Um texto que já havia sido postado
aqui, antes do primeiro turno, mas que é ainda apropriado para o segundo turno.
O que está em jogo nestas
eleições:
Reflexões de circunstância e
de alguma constância
Paulo Roberto de Almeida
Eleições, todas elas, são,
majoritariamente, um retrato instantâneo da realidade em que se vive, e, num
segundo plano, mas de forma inconsciente ou minimizada, uma projeção utópica do
futuro que se deseja. Ou seja, se espera que políticos – mandatários ou
representantes do povo – possam fazer pelos seus eleitores aquilo que
gostaríamos que eles fizessem por nós, todos nós. Trata-se, portanto, de um
reflexo da conjuntura em que se vive e de uma esperança depositada num cenário
prospectivo, que se imagina ser melhor do que o atual.
Os militantes da causa, e
os true believers (existe certa
identidade entre as duas categorias), votam pelos chefes, pelas palavras de
ordem que lhes são passadas e que eles incutem como obrigação pessoal,
quaisquer que sejam a dita conjuntura e os cenários prospectivos que eles
possam traçar individualmente: eles são obedientes e determinados, mas também
são poucos, no conjunto dos eleitores e sozinhos não poderiam determinar um
resultado eleitoral, a não ser marginalmente, ou em circunstâncias
excepcionais. Na maior parte das vezes, eleições são o resultado da expressão
majoritária de eleitores comuns, cidadãos trabalhadores, pessoas simples, que
sempre fazem algum tipo de cálculo quanto à melhor representação de seus
interesses.
Eleitores, em geral, mesmo
os mais ignorantes e deseducados politicamente, votam de acordo com os seus
interesses materiais, não de acordo com crenças abstratas, salvo aquela minoria
de militantes disciplinados e de true
believers, já mencionados.
A massa dos eleitores
brasileiros é constituída por pessoas da baixa classe média e dos chamados
estratos populares, ou seja, pessoas e famílias com renda não superior a 2,5
salários mínimos, que compram quase tudo pelo famoso sistema dos “dez vezes sem
juros”, e que possuem uma educação elementar, talvez rústica, para empregar uma
palavra neutra. Muitos integram aqueles analfabetos funcionais de que falam
algumas pesquisas sobre a capacidade de leitura e compreensão (mínimas) de
grande parte da população adulta (talvez mais de um terço). Mesmo os que
completaram mais de um ciclo de estudos, não internalizaram de verdade sua
educação formal, e retiram a maior parte de sua percepção do mundo dos meios
audiovisuais de comunicação e de informação, que são os canais abertos de
massa, rádios populares e, crescentemente, a internet. Todos eles possuem
celulares, mesmo camponeses e garis de rua, e todos eles possuem uma
compreensão razoável do que seja um político: um sujeito que está ali para
tirar vantagens pessoais a cada quatro anos, mas que pode, eventualmente, trazer
algum benefício ao eleitor e à sua família, geralmente um emprego no Estado, o
asfalto, a iluminação pública, a saúde, a segurança.
Eleições são momentos de
acordos tácitos entre os candidatos e os eleitores, os primeiros mentindo
desbragadamente, os segundos fingindo que acreditam, mas esperando tirar mais
vantagens do candidato A do que do candidato B.
As eleições brasileiras de
2014 não serão diferentes na forma e nas modalidades de suas predecessoras, com
a distinção atual de que o partido hegemônico construiu uma formidável máquina
eleitoral – graças ao uso indiscriminado e inescrupuloso de recursos públicos,
legal e ilegalmente – e faz absoluta questão de continuar mantendo controle
sobre o poder, de uma forma ou de outra (e provavelmente mais de outra do que
de uma). Sendo um partido true believer,
mas especificamente neobolchevique e não religioso – ou religioso à sua maneira
–, ele acha que encarna os interesses populares, e que é o único capaz de
transformar o Brasil à sua imagem e semelhança. O que seria isso?: idealmente,
uma sociedade igualitária, voltada para a promoção social e a inclusão dos mais
pobres na sociedade de consumo, junto com a limitação do que ele percebe serem
as perversidades econômicas e as iniquidades sociais naturalmente vinculadas ao
capitalismo. Eles acreditam sinceramente nisso, mas apenas os militantes da
causa, e esta é a sua legitimação política aos olhos de seus eleitores
potenciais.
Na prática, e de forma
muito diferente da imagem idealizada, os oligarcas que dominam o partido, com a
ajuda de apparatchiks profissionais – exatamente segundo o modelo bolchevique –
constituem uma associação voltada exclusivamente aos seus interesses pessoais,
e que não hesitam, e sobretudo não hesitarão, em usar quaisquer meios
disponíveis para preservar e aumentar esse poder de que dispõem atualmente.
Nesse sentido, eles correspondem etimologicamente ao que se poderia chamar de
máfia, ou seja, uma entidade inescrupulosa voltada para a defesa exclusiva dos
interesses dos oligarcas que a compõem, e para a expansão de sua riqueza e
poder, de todos os tipos.
De fato, seu comportamento
é o de uma máfia, mas que atua não exclusivamente pelo segredo e na clandestinidade,
escondendo os seus crimes (o que eles também fazem, sem nenhuma hesitação). Como
partido político, que é sua face mais visível, eles também atuam de forma
aberta – embora não desprezem os meios ilegais quando necessário, e em outras
circunstâncias também – e têm a missão de conquistar seus devotos mais fiéis,
como uma igreja de true believers,
enfim. Aparentemente, ele foram bem sucedidos, pois conseguiram criar um
formidável curral eleitoral que responde pelo nome de Bolsa Família. É isso que
torna estas eleições diferentes das precedentes.
O que está em jogo,
portanto, nestas eleições, é a continuidade da máfia no poder, ou uma
alternância eleitoral, o que se afigura difícil. A pequena educação política da
população brasileira parece indicar que a máfia será bem sucedida em seu
projeto de continuidade do poder. É isto que está em jogo em outubro de 2014.
Paulo Roberto de Almeida
Toronto, 21 de setembro de 2014
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