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segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Individualismo e interesses coletivos: qual a balança exata? - Paulo Roberto de Almeida (Ordem Livre)

Individualismo e interesses coletivos: qual a balança exata?

A distinção entre interesses individuais e coletivos é antiga. No plano das idéias ela já estava presente nas reflexões de filósofos britânicos desde o século XVII e, possivelmente, antes disso, em São Tomás de Aquino e em alguns filósofos gregos. No plano de suas consequências práticas, ela aparece com maior nitidez no curso da revolução francesa, quando os conceitos mais importantes do liberalismo são estabelecidos, primeiro de forma empírica, depois de maneira mais formal, com os constitucionalistas franceses. Ao mesmo tempo, são desenvolvidos os conceitos opostos do socialismo, com o propósito de promover os interesses coletivos, enquanto o liberalismo pode ser equiparado, justamente, à defesa do individualismo.
A topografia política tem observado desde essa época exatamente essa divisão fundamental, que resume todo o debate político dos séculos XIX e XX e que parece destinado a perdurar indefinidamente. Esse é, provavelmente, o ponto central dos dilemas políticos modernos, o grande divisor de águas entre as duas grandes filosofias de nossa época, o elemento definidor por excelência das políticas públicas contemporâneas. Todos os Estados organizados da atualidade, pelo menos os que podem ser caracterizados como minimamente democráticos, se debatem com essa contradição fundamental, provavelmente duradoura em qualquer sociedade: a de definir e aplicar políticas macroeconômicas e setoriais que levem em conta, de um lado, a defesa legítima da privacidade e dos direitos individuais, e que possam implementar, de outro lado, serviços coletivos e bens públicos que contemplem outros direitos legítimos da comunidade (segurança, transportes, escolas, hospitais, além de garantia de emprego e boas perspectivas na aposentadoria).
As populações dos Estados modernos não se inquietam tanto com os dilemas conceituais envolvidos na dicotomia do problema em causa, quanto com seus aspectos práticos, inclusive porque elas estão sempre demandando novos serviços e novas garantias – de emprego, de residência, de seguridade social, até de lazer – que antigamente eram providenciados pelos próprios indivíduos ou famílias. Governos, de seu lado, não discutem posturas filosóficas, apenas implementam políticas, embora os governantes possam ser influenciados – mas isto parece óbvio – por determinadas concepções que orientam essas políticas, que podem se aproximar, ou se afastar, de um dos dois polos, geralmente mais constrangidos pelos orçamentos do que motivados pelas concepções subjacentes.
A realidade dos Estados contemporâneos, pelo menos os do arco capitalista democrático, é feita de escolhas contínuas entre maiores ou menores medidas intrusivas na vida dos cidadãos, ou contribuintes. A política nesses países é feita de uma balança que se move regularmente entre políticas de cunho social-democrata – e, portanto, mais intrusivamente pendentes para o lado dos direitos coletivos – e políticas liberais, tendentes a reduzir impostos e promover os interesses privados. As eleições na Europa ocidental e nos EUA, desde várias décadas, tem confirmado essa indecisão constante dos eleitores entre governos de “direita” – supostamente identificados com políticas liberais – e governos de “esquerda”, que implementavam ativamente políticas de cunho social-democrático. Na prática, seja por inércia dos cidadãos, seja por populismo dos políticos, que gostam de prometer serviços públicos em cada vez mais áreas de interesse privado, todos os governos acabam avançando sobre os direitos individuais, de que é prova o crescimento constante da carga fiscal nos Estados membros da OCDE.
Essa realidade é de certo modo surpreendente quando estudos empíricos feitos pelos melhores institutos independentes tem demonstrado que os países caracterizados por maior grau de liberdade – promotores, portanto, dos direitos individuais – são também os de maior crescimento, maior igualdade, menor corrupção, maior eficiência geral nos serviços públicos e, portanto, de maior prosperidade (ou seja, de maior renda per capita) e de maiores possibilidades de escolha para os cidadãos. De fato, relatórios produzidos pelo Cato Institute – cuja metodologia e notas explicativas podem ser vistos aqui – confirmam as interações sugeridas acima: na média, os países mais livres são dez vezes mais ricos e crescem quase duas vezes mais rapidamente do que os menos livres (ou seja, aqueles com excesso de intervenção governamental e planejamento estatal). O primeiro capítulo do estudo organizado por James Gwartney e Robert Lawson,Economic Freedom of the World: 2009 Annual Report (Washington, DC.: Cato Institute, 2009; disponível em: http://www.cato.org/pubs/efw/), traz gráficos eloquentes a esse respeito.
Os céticos, ou aqueles comprometidos com uma filosofia coletivista, poderão argumentar com o exemplo da China, como uma suposta prova que nem sempre a liberdade produz maior crescimento e prosperidade, tentando “demonstrar” que as políticas econômicas do governo autoritário do grande país asiático conseguem conciliar planejamento e rápido crescimento. Mas a China constitui exatamente a prova viva de que maior liberdade consegue produzir maior crescimento econômico, como o próprio relatório do Cato demonstra. O índice global da liberdade econômica no mundo coloca a China à frente do Brasil: no ranking internacional, ela ocupa o lugar de número 82 (com uma pontuação global de 6,54 sobre 10 possíveis), contra 111 para o Brasil (6 pontos redondos).
Mais surpreendente ainda, a China apresenta melhor desempenho no que se refere ao sistema legal e direitos de propriedade (6,3 pontos na escala do Cato, em 49o. lugar, contra apenas 5,3 para o Brasil, em 81o. lugar), no tocante à liberdade de comerciar internacionalmente (bem à frente do Brasil, em 36o. lugar, para o centésimo no caso brasileiro), à disponibilidade de uma moeda sólida (30o. lugar para o renminbi chinês, enquanto o real brasileiro ocupa apenas o 92o. posto) e também no que se refere ao ambiente de negócios (aspecto no qual ela ocupa o ranking 117, para 134 no caso do Brasil). Segundo o mesmo relatório, a China foi também o país que mais avançou na escala de liberdade econômica no período em exame, ganhando dois pontos inteiros desde os anos 1980, contra apenas 1,57 no caso do Brasil. No caso do indicador relativo à liberdade de comerciar internacionalmente, a China surpreende, mais uma vez: tendo partido, em 1980, de uma posição praticamente similar à do Brasil (3,65, em 78o. lugar, para 3,56 no Brasil, em 79o. lugar), ela conseguiu galgar muitas posições até o ano de 2007, passando a ocupar o 39o. posto nesse quesito (com 7,50 pontos), ao passo que o Brasil continuava bem atrás (90o. no ranking mundial, com 5,90 pontos apenas).
Hoje, na China, os trabalhadores tem de ir ao mercado para comprar seus próprios serviços de saúde e pagar pela sua educação, ao contrário do Brasil, onde o Estado supostamente garante esses “direitos coletivos”. Num certo sentido, a China é hoje, pela liberdade econômica e a forte concorrência entre empresas e indivíduos, bem mais capitalista do que o Brasil. Contrariamente ao que muitos pensam, a China caminha no sentido da maior liberdade econômica e do individualismo: este é, na verdade, o segredo de seu sucesso econômico.

* Publicado originalmente em 10/04/2010.

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