Não custa imaginar...
Paulo Roberto de Almeida
[20/01/2011]
Brasileiras
e brasileiros,
Estou
desde o dia 2 de janeiro no comando efetivo do país e esta é a primeira vez que
eu tenho a honra e a oportunidade de me dirigir diretamente a vocês. Meu
discurso de vitória, no dia 31 de outubro de 2010, e o de investidura no cargo,
no Congresso Nacional, em 1o. de janeiro de 2011, trouxeram a vocês
o que eu poderia dizer, respeitando as formalidades dessas ocasiões
cerimoniosas, numa linguagem politicamente correta, feita com base em subsídios
preparados por meus assessores de campanha. Agora pretendo ser menos
cerimoniosa, dirigindo-me diretamente a vocês, neste primeiro pronunciamento
público, que pretendo seja o mais franco e aberto possível. Em primeiro lugar,
vou pedir para cessar essa “coisa” de me chamar de presidenta: meu feminismo
não chega a esse ridículo de feminizar todos os cargos existentes na Nação;
daqui a pouco, algum assessor subserviente vai querer me chamar de chefa de
Estado, de governanta, ou de coisas piores...
Brasileiras
e brasileiros, ou vice-versa,
Desejo
falar a vocês, de coração aberto, sobre os problemas do Brasil; quero propor,
com a franqueza e a sinceridade possíveis, algumas soluções que antevejo aos
nossos mais angustiantes problemas, falar das dificuldades que o Brasil
enfrenta como resultado de várias heranças malditas, e não apenas daquelas
normalmente apontadas com alguma má fé e muita enganação. Vou transmitir meus
sentimentos, partilhar com vocês minha percepção dos problemas e antecipar
algumas linhas gerais dos caminhos que pretendo trilhar para construirmos um
Brasil melhor e mais solidário.
Para
isso vou precisar da compreensão, da participação e da colaboração de todos os
brasileiros e brasileiras, além e acima dos partidos e líderes políticos com
que conta nosso sistema representativo, certamente não o melhor possível, mas o
que nos foi possível construir ao longo das últimas três décadas de
consolidação democrática. Nas iniciativas mais relevantes espero contar, isso é
óbvio, com o apoio do Congresso, na missão indispensável de fazer passar as
reformas indispensáveis ao progresso da Nação e à prosperidade de seus
cidadãos. Pois bem, vamos ao que interessa sem mais delongas.
Brasileiros
e brasileiras, em qualquer ordem,
Todo
nós, mesmo os da oposição, somos capazes de reconhecer, sinceramente, que a
vida melhorou sensivelmente para a maior parte dos brasileiros, sobretudo os
mais humildes, nos últimos oito anos. Mas muito ainda resta a ser feito para
que essas melhorias se transformem em prosperidade permanente para o povo, e
não sejam apenas um alívio temporário derivado do crescimento econômico
mundial, das transferências governamentais, a exemplo do Bolsa-Família, e dos
aumentos reais do salário mínimo ou do crédito ao consumidor. Todos esses
mecanismos possuem limites materiais, nos quadros de uma economia “normal”,
isto é, não inflacionária, caso no qual essas conquistas se dariam um preço
insuportável sobre os mais pobres, sob a forma de erosão do poder de compra ou
de mais impostos um pouco adiante.
Todos
sabem reconhecer, também, que muito ainda resta a ser feito nos terrenos da
saúde, da infraestrutura, do saneamento básico, da educação e da segurança
cidadã, sem mencionar os problemas da corrupção, sempre presente, e da criação
de um bom ambiente de negócios, sem o qual nossos empresários não poderão
produzir para os nossos cidadãos e competir num mundo globalizado como o de
hoje.
Todos
sabem, igualmente, que eu me comprometi, formalmente, com a erradicação da
pobreza no Brasil. Sei que é uma promessa exagerada, e talvez eu devesse ter
proposto a eliminação da miséria extrema, ou uma redução significativa da
pobreza, que são objetivos mais razoáveis. Enfim, seja qual for o resultado
final, vou me engajar resolutamente na tarefa, mesmo reconhecendo que se trata
de um objetivo ambicioso demais, mesmo em quatro anos de mandato.
Sei
que o Estado brasileiro, por maior que seja – e ele já é “muuuiuto” grande,
reconheço – não é capaz, sozinho, de realizar essa tarefa grandiosa, que deve
envolver toda a sociedade, a começar pelos empresários. Sendo assim, talvez
fosse melhor deixar a sociedade resolver o problema por ela mesma, e isso por
uma razão muito simples: se o Estado tiver de coletar os recursos na sociedade
para tal tarefa – e todos vocês sabem que o Estado não produz rigorosamente
nada – ele sempre vai cobrar um pedágio na entrada e na saída do dinheiro para
resolver o problema da pobreza, pois esse é o preço da burocracia estatal. Bem
melhor, nesse caso, deixar todo o dinheiro com a sociedade, com os próprios
indivíduos e as famílias, para que eles descubram as melhores formas de
gastá-lo, eventualmente pela realização de novos investimentos produtivos, que
criam empregos, renda e riqueza. Essa é a minha visão do mundo.
Infelizmente
– e nisso eu sou obrigada a discordar da maior parte de meus colegas de partido
– ainda não inventaram nada melhor do que a livre iniciativa e a economia dos
mercados livres para criar prosperidade social. Isso não é uma opinião: basta
vocês olharem o mundo para constatar que as sociedades mais livres são também
as mais ricas; essa lição eu aprendi, depois de muitos percalços na vida.
Por
isso, e para isso, estou disposta a liberar as energias criativas dos
brasileiros, dos empreendedores, dos investidores nacionais e estrangeiros,
facilitando ao máximo seus negócios, e taxando ao mínimo seus fatores
produtivos, assim como seus ganhos, que são a justa remuneração pelos riscos
incorridos em suas atividades. A reforma tributária que eu pretendo implementar
vai reduzir na máxima extensão possível o peso sobre o emprego – ou seja, sobre
o trabalho – e sobre a renda, inclusive o lucro dos empresários, que deve
transformar-se em novos investimentos. A tributação deve incidir sobretudo
sobre o consumo, de preferência o chamado consumo conspícuo, não o consumo dos
mais pobres, ainda que mais numerosos.
Em
linha com essa intenção, caras brasileiras e brasileiros, pretendo operar uma
redução drástica da máquina do Estado. Com um gabinete composto de 37 ou 40
ministros, secretários de Estado e assessores diretos, mesmo que eu quisesse
seria impossível despachar com cada um dos titulares dos tentaculares serviços
da administração federal central, mesmo que eu recebesse cada um deles
continuamente ao longo de uma semana inteira. Como eu pretendo seguir o
trabalho de meus ministros com a atenção que eles merecem, vou reduzir o número
de ministérios ao total concebido originalmente para a Esplanada dos
Ministérios: não mais do que duas dezenas, de preferência menos do que isso.
Esperem novidades nessa frente.
Aliás,
vou começar imediatamente, suprimindo o ministério da propaganda, também
conhecido como Secretaria de Comunicação de Governo. Nenhum governo sensato e
responsável necessita fazer propaganda; tampouco é preciso de um ministério
inteiro para se comunicar com a sociedade: para isso, o governo já tem
porta-voz. Quanto ao resto, ou seja, os ministérios que sobrarem, incluindo a
presidência da República, não há o que se preocupar: basta disponibilizar as informações
relevantes que tiverem, que a imprensa séria, aquela que não precisa de gorjeta
para existir ou se comunicar com a sociedade, divulgará gratuitamente, na exata
medida do interesse público que elas realmente tiverem. Chega de propaganda:
com isso, vou fazer as economias necessárias para aplicar em saúde e educação.
Justamente,
passo agora à educação, pois ela me parece – parece não, é! – a questão chave
para se obter crescimento da renda, eliminação da pobreza e redução das
desigualdades. Estou plenamente consciente de que o Brasil, em lugar de
avançar, só recuou nas últimas décadas, e isso desde antes do regime militar,
que, a despeito de ter feito muito pela formação pós-graduada, deixou
praticamente abandonados os dois primeiros ciclos de ensino público. As
gerações seguintes não souberam corrigir o problema, provavelmente por causa da
ampliação democratizante das oportunidades de ensino, mas certamente também por
erros de concepção na formulação e implementação dos parâmetros curriculares. Durante
anos, ou até hoje, se ouso dizer, nossas orientações didáticas ficaram
entregues à influência nefasta de uma tal de “pedagogia do oprimido”, uma
coleção de bobagens pretensamente educativas, mas que apenas serviram para
atrasar a educação no Brasil, criando uma viciosa divisão da sociedade em
classes, como se houvesse uma luta inevitável entre elas.
Pior
ainda que essa perniciosa pedagogia do atraso, alegadamente maoísta (quando os
próprios chineses abandonaram esse tipo de estupidez há muito tempo), é o
sindicalismo exacerbado, de baixa extração, que prevalece para a categoria dos
professores: recheado de profissionais das reivindicações salariais, sem
qualquer compromisso com a qualidade do ensino, focados num isonomismo doentio
que impede o reconhecimento do mérito individual na avaliação do desempenho dos
professores e que cuida apenas dos seus direitos, jamais de suas obrigações.
Sei que será muito difícil corrigir as deformações da educação brasileira e
confesso até que considero tomar a iniciativa de iniciar uma carreira paralela
para o professorado, sem as falsas garantias da estabilidade, mas com níveis de
remuneração compatíveis com as responsabilidades do cargo, proporcionais ao
desempenho efetivo nas salas de aula.
Essa
questão da estabilidade dos funcionários públicos, aliás, é uma das pragas do
sistema político brasileiro. Não se trata exatamente de uma jabuticaba – pois
existe também em outros países em decadência progressiva – mas de um peso
crescente que a parte da sociedade que trabalha e paga impostos (mas sem dispor
dos privilégios da aposentadoria pública) suporta com cada vez menor paciência.
Tenho plena consciência, também, de que o peso do Estado já representa um
problema para o Brasil e os brasileiros: de promotor do desenvolvimento, que
ele foi décadas atrás, o Estado se tornou um obstrutor do crescimento
econômico, pela despoupança que ele provoca ao retirar recursos privados que de
outra forma serviriam a novos investimentos, pela enorme carga tributária e
pela irracionalidade dos sistemas de arrecadação, que além de seus males
declaratórios, costumam ser cumulativos e incidir sobre os mais pobres.
Acho
que já está na hora de reduzir o peso do Estado; isso tem de ser feito de
alguma forma. Como também sei que não existe entendimento possível entre todos
os entes federativos sobre a estrutura tributária ideal, uma que contemple
todos os interesses em causa (e que até aumente as receitas, segundo alguns),
proponho uma fórmula mais simples e equânime: todos os impostos, sem exceção –
o que compreende também as muitas contribuições exclusivas do governo central –
serão incluídos num programa de redução automática, progressiva e calendarizada
de todas as suas alíquotas básicas, eliminando pelo menos um terço do que essa
arrecadação representa hoje como extração compulsória dos recursos legítimos
dos cidadãos e das empresas.
Minha
intenção é fazer com que, em uma década e meia aproximadamente, cortando poucos
pontos percentuais por ano, ou a cada semestre, a carga fiscal total seja trazida
dos atuais 2/5 da renda nacional – sim, estamos a 38% do PIB, caminhando para
40% – para menos de 30% da riqueza nacional, valor que deveria ser o máximo
admissível para um país como o Brasil. Dessa forma, tratando todo mundo igual,
e colocando essa meta num prazo de 15 anos, estados e municípios não poderão
reclamar de um corte de impostos drástico ou desequilibrado; eles irão
adaptar-se progressivamente à redução gradual de receitas. Na verdade, a
experiência histórica ensina que quando se reduzem os impostos, a arrecadação
aumenta, pois as pessoas e empresas ficam menos propensas a evitar ou elidir os
impostos quando eles são percebidos como menos perversos ao terem suas
alíquotas reduzidas.
Quando
esse processo for iniciado, e todos se engajarem nele, trataremos de fazer os
ajustes necessários no sentido de se reduzir a carga tributária sobre os
extratos de baixa renda – o que não é difícil, bastando taxar menos os produtos
de consumo popular – bem como sobre o capital e o trabalho, para estimular o emprego
e os investimentos.
Brasileiras
e brasileiros,
Eu
tenho muitas propostas a fazer a vocês, e ao Congresso, neste quadriênio que
agora tem início de verdade, e as farei sem arroubos, sem a pretensão de
monopolizar a verdade, apenas e tão somente com a intenção de continuar um
processo de reformas que teve início duas décadas atrás e que foi
momentaneamente interrompido por razões que não cabe agora abordar. Nunca,
neste país, deveríamos ter abandonado o caminho das reformas, sobretudo as que
foram feitas em termos de estabilização e de modernização do Estado; não
pretendo amarrar o país às fantasias estatizantes de um passado que não volta
mais. Temos de olhar para a frente, saber o que de melhor está sendo feito em
outros continentes e adaptar essas lições de crescimento rápido às nossas
próprias necessidades, não ficar cultivando o dirigismo caduco que vigorou
durante muito tempo, e que ainda parece ser cultivado em certos países da
região. Não existem obstáculos técnicos para isso, nem os recursos para os
investimentos produtivos fazem falta, pois há abundância de liquidez no mundo.
O que nos atrapalha, e bastante, é a mentalidade atrasada de certos líderes
políticos, em total descompasso com a abertura da sociedade às mudanças e
inovações.
Estou
pronta a fazer a minha parte, e espero receber a ajuda de todos vocês,
independente de partidos e de escolas econômicas. O que interessa é o progresso
do Brasil e a prosperidade das brasileiras e brasileiros, como vocês.
Conto
com vocês, para enfrentar esses enormes desafios.
Obrigada.
Presidente
Dilma Rousseff
Com a ajuda (involuntária, mas
deliberada) de
Paulo Roberto de Almeida
[Brasília, 20 de janeiro de 2011.]
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