediram para ampliá-lo, o que eu nunca fiz por absoluta falta de tempo.
Sua repostagem aqui, ainda que numa forma muito sintética em relação ao original, deve servir de lembrete para essa ampliação requisitada.
Paulo Roberto de Almeida 

QUINTA-FEIRA, 22 DE DEZEMBRO DE 2005


62) Dez regras modernas de diplomacia


Dez Regras Modernas de Diplomacia
Paulo Roberto de Almeida

Este ensaio breve sobre as novas regras da diplomacia, me foi inspirado pela leitura de um livro de um diplomata português do século XIX: Frederico Francisco de la Figanière: Quatro regras de diplomacia (Lisboa: Livraria Ferreira, 1881, 239 p.). Ao lê-lo, passei a redigir imediatamente algumas regras mais adaptadas ao século XXI. O trabalho foi escrito originalmente entre Chicago (em 22 de julho de 2001) e depois novamente em viagem de São Paulo a Miami e daí a Washington (em 12 de agosto de 2001). Foi publicado originalmente na série “Cousas Diplomáticas” (nº 1), da revista eletrônica Espaço Acadêmico, e espero poder ampliá-lo assim que me for dada oportunidade.

Reflexões rápidas para futuro desenvolvimento...

1. Servir a pátria, mais do que aos governos, conhecer profundamente os interesses permanentes da nação e do povo aos quais serve; ter absolutamente claros quais são os grandes princípios de atuação do país a serviço do qual se encontra.
O diplomata é um agente do Estado e, ainda que ele deva obediência ao governo ao qual serve, deve ter absoluta consciência de que a nação tem interesses mais permanentes e mais fundamentais do que, por vezes, orientações momentâneas de uma determinada administração, que pode estar guiada — mesmo se em política externa isto seja mais raro — por considerações “partidárias” de reduzido escopo nacional. Em resumo, não seja subserviente ao poder político, que, como tudo mais, é passageiro, mas procure inserir uma determinada ação particular no contexto mais geral dos interesses nacionais.

2. Ter domínio total de cada assunto, dedicar-se com afinco ao estudo dos assuntos de que esteja encarregado, aprofundar os temas em pesquisas paralelas.
Esta é uma regra absoluta, que deve ser auto-assumida, obviamente. Numa secretaria de estado ou num posto no exterior, o normal é a divisão do trabalho, o que implica não apenas que você terá o controle dos temas que lhe forem atribuídos, mas que redigirá igualmente as instruções para posições negociais sobre as quais seu conhecimento é normalmente maior do que o do próprio ministro de estado ou o chefe do posto. Mergulhe, pois, nos dossiês, veja antigos maços sobre o assunto (a poeira dos arquivos é extremamente benéfica ao seu desempenho funcional), percorra as estantes da biblioteca para livros históricos e gerais sobre a questão, formule perguntas a quem já se ocupou do tema em conferências negociadoras anteriores, mantenha correspondência particular com seu contraparte no posto (ou na secretaria de estado), enfim, prepare-se como se fosse ser sabatinado no mesmo dia.

3. Adotar uma perspectiva histórica e estrutural de cada tema, situá-lo no contexto próprio, manter independência de julgamento em relação às idéias recebidas e às “verdades reveladas”.
Em diplomacia, raramente uma questão surge do nada, de maneira inopinada. Um tema negocial vem geralmente sendo “amadurecido” há algum tempo, antes de ser inserido formalmente na agenda bilateral ou multilateral. Estude, portanto, todos os antecedentes do assunto em pauta, coloque-o no contexto de sua emergência gradual e no das circunstâncias que presidiram à sua incorporação ao processo negocial, mas tente dar uma perspectiva nova ao tema em questão. Não hesite em contestar os fundamentos da antiga posição negociadora ou duvidar de velhos conceitos e julgamentos (as idées reçues), se você dispuser de novos elementos analíticos para tanto.

4. Empregar as armas da crítica ao considerar posições que devam ser adotadas por sua delegação; praticar um ceticismo sadio sobre prós e contras de determinadas posições; analisar as posições “adversárias”, procurando colocá-las igualmente no contexto de quem as defende.
Ao receber instruções, leia-as com o olho crítico de quem já se dedicou ao estudo da questão e procure colocá-las no contexto negocial efetivo, geralmente mais complexo e matizado do que a definição de posições in abstracto, feita em ambiente destacado do foro processual, sem interação com os demais participantes do jogo diplomático. Considerar os argumentos da parte adversa também contribui para avaliar os fundamentos de sua própria posição, ajudando a revisar conceitos e afinar seu próprio discurso. Uma saudável atitude cética — isto é, sem negativismos inconseqüentes — ajuda na melhoria constante da posição negociadora de sua chancelaria.

5. Dar preferência à substância sobre a forma, ao conteúdo sobre a roupagem, aos interesses econômicos concretos sobre disposições jurídico-abstratas.
Os puristas do direito e os partidários da “razão jurídica” hão de me perdoar a deformação “economicista”, mas os tratados internacionais devem muito pouco aos sacrossantos princípios do direito internacional, e muito mais a considerações econômicas concretas, por vezes de reduzido conteúdo “humanitário”, mas dotadas, ao contrário, de um impacto direto sobre os ganhos imediatos de quem as formula. Como regra geral, não importa quão tortuosa (e torturada) sua linguagem, um acordo internacional representa exatamente — às vezes de forma ambígua — aquilo que as partes lograram inserir em defesa de suas posições e interesses concretos. Portanto, não lamente o estilo “catedral gótica” de um acordo específico, mas assegure-se de que ele contém elementos que contemplem os interesses do país.

6. Afastar ideologias ou interesses político-partidários das considerações relativas à política externa do país.
A política externa tende geralmente a elevar-se acima dos partidos políticos, bem como a rejeitar considerações ideológicas, mas sempre somos afetados por nossas próprias atitudes mentais e algumas “afinidades eletivas” que podem revelar-se numa opção preferencial por um determinado tipo de discurso, “mais engajado”, em lugar de outro, supostamente mais “neutro”. Poucos acreditam no “caráter de classe” da diplomacia, mas eventualmente militantes “classistas” gostariam de ajudar na “inflexão” política ou social de determinadas posições assumidas pelo país internacionalmente, sobretudo quando os temas da agenda envolvem definição de regras que afetam agentes econômicos e expectativas de ganhos relativos para determinados setores de atividade. Deve-se buscar o equilíbrio de posições e uma definição ampla, verdadeiramente nacional, do que seja interesse público relevante.

7. Antecipar ações e reações em um processo negociador, prever caminhos de conciliação e soluções de compromisso, nunca tentar derrotar completamente ou humilhar a parte adversa.
O soldado e o diplomata, como ensinava Raymond Aron, são os dois agentes principais da política externa de um Estado — embora atualmente outras forças sociais, como as ONGs e os homens de negócio, disputem espaço nos mecanismos decisórios burocráticos — mas, à diferença do primeiro, o segundo não está interessado em ocupar território inimigo ou destruir sua capacidade de resistência. Ainda que, em determinadas situações negociais, o interesse relevante do país possa ditar alguma instrução do tipo “vá ao plenário com todas as suas armas (argumentativas) e não faça prisioneiros”, o confronto nunca é o melhor método para lograr vitória num processo negociador complexo. A situação ideal é aquela na qual você “convence” as outras partes negociadoras de que aquela solução favorecida por seu governo é a que melhor contempla os interesses de todos os participantes e na qual as partes saem efetivamente convencidas de que fizeram o melhor negócio, ou pelo menos deram a solução possível ao problema da agenda.

8. Ser eficiente na representação, ser conciso e preciso na informação, ser objetivo na negociação.
Considere-se um agente público que participa de um processo decisório relevante e convença-se de que suas ações terão um impacto decisivo para sua geração e até para a história do país: isto já é um bom começo para dar dignidade à função de representação que você exerce em nome de todos os seus concidadãos. Redija com clareza seus relatórios e seja preciso nas instruções, ainda que dando uma certa latitude ao agente negocial direto; não tente fazer literatura ao redigir um anódino memorandum, ainda que um mot d’esprit aqui e ali sempre ajuda a diminuir a secura burocrática dos expedientes oficiais. Via de regra, estes devem ter um resumo inicial sintetizando o problema e antecipando a solução proposta, um corpo analítico desenvolvendo a questão e expondo os fundamentos da posição que se pretende adotar, e uma finalização contendo os objetivos negociais ou processuais desejados. No foro negociador, não tente esconder seus objetivos sob uma linguagem empolada, mas seja claro e preciso ao expor os dados do problema e ao propor uma solução de compromisso em benefício de todas as partes.

9. Valorize a carreira diplomática sem ser carreirista, seja membro da corporação sem ser corporativista, não torne absolutas as regras hierárquicas, que não podem obstaculizar a defesa de posições bem fundamentadas.
Geralmente se entra na carreira diplomática ostentando certo temor reverencial pelos mais graduados, normalmente tidos como mais “sábios” e mais preparados do que o iniciante. Mas, se você se preparou adequada e intensamente para o exercício de uma profissão que corresponde a seus anseios intelectuais e responde a seu desejo de servir ao país mais do que aos pares, não se deixe intimidar pelas regras da hierarquia e da disciplina, mais próprias do quartel do que de uma chancelaria. Numa reunião de formulação de posições, exponha com firmeza suas opiniões, se elas refletem efetivamente um conhecimento fundamentado do problema em pauta, mesmo se uma “autoridade superior” ostenta uma opinião diversa da sua. Trabalhe com afinco e dedicação, mas não seja carreirista ou corporativista, pois o moderno serviço público não deve aproximar-se dos antigos estamentos de mandarins ou das guildas medievais, com reservas de “espaço burocrático” mais definidas em função de um sistema de “castas” do que do próprio interesse público. A competência no exercício das funções atribuídas deve ser o critério essencial do desempenho no serviço público, não o ativismo em grupos restritos de interesse puramente umbilical.

10. Não faça da diplomacia o foco exclusivo de suas atividades intelectuais e profissionais, pratique alguma outra atividade enriquecedora do espírito ou do físico, não coloque a carreira absolutamente à frente de sua família e dos amigos.
A performance profissional é importante, mas ela não pode ocupar todo o espaço mental do servidor, à exclusão de outras atividades igualmente valorizadas socialmente, seja no esporte, seja no terreno da cultura ou da arte. Uma dedicação acadêmica é a que aparentemente mais se coaduna com a profissão diplomática, mas quiçá isso represente uma deformação pessoal do autor destas linhas. Em todo caso, dedique-se potencialmente a alguma ocupação paralela, ou volte sua mente para um hobby absorvente, de maneira a não ser apenas um “burocrata alienado”, voltado exclusivamente para as lides diplomáticas. Sim, e por mais importante que seja a carreira diplomática para você, não a coloque na frente da família ou de outras pessoas próximas. Muitos se “sentem” sinceramente diplomatas, outros apenas “estão” diplomatas, mas, como no caso de qualquer outra profissão, a diplomacia não pode ser o centro exclusivo de sua vida: os seres humanos, em especial as pessoas da família, são mais importantes do que qualquer profissão ou carreira.


4 COMENTÁRIOS:

Anônimo disse...
Dr Paulo, como mae de uma candidata ao Itamaraty, tenho feito pesquisas sobre livros e metodologias prioritarias de estudo. Seus sites sobre o assunto tem nos ajudado muito na dificil tarefa de selecionar material adequado.Gostaria de parabeniza-lo especialmente pelas 10 regras diplomaticas. Foi reconfortador encontrar um ser humano de calibre, com valores humanos e ético.
Anônimo disse...
Sábios conselhos! Só que talvez eu fizesse do item 10 o primeiro mandamento desse decálogo... Abraço!
Luciane Mirella disse...
Nesse momento estou decidindo enveredar-me definitivamente na luta por uma vaga no instituto Rio Branco e o que mais pesa na decisão é a escolha a fazer entre a vida profissional e pessoal. A vida de diplomata é assim tão instável?
Walace Ferreira - 25 anos disse...
Excepcionais as reflexões acima. Brilhante a colocação final. Complementaria dizendo que sem a família ou o prazer de levantar a cada dia e amar a vida, nenhuma profissão pode fazer sentido ao ser humano. Sobretudo quando se trata de diplomacia, onde mais que ser portador da razão e do conhecimento, esses elementos constituem-se na base para um excelente trabalho. Só um profundo conhecedor da paixão, frutificada e amadurecida no dia-a-dia com as relações sociais, pode servir com afinco e humanidade a sua nação.

Walace Ferreira.


O que faz um diplomata, exatamente? Um texto de meu primeiro blog (2006)

Grato ao Lucas por se vestir de arqueólogo e retirar esse texto meu do pré-cambriano de minha evolução blogueira:

Lucas deixou um novo comentário sobre a sua postagem "153) O que faz um diplomata, exatamente?":
Paulo,
Quero lhe parabenizar e agradecer, não somente por informar sobre a rotina do diplomata brasileiro, mas também pela humildade e atenção em responder os comentários.
Era o tipo de opinião que faltava pra eu me decidir pela carreira.
Postado por Lucas no blog Paulo Roberto de Almeida em quinta-feira, outubro 02, 2014 11:27:00 PM
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Aqui o texto referido:



quarta-feira, 11 de janeiro de 2006


Muito freqüentemente sou solicitado, por interessados na carreira diplomática, geralmente jovens, a pronunciar-me sobre a natureza exata do trabalho diplomático. As dúvidas são muitas e a curiosidade infinita. Ainda assim tento responder a cada um da melhor forma possível, mas novas demandas se repetem, com perguntas usualmente similares. Como exemplo típico desse gênero de questionamento, transcrevo mensagem enviada hoje (11.01.06), que tentarei responder em seguida:
“Ainda falta um pouco para eu me decidir por este caminho (a diplomacia), por isso vim lhe pedir um breve relato de um dia comum seu, em sua profissão. O que é comum encontrar nessa carreira? O que é gratificante? E quais as dificuldades? Não quero incomodá-lo, aliás tenho muito receio disso, mas, ao mesmo tempo, quero me encontrar com a certeza de um futuro inescusável. E como decifrá-lo, se não perguntá-lo? A simples informação de quanto tempo permanece sentado assinando papéis, de quanto de autonomia se tem, dentre outros aspectos congêneres; essas simples informações formam o motivo de minha interpelação.”

Pois bem, sei que existem muitas lendas em torno das atividades de um diplomata, geralmente de natureza turística ou etílica, ou seja, de que passamos o tempo viajando de um lugar para outro, em belas cidades de países desenvolvidos, participando de reuniões sofisticadas e, sobretudo, de coquetéis e recepções, um pouco como se todo mundo ainda vivesse nos tempos das cortes européias, em bailes e outras galanterias... Exagero, claro, mas o pessoal também exagera em torno da quantidade de bebida que é humanamente possível ingerir. Com exceção do Vinicius de Moraes, que vivia de copo de uísque na mão, o diplomata geralmente não bebe, salvo, claro, quando é obrigado...

Sans blague, para descrever um dia típico de um diplomata seria preciso, primeiro, distinguir entre o diplomata na Secretaria de Estado, ou seja, na sua capital, onde ele é miseravelmente remunerado, e aquele destacado para um posto no exterior, numa embaixada permanente, numa missão junto a um organismo internacional, ou em missão temporária, integrando uma delegação em alguma reunião internacional, onde ele ganha um pouco mais, mas onde ele tampouco vive nababescamente, como alguns podem imaginar.

Na Secretaria de Estado, somos perfeitos burocratas, processando informações, geralmente em formato eletrônico – como tudo o mais na vida, nestes tempos de informatização generalizada – mas também em suporte papel, muito papel. Ainda existe um bocado de formulários e memorandos nas burocracias governamentais, mais do que o necessário.
Um diplomata padrão cuida de alguns assuntos, sobre os quais possui, ou pelo menos deveria ter, domínio completo e competência reconhecida. Ele recebe um insumo qualquer – digamos um telegrama, hoje um simples e-mail, de uma embaixada, ou uma demanda de algum outro serviço – e imediatamente transforma esse tema em algum tipo de “instrução”, para a própria Secretaria de Estado, para outros órgãos do Estado ou para a missão no exterior que primeiro suscitou o problema. Essa resposta pode sair imediatamente ou requerer consultas a outras instâncias da Casa – divisões políticas, isto é, geográficas, ou econômicas, jurídicas, administrativas, etc. – ou de fora, algum órgão técnico do governo, por exemplo, ou até mesmo a entidades da chamada “sociedade civil”. Se o assunto é sério o suficiente para requerer uma decisão superior, ele é levado sucessivamente a escalões mais elevados, eventualmente até ao próprio presidente da República, que assume responsabilidade por todas as decisões maiores da política externa oficial, da qual o chanceler (ou ministro de Estado das relações exteriores) é o executor.

O gratificante, para um diplomata, é ver que uma proposta sua, emanada de seu “processamento” diligente, e inteligente, defendendo o que ele considera como sendo o interesse nacional, foi convertida em política de Estado e passa a ser defendida pelos representantes do país nos foros internacionais. As dificuldades, pelo menos no plano “psicológico”, geralmente estão ligadas à incapacidade de a instituição responsável pela política externa chegar a uma posição clara, contemplando esses interesses – mas nem sempre é fácil determinar onde está o interesse nacional –, ou então elas são derivadas do fato de que a melhor posição possível, em determinadas circunstâncias, tem de ser “contornada”, digamos assim, em função de alianças táticas ou de “competição” com outros objetivos, nem sempre muito claros.
Já nem considero aqui as dificuldades de tipo administrativo ou logístico – como a ausência de recursos materiais e humanos suficientes para executar o que se poderia considerar como a melhor diplomacia possível em todas as frentes abertas ao engenho e arte de nosso serviço exterior – ou os obstáculos propriamente “estruturais”, que são a obstrução dos fins pretendidos pelas “nossas” instruções por alguma coalizão mais forte no plano externo ou a insuficiente mobilização de aliados para a nossa causa. Isso faz parte da vida...

O diplomata na capital, ainda que fazendo parte de uma grande burocracia, dispõe de mais margem de ação e de mais autonomia do que o diplomata no posto, que tem necessariamente de seguir as instruções da capital. Mas este último também participa do processo decisório e da elaboração de posições, ao informar corretamente sobre as relações de força, sobre as posições dos demais países, sobre as alianças táticas que estão sendo desenhadas em torno de algum assunto e assim por diante.
Numa embaixada bilateral, que são os postos mais numerosos, as negociações são talvez menos freqüentes, mas aumenta o volume de informações produzidas sobre o país em questão e cresce o esforço de defesa dos interesses brasileiros em temas concretos, como comércio, investimentos, acordos de cooperação, geralmente científica e tecnológica, visitas bilaterais, bem como atividades de promoção cultural.

Coquetéis e recepções constituem parte integral do “balé” diplomático, mas esse tipo de atividade “festiva” geralmente está ligada às comemorações das datas nacionais – e isso dá para preencher quase todos os dias do ano, dependendo da capital e da respectiva rede de embaixadas, mas a freqüentação desse tipo de evento varia muito em função de “quem trabalha com aquele país” – ou então contempla a parte inicial de alguma reunião importante, com a presença de várias delegações. Almoços de trabalho – muito raramente pagos pelo serviço exterior – são mais usuais, ao passo que são mais raras aquelas recepções que nós mesmos organizamos para os colegas que conosco trabalham ou com quem convivemos por dever de ofício. Chefes de missão têm, sim, uma jornada extra, recepcionando ou participando intensamente desses eventos, para os quais se requer boa disposição de espírito, bom humor e o físico em forma...

Resumindo em poucas palavras, o diplomata, em suas diferentes funções ligadas à representação, negociação e informação, passa a maior parte do tempo pesquisando, escrevendo, processando informações, se relacionando com outros diplomatas, colegas e de outros países, bem como com funcionários de diferentes serviços, com o objetivo básico de conceber instruções e depois defender posições que reflitam o interesse nacional de seu país. É uma função, sem dúvida alguma, “nobre” e gratificante, mas também muito exigente e comportando alguma dose de desprendimento, pois por vezes as condições de trabalho, ou as da vida em família, não são as melhores possíveis (em alguns postos “de sacrifício”, por exemplo, ou até mesmo na Secretaria de Estado, onde os salários são baixos e o trabalho excessivo).

No cômputo global, creio que se trata de uma profissão invejável, pela diversidade de situações que ela permite e pelas oportunidades que cria de engrandecimento pessoal, intelectual e profissional. Os interessados em uma opinião pessoal sobre o que eu creio serem, na atualidade, as regras pelas quais deve pautar-se um diplomata, podem consultar meu ensaio preliminar “Dez regras modernas de diplomacia”, no seguinte link:http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/800RegrasDiplom.html; um resumo do mesmo texto, limitado às regras, foi colocado em meu Blog, post nr. 62, neste link:http://paulomre.blogspot.com/2005/12/62-dez-regras-modernas-de-diplomacia.html.
Boa sorte aos que tentam o ingresso na carreira, mas um aviso preliminar: será preciso estudar muito, antes e durante toda a carreira...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 de janeiro de 2006

Eleicoes 2014: tres candidatos que acreditam no Estado - Veja

Artigo

No Brasil, candidatos creem que o Estado tem solução para tudo

Tal como o rei Luís XVI, que encarnava o próprio Estado, quem concorre à presidência, mesmo quando diz o contrário, tem fé excessiva no poder do governo

André Petry
TRÊS GRAÇAS - Da esq. para a dir., Aécio, Marina e Dilma, em pinturas que retratam Luís XIV: olhando de perto, eles até que ficam bem com os paramentos de um rei que se dizia o próprio Estado

TRÊS GRAÇAS - Da esq. para a dir., Aécio, Marina e Dilma, em pinturas que retratam Luís XIV: olhando de perto, eles até que ficam bem com os paramentos de um rei que se dizia o próprio Estado      (Montagem sobre quadros Museu Versalles/Getty Images e Corbis/Latinstock/VEJA)

Em sua última coluna para o jornal O Globo, o escritor baiano João Ubaldo, morto em julho, tratou de uma obsessão brasileira: a ideia de que o Estado é a fonte de todas as soluções, mesmo para aquilo que nem sabíamos que se constituía num problema. Sob o título “O correto uso do papel higiênico”, Ubaldo satirizou a onipotência estatal, que vive criando normas e regulamentos “para nos proteger dos muitos perigos que nos rondam, inclusive nossos próprios hábitos e preferências pessoais”. Agora, na reta final da campanha presidencial, essa obsessão brasileira esteve em plena evidência, com os principais candidatos demonstrando — mesmo quando querem dizer o contrário — sua excessiva fé no poder do Estado e do governo de resolver tudo.

Os candidatos falam como se fossem, eles próprios, a própria encarnação do Estado, mais ou menos como Luís XIV, o rei que cunhou a célebre frase “L’État c’est moi” (O Estado sou eu), para ilustrar seu poder incontrastável na França monárquica. Em julho, numa entrevista à TV, a presidente Dilma Rousseff disse: “Nós vamos manter o emprego, aqui no Brasil, em alta e o desemprego em baixa”. Há duas semanas, também em entrevista à TV, o tucano Aécio Neves, questionado sobre suas políticas para favorecer o crescimento econômico, respondeu assim: “Nossa candidatura é a que permitirá que o Brasil cresça.” Como se vê, os candidatos pensam que o governo cria emprego, que o governo comanda a economia e a faz crescer.

Marina Silva, a candidata do PSB, apresentou ideias que, de início, foram tomadas como propostas para cancelar a tutela estatal sobre os trabalhadores e as indústrias. Disse que, eleita, pretendia “atualizar” as leis trabalhistas, aparentemente ampliando a autonomia de patrões e empregados nos dissídios coletivos. Também prometeu “desmamar” a indústria, sugerindo que a deixaria atuar sem a proteção maternal de incentivos fiscais. Era tudo o contrário do que parecia, como a candidata fez questão de esclarecer. “Desmamar”, na verdade, significa “qualificar melhor” as isenções fiscais, de modo a cobrar uma contrapartida da indústria em favor do governo. E “atualizar” a legislação do trabalho queria dizer “manter os direitos já conquistados e ampliar aqueles que os trabalhadores ainda precisam conquistar”.

Nenhum dos três candidatos, nem mesmo Dilma, que reza pela cartilha do PT, se diz estatista ou estatizante. Nenhum defende a estatização de bancos ou hospitais. Aécio e Marina, sobretudo, apresentam-se como políticos do mercado, da iniciativa privada. Todos, porém, estão sempre vidrados em Brasília, no governo, no Estado, como se daí viessem todas as soluções para o Brasil e seu povo. Contabilizando-se a frequência com que cada candidato, em entrevistas e discursos, pronunciou as palavras “governo” e “mercado”, tem-se uma matemática surpreendente: Aécio, logo Aécio, que se posiciona como o político capaz de acalmar os mercados, falou nada menos que 638 vezes em “governo” e 24 em “mercado”. Dilma, em tese a mais estadocêntrica, falou bem menos em “governo” (150 vezes) e quase o mesmo que Aécio em “mercado” (23 vezes). Marina, outra que se apresenta como amistosa à iniciativa privada, falou 104 vezes em “governo” e só quatro em “mercado”.

A insistência dos candidatos pode parecer apenas receio de perder voto de um eleitorado que equaliza governo com salvação. Mas, por trás desses números, esconde-se uma visão de mundo na qual o Estado é o centro de todas as coisas: cria empregos, move a economia, abraça os pobres, os trabalhadores e os industriais, e protege os cidadãos dos “muitos perigos que nos rondam”. O Estado, claro, é resultado do avanço civilizatório. Apesar da globalização, que enfraqueceu parte de suas funções clássicas, os estados nacionais exercem papéis essenciais nas sociedades democráticas — da proteção aos mais vulneráveis à aplicação de uma política externa. Só não criam um centavo de riqueza, e todo o dinheiro que os governos gastam vem dos impostos pagos por cidadãos produtivos e por empresas que os empregam. Portanto, o Estado está abaixo — e não acima — da sociedade.

Comportando-se como personificação do Estado e fonte de todo o poder, os candidatos reforçam o histórico vício nacional de pedir socorro ao governo — seja para o que for. Marina gosta de denunciar as forças políticas que querem “um pedaço do Estado para chamar de seu”. Em entrevista, Dilma disse que sem os bancos públicos, como Caixa, Banco do Brasil e BNDES, “não saem rodovia, ferrovia, porto, aeroporto. Não sai VLT. Esquece, porque não sai”. É verdade, pois os bancos públicos dão empréstimos para obras de infraestrutura e cobram juros mais acessíveis, mas só é verdade porque queremos que seja assim. Não é um imperativo universal. O conflito entre o individualismo e a sociedade governada nasceu junto com o próprio Estado. Mas a sociedade que não abre o olho acaba tendo um Estado que lhe ensina o correto uso do papel higiênico.

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