Paulo Roberto de Almeida
Possível derrota de Dilma causa receio entre governos da Venezuela e da Argentina
Nos demais países, entretanto, eventual vitória de Aécio Neves não preocupa
BUENOS AIRES — A possibilidade de uma derrota da presidente Dilma Rousseff no segundo turno provoca profunda preocupação entre representantes de alguns governos aliados na região, principalmente Venezuela e Argentina. No resto do continente, porém, um eventual triunfo de Aécio Neves não causa receio, nem mesmo entre presidentes do Mercosul. No Paraguai, o governo de Horácio Cartes surpreendeu-se com as opiniões de Aécio sobre o questionado processo de expulsão do país do bloco, em 2012, após a destituição do ex-presidente Fernando Lugo. O castigo ao Paraguai foi defendido com firmeza pelo governo Dilma, atitude que provocou profunda indignação em amplos setores do país.No Chile, novamente governado pela socialista Michelle Bachelet, a eleição brasileira divide a governista Nova Maioria, segundo afirmou ao GLOBO o dirigente socialista Luis Maira, observador no processo de paz entre o governo do presidente colombiano Juan Manuel Santos e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Segundo ele, "a ala mais esquerdista do governo se sente mais próxima ao governo Dilma, mas a Democracia Cristã tem mais vínculos com o PSDB".
— O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso viveu no Chile durante o exílio e desde então mantém muitas amizades com setores da centro-esquerda chilena. Bachelet se sentiria mais confortável com a continuidade de Dilma, mas tampouco seria uma crise sua derrota — opinou Maira, que foi embaixador do Chile na Argentina.
Ele acredita que um eventual revés do PT no segundo turno obrigaria a "reconstruir e reorganizar a relação entre os dois países".
— Não está claro qual é o plano de Neves para a região, deveríamos acionar rápidas conversas para iniciar um novo caminho — insistiu.
A lógica da integração latino-americana promovida há 12 anos pelos governo do PT, comentou Maira, "poderia ser substituída por uma lógica mais hemisférica".
— O país que mais sofreria na região seria a Venezuela, que perderia um mediador construtivo como tem sido o Brasil, um interlocutor importantíssimo para Maduro — frisou o dirigente socialista chileno.
Para a Colômbia, que parece cada vez mais irritada com seus vizinhos venezuelanos, uma mudança de ciclo político no Brasil seria bem recebida, na opinião do jornalista Mauricio Vargas, colunista do tradicional jornal "El Tiempo". Ele lembrou que em meados deste ano, o presidente Santos reuniu-se com FHC e outros ex-chefes de Estado como Bill Clinton, em Bogotá, para discutir o processo de paz colombiano.
— Para Santos seria até mesmo um certo alívio, porque a convivência com Maduro está cada vez mais complicada e uma derrota de Dilma seria um duro golpe para o eixo de governos esquerdistas da região — analisou Vargas.
— Santos não vai opinar publicamente, mas os que temos acesso a fontes do governo sabemos que o presidente não lamentaria uma derrota do PT — frisou o jornalista colombiano.
Em Assunção, a situação é bastante parecida, de acordo com o editorialista do jornal "Última Hora", Adrián Cativelli. O estilo da presidente brasileira é considerado por alguns setores do país como "frio e distante", segundo ele.
— Existem dois planos, o público e o privado. Publicamente, Cartes jamais falará mal de Dilma. Mas internamente muitos membros do governo prefeririam uma vitória de Neves — disse Cativelli, que conversa com funcionários e ministros do Palácio de López.
O Paraguai nunca aceitou a decisão do Mercosul de expulsar o país do bloco, após a destituição de Lugo. A medida foi adotada, principalmente, por iniciativa do Brasil, Argentina e Venezuela. O Uruguai não esteve de acordo com a maneira como o Paraguai foi punido, algo reconhecido publicamente por altas autoridades do governo do presidente José Mujica.
— Essa ferida ainda não se fechou. E, ao mesmo tempo, o governo Cartes sente simpatia pelas posições de Rubens Barbosa, um antigo amigo de nosso país — disse Cativelli.
A Casa Rosada tampouco se pronunciou publicamente, mas para o governo de Cristina Kirchner, o resultado da eleição brasileira é de grande importância. Embora já esteja entrando em seu último ano de governo e com duvidosas chances de vencer as presidenciais de 2015, o kirchnerismo sente que perderia um importante aliado regional.
— Existe certa tensão, mas também confiança em que o governo Dilma finalmente vai ganhar — assegurou o dirigente kirchnerista Eduardo Sigal, ex-subsecretário de integração latino-americana da chancelaria e presidente da fundação Ação para a Comunidade.
Para ele, "um triunfo de Aécio complicaria a relação com muitos países, porque sua intenção é reduzir o Mercosul a uma zona de livre comércio".
Para muitos analistas locais, sem o PT no poder acabaria a chamada "paciência estratégica" do Brasil com seus sócios argentinos, em momentos em que os conflitos comerciais são cada vez mais intensos. A recessão na Argentina, cuja economia deve recuar entre 2% e 3% este ano, levou a Casa Rosada a redobrar a aplicação de medidas protecionistas, que dificultam cada vez mais a entrada de produtos brasileiros ao país. Somente em setembro passado, as importações, em geral, recuaram 20%, em relação ao mesmo período do ano passado. O país mais prejudicado é o Brasil, que nos últimos tempos perdeu a categoria de principal sócio comercial da Argentina.
— Sabemos que Aécio tem outro foco, mais parecido ao de Bush e a década de 90 — afirmou Sigal.
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