Opinião
Dilma nas Nações Unidas: fatos e versões
A proximidade das eleições ensejou, mais uma vez, a associação entre desinformação e má fé por parte de alguns analistas da cena internacional, em especial da política externa brasileira.
No afã de reverter o curso que a política brasileira assumiu nos últimos 12 anos, nossos analistas atacaram os pronunciamentos da Presidenta Dilma Rousseff em Nova York como sendo (1) tentativa de transformar a tribuna da Nações Unidas em palanque eleitoral, (2) recusa de chancelar a proposta de desmatamento zero no Brasil e (3) atitude indulgente vis-à-vis os bárbaros crimes do Estado Islâmico.
Vejamos cada uma dessas afirmações.
A Presidenta, em primeiro lugar, tem claro que a política externa não é apenas um instrumento de projeção do Brasil no mundo, mas um elemento consubstancial de nosso projeto nacional de desenvolvimento.
Os temas "internos" por ela abordados em seu discurso são, assim, questões globais e da maior relevância: o enfrentamento local dos efeitos da crise econômica internacional, o combate à fome e às desigualdades; a defesa e a extensão dos direitos humanos. Todos os Presidentes vinculam aspectos internos e externos ("eleitoreiros", segundo nossos críticos) em seus discursos na Assembleia Geral, na medida em que buscam construir uma apreciação da situação internacional a partir de sua percepção nacional.
Se alguém duvida disso, basta ler o discurso do Presidente Obama na ONU.
Em segundo lugar, a recusa pelo governo brasileiro da proposta de desmatamento zero apresentada por três países e algumas ONGs se explica pelo conflito que tem com a legislação brasileira.
Ela prevê o manejo florestal como mecanismo importante de nossa política ambiental. Os proponentes não aceitaram a tese do "desmatamento ilegal zero". Apenas 28 dos 130 participantes da Cúpula do Clima da ONU se somaram à proposta de desmatamento zero.
O Brasil, apesar de possuir a maior reserva florestal do planeta, não foi convidado a participar da elaboração do texto. As críticas à soberana postura brasileira omitem os grandes resultados obtidos na luta contra o desmatamento (redução de 79% nos últimos 10 anos) e a liderança internacional que o Brasil tem desde que, na COP-15, em Copenhague, apresentou unilateralmente a proposta de redução das emissões de gás de efeito estufa entre 36% e 39% projetadas até 2020.
Finalmente, está a questão da posição brasileira em relação ao terrorismo do EI.
Só a profunda má fé pode atribuir ao discurso da Presidenta da República qualquer indulgência em relação a essa seita, menos ainda a disposição de dissuadir os terroristas pelo "diálogo".
A posição brasileira deixa clara a necessidade de que o uso da força só possa ser exercido quando legitimado por uma decisão do Conselho de Segurança, o que não ocorreu. É o caso da Síria, que, diferentemente do Iraque, não solicitou qualquer intervenção armada.
Tentativas de resolver questões semelhantes à margem do Direito Internacional, além de ilegais, têm sido desastrosas.
Será necessário chamar a atenção para a catastrófica invasão do Iraque, sem autorização do Conselho, e que está na origem do Estado Islâmico? Será necessário mencionar a desestabilização da Líbia e suas implicações no alastramento do terrorismo no Sahel? Será preciso chamar a atenção para o custo que teve, em passado mais remoto, o apoio ao Iraque de Saddam Hussein e aos talebans no Afeganistão?
O Brasil quer o diálogo da (e na) comunidade internacional para enfrentar esses graves problemas. O uso preferencial, unilateral e indiscriminado das armas ou de sanções econômicas tem se revelado inócuo, produzindo resultados opostos àqueles pretendidos. O terrorismo ganha mais força e visibilidade.
A política externa brasileira, que sempre pôs a defesa da soberania nacional e do Direito Internacional no centro de suas preocupações, não pode deixar-se arrastar em aventuras, como aquelas que acabam por reduzir nossa presença no mundo ao alinhamento automático --e muitas vezes desastroso-- com as grandes potências.
A defesa intransigente do interesse nacional se sobrepõe a idiossincrasias ideológicas.
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