O efeito Truman é aquele que aparece aqui nesta famosa foto. Nunca antes na história do império, um jornal tinha dado tamanha "barriga". Que eu conheça, pelo menos.
Inspirado no infeliz jornal de Chicago, resolvi abrir espaço para uma barriga no meu blog.
Mas, leiam com atenção esta análise do economista Sérgio Almeida (não é meu parente, deve ser da USP, mas não tenho certeza).
Espero que essa mágica econômica funcione...
Não é por acaso que as democracias representativas são formas dominantes de governo. Participar de forma direta -- e minimamente decente -- do processo de formulação e voto de políticas públicas e leis em geral demandaria muito tempo de nossas curtas vidas: tempo direto, gasto nos ritos processuais envolvidos em cada uma dessas etapas e tempo indireto, gasto na aquisição das competências e expertisepara avaliar e votar de forma informada na variedade de assuntos -- de defesa nacional à regulação econômica -- de que consistem a administração de qualquer sociedade.
Um subproduto, talvez indesejável, dessas formas indiretas de governança é a existência de apatia e pouco engajamento ao processo político por parte de grandes frações do eleitorado. Muitos eleitores simplesmente não conseguem expressar mais do que indiferença aos candidatos na disputa eleitoral.
É razoável acreditar que dessa indiferença surge o fenômeno do "eleitor swing" (swing voter). O "eleitor swing" é o eleitor "independente", o indivíduo sem forte identificação ideológico-partidária, que pode votar em virtualmente qualquer partido. Mais importantemente, é o eleitor que permanece indeciso ao longo de quase toda a campanha, decidindo seu voto nos últimos instantes da campanha eleitoral.
Partidos e analistas políticos sabem, já há algum tempo, que ganhar o coração e mente desse tipo de eleitor é absolutamente crucial para o resultado da campanha. Foram esses eleitores, por exemplo, que deram uma inesperada vitória para Truman (partido democrático) nas eleições presidenciais americanas de 1948 -- inesperada porque Harry Truman venceu com mais de 15 pontos percentuais de vantagem para o segundo colocado quando as pesquisas de intenção de voto, até os últimos momentos da campanha, apontavam para uma apertada disputa entre ele o candidato do partido republicano, o então governador do estado de Nova York, Thomas Dewey. A vitória foi tão inesperada que até um jornal de Chicago se adiantou aos resultados das urnas, antecipando uma vitória que não aconteceu.
A Eleição Presidencial no Brasil
Essa indiferença e apatia -- com correspondente efeito no número de eleitores "swing" -- é um fator psicológico crucial para prever o resultado de uma eleição. A razão é simples: eleitores indecisos sempre são uma fração significativa dos votantes. Faltando apenas um mês para as eleições, pesquisas de opinião indicavam que 7% dos eleitores ainda estavam indecisos (ver exemplo
aqui).
É verdade que isso não aparece muito. Mas se considerarmos que os votos brancos e nulos e até mesmo as abstenções, são todos -- ao menos em alguma medida -- expressão dessa apatia com o processo eleitoral, temos aí um "pool" de eleitores "swing" de magnitude impressionante. No primeiro turno dessa eleição presidencial, por exemplo, nada mais do que cerca de 29% dos eleitores se abstiveram (19,40%), votaram em branco (3,85%) ou votaram nulo (5,78%). Fosse um candidato, esse "frankstein da apatia e da indecisão" teria sido o terceiro candidato mais votado.
Quem ganhará o segundo turno?
Como as pesquisas de opinião apontam para um empate técnico entre Aécio e Dilma, não parece um exercício complicado de lógica concluir que o que estou chamando -- com alguma "liberdade poética", é verdade -- de eleitor "swing" será o agente decisório dessas eleições presidenciais. Prever o resultado desse próximo domingo reduz-se, portanto, a entender o seguinte: como decidirá esse eleitor "swing"?
O que aprendi nas incursões que faço na literatura de psicologia social me inclina a acreditar que o vencedor dessa eleição será o candidato do PSDB, Aécio Neves. Três fatores contribuirão para isso:
O efeito "underdog"
O primeiro é o "efeito underdog". O efeito "underdog" é um fenômeno típico de competições -- eleitorais mas não só -- onde os indivíduos, ao perceberem que um dado candidato é o provável vencedor, tendem a dar apoio ao candidato que espera-se perder -- esse tipo de fenômeno seria explicado por uma espécie de "desejo de ser influente".
Há uma literatura empírica sobre o assunto, que foi tratado de forma seminal (ver artigo
aqui) por Herbert Simon -- um dos economistas/cientista políticos mais brilhantes de sua geração com contribuições em mais de meia dúzia de áreas, da psicologia, passando pela economia, até à computação (Simon ganhou o chamado "Prêmio Nobel em Economia" em 1978).
Pois bem. O fato é que Aécio foi praticamente "written off" da corrida presidencial, tendo sido preterido -- os surveys de intenção de voto sugeriam -- por Marina Silva para ser o adversário de Dilma Roussef no segundo turno. Aécio deu uma "virada" -- seu "vote share" acabou sendo muito maior do que as pesquisas de boca de urna sugeriram -- e se posiciona nas últimas pesquisas divulgadas em empate técnico com a incumbente Dilma Roussef. Muitos desses eleitores indecisos e indiferentes tenderão a votar no "underdog", em Aécio, pelo simples fato -- abominável como soe -- de que ser responsável por um dos maiores "upsets" na história das eleições brasileiras será muito mais prazeroso.
O efeito "pivotal illusion"
O segundo é o que chamarei de "ilusão pivotal". Ser pivotal em um processo decisório significa simplesmente ser de importância crucial -- no caso, ser um eleitor que "influencia" o resultado da eleição. É claro que ser pivotal é impossível: como qualquer modelo econômico de "eleitor racional" nos dirá, votar é (em certo sentido) irrelevante, dado que o voto individual tem probabilidade praticamente nula de influenciar o resultado final da eleição.
Mas nosso comportamento é frequentemente baseado em crenças e percepções. E a disputa apertada entre os dois candidatos ajuda a criar a percepção de que "cada voto contará", dando origem a ilusão de que será um eleitor "pivotal". Mas por que a existência dessa ilusão favorece ao candidato do PSDB? Explico.
Pouco mais de 27 milhões não compareceram às urnas. Muitos dentro desse contingente não comparecerão mesmo: são eleitores que faleceram mas ainda estão com seus títulos ativos. Mas a vasta maioria desses eleitores são de indivíduos que, a um custo
c,
poderiam votar na eleição deste domingo. São eleitores que estarão fora de seus domicílios eleitorais -- -- esse
c seria portanto, essencialmente, o custo de deslocamento. É claro que a distribuição desse custo é heterogênea -- para alguns significaria ir da capital para o interior; para outros, viajar do Sul/Sudeste para o Centro-Norte/Nordeste (ou vice-versa). Mas minha hipótese é que, ainda que os votos desses eleitores ausentes (e sujeitos à "ilusão pivotal") se distribuam uniformemente entre Aécio e Dilma, são os eleitores do primeiro que tenderão a aparecer em maior proporção nesse segundo turno. A razão é simples: internalizar o custo de deslocamento será proporcionalmente mais fácil para o eleitor típico do candidato do PSDB -- veja que não se trata aqui de repetir a besteira que só pobres/só ricos votam num e noutro, mas apenas notar que as pesquisas mostram que os indivíduos de maior renda estão proporcionalmente mais inclinados a votar no candidato da oposição. Em suma: a "ilusão pivotal" diminuirá o número de abstenções e a maior fatia desses votos, por questões econômicas, irá para Aécio -- uma adição que será crucial para o resultado da eleição.
Uma ilustração desse ponto são os dados na tabela logo abaixo. Eles mostram a votação de Aécio e Dilma no primeiro turno entre os eleitores que votaram em trânsito.
O efeito "networked bandwagon"
O terceiro é o que chamarei de "networked bandwagon effect" -- uma espécie de "todos pulando no mesmo carro/onda". Comecemos observando o seguinte: povoamos nossas redes sociais de pessoas semelhantes a nós mesmos em muitas dimensões. É razoável admitir, portanto, que os sujeitos genuinamente indecisos estão também cercados de indivíduos indecisos. Ou seja: o eleitor indeciso está numa "network" de eleitores indecisos. Uma vez que um ou mais indivíduos (os "nós" da rede) dessa rede comecem a decidir seu voto, esses eleitores tenderão a "contaminar" outros eleitores indecisos em sua rede (que "pularão na onda"). É claro que a força e magnitude desse efeito depende (1) do momento em que essa decisão é feita (se for feita no último segundo, seu efeito é nulo) e (2) da "topologia" dessa rede -- quantos mais links cruzados, maior e mais rápido tende a ser esse efeito (em oposição à uma rede "flat" onde cada indivíduo tem poucas conexões).
Obviamente que a estrutura em rede de conexões sociais pode favorecer qualquer dos dois candidatos dependendo da opção dos primeiros "nós" a mudarem de status (de "indeciso" para "decidido"). Mas meu argumento é que os dois efeitos acima contribuiriam para que esse voto fosse em favor do candidato do PSDB, de modo que as redes de indecisos fizessem um "swing" majoritariamente em favor dele.
É a presença desses três efeitos -- mais salientes em eleições "mais disputadas" como essa -- que torna difícil a tarefa dos institutos de pesquisa de prever corretamente os resultados.
Conclusão
Aécio vencerá (salvo alguma declaração -- verbal ou não -- desastrada no próximo debate).
Nenhum comentário:
Postar um comentário