O economista Roberto Ellery fez o que a presidente-candidata mandou: em lugar de comparar o Brasil com o Chile, como tinha aventado, entre outros países, o candidato oposicionista, ela disse que o Brasil precisava ser comparado com "economias maiores", com a da Alemanha, por exemplo.
Indiferente ao absurdo da pretensão -- que só poderia passar na cabeça de quem não entende nada de economia, e muito menos sabe história econômica, ou que jamais consultou estatísticas na vida -- cabe reconhecer que qualquer comparação entre países é válida, mesmo entre os Estados Unidos e a Somália, por exemplo.
Claro, alguém poderia mostrar, numa perspectiva de longo curso, que o diferencial de renda per capita entre os Estados Unidos recém independentes, digamos em 1790, e a então Somália, ou o que estivesse no seu lugar, fosse, chutando, de vinte vezes "apenas". Dois séculos depois, essa diferença deve ser superior a 100 vezes, se não for mais. Tudo bem, vocês podem argumentar, sempre se pode comparar, e descobrir que os EUA avançaram e a Somália estagnou, ou afundou. Coisas da vida.
Mas vamos comparar nosso paísinho que parece grande, com os mesmos EUA, grandões de verdade. Cem anos atrás, nós tinhamos uma renda per capita que não ultrapassava 11% da renda dos americanos, já então o povo mais rico do planeta. Avançamos, aos saltos e tropeços, no decorrer do século XX, mas o máximo que conseguimos fazer foi 25% ou 28% do PIB per capita americano, isso no auge do regime militar, quando tivemos taxas de crescimento chinesas, no início dos anos 1970 (bem, os chineses é que exibem agora as taxas "brasileiras" de quase meio século atrás). Atualmente, devemos nos situar abaixo de 20% da renda americana, o que significa que recuamos, ou então, o que é mais provável, eles avançaram mais do que nós (não tiveram hiperinflações, por exemplo).
Mas, esse tipo de comparação não é a mais significativa: dados brutos, em si, nunca são um indicador satisfatório para o desenvolvimento de um país. Eles podem refletir situações e conjunturas de crescimento -- ou de estagnação, com ou sem inflação, etc. -- mas o desenvolvimento implica em transformações estruturais, com prosperidade social, ou seja, crescimento da renda per capita, certo?
A esse título, a comparação do Brasil com a Alemanha nos deixa muito mal no retrato, a despeito do que pretende a presidente.
Mas, ela também recusou a comparação com o Chile, a pretexto de que o Chile é um pequeno país, com uma economia menor do que a do Rio Grande do Sul, disse ela. Outra bobagem, pois a esse título, a Alemanha também é um "pequeno" país em população e território, comparada com o Brasil, mas faz um PIB, total e per capita, várias vezes superior ao do Brasil, certo?
Mas, por que uma comparação com um "pequeno país" não serviria para esses exercícios de comparação? Só pelo tamanho? Mas isso é uma bobagem monumental. O mundo abriga países grandes, pequenos, médios, gigantes e minúsculos, sem que isso apresente qualquer problema para a prosperidade, ou a miséria, de seu povo. Temos grandes países miseráveis -- a Índia, por exemplo, ou de certo modo ainda a China rural -- e pequenos países riquíssimos, Suíça ou Luxemburgo.
O que importa, na verdade, é a qualidade das políticas econômicas de um país, de qualquer país, que o habilite a alcançar a prosperidade do seu povo, ou estagnar na decadência durante certo tempo, ou muito tempo. Desse ponto de vista, o Chile também dá de 7 a 1 no Brasil, como constata Roberto Ellery em relação à Alemanha, no trabalho que eu transcrevo aqui abaixo. Saindo de uma posição modesta em PIB per capita, o Chile cresceu muito no decorrer dos últimos 25 anos, ultrapassando o Brasil e sendo admitido como membro da OCDE, uma espécie de clube de países ricos, como se diz frequentemente.O Chile, nos anos 1990, foi um tigre asiático numa América Latina estagnada.
Isso porque as políticas econômicas do Chile foram muito mais consistentes do que as nossas durante largo tempo. Política fiscal sólida, inflação baixa, câmbio realista, abertura ao comércio e aos investimentos estrangeiros, poucos subsídios a indústrias. É isso que faz a diferença, e é isso que deve ser comparado.
Se continuarmos com as políticas econômicas da presidente, estaremos condenando o Brasil a ser, não uma Somália, mas talvez uma Índia ou uma China, durante os dois ou três séculos em que esses gigantes estagnaram na competição pelo desenvolvimento econômico e social. O que o Brasil prefere?
E então, vamos comparar desempenhos de países?
Com vocês o texto do Roberto Ellery.
Paulo Roberto de Almeida
Blog do Roberto Ellery, 20/10/2014
Não me agrada comparar Brasil e Alemanha, somos um país
pobre e eles são ricos, isso torna a comparação meio que inócua. Como a maioria
dos que trabalham com crescimento econômico creio que comparações entre países
só podem ser feitas quando o PIB per capita tem alguma proximidade, seja quando
da comparação seja em um passado não tão distante. Mas como a presidente mandou
comparar Brasil com a Alemanha no último debate e eu sou um súdito
cidadão obediente farei a comparação.
No formato de nações independentes que conhecemos hoje o Brasil
nasceu em 1822 quando D. Pedro I proclamou nossa independência de Portugal e a Alemanha
nasceu em 1871 quando o Chanceler Oto von Bismark liderou a unificação alemã.
Somos portanto uns cinquenta anos mais velhos que eles. Enquanto tivemos uma
história relativamente pacífica com algumas revoltas internas (destaque para a
Revolução Farroupilha e a Guerra de Canudos) e uma guerra em nossas fronteiras
(Guerra do Paraguai) os alemães foram protagonistas das duas Guerras Mundiais
que ocorreram no século XX. Na primeira saíram com a economia destruída, na
segunda tiveram o país fisicamente destruído, para piorar após a II Grande Guerra
foram divididos em áreas de influência das potências vencedores e assim ficaram
até 1989 quando a Alemanha se reunificou. Não apenas somos mais velhos como
desfrutamos de um maior período de paz e não tivemos territórios ocupados por
potências estrangeiras.
Mesmo assim somos muito mais pobres que os alemães. Se compararmos
o PIB per capita da Alemanha com o do Brasil a diferença é gritante, de acordo
com os dados do FMI corrigidos por poder de compra o PIB per capita da Alemanha
em 2013 foi de 43.475 dólares internacionais, de acordo com o Banco Mundial foi
de 43.332 dólares internacionais, a diferença é explicada por métodos
diferentes de ajuste do poder de compra. Para os que não são da área ajuste
pelo poder de compra é uma forma de comparar valores em países onde os preços
internos são diferentes. No Brasil o PIB per capita foi de 14.987 dólares
internacionais pelo FMI e 15,034 pelo Banco Mundial, ou seja, ajustado pelos
preços internos, o alemão médio umas três vezes mais que o brasileiro médio. Se
não fizermos o ajuste pelo poder de compra o PIB per capita da Alemanha em 2013
foi US$ 45.085 e o do Brasil foi US$ 11.208 (dados do Banco Mundial), por esse
critério os alemães são quatro vezes mais ricos que os brasileiros.
A comparação da renda per capita ficou ruim para o Brasil. Devo
dizer que a comparação pode ser injusta com as intenções da presidente afinal
PIB per capita não é construído em um governo, depende de toda uma história. É mais
provável que a presidente queria saber como cada país cresceu durante o governo
dela. Antes de passar aos números faço um alerta. Existem bons motivos para um
país pobre (vá lá classe média baixa) como o Brasil crescer mais do que um país
rico como a Alemanha. Quem trabalha com modelos neoclássicos imediatamente
pensa em rendimentos decrescentes, quem prefere os modelos de crescimento
endógeno pode pensar em oportunidades de inovação. Um país rico para crescer
precisa descobrir e adotar novas tecnologias, um país em desenvolvimento (ficou
melhor que pobre ou classe média baixa) como o Brasil pode apenas adaptar e/ou adotar
tecnologias já existentes. Passemos aos números.
Para evitar problemas com correção por paridade de poder de
compra calculei a taxa de crescimento a partir do PIB per capita em valores
constates da moeda local de cada país conforme calculado pelo FMI. No período
entre 2011 e 2014 o único ano em que o PIB per capita do Brasil cresceu mais
que o da Alemanha foi em 2013, no acumulado do período o PIB per capita do
Brasil cresceu 2,87% e o da Alemanha cresceu 7,41%. A conclusão é que não
apenas os alemães são mais ricos que os brasileiros como ficaram ainda mais
ricos durante o período em que Dilma governou o Brasil. A figura acima mostra
o crescimento do PIB per capita em cada ano e no acumulado do período para os
dois países.
Outra variável que está sempre no debate econômico é a
inflação. Nesse quesito também nos saímos pior que os alemães. Em todos os anos
nossa inflação foi maior que a deles, a média das inflações para o Brasil foi
de 6,12%, para a Alemanha foi de 1,61%, a maior inflação que tivemos no período
foi de 6,5% em 2011, a maior deles foi de 2,28% também em 2011, no acumulado
nossa inflação entre 2011 e 2014 foi de 26,84% e a deles foi de 6,6%. A figura
ao lado mostra a inflação dos dois países em cada ano e no acumulado, a
diferença é gritante. Se no caso do crescimento podemos apelar para
transformações de poder de compra para salvar o resultado aqui não tem discussão:
nossa inflação é muito maior que a deles.
Deixemos de falar de inflação e de crescimento, isso é coisa
de economista, de acordo com a sabedoria econômica oficial o que importa mesmo
é o emprego. Falemos então de emprego, mas antes cabe uma ressalva: um
desempregado na Alemanha tem renda maior que um orgulhoso membro da classe
média brasileira conforme a definição do governo. Existem duas modalidades de
seguro desemprego na Alemanha (link
aqui). O primeiro tipo de benefício corresponde a 60%
do salário de referência (€ 5.600 em 2013) podendo chegar a 67% se o
beneficiário tiver filhos menores de 18 anos, esse benefício é pago por um
período de 90 a 360 dias a depender do tempo que a pessoa ficou no último
emprego. O segundo tipo de benefício é de € 350 por mês e é destinado a que
ultrapassa o tempo de recebimento do primeiro benefício ou que não tem renda
suficiente, os que recebem esse benefício são obrigados a participar de
programas de treinamento. Tomando os 60% do salário de referências os beneficiários
do primeiro tipo recebem pelo câmbio de hoje (3,15) o equivalente a R$ 10.584,
ou seja, pelos critérios do nosso governo seria um sujeito rico no Brasil. Os beneficiários
do segundo tipo de benefício recebem o equivalente a R$ 1.102,50 por mês, pelos
critérios do governo seria de classe média no Brasil. É claro que comparar
desemprego em condições tão diferentes quanto as vigentes no Brasil e na
Alemanha é um exercício de pouca utilidade, mas não fui quem inventei de
comparar Brasil com Alemanha, pelo contrário, avisei que não era uma boa ideia.
Feitas as ressalvas passemos para os números. De acordo com o Banco Mundial
(link
aqui) a taxa de desemprego no Brasil em 2012 era de 6,9%, na Alemanha era
de 5,4%. Não me dei por satisfeito e fui procurar números mais recentes
(bendita Wikipedia, link
aqui). Achei que em novembro de 2013 a taxa de
desemprego no Brasil era de 5,4%, em fevereiro de 2014 a taxa de desemprego na
Alemanha era de 5,1%. Mais uma vez a Alemanha se saiu melhor que o Brasil, e
olha que nem usei os números da PNAD ampliada...
Estava decidido a não terminar o posto sem que o Brasil
ganhasse em algum critério, não que o Brasil saísse de minha comparação pior do
que a seleção se saiu no confronto com os alemães. Pensei que pelo menos nosso
futuro poderia ser mais promissor que o deles e fui olhar a taxa de
investimento nos dois países. A figura à direita mostra a comparação. Começamos
na frente, em 2011 nossa taxa de investimento ficou de 19,73% contra míseros
18,51%, mantemos a dianteira nos anos seguintes, mas não teve jeito, após
quatro anos de governo Dilma os alemães nos ultrapassaram também nesse quesito,
ver figura à direita. A nação rica que está cuidando mais do futuro do que a
nação pobre, talvez não por acaso que eles sejam mais ricos.
Me incomodei com a
hipótese que os ricos alemães estejam mais preocupados com o futuro do que os
brasileiros, não pode ser, pensei eu, desesperado peguei um daqueles livros do
MEC para
doutrinar ensinar nossos jovens para ver achava uma resposta.
Achei! Alemães são malvados e constroem seu futuro com o sacrifício dos outros
povos, passei a pensar como achar uma variável para confirmar a tese do livro
do MEC que a esta altura era meu fio de esperança. Resolvi olhar a taxa de
poupança, certamente os alemães financiam seus investimentos com dinheiro que
pegam no resto do mundo enquanto nó temos que usar nossa poupança para
financiar nosso investimento e ainda mandar dinheiro para financiar os alemães.
Infelizmente os dados de poupança não confirmam a tese do livro do MEC, não
apenas os alemães poupam mais do que nós, ver figura acima, como ainda
poupam mais do que investem. Na realidade somos nós que pegamos dinheiro do
resto do mundo para financiar nosso investimento, em todos os anos investimento
mais do que poupamos. Malditos brasileiros malvados que expropriam os alemães!
Joguei a toalha. A comparação estava me deixando deprimido.
Somos mais velhos (0x1), tivemos mais tempo de paz como nação
independente
(0x2), eles são muito mais ricos (0x3), eles cresceram mais (0x4), eles
têm
menos inflação (0x5), a taxa de desemprego deles é menor (0x6), nós
investimos
menos (0x7) e eles poupam mais (0x8). Decidido a não tomar um vexame
maior que
a canarinho apelei ao STJD, voltei aos dados do FMI e peguei a taxa de
crescimento do PIB real conforme calculada pelo FMI, entre 2011 e 2014
nós
crescemos 6,7% e eles cresceram 6,35%, tudo bem que em 2014 eles devem
crescer
mais de quatro vezes o que vamos crescer, mas quem se importa? Arranquei
um
ponto deles para nós, igualei a seleção nos 7x1. Não vou dizer que estou
satisfeito, mas resolvi parar, vai que eles se invocam e fazem mais
um...
Postado por
Roberto Ellery
às
19:12
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