A distinção entre interesses individuais e coletivos é antiga.
No plano das idéias ela já estava presente nas reflexões de filósofos
britânicos desde o século XVII e, possivelmente, antes disso, em São
Tomás de Aquino e em alguns filósofos gregos. No plano de suas
consequências práticas, ela aparece com maior nitidez no curso da
revolução francesa, quando os conceitos mais importantes do liberalismo
são estabelecidos, primeiro de forma empírica, depois de maneira mais
formal, com os constitucionalistas franceses. Ao mesmo tempo, são
desenvolvidos os conceitos opostos do socialismo, com o propósito de
promover os interesses coletivos, enquanto o liberalismo pode ser
equiparado, justamente, à defesa do individualismo.
A topografia política tem observado desde essa época exatamente essa
divisão fundamental, que resume todo o debate político dos séculos XIX e
XX e que parece destinado a perdurar indefinidamente. Esse é,
provavelmente, o ponto central dos dilemas políticos modernos, o grande
divisor de águas entre as duas grandes filosofias de nossa época, o
elemento definidor por excelência das políticas públicas contemporâneas.
Todos os Estados organizados da atualidade, pelo menos os que podem ser
caracterizados como minimamente democráticos, se debatem com essa
contradição fundamental, provavelmente duradoura em qualquer sociedade: a
de definir e aplicar políticas macroeconômicas e setoriais que levem em
conta, de um lado, a defesa legítima da privacidade e dos direitos
individuais, e que possam implementar, de outro lado, serviços coletivos
e bens públicos que contemplem outros direitos legítimos da comunidade
(segurança, transportes, escolas, hospitais, além de garantia de emprego
e boas perspectivas na aposentadoria).
As populações dos Estados modernos não se inquietam tanto com os
dilemas conceituais envolvidos na dicotomia do problema em causa, quanto
com seus aspectos práticos, inclusive porque elas estão sempre
demandando novos serviços e novas garantias – de emprego, de residência,
de seguridade social, até de lazer – que antigamente eram
providenciados pelos próprios indivíduos ou famílias. Governos, de seu
lado, não discutem posturas filosóficas, apenas implementam políticas,
embora os governantes possam ser influenciados – mas isto parece óbvio –
por determinadas concepções que orientam essas políticas, que podem se
aproximar, ou se afastar, de um dos dois polos, geralmente mais
constrangidos pelos orçamentos do que motivados pelas concepções
subjacentes.
A realidade dos Estados contemporâneos, pelo menos os do arco
capitalista democrático, é feita de escolhas contínuas entre maiores ou
menores medidas intrusivas na vida dos cidadãos, ou contribuintes. A
política nesses países é feita de uma balança que se move regularmente
entre políticas de cunho social-democrata – e, portanto, mais
intrusivamente pendentes para o lado dos direitos coletivos – e
políticas liberais, tendentes a reduzir impostos e promover os
interesses privados. As eleições na Europa ocidental e nos EUA, desde
várias décadas, tem confirmado essa indecisão constante dos eleitores
entre governos de “direita” – supostamente identificados com políticas
liberais – e governos de “esquerda”, que implementavam ativamente
políticas de cunho social-democrático. Na prática, seja por inércia dos
cidadãos, seja por populismo dos políticos, que gostam de prometer
serviços públicos em cada vez mais áreas de interesse privado, todos os
governos acabam avançando sobre os direitos individuais, de que é prova o
crescimento constante da carga fiscal nos Estados membros da OCDE.
Essa realidade é de certo modo surpreendente quando estudos empíricos
feitos pelos melhores institutos independentes tem demonstrado que os
países caracterizados por maior grau de liberdade – promotores,
portanto, dos direitos individuais – são também os de maior crescimento,
maior igualdade, menor corrupção, maior eficiência geral nos serviços
públicos e, portanto, de maior prosperidade (ou seja, de maior renda per
capita) e de maiores possibilidades de escolha para os cidadãos. De
fato, relatórios produzidos pelo Cato Institute – cuja metodologia e
notas explicativas podem ser vistos aqui –
confirmam as interações sugeridas acima: na média, os países mais
livres são dez vezes mais ricos e crescem quase duas vezes mais
rapidamente do que os menos livres (ou seja, aqueles com excesso de
intervenção governamental e planejamento estatal). O primeiro capítulo
do estudo organizado por James Gwartney e Robert Lawson,Economic Freedom of the World: 2009 Annual Report (Washington,
DC.: Cato Institute, 2009; disponível em:
http://www.cato.org/pubs/efw/), traz gráficos eloquentes a esse
respeito.
Os céticos, ou aqueles comprometidos com uma filosofia coletivista,
poderão argumentar com o exemplo da China, como uma suposta prova que
nem sempre a liberdade produz maior crescimento e prosperidade, tentando
“demonstrar” que as políticas econômicas do governo autoritário do
grande país asiático conseguem conciliar planejamento e rápido
crescimento. Mas a China constitui exatamente a prova viva de que maior
liberdade consegue produzir maior crescimento econômico, como o próprio
relatório do Cato demonstra. O índice global da liberdade econômica no
mundo coloca a China à frente do Brasil: no ranking internacional, ela
ocupa o lugar de número 82 (com uma pontuação global de 6,54 sobre 10
possíveis), contra 111 para o Brasil (6 pontos redondos).
Mais surpreendente ainda, a China apresenta melhor desempenho no que
se refere ao sistema legal e direitos de propriedade (6,3 pontos na
escala do Cato, em 49o. lugar, contra apenas 5,3 para o Brasil, em 81o.
lugar), no tocante à liberdade de comerciar internacionalmente (bem à
frente do Brasil, em 36o. lugar, para o centésimo no caso brasileiro), à
disponibilidade de uma moeda sólida (30o. lugar para o renminbi chinês,
enquanto o real brasileiro ocupa apenas o 92o. posto) e também no que
se refere ao ambiente de negócios (aspecto no qual ela ocupa o ranking
117, para 134 no caso do Brasil). Segundo o mesmo relatório, a China foi
também o país que mais avançou na escala de liberdade econômica no
período em exame, ganhando dois pontos inteiros desde os anos 1980,
contra apenas 1,57 no caso do Brasil. No caso do indicador relativo à
liberdade de comerciar internacionalmente, a China surpreende, mais uma
vez: tendo partido, em 1980, de uma posição praticamente similar à do
Brasil (3,65, em 78o. lugar, para 3,56 no Brasil, em 79o. lugar), ela
conseguiu galgar muitas posições até o ano de 2007, passando a ocupar o
39o. posto nesse quesito (com 7,50 pontos), ao passo que o Brasil
continuava bem atrás (90o. no ranking mundial, com 5,90 pontos apenas).
Hoje, na China, os trabalhadores tem de ir ao mercado para comprar
seus próprios serviços de saúde e pagar pela sua educação, ao contrário
do Brasil, onde o Estado supostamente garante esses “direitos
coletivos”. Num certo sentido, a China é hoje, pela liberdade econômica e
a forte concorrência entre empresas e indivíduos, bem mais capitalista
do que o Brasil. Contrariamente ao que muitos pensam, a China caminha no
sentido da maior liberdade econômica e do individualismo: este é, na
verdade, o segredo de seu sucesso econômico.
* Publicado originalmente em 10/04/2010.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
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segunda-feira, 20 de outubro de 2014
sexta-feira, 30 de julho de 2010
Novas consideracoes sobre a ignorancia letrada (a propósito de algumas ideias idiotas)
Recebi alguns comentários a respeito deste meu post abaixo:
Como ser um(a) debiloide pos-doutoral, sem sequer perceber isso...
sexta-feira, 30 de julho de 2010
O mais importante, assinado (ainda que não necessariamente revelado), foi este aqui, que transcrevo por inteiro, pois ele me dá a oportunidade de explicar minha posição e tratar do problema mais relevante daquele post, que não estava explícito em minha argumentação original:
Alex Luz disse...
Permita-me discordar e defender uma pessoa que nem conheço. Não acho nenhum absurdo a tese da professora. Aliás, ela certamente não é a única a defendê-la. Afinal, os chamados direitos humanos de segunda geração incluem o direito ao emprego e a moradia, e entre os chamados de terceira geração, freqüentemente é mencionado o direito ao desenvolvimento social e econômico. Pode me chamar de "debilóide", não tem problema. Como leitor do seu blog já estou acostumado com sua irritação desmedida com quem ousa discordar de você. Eu, por outro lado, tenho interesse em conhecer outras opiniões e por isso continuarei a ler os seus blogs com muito prazer. Só acho que, apesar de considerá-lo um acadêmico brilhante, aqui na blogosfera o seu desprezo irônico por certas idéias, esconde algumas vezes a falta de uma argumentação real e consistente contra o seu objeto de crítica. O fato de um suposto direito estar sendo em tese desrespeitado "vitimando 2/3 da população" não é argumento para contestar a existência deste mesmo direito. Não estou querendo polemizar, só aproveitar a democrática possibilidade de réplica oferecida pelo formato "Blog". Saudações.
Retomo (PRA):
Dois novos comentários meus são possíveis, um quanto à forma, outro quanto ao conteúdo.
Quanto à forma: reconheço não ser a mais agradável possível (e possivelmente ser até grosseiro) sair por aí acusando os outros de idiotas ou imbecis, quando eles são apenas equivocados, ou ignorantes. Se trata de uma escolha: provocar, chocar, para justamente provocar reações, como essa acima. Confesso que poderia ter sido mais ameno, ou seja, acusar os mesmos problemas no argumento recusado, sem precisar ofender, ou chocar em demasia, mas aí, talvez, o efeito já não fosse o mesmo. Em todo caso, admito o puxão de orelhas e vou procurar ser mais cordato da próxima vez. Mas isso é secundário quanto à substância do tema. Passons, donc...
Quanto ao conteúdo: não apenas o Alex, mas dezenas, provavelmente centenas, talvez milhares de acadêmicos, ou simples cidadãos brasileiros, e de outros países, também recusariam meu argumentos e achariam os da professora perfeitamente razoáveis, aceitáveis, até necessários como novas etapas do direito, devendo, portanto, ser implementáveis quanto antes possível.
Pois bem, vou reafirmar, não minha crença, mas meu conhecimento objetivo -- com base na história da humanidade e um modesto treino em economia -- de que esse caminho só pode conduzir ao desastre, à involução econômica, a uma menor situação de bem-estar coletivo, e portanto a uma situação objetivamente pior para toda a humanidade.
Reproduzo aqui parte do que disse a outro colega:
O problema básico está em que esse tipo concepção é totalmente equivocada, não apenas no campo do direito, mas da economia, da psicologia e em vários outros mais.
Se alguém diz que ser pobre é uma "violação de um direito", isso significa que existe um direito pré-estabelecido, ou socialmente criado, em NÃO SER pobre. Ora, não se sabe bem de onde, de qual força material, social, coletiva, jurídica, derivaria tal direito, pois um direito é sempre uma relação social, e o ser ou não pobre não é uma relação social, e sim uma condição natural da existência humana. Na ausência de direitos patrimoniais de nascença, todos somos pobres, e devemos construir nossa subsistência, nosso patrimônio, com base no trabalho, não num direito pré-estabelecido. Dizer que a subsistência e o patrimônio vêm da família não estabelece um direito, apenas constata um estado natural: nenhum ser humano é autônomo, mas sim "decorrente" de uma situação natural, que é a instituição familiar.
Afirmar que alguém TEM DIREITO DE NÃO SER POBRE cria um enorme problema para a sociedade, em primeiro lugar econômico.
Se é direito, alguém deve algo a alguém. Se o cidadão é pobre, então tem o direito de NÃO SER pobre. Quem decide isso? O próprio interessado, a sociedade, o Estado?
Se esse "direito" é reconhecido e formalizado, ele se converte em uma obrigação para alguma outra pessoa, padra a sociedade, para a coleetividade, mais geralmente para o Estado, essa massa enorme (e disforme) de redistribuição de recursos para fins coletivos. Ora o "direito" de não ser pobre não é um direito coletivo, e sim individual.
Como o Estado não tem recursos próprios, ele tem de tirar de alguém para dar a uma outra, a pessoa pobre, no que ele comete uma violência contra o que tem (por trabalho ou herança, não importa).
O que se está institucionalizando é o distributivismo automático, ou o roubo generalizado, pois será mais fácil ser pobre a partur do momento em que esse "direito" for reconhecido.
Ora, NINGUÉM tem direito a emprego, casa, renda, alimentação, asi no más. As pessoas tem de trabalhar.
Eu, por exemplo, gostaria de ter uma enorme biblioteca, pois me sinto pobre sem livros. O que a sociedade tem a ver com isso?
Um "direito" de transferiencia automática como esse formulado implica, em última instância, em que as sociedades, assim submetidas a essa nova obrigação redistributiva, serão mais pobres, pois o que vale trabalhar se o Estado se apropria de parte de minha renda para dar a quem não tem, supostamente um "pobre"?
Essa é a receita mais rápida para o atraso permanente.
As pessoas não percebem, por falta talvez de raciocínio econômico, que estão condenando a sociedade a um retrogressão autoalimentada, baseada não nos fluxos produtivos (criadores de empregos, renda e riqueza), mas nos canais redistributivos definidos de maneira compulsória (o tal de "direito" a não ser pobre), e portanto redutores da riqueza geral da sociedade.
Onde quer que se tentou estabelecer o fim das desigualdades com base na engenharia social, nos projetos estatais de redistribuição da riquezas acumuladas por alguns, as sociedades ficaram mais pobres, na verdade ficaram miseráveis, e se caminhou rapidamente para as ditaduras, para o totalitarismo, para a ausência completa de liberdades. Gostaria que me dessem exemplos positivos para o que se pretende fazer.
Os promotores dessa infeliz ideia podem dizer que não pretendem chegar a tanto, apenas defender a dignidade do ser humano, "impedindo" a pobreza de continuar. A violência não seria menor, e a ineficiência econômica, o impulso para o atraso, a estagnação, a pobreza geral seriam iguais, ou piores do que o planejado, sempre.
Concluindo, volto a dizer: a ideia é completamente idiota.
Essa tendência do direito, de conceder sempre mais direitos aos cidadãos, em completo alheamento das realidades econômicas, é a coisa mais nefasta a que já assisti na minha vida. Só pode prosperar na cabeça de burocratas, de servidores públicos, de acadêmicos dispondo de estabilidade, ou de alienados (orientados por professores malucos), no total desconhecimento do funcionamento de simples regras elementares de economia.
Por isso, sentindo muito por quem se considerar ofendido, volto a dizer: a ideia é completamente idiota.
Implementá-la tornaria a sociedade, o mundo, muito mais pobre do que já é.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 31/07/2010)
Como ser um(a) debiloide pos-doutoral, sem sequer perceber isso...
sexta-feira, 30 de julho de 2010
O mais importante, assinado (ainda que não necessariamente revelado), foi este aqui, que transcrevo por inteiro, pois ele me dá a oportunidade de explicar minha posição e tratar do problema mais relevante daquele post, que não estava explícito em minha argumentação original:
Alex Luz disse...
Permita-me discordar e defender uma pessoa que nem conheço. Não acho nenhum absurdo a tese da professora. Aliás, ela certamente não é a única a defendê-la. Afinal, os chamados direitos humanos de segunda geração incluem o direito ao emprego e a moradia, e entre os chamados de terceira geração, freqüentemente é mencionado o direito ao desenvolvimento social e econômico. Pode me chamar de "debilóide", não tem problema. Como leitor do seu blog já estou acostumado com sua irritação desmedida com quem ousa discordar de você. Eu, por outro lado, tenho interesse em conhecer outras opiniões e por isso continuarei a ler os seus blogs com muito prazer. Só acho que, apesar de considerá-lo um acadêmico brilhante, aqui na blogosfera o seu desprezo irônico por certas idéias, esconde algumas vezes a falta de uma argumentação real e consistente contra o seu objeto de crítica. O fato de um suposto direito estar sendo em tese desrespeitado "vitimando 2/3 da população" não é argumento para contestar a existência deste mesmo direito. Não estou querendo polemizar, só aproveitar a democrática possibilidade de réplica oferecida pelo formato "Blog". Saudações.
Retomo (PRA):
Dois novos comentários meus são possíveis, um quanto à forma, outro quanto ao conteúdo.
Quanto à forma: reconheço não ser a mais agradável possível (e possivelmente ser até grosseiro) sair por aí acusando os outros de idiotas ou imbecis, quando eles são apenas equivocados, ou ignorantes. Se trata de uma escolha: provocar, chocar, para justamente provocar reações, como essa acima. Confesso que poderia ter sido mais ameno, ou seja, acusar os mesmos problemas no argumento recusado, sem precisar ofender, ou chocar em demasia, mas aí, talvez, o efeito já não fosse o mesmo. Em todo caso, admito o puxão de orelhas e vou procurar ser mais cordato da próxima vez. Mas isso é secundário quanto à substância do tema. Passons, donc...
Quanto ao conteúdo: não apenas o Alex, mas dezenas, provavelmente centenas, talvez milhares de acadêmicos, ou simples cidadãos brasileiros, e de outros países, também recusariam meu argumentos e achariam os da professora perfeitamente razoáveis, aceitáveis, até necessários como novas etapas do direito, devendo, portanto, ser implementáveis quanto antes possível.
Pois bem, vou reafirmar, não minha crença, mas meu conhecimento objetivo -- com base na história da humanidade e um modesto treino em economia -- de que esse caminho só pode conduzir ao desastre, à involução econômica, a uma menor situação de bem-estar coletivo, e portanto a uma situação objetivamente pior para toda a humanidade.
Reproduzo aqui parte do que disse a outro colega:
O problema básico está em que esse tipo concepção é totalmente equivocada, não apenas no campo do direito, mas da economia, da psicologia e em vários outros mais.
Se alguém diz que ser pobre é uma "violação de um direito", isso significa que existe um direito pré-estabelecido, ou socialmente criado, em NÃO SER pobre. Ora, não se sabe bem de onde, de qual força material, social, coletiva, jurídica, derivaria tal direito, pois um direito é sempre uma relação social, e o ser ou não pobre não é uma relação social, e sim uma condição natural da existência humana. Na ausência de direitos patrimoniais de nascença, todos somos pobres, e devemos construir nossa subsistência, nosso patrimônio, com base no trabalho, não num direito pré-estabelecido. Dizer que a subsistência e o patrimônio vêm da família não estabelece um direito, apenas constata um estado natural: nenhum ser humano é autônomo, mas sim "decorrente" de uma situação natural, que é a instituição familiar.
Afirmar que alguém TEM DIREITO DE NÃO SER POBRE cria um enorme problema para a sociedade, em primeiro lugar econômico.
Se é direito, alguém deve algo a alguém. Se o cidadão é pobre, então tem o direito de NÃO SER pobre. Quem decide isso? O próprio interessado, a sociedade, o Estado?
Se esse "direito" é reconhecido e formalizado, ele se converte em uma obrigação para alguma outra pessoa, padra a sociedade, para a coleetividade, mais geralmente para o Estado, essa massa enorme (e disforme) de redistribuição de recursos para fins coletivos. Ora o "direito" de não ser pobre não é um direito coletivo, e sim individual.
Como o Estado não tem recursos próprios, ele tem de tirar de alguém para dar a uma outra, a pessoa pobre, no que ele comete uma violência contra o que tem (por trabalho ou herança, não importa).
O que se está institucionalizando é o distributivismo automático, ou o roubo generalizado, pois será mais fácil ser pobre a partur do momento em que esse "direito" for reconhecido.
Ora, NINGUÉM tem direito a emprego, casa, renda, alimentação, asi no más. As pessoas tem de trabalhar.
Eu, por exemplo, gostaria de ter uma enorme biblioteca, pois me sinto pobre sem livros. O que a sociedade tem a ver com isso?
Um "direito" de transferiencia automática como esse formulado implica, em última instância, em que as sociedades, assim submetidas a essa nova obrigação redistributiva, serão mais pobres, pois o que vale trabalhar se o Estado se apropria de parte de minha renda para dar a quem não tem, supostamente um "pobre"?
Essa é a receita mais rápida para o atraso permanente.
As pessoas não percebem, por falta talvez de raciocínio econômico, que estão condenando a sociedade a um retrogressão autoalimentada, baseada não nos fluxos produtivos (criadores de empregos, renda e riqueza), mas nos canais redistributivos definidos de maneira compulsória (o tal de "direito" a não ser pobre), e portanto redutores da riqueza geral da sociedade.
Onde quer que se tentou estabelecer o fim das desigualdades com base na engenharia social, nos projetos estatais de redistribuição da riquezas acumuladas por alguns, as sociedades ficaram mais pobres, na verdade ficaram miseráveis, e se caminhou rapidamente para as ditaduras, para o totalitarismo, para a ausência completa de liberdades. Gostaria que me dessem exemplos positivos para o que se pretende fazer.
Os promotores dessa infeliz ideia podem dizer que não pretendem chegar a tanto, apenas defender a dignidade do ser humano, "impedindo" a pobreza de continuar. A violência não seria menor, e a ineficiência econômica, o impulso para o atraso, a estagnação, a pobreza geral seriam iguais, ou piores do que o planejado, sempre.
Concluindo, volto a dizer: a ideia é completamente idiota.
Essa tendência do direito, de conceder sempre mais direitos aos cidadãos, em completo alheamento das realidades econômicas, é a coisa mais nefasta a que já assisti na minha vida. Só pode prosperar na cabeça de burocratas, de servidores públicos, de acadêmicos dispondo de estabilidade, ou de alienados (orientados por professores malucos), no total desconhecimento do funcionamento de simples regras elementares de economia.
Por isso, sentindo muito por quem se considerar ofendido, volto a dizer: a ideia é completamente idiota.
Implementá-la tornaria a sociedade, o mundo, muito mais pobre do que já é.
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 31/07/2010)
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