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sábado, 20 de dezembro de 2014

Dom Total: colaboracoes de Paulo Roberto de Almeida (2008-2014)

Dom Total é uma publicação digital vinculada à Escola Superior Dom Helder, especializada em Direito, dirigida por jesuitas em Belo Horizonte. Não sei bem quando, ou por quem, recebi um convite para colaborar com essa publicação, sob o formato de artigos mais leves, ou pelo menos mais curtos, do que os meus habituais, o que fiz de forma um pouco irregular desde 2008, com algumas grandes interrupções pelo caminho.
Mas, é uma oportunidade para tentar escrever pouco, ou pelo menos de forma concisa, o que tenho procurado fazer, e transparece, com algumas exceções estendidas, na lista abaixo.
O conjunto de artigo em colaboração pode ser encontrado neste link: http://www.domtotal.com/colunas/coluna.php?artColId=6
Tenho de voltar a colaborar. Como não me cobram, acabo esquecendo, no mar de obrigações obrigatórias e outras autoassumidas que vou enfrentando cotidianamente.
Paulo Roberto de Almeida

Colunas Paulo Roberto de Almeida

Paulo Roberto de Almeidaé doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas (1984). Diplomata de carreira desde 1977, exerceu diversos cargos na Secretaria de Estado das Relações Exteriores e em embaixadas e delegações do Brasil no exterior. Trabalhou entre 2003 e 2007 como Assessor Especial no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Autor de vários trabalhos sobre relações internacionais e política externa do Brasil. 

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Politica monetaria e autonomia do BC no Brasil: uma historia de 50 anos - Alex Ribeiro (Valor)

 Os dois lados da moeda (50 anos do BC)
Por Alex Ribeiro | De Brasília
 Valor Econômico, 19/12/2014

O primeiro presidente do Banco Central, Denio Nogueira, mantinha-se entrincheirado no cargo naquele começo de 1967. O novo presidente linha-dura do regime militar, Arthur da Costa e Silva, queria substituí-lo por alguém mais maleável no trato da inflação, na esperança de alavancar o crescimento da economia. Mas havia um obstáculo: a lei que criara o BC apenas dois anos antes garantia independência formal à instituição e mandatos fixos a seus dirigentes.

"Não vamos pedir demissão", avisou à equipe do BC, segundo relato de um de seus diretores, Casimiro Ribeiro, em entrevista concedida 22 anos depois ao programa de história oral da Fundação Getúlio Vargas, conhecido pela sigla CPDOC/FGV. Mas Costa e Silva insistiu. Enviou mensagem ao Senado nomeando um novo presidente do BC - o economista Ruy Leme, indicado pelo poderoso ministro da Fazenda, Delfim Netto.

Os parlamentares recusaram a mensagem, alegando que os cargos não estavam vagos. A pressão aumentou a tal ponto que, em 22 de março, Nogueira jogou a toalha e enviou a Costa e Silva as cartas de renúncia de todos. Foram vencidos pelo receio do fim da independência legal do BC ou mesmo de sua extinção. "Levamos nossa resistência até um certo ponto", explicou Ribeiro ao CPDOC/FGV. "Aí, você pode até prejudicar o BC."

Hoje, às vésperas dos 50 anos da lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964 - a chamada Lei da Reforma Bancária, que incluiu a criação do BC, instalado três meses depois - a independência legal ainda é o avanço institucional que falta para criar um BC à altura de seus pares de economias desenvolvidas, com plenos poderes para cumprir a missão de garantir a estabilidade da moeda. A recente campanha eleitoral mostrou que o país não está pronto para tanto. A propaganda da reeleição da presidente Dilma Rousseff veiculou anúncios que sugeriam que dar autonomia legal ao BC é entregá-lo a banqueiros que gostam de juros altos e tiram a comida da mesa dos trabalhadores. O candidado a vice-presidente de Aécio Neves, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB), posicionou-se contra a ideia. Só Marina Silva agregou a proposta ao seu programa de governo.

Nada disso muda o fato de que, nesses 50 anos de história, o BC teve progressos extraordinários, depois de ser criado tardiamente, muito depois dos bancos centrais de países vizinhos da América Latina, como uma instituição fraca e submissa a interesses variados, como os de ruralistas, funcionários do Banco do Brasil, industriais e governantes, que tinham suas demandas atendidas com gastos orçamentários associados à impressão de dinheiro. "No fundo, mais do que uma lei, o que cria uma instituição forte e autônoma para cumprir suas funções é a tradição criada no dia a dia", afirma o ex-presidente do BC Armínio Fraga.

O economista Octavio Gouvêa de Bulhões é o pai do BC, que nasceu em dois atos. Em 1945, ele aproveitou o fim do Estado Novo, de Getúlio Vargas, e articulou a edição de um decreto-lei que criaria a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), o embrião do BC.

O BC que conhecemos hoje foi aprovado pouco após o golpe militar de 1964. "Um tanto ironicamente, foram precisos dois regimes não democráticos para criar o BC. É triste. Mas é preciso dizer que nos dois casos o dr. Bulhões estava lá", comentou Ribeiro.

Bulhões, nascido no começo do século passado, foi o típico servidor público. Entrou no governo com 20 e poucos anos, para integrar o grupo que criou o Imposto de Renda no Brasil e, décadas depois, chegou a ministro da Fazenda - interino, por menos de dois meses, após a renúncia de Eugênio Gudin, até a posse de José Maria Whitaker; e, com mandato próprio no governo Castello Branco. Ajudou a formar uma geração de economistas e foi muito influente na definição da política econômica no Brasil durante muito tempo. Depois de deixar o governo, recorreu à ajuda de amigos para custear uma cirurgia nos Estados Unidos.

"O Brasil precisava ter uma moeda estável", disse Bulhões sobre a criação da Sumoc, em outro depoimento ao CPDOC/FGV, em 1990. "E, para ter uma moeda estável, precisava ter pelo menos um início de banco central." Na época, ele era um dos economistas mais preocupados com a estabilidade fiscal e monetária, nisso identificado com Eugênio Gudin, referência do pensamento econômico liberal no Brasil. "Bulhões era um pragmático, que não se prendia a ideologias", definiu, em entrevista ao Valor, o professor Antonio Dias Leite, que lecionou ao lado do futuro ministro na antiga Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas do Rio de Janeiro.

O pragmatismo fez com que Bulhões optasse por criar a Sumoc, e não um banco central clássico. "O professor Gudin achava, na época, inoportuno criar um banco central, mas que poderia fazer algo no caminho de sua criação", relatou Bulhões, na entrevista ao CPDOC/FGV. "Ele achava que, com um déficit do Tesouro grande e sem perspectivas de equilíbrio orçamentário, um BC seria inútil."

A Sumoc era uma instituição enxuta, com poucos funcionários, que tinha o objetivo de controlar a emissão de moeda e preparar o terreno para criar o BC. Havia um colegiado - o conselho - que realmente tomava as decisões. Acabou sendo dominado pelo Banco do Brasil.

Esse não foi o primeiro esforço para criar um banco central no Brasil. O economista José Júlio Senna conta em seu livro "Política Monetária: Ideias, Experiências e Evolução" que, em 1808, quando a família real portuguesa veio de Lisboa para o Rio de Janeiro, para fugir das tropas de Napoleão Bonaparte, o príncipe regente, d. João, fundou o primeiro Banco do Brasil com funções de banco central e banco comercial. Entre elas, estava manter reservas em ouro e outros metais valiosos para lastrear as emissões de dinheiro. "Quando voltou para Portugal, d. João raspou os cofres do Banco do Brasil", disse Senna em entrevista para esta reportagem. Assim, o primeiro BC do país faliu.

A onda de criação de bancos centrais na América Latina ocorreu entre as décadas de 1920 e 1930 por recomendação dos chamados "money doctors", ou terapeutas financeiros, assim chamados economistas de países ricos que visitavam a região para prescrever remédios financeiros em nome dos grandes bancos de Londres e Nova York, trabalho bem parecido com o feito hoje em dia pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Na década de 1920, o americano Edwin Kemmerer visitou vários países da América do Sul, como Colômbia, Chile, Equador e Bolívia, e inspirou a criação de vários bancos centrais. Em 1931, logo no inicio do Estado Novo, quando uma revolução com a participação de tenentes levou Getúlio Vargas ao poder, chegou ao Brasil uma missão chefiada por um diretor do Banco da Inglaterra, Sir Otto Niemeyer. Seus conselhos tinham sido decisivos para criar bancos centrais na Nova Zelândia e Argentina. Mas o governo Vargas não tocou a ideia adiante.

"Otto Niemeyer recomendou a criação de um banco central e uma série de medidas que não se coadunavam bem com a situação", disse Bulhões. "Eles queriam estabelecer o equilíbrio orçamentário numa época em que isso era praticamente impossível. Impossível e indesejável, conforme [o economista John Maynard] Keynes iria demonstrar." Bulhões provavelmente se referia ao fato de que, em meio à Grande Depressão, os governos precisavam aumentar os gastos para induzir a recuperação da economia. O padrão-ouro, então sugerido ao Brasil por Niemeyer, desmoronaria pouco depois na própria Inglaterra. "Naquele tempo, surpreendentemente, os tenentes foram keynesianos antes de Keynes", afirmou Bulhões.

A visão de Bulhões sobre a proposta de Niemeyer mostra seu estilo nada dogmático que moldaria o processo de gestação do BC, que levou quase 20 anos. Ele não era graduado em economia, mas em direito. Filho de diplomatas, quando criança viveu na França e na Áustria e aprendeu economia por conta própria, lendo clássicos, como Adam Smith, em livros da biblioteca de um tio. Mas também faria um curso de especialização em economia na American University.

"Os livros de economia eram todos em francês e não tinham nada de matemática", afirma Dias Leite, abrindo alguns volumes da biblioteca em sua casa, na Gávea. O parente mais ilustre de Bulhões foi um tio-avô, Leopoldo de Bulhões, deputado goiano que foi ministro da Fazenda de Rodrigues Alves - e defendeu a austeridade monetária na Primeira República, fazendo contraponto às propostas expansionistas de Rui Barbosa.

A principal crítica à Sumoc sempre foi o fato de que, com seu desenho institucional, estava sujeita aos propósitos dos inflacionistas do governo e, principalmente, do Banco do Brasil, com vários ralos que permitiam emitir dinheiro para financiar gastos públicos e irrigar o crédito bancário barato. Mas o interesse de Bulhões era criar um órgão que reunisse as áreas monetária e fiscal do governo para, assim, desenhar orçamentos bem definidos, numa época em que essas relações corriam frouxas. "Não aspirava propriamente a independência", explicou Bulhões. "O que aspirava era a coordenação, a coerência."

"O BC poderia ter sido criado no final da Segunda Guerra, mas talvez as instituições não estivessem preparadas", afirma o ex-presidente do BC Gustavo Loyola. "Naquela época, criar um BC representaria tirar um pedaço do poder do Banco do Brasil. Não criar o BC, e fazer a Sumoc no lugar, foi uma coisa brasileira de acomodar o jogo de interesses."

O economista e ex-presidente do BC Gustavo Franco, um dos principais estudiosos do tema, acha que a criação da Sumoc representou, em muitos aspectos, um avanço. "Se não fosse a Sumoc, não sairia nada", afirma. Mas seu desenho institucional, com um conselho dominado pelo Banco do Brasil, que decidia de fato quanto dinheiro seria emitido, foi o germe do atual Conselho Monetário Nacional (CMN). "Esse é um bicho diferente que se criou no Brasil", diz Franco. O CMN deixa a política monetária exposta a outros interesses que não a estabilidade do poder de compra da moeda. Mundo afora, os bancos centrais tomam as medidas monetárias e ponto final, sem conselhos paralelos.

Em tese, uma vez baixado o decreto-lei que criou a Sumoc, no dia seguinte deveria ter começado o trabalho para instalação de um banco central. Mas esse era um grande passo, talvez maior do que era possível na época. Significaria sair de uma estrutura mínima, da Sumoc, para montar uma grande operação, capaz de assumir serviços típicos de um banco central que eram executados pelo Banco do Brasil. Entre eles, administrar as exigências de recolhimento compulsório sobre depósitos, fazer o redesconto de títulos do sistema bancário e administrar o numerário em circulação na economia - enfim, um conjunto de atividades que, na prática, significava controlar o volume de dinheiro em circulação na economia.

Um dos obstáculos era a falta de quadros para tocar um BC - que, aos poucos, foi sendo resolvido com a formação de um pequeno pelotão de elite, que incluía nomes que integrariam a primeira diretoria colegiada do BC, como Casimiro Ribeiro e o próprio Denio Nogueira. "O departamento econômico do BC (Depec) começou a ser formado nessa época", afirma o diretor de administração do BC, Altamir Lopes, um ex-chefe do Depec.

Outra questão era aprovar a lei de criação do BC. Com a democratização do pais, em 1946, o assunto tinha que passar pelo Congresso Nacional. Lá, o objetivo de proteger o poder de compra da moeda, que é bastante difuso, concorria com outros interesses. Um projeto em tramitação tornou-se uma perigosa bola de neve, que previa a criação não apenas de um BC, mas de cinco novos bancos de fomento: industrial, agrícola, infraestrutura, hipotecário e de comércio exterior.

"Eram bancos públicos que iriam se alimentar de suprimentos do BC", explica Franco. "Se fosse assim, era melhor não criar nada. Por isso os chamados 'sumoquianos', como Bulhões e Gudin, foram contra criar o BC naqueles moldes."

Só no governo de João Goulart o projeto de lei do BC voltou a ganhar impulso, quando a inflação avançava a passos largos. O presidente resolveu incluir uma lei bancária entre suas reformas de base. Quando os militares deram o golpe, em 1964, a tramitação da proposta já estava bem adiantada. Bulhões assumiu o Ministério da Fazenda, mas, segundo depoimento de Denio Nogueira ao CPDOC/FGV em 1993, ele não estava convencido de que haveria disposição do governo para batalhar pela criação de um BC em um Congresso Nacional que ainda operava com certa independência. A preocupação maior de Bulhões naquela altura, na verdade, era barrar o projeto de reforma bancária de João Goulart, que, a seu ver, produziria mais mal do que bem. Mais tarde, ele batalharia para criar o CMN, como forma de reforçar a coordenação dos orçamentos monetário e fiscal. Nogueira afirma ter insistido na criação do BC, e acabou vencendo. "Está bem. Vá criar o seu Banco Central", teria dito Bulhões, depois de obter a aprovação do presidente Castello Branco, segundo relato de Nogueira.

Nogueira era um discípulo de Bulhões. Nasceu em 1920, em uma família de militares. Depois de se formar em engenharia, tornou-se aluno de Gudin na terceira turma do primeiro curso de economia do país, da Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas do Rio de Janeiro. Mais tarde, fez pós-graduação na Universidade de Michigan, Estados Unidos. Na volta ao Brasil, integrou-se à equipe econômica de Bulhões. Entre suas várias atividades, dentro e fora do governo, está a de técnico do Instituto de Pesquisas e Estudos Especiais (Ipes), grupo de estudos financiado por empresários que mobilizava a oposição ao governo Goulart.

Nogueira negociou com o Congresso o projeto que daria origem à lei 4.595. O relator foi o deputado Ulisses Guimarães. Para atender aos diversos interesses, Nogueira teve que ceder, como no caso dos ruralistas. "O fato é que o BC nasceu distorcido", afirma Franco.

O BC foi criado com funções de fomento - uma diretoria de crédito agrícola, que abria caminho para financiar os ruralistas com subsídios e, portanto, emissão de moeda. "Foi um erro que cometemos", reconheceu Bulhões anos mais tarde. "O BC nunca deveria ter aceito essa incumbência." Nogueira achava que o modo de resistir à pressão dos ruralistas para extrair subsídios do Tesouro seria colocar a carteira agrícola sob a guarda de um BC independente.

Outra distorção no nascimento do BC foi a conta movimento, criada, a princípio, apenas para fazer um acerto de contas final da nova instituição com o Banco do Brasil, quando este passava àquele o bastão das funções de autoridade monetária. "O tempo foi passando, e o Banco do Brasil percebeu que poderia fazer mais com a conta movimento", diz Franco. A conta movimento se tornou um duto de dinheiro pelo qual o BC injetava moeda no Banco do Brasil para bancar suas operações de fomento da economia.

Junto com o BC, foi criado o CMN. Nogueira conta que foi uma ideia de Bulhões, que achava que o essencial naquele momento era ter um órgão que garantisse a coordenação entre as políticas fiscal e monetária. "Se um dia eu for chamado a opinar, sugiro a extinção do CMN", disse Nogueira. "Eu era e continuo a ser contra o CMN. O BC não precisa de CMN."

Na origem, o CMN era formado pelo ministro da Fazenda, pelos presidentes do Banco do Brasil e do BNDES e por seis membros nomeados pelo presidente da República, com mandatos de seis anos. A diretoria do BC era formada por um presidente e três diretores escolhidos entre os membros com mandato fixo do CMN. O arranjo funcionou bem enquanto a economia era comandada por Bulhões e o ministro do Planejamento, Roberto Campos, que deram prioridade ao combate à inflação. Ao longo dos anos, porém, o CMN foi sendo ampliado e, nos anos 1980, chegou a ter 27 membros, integrado por outros ministros, como o da Agricultura, e representantes de empresários e trabalhadores. Era comum que decisões fossem tomadas para atender interesses localizados, com resultantes pressões sobre o orçamento da União.

Uma fragilidade importante nesses primeiros anos do BC foi o orçamento monetário, que havia sido criado nos tempos da Sumoc como instrumento para conter a emissão de moeda e os grandes agregados monetários da economia, como o crédito. No fim das contas, tornou-se apenas mais um braço do orçamento fiscal, em que o governo definia quanto iria expandir os agregados monetários para cumprir seus objetivos de financiar investimentos e algumas atividades econômicas.

É possível que esse arranjo criado pela lei 4.595, apesar de seus vários flancos, tivesse sobrevivido bem se a independência do BC não tivesse sido violada em 1967. Ruy Leme, o escolhido por Delfim Netto após a demissão de Denio Nogueira, ficou menos de um ano na presidência do BC. Para seu lugar foi nomeado o economista Ernane Galvêas, que cumpriu o mandato de seis anos, conforme dizia a lei.

Na década de 1980, esse arranjo institucional precário já empurrava a economia para a hiperinflação, quando começaram a ser feitas algumas reformas importantes, que fortaleceram o BC. A conta movimento foi extinta; retirou-se o crédito rural do BC; o orçamento geral da União passou a englobar subsídios para operações de crédito oficial; e a Constituição de 1988 proibiu o BC de financiar o Tesouro Nacional.

Os progressos, porém, foram acompanhados de alguns passos para trás. Quando o país vivia um período de transição para a democracia, os primeiros governadores eleitos descobriram que podiam usar seus bancos estaduais como máquinas de imprimir dinheiro, sacando a descoberto em suas contas de reserva bancária mantidas no BC. O CMN tornou-se uma entidade figurativa.

Só em 1994, com a edição do Plano Real, esses problemas começaram a ser resolvidos. Gustavo Franco, um dos responsáveis pelo programa de estabilização, conta que o ideal seria ter acabado com o CMN, mas para tanto seria necessário mudar a lei 4.595, o que poderia acarretar um grande transtorno. O artigo 192 da Constituição, que tratava do assunto, previa também um teto dos juros de 12% ao ano, algo impraticável. Era impossível mudar uma coisa sem lidar com a outra. A solução encontrada foi restringir o CMN a um tamanho mínimo, vigente até hoje, com três membros: os ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do BC.

Pouco depois do Plano Real, o BC enfrentou o problema dos bancos estaduais, fazendo intervenções. O governo criou um programa de saneamento dessas instituições, que levou ao fechamento ou privatização da maioria. Os poucos que restaram passaram a ser submetidos à mesma regra de supervisão dos bancos privados. Mais tarde, o governo socorreu os bancos federais, e o BC passou a vigiá-los.

O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC foi criado em 1996. Apesar de ser um órgão poderoso, responsável por elevar os juros para esfriar a economia e controlar a inflação, a base legal de sua criação é apenas uma circular do próprio BC. "Copom é o nome que foi dado a uma seção especial da diretoria do BC", diz Franco. "Não há nenhuma lei para protegê-lo, mas hoje nenhum presidente da República teria coragem de extingui-lo. É uma ideia que tem um poder muito maior do que muitas leis que não pegam no país."

O sistema de metas de inflação foi implantado três anos depois, em 1999, quando o Brasil abandonou o regime de câmbio administrado, que havia sido a principal âncora contra a inflação no Plano Real. "Quando fui convidado para assumir o BC, disse que topava se fosse para ter metas de inflação, meta fiscal e câmbio flutuante", relata Armínio Fraga. Mas a ideia já vinha sendo cogitada pouco antes disso. Em janeiro de 1999, quando o antecessor de Armínio, Francisco Lopes, estava negociando com o FMI os termos da flutuação cambial brasileira, houve um entendimento para que fosse adotado também um regime de metas de inflação.

O regime de metas de inflação também tem uma base legal frágil - um simples decreto do então presidente, Fernando Henrique Cardoso, que, em tese, pode ser revogado facilmente. "É muito frágil do ponto de vista institucional", diz Franco. "Mas nem a presidente Dilma, que tem opiniões fortes e é cheia de ideias próprias sobre o que fazer na economia, tem coragem de modificar esse decreto."

O que falta agora é a independência. Dirigentes do BC das últimas duas décadas, incluindo o atual presidente, Alexandre Tombini, são unânimes em afirmar que tiveram autonomia para pilotar a política monetária e vigiar o sistema financeiro, apesar de não haver proteção em lei. Mas, de forma geral, reconhecem que a falta de proteção legal deixa o BC vulnerável a declarações de autoridades do próprio governo contra suas decisões e a rumores que circulam no mercado.

O problema já existia no governo Lula, quando o vice-presidente da República, José Alencar, dava declarações contra a alta de juros e assessores do Palácio do Planalto plantavam notas e reportagens contra o BC. No governo Dilma, a própria presidente passou a fazer declarações contra a autonomia do BC. "Não acredito em políticas de combate à inflação que olhem a redução do crescimento econômico", disse Dilma no começo do ano passado, quando o BC começava um ciclo de aperto monetário, criando uma confusão que precisou ser corrigida por Tombini.

Em 1999, quando o regime de metas de inflação foi adotado, um memorando assinado pelo governo FHC com o FMI previa a adoção de mandatos fixos para o presidente e o restante da diretoria do BC, quarentena e mecanismos para sua demissão. "Chegamos a elaborar uma Lei de Responsabilidade Monetária, mas nunca houve consenso dentro do governo", diz Armínio. FHC, que teve que fazer duas trocas de presidentes do BC em meio a uma crise, não era partidário da ideia.

Depois que Lula assumiu, foi aprovada uma emenda constitucional que permitiu a regulamentação fatiada do artigo 192 da Constituição. Era uma forma de escapar da casca de banana do teto de 12% para os juros e tocar adiante o projeto de autonomia do BC. Mas o assunto criou tantas divisões que não foi adiante.

Por imposição de circunstâncias políticas, a autonomia do BC acabou formalmente nas mãos de um dos economistas mais admirados do país, mentor de toda uma geração e claramente comprometido com a responsabilidade monetária e fiscal. Em 1974, no começo do governo Ernesto Geisel, o ministro da Fazenda, Mario Henrique Simonsen, enviou um projeto de lei ao Congresso que acabava com os mandatos fixos. "Quando tomei posse no Ministério da Fazenda, em 1974, achei melhor, já que o AI-5 estava em vigor, tornar o presidente e os diretores do BC demissíveis pelo presidente da República", explicou Simonsen em um depoimento para o CPDOC/FGV. Numa ditadura militar, em que não havia garantias nem para quem tinha mandatos eleitos, não havia espaço para a autonomia do BC. "O Mario perdeu, tristemente", disse Casimiro Ribeiro.

Politica Externa do Brasil: debate na CREDN da CD - videos

Agradeço ao meu amigo Guilherme Soares por meu enviar os videos relativos ao debate sobre a atual Política Externa do Brasil que ocorreu na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados em 10/12, tendo como participantes  Luis Felipe Lampreia, Marco Aurélio Garcia, Demétrio Magnoli e Samuel Pinheiro Guimarães.

Links para as duas partes do debate no Youtube:

Parte 01
https://www.youtube.com/watch?v=75UqMjP530Q (o debate começa aos 27 minutos)

Parte 02
https://www.youtube.com/watch?v=sXesKMl_Bl8

http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/credn


Divirtam-se, se é o caso de se dizer...
Paulo Roberto de Almeida

Social Science Research Network: Report of the President, 2014


Mais uma plataforma acadêmica de interesse para pesquisadores e scholars das humanidades.
Paulo Roberto de Almeida  

Social Science Research Network: Report of the President
SSRN's 2014 Year-End President's Letter
December 19, 2014

SSRN has delivered over 81 million full-text PDF downloads to date and users currently download close to 1 million PDFs per month. We expect to reach the 100 million download milestone in early 2016. The SSRN eLibrary currently has 581,000 paper abstracts from 269,000 authors and our CiteReader technology, built with ITX Corp., has extracted 9 million references and 9.1 million footnotes, and matched 6 million citations from our 482,000 full text papers. We are pleased to see the broad connections SSRN is making within the academic community.

In 2014, there were several examples of SSRN's impact on the larger scholarly world. The World Bank report in May showed the diverse benefits of using both SSRN and an institutional repository for sharing scholarly research. We connected the SSRN eLibrary with ORCiD last month; SSRN authors with ORCID IDs in their record will get proper credit for their research submitted to SSRN by journals that include ORCID IDs in their submissions. In October, we were honored to receive the Three Luminaries Award from The International Council for Small Business and The George Washington University Center for Entrepreneurial Excellence for our commitment to Open Access and support of entrepreneurship. This was an important year for expanding SSRN's reach beyond the social sciences in the USA and we are very proud of our accomplishments.

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Gregg Gordon
President
Social Science Research Network

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Academia.edu: uma plataforma de informacao e cooperacao academicas - Paulo Roberto de Almeida


Academia.edu: uma plataforma de informação e de colaboração entre acadêmicos

Paulo Roberto de Almeida

Conheci o Academia.edu por referência de colegas acadêmicos e por ter lido a respeito na própria internet. Já conhecia, e era membro, como ainda sou, do Researchgate.net (https://www.researchgate.net/profile/Paulo_Almeida2), uma outra plataforma, que possui objetivos relativamente similares, isto é, conectar acadêmicos e facilitar a disseminação de material de pesquisa e publicações de todas as áreas científicas, ainda que por mecanismos e ferramentas ligeiramente diferentes. No formato atual do Academia.edu, mantenho arquivo de publicações e intercâmbio desde dezembro de 2013, mas antes já estava afiliado, embora com outra identidade, mas sempre através de minha vinculação como professor do Centro Universitário de Brasília (Uniceub), nos programas de mestrado e doutorado em Direito. Neste ano, pude ali carregar boa parte da minha produção acadêmica, à qual tiveram acesso centenas, se não milhares, de pesquisadores de todo o mundo, como também outros “curiosos” não exatamente identificados (o que pode ser visto no Analytics).
Desde o início da era da internet (estamos falando do início dos anos 1990) eu procurei utilizar as possibilidades de comunicação e de informação que começavam a se tornar disponíveis por meio das versões “primitivas” da www, então baseada unicamente na linguagem html, sem muitas outras ferramentas sofisticadas. (...) Com o passar dos anos tecnologias e plataformas foram evoluindo e eu procurei acompanhar a progressão, ainda utilizando ferramentas livremente disponíveis na internet. Meu primeiro site foi baseado em Geocities, com navegador Netscape, então dominante. Fiz um pequeno site, bastante limitado, com os mesmos objetivos e finalidades que caracterizam atualmente meu domínio pessoal (www.pralmeida.org), este existente desde o final dos anos 1990, concentrando o essencial de minha produção em todas as áreas de atuação acadêmica e profissional. Ele serve, essencialmente, para postar a produção própria, pois sempre fui muito solicitado, por alunos, colegas professores e pesquisadores de origens diversas, a oferecer informações e aconselhamento sobre os temas que são objeto de minhas publicações mais frequentes, que coincidem tanto com minhas atividades profissionais na diplomacia, quanto com o exercício da profissão docente (que mantenho em caráter paralelo à profissão no serviço público federal).
O site www.pralmeida.org é basicamente passivo, ou seja, fica à disposição de quem o acessa – diretamente ou por ferramentas de busca – uma vez que nele vou colocando trabalhos publicados, vários inéditos, listas de trabalhos, informações sobre todos os meus livros – próprios, editados, capítulos em livros coletivos, teses, livros e publicações diversas – e outras seções adicionais, mas ele também comporta uma janela de contato, através da qual recebo consultas, perguntas, pedidos dos mais diversos interlocutores, geralmente para ajuda dos mais jovens em algum trabalho universitário. (...) Fui e sou colaborador regular de inúmeros periódicos de minhas áreas de pesquisa e reflexões acadêmicas, assim como sou editor adjunto da mais antiga revista de relações internacionais do Brasil, a Revista Brasileira de Política Internacional (1958 a 1992, no Rio de Janeiro, com a qual colaborei a partir de meados dos anos 1980, e desde 1993 em Brasília, processo que conduzi pessoalmente). (...)
Em meados dos anos 2000, após certa relutância, passei a usar as possibilidades de postagens rápidas no formato blog (http://diplomatizzando.blogspot.com/, mas ele é apenas o sucessor de vários outros anteriores, ou de outros especializados). Também resisti muito a aderir a outras ferramentas, como Twitter ou Facebook, tanto por timidez e reserva naturais, quanto pela percepção, acertada, que me tomaria o precioso tempo de que disponho para ler, refletir, escrever e publicar, justamente. Acabei aceitando e aderindo, mas as uso de maneira bastante limitada, evitando muitas interações que me tomariam esse tempo precioso justamente. (...)
O Academia.edu permitiu aumentar enormemente a visibilidade de minha produção acadêmica. A concepção dessa plataforma veio potencializar a disseminação de meus materiais, uma vez que ela se baseia na indexação múltipla de cada trabalho ou arquivo inserido, o que suponho passa a ser do conhecimento não apenas daqueles outros membros que me seguem, quanto de outros pesquisadores que fazem buscas nessa plataforma. Os conceitos mais comuns no meu caso são: Brazilian Foreign Policy, Brazilian History, Brazilian Political Economy e Brazilian Politics, além de algumas outras em número e diversidade mais limitada. Estes são meus campos de atuação, e cada uma dessas entradas podem ter algumas dezenas ou mais de um milhar de “assinantes”, e se supõe que o volume aumente constantemente com a adesão de mais e mais pesquisadores no Academia.edu. Isso deixa supor um alcance que eu nunca teria apenas com o meu site, mesmo inscrito nos instrumentos de busca mais comuns.
Por meio dela, portanto, meus “seguidores” ficam sabendo de tudo o que eu posto – e os materiais são em volume significativo – assim como acompanho o que produzem, e disseminam no Academia.edu os acadêmicos que sigo. Por vezes, também recebo pedidos para encaminhamento de algum trabalho postado apenas parcialmente, ou referido nessa plataforma, o que vai ampliando o escopo e a abrangência da divulgação. Pelas estatísticas que recebo regularmente, computadas sob diversas formas no Analytics, fico sabendo não da identidade, mas do local de onde partiram as buscas por trabalhos meus. Existe também uma grande quantidade de “desconhecidos”, ou de “não identificados”, o que supõe instrumentos de busca, ou serviços de informação que desejam permanecer incógnitos. Os alertas sobre “pesquisadores” que buscaram trabalhos meus, ou que acessaram meu perfil são diários, assim como são frequentes os alertas sobre algum trabalho mais buscado e descarregado, geralmente os mais recentes ou de título mais atraente. Trabalhos em inglês ou francês, que também publico, recebem visitas mais frequentes, embora o volume maior seja obviamente em português, que concentra o essencial de minha produção, de resto dirigida basicamente a um público universitário e de pesquisadores situado no próprio Brasil. Uma vez por mês, ou um pouco mais, visito o Analytics para ter uma ideia do que andam buscando com maior intensidade, e publico os resultados mais frequentes em meu blog, com uma ou outra observação sobre as visitas e carregamentos.
O Academia.edu é uma boa fonte de pesquisa e de informação, ainda que não possa ser equiparado às bases de dados mais usadas no meio acadêmico, que são feitas de modo profissional, com indexação de base científica e de uso obrigatório nos centros universitários e laboratórios mais produtivos de todo o mundo. O Academia.edu é um bom instrumento, mas de uso pessoal, flexível o bastante para servir a pesquisas rápidas e divulgação facilitada, mas não pode, ainda, substituir as bases de dados profissionais. Embora sua tendência seja, provavelmente a de crescer nessa direção, mas o modo de funcionamento terá de, provavelmente, mudar em consequência. Revistas especializadas são caras, de acesso mais restrito, porque ou se assina – e pode custar caro – ou se tem de ir numa biblioteca. Atualmente, e desde muitos anos, os pesquisadores usam veículos digitais onde estão revistas eletrônicas e impressas – tipo JSTOR, por exemplo – e as impressas apresentam o problema do seu arquivamento e conservação. (...)
Já descarreguei vários trabalhos do Academia.edu, em temas de minhas pesquisas, e devo ter citado um ou outro em trabalhos recentes, mas minha utilização dessa plataforma ainda é relativamente recente. Por outro lado, tenho feito uso dela, mais para carregar meus próprios textos – uma espécie de backup livre e disponível – do que para engajar pesquisas propriamente, mas é provável que cada vez mais venha a recorrer a ela para trabalhos futuros. Ele pode ser comparado ao Researchgate.net, que também possui concepção relativamente similar, embora com dispositivos algo diferentes, e sem a capacidade de indexação – e portanto de disseminação direta – do Academia.edu, e que parece constituir sua vantagem comparativa por excelência.
A característica a ser primeiro destacada no site sua própria existência, seu caráter gratuito, sua capacidade que é aparentemente ilimitada, e sua flexibilidade de uso, uma vez que é possível criar quantas categorias desejamos para ir acomodando todos os tipos de trabalhos (inclusive vários de terceiras partes e de fontes diversas). Organizei minha arquitetura no Academia.edu de forma algo similar a que existe em meu site: livros próprios, aqueles que eu editei, os que eu colaborei com capítulos, os artigos publicados em periódicos com revisão incógnita (peer-reviewed), os simples papers e artigos publicados em formato digital, e diversas listas de trabalhos, para justamente facilitar a busca de algum curioso em determinada área (tipo integração, política externa do Brasil, trabalhos em inglês ou francês, etc.).
A ferramenta mais importante, obviamente, é a sua definição de interesses, que podem ser tanto palavras-chaves (que na verdade representam pesquisadores reunidos sob certas rubricas, digamos “international relations”, ou “Brazilian Foreign Policy”) quanto definições que qualquer pessoa decide criar. Existem conceitos com apenas um seguidor, e qualquer um pode criar um “index” com o seu próprio nome, de forma bem narcisista, e ter o seu grupo de seguidores fieis. O mais comum, porém, é encontrar itens que reproduzem palavras-chave (key words) encontráveis em quaisquer revistas sérias. Não é algo absolutamente inovador, mas o fato de definir seus campos de “depósito”, ou de “arquivamento” e a capacidade de se criar novas palavras-chave, em determinada área de interesse que pode atrair outros pesquisadores – que por acaso digitem um novo conceito e encontrem outros na mesma área – representa, ao meu ver, um tremendo suporte à ampliação da cooperação entre acadêmicos de todos os lugares do planeta.
Uma eventual limitação dessa plataforma talvez possa ser a inexistência de alguma ferramenta do tipo citação dos seus próprios trabalhos por outros pesquisadores, que existe, por exemplo, no citation do Google Scholar. O meu, nesse instrumento do Google, responde no link: http://scholar.google.com/citations?user=OhRky2MAAAAJ e pode oferecer boas surpresas para saber se, quando e como outros pesquisadores estão fazendo uso de minhas pesquisas e publicações. O Academia.edu apenas relaciona quantas vezes alguém – pode até ser um navegante enganado – acessou seu perfil ou um trabalho em um determinado país.
O Academia.edu de forma alguma se parece com, ou ameaça os periódicos tradicionais, pois os objetivos e os mecanismos de utilização e de compartilhamento são bastante diferentes. Os journals são, em princípio, proprietários, ou seja, exclusivos e excludentes, baseando-se no trabalho coletivo de um comitê editorial que decide quem merece ser publicado ou não. Eles são, ainda, o principal repositório do conhecimento científico e da pesquisa especializada. Em contrapartida, o Academia.edu é uma espécie de feira livre, e de free lunch, já que todos podem postar o que desejarem, sob qualquer critério, o que poderia abrigar, inclusive e hipoteticamente, fraudes e plágios. O Researchgate.net, nesse particular, é mais restrito, já que pede para identificar a publicação e os dados editoriais (o Academia.edu o faz, mas de modo mais livre).
Estamos falando, portanto, de dois animais completamente diferentes, ainda que pertencendo à grande família dos “papers acadêmicos”, mas de classes diferentes e, sobretudo, de espécies completamente distintas, por enquanto não solúveis uma na outra (e creio que devem permanecer assim). Existe alguma osmose entre elas, mas esta é puramente voluntária, e provavelmente não aceita pelos journals mais respeitados. Como, no entanto, os journals estão ficando muito “caros” para os pesquisadores individuais, e extremamente disputados pelos que necessitam publicar para não serem completamente ignorados – segundo o famoso, e por vezes vicioso, moto “publish or perish” –, pode ser que plataformas desse tipo venham a preencher alguns papeis de revistas da área científica. Ainda assim, seria preciso algum controle para preservar a qualidade, e a veracidade e fiabilidade, do que se publica e divulga, para não comprometer a respeitabilidade dos meios acadêmicos. As fraudes e plágios já existem em grande número em condições normais, e ferramentas como o Academia.edu podem potencializar ainda mais a possibilidade de usos indevidos dos materiais ali depositados.
Não se pode determinar, a priori, um meio ou veículo ideal, mas é certo que existe uma filtragem natural dos meios com respeito aos fins, em função da qualidade e da relevância da produção acadêmica. Cientistas gostam, em geral, de revistas de grande divulgação, como Nature, ou Science, mas elas abrigam um número extremamente reduzido de aspirantes, e o mais frequente é o veículo especializado numa pequena área do conhecimento científico, e mais frequentemente em formato eletrônico ou digital. Os da área das humanidades aspiram também aos grandes veículos de prestígio, com grande número de assinantes e leitores online, mas aqui também o acesso é bem restrito.
A academia vem conhecendo por uma multiplicação de veículos, alguns inclusive feitos ad hoc, e sem qualquer qualidade, apenas para responder a critérios quantitativos das entidades de fomento – você precisa ter tantos pontos por publicações para poder aspirar um suporte financeiro para um congresso ou projeto qualquer – e muitos desses sobrevivendo em perfeita promiscuidade – você me publica, que eu te publico – o que é um sinal de deterioração dos padrões acadêmicos, certamente. Porém, a maior parte dos journals é séria, e mantém padrões, mas são disputados acirradamente. Sobram as muitas revistas quase de departamento universitário, que são geralmente medíocres, mas tendem a melhorar com o tempo.
A vantagem, talvez involuntária, de uma plataforma do tipo Academia.edu é a de facilitar o acesso a todo tipo de publicação, mas também de peças de qualidade que não teriam chegado ao conhecimento de colegas e potenciais interessados sem esse recurso da “auto-publicação”. Com isso, narcisistas podem ficar gratificados, e embromadores serem devidamente identificados. Em todo caso, mais publicações, mais recursos disponíveis, maior diversidade de pesquisas, acesso facilitado e instrumentos de busca flexíveis sempre serão benéficos para o avanço das boas pesquisas e para um conhecimento mais amplo dos bons projetos de pesquisadores isolados. Creio que todos esses formatos de veículos de publicação e de divulgação são válidos, uma vez que eles são complementares nos seus objetivos e funções, e servem aos diferentes propósitos dos pesquisadores, como podem ser desde o desejo narcisista de serem conhecidos, até o trabalho cooperativo de alto nível.
No meu caso, que sou um pesquisador e acadêmico em tempo parcial, e que leva um labor solitário nas horas vagas de lazer e de descanso, fora e em complemento ao trabalho profissional na diplomacia, e que não dispõe de grande recursos próprios ou institucionais para publicação ou divulgação, uma plataforma como o Academia.edu é um instrumento valiosíssimo de disseminação de textos possuidores de algum valor para outros acadêmicos da área. Acredito que foi uma grande “invenção” de acadêmicos, que talvez tenham alguma motivação comercial, mas que acredito animados de um desejo sincero de servir à comunidade a partir de uma ferramenta criativa e inovadora. Sou muito grato à equipe de Academia.edu, com quem interagi várias vezes para solucionar questões pontuais de meu “arquivamento” e de minha própria identidade, e sempre fui atendido em tempo extremamente rápido e de forma completamente satisfatória.
Paulo Roberto de Almeida
Hartford, 19/12/2014