Teoria social é uma
expressão que costuma designar um conjunto organizado e sistemático de
proposições sobre o homem e a sociedade, cuja "construção" está
normalmente associada à sociedade industrial que emergiu no Ocidente a
partir da revolução industrial. Desde essa época, duas propostas
globais, que podem ser consideradas mais relevantes em termos de
"filosofia de vida" e de orientação para as políticas públicas, competem
entre si na adesão de intelectuais e homens públicos: o liberalismo e o
marxismo. Vejamos rapidamente a trajetória de cada uma delas.
Enquanto a primeira corrente
não costuma ter muitas variantes – posto que baseada num número
restrito de proposições muito simples, englobando tanto o campo
econômico, como o político –, a segunda conheceu muitas versões desde
sua emergência a partir das obras de Marx e Engels: ela se dividiu logo
no final do século XIX entre sua versão social-democrática (socialista) e
diversas correntes insurrecionais, entre as quais o bolchevismo
leninista, o marxismo gramsciano e o trotsquismo (que por sua vez
conseguiu se fraturar em diversas tribos concorrentes).
O marxismo conheceu
revisionismos de diversos tipos – sendo abandonado como base doutrinal
pelos grandes partidos socialistas do Ocidente – e praticamente
desapareceu no terreno da política concreta, posto que já não existem
mais partidos comunistas influentes na atualidade. Hoje, ele sobrevive
apenas em pequenas seitas inexpressivas e, de forma mais atuante, nas
universidades, especialmente nos cursos de ciências sociais; e, com
muita ênfase, em países capitalistas atrasados (como os da América
Latina, por exemplo, em cujas universidades muitos acadêmicos vivem
ainda naquele estado mental que o jovem Marx chamaria de "alienação").
O liberalismo, por sua vez, é
uma teoria social que quase não encontra seguidores entre os membros da
academia – salvo em alguns redutos de pensamento econômico mais
ortodoxo – e encontra menos seguidores ainda entre os capitalistas, que
muito frequentemente preferem as gordas tetas do estado à livre
concorrência dos mercados. Mas, diversamente do marxismo, o liberalismo
praticamente não conhece revisionismos, apenas algumas variantes que
representam acomodações práticas às condições do mundo moderno,
inevitavelmente burocratizado, com estados geralmente
sobredimensionados, superprotetores e cerceando o liberalismo por um
sem-número de regulamentações, restrições, normas impeditivas das
liberdades humanas e da livre iniciativa.
As razões dessa diferença de
trajetórias, entre a explosão de variantes no marxismo estabelecido e a
unidade fundamental do liberalismo, estão em seus processos respectivos
de constituição e nos condutos institucionais para sua existência
continuada. Enquanto o liberalismo não tem uma paternidade aferida,
sendo mais bem o resultado de um lento processo de sedimentação de
idéias e de concepções sobre o mundo por parte de diversas correntes de
pensamento – tanto na filosofia, propriamente dita, como no mundo do
direito, da economia, da ciência política e das humanidades em geral –, o
marxismo, sim, traz as marcas próprias de seu criador, com todas as
virtudes e defeitos de uma invenção feita para cumprir propósitos
políticos determinados: a revolução social e a transformação do mundo
pelos "engenheiros sociais" encarregados de criar o "homem novo" e a
sociedade comunista. Era inevitável que os fracassos acumulados na
realização das profecias (equivocadas) do demiurgo se traduzissem na
proliferação de seitas e correntes ao longo do tempo.
O marxismo foi, de certa
forma, mais bem sucedido do que o liberalismo durante grande parte do
século XX, não apenas no terreno das idéias, mas também no da conquista
de Estados e na construção de "sociedades socialistas". No auge de sua
primazia ideológica e material, ele dominava praticamente dois terços
das "terras emersas" e boa parte da humanidade, capitaneado
politicamente por dois gigantes da Eurásia – a União Soviética e a China
comunista – e se sobressaía nos establishments acadêmicos de
muitos países do Ocidente. Seu fracasso foi tão rotundo quanto sua
ascensão, tendo ele implodido materialmente um pouco em todas as partes
(tudo o que restou foram dois inexpressivos enclaves nas antípodas do
capitalismo global).
Ainda assim, ele continua a
dominar o cérebro de muitos acadêmicos ao redor do mundo e se compreende
por quê. As propostas do marxismo são inegavelmente sedutoras: fala-se
da superação da miséria, da injustiça, da exploração no mundo, a
redistribuição de riquezas e a garantia de empregos e de habitação para
toda a sociedade, idéias que atraem número significativo de jovens e
outros idealistas. O liberalismo, por sua vez, fundamenta-se no esforço
individual, no trabalho duro para a acumulação de riquezas, na
competição contínua entre os agentes econômicos como condição de sua
sobrevivência no mercado e de seu sucesso futuro, com algumas sequelas
normalmente associadas a esses processos: monopólios de fato em produtos
inovadores, ganhos extraordinários para os bem sucedidos, algumas
desigualdades distributivas e aparente injustiça na exibição de "riqueza
excessiva", ou seja, nada que seja moralmente atraente ou socialmente
"justificável".
E, no entanto, um rápido
exame nos indicadores econômicos de todos os países, ao longo do último
século, e uma simples verificação "visual" sobre como vivem as pessoas
em todos esses países, confirmam que os países mais prósperos e mais
igualitários são também os mais liberais e os menos impregnados de
socialismo marxista. Não deixa de surpreender, assim, a contínua adesão
de acadêmicos ao marxismo, quando este tem tão poucos resultados
positivos a demonstrar e tantos fracassos acumulados, entre os quais os
mais graves são, seguramente, as terríveis experiências ditatoriais e os
campos de concentração existentes nos países que foram levados ao
comunismo.
O marxismo desfruta de muita
publicidade indevida, enquanto o liberalismo quase não tem quem lhe
defenda seus ideais e princípios, inclusive porque, conforme seus
próprios fundamentos, ele é uma doutrina associada aos direitos
individuais e ao exercício do individualismo no plano econômico e da
máxima liberdade pessoal no terreno da política. Não é de seu feitio
mobilizar massas, movimentos, associações, menos ainda manipular
vontades individuais. A persuasão sobre suas vantagens evidentes é bem
mais difícil do que a demagogia sobre o futuro radioso prometido pelo
marxismo. Em última instância, o liberalismo é vencedor, mas o caminho é
mais lento e tortuoso do que as explicações simplistas, mas
equivocadas, do marxismo.
O exercício do livre
arbítrio e a valorização do mérito individual nem sempre são tão
disseminados na sociedade quanto se poderia esperar...
* Publicado originalmente em 26/04/2010.
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