O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador debate sobre politica externa. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador debate sobre politica externa. Mostrar todas as postagens

domingo, 19 de novembro de 2023

A arte de ficar calado, de novo - Rubens Barbosa sobre Lula boquirroto

Rubens Barbosa: A arte de ficar calado, de novo

 

Revista Interesse Nacional, novembro 17, 2023


Presidente erra ao fazer declarações sobre a guerra na Faixa de Gaza, e pode gerar problemas para os interesses brasileiros. Para embaixador, falas de Lula também não contribuem para diminuir as tensões e divisões internas no Brasil 

Por Rubens Barbosa*

Algumas pessoas atravessam a rua para pisar em casca de banana, escorregar e se machucar.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva repete o mesmo equívoco de falar publicamente o que ele pode até pensar, mas que não deveria tornar público, para evitar controvérsia. 

‘A palavra do presidente conta, especialmente, em questões de relações internacionais’

A palavra do presidente conta, especialmente, em questões de relações internacionais.

No inicio de seu governo, o presidente elogiou a Venezuela e o regime Maduro, relativizando o conceito de democracia. Na oportunidade, foi publicamente corrigido pelos presidentes do Uruguai e do Chile e teve de ouvir manifestações políticas internas com desgaste próprio e do governo. No começo da guerra da Rússia na Ucrânia, Lula disse que os presidentes russo, Putin, e ucraniano, Zelensky, eram igualmente responsáveis pelo conflito, ganhando críticas generalizadas.

Os arroubos verbais do presidente transformam situações que poderiam ser vistas como sucesso em atritos desnecessários que prejudicam a própria ambição de Lula de ter um papel de maior visibilidade e influência nas questões geopolíticas mais relevantes. Para embaixador, aparenta haver um esvaziamento problemático do Itamaraty, mas as declarações até agora não devem ter consequências práticas contra o país.

 

Agora, depois de 7 de outubro, quando o mundo estarrecido viu cenas terríveis com os ataques terroristas do Hamas em território israelense e as cenas igualmente dramáticas com as mortes de civis (em especial mulheres e crianças) em Gaza, Lula e seu governo voltam a emitir opiniões controvertidas. 

Depois de chamar o primeiro-ministro Netanyahu de insano e a reação bélica israelense de insanidade, Lula, ao receber o grupo de 32 brasileiros que voltavam de Gaza, disse que Israel estava bombardeando mulheres e crianças em ação terrorista, como os atos do Hamas, equiparando Israel ao Hamas. Por outro lado, em encontro em Paris, promovido pelo governo francês, sobre questões humanitárias relacionadas ao conflito, o assessor internacional do Planalto disse que o que está acontecendo na Faixa de Gaza poderia ser equiparado a um genocídio.

Assim como aconteceu no episódio do encontro com Maduro, a reação a essas declarações veio no mesmo dia. A Confederação Israelita do Brasil respondeu que gostaria de ver mais equilíbrio no posicionamento presidencial e que é errado equiparar uma democracia, como Israel, com ações do grupo terrorista Hamas. No mesmo sentido, se manifestaram o Instituto Israel Brasil e a ONG Stand with Us. 

As opiniões públicas do alto escalão do governo brasileiro, no caso de Gaza, poderão repercutir contra os interesses nacionais. Uma nova lista de cerca de 50 brasileiros está  sendo elaborada, e o governo terá de negociar com Israel, em especial, que tem a última palavra para a saída de nacionais de vários países pela porta de Rafah. Embora não haja evidência do que ocorreu, não pode ser descartada a hipótese de que o atraso de um mês da liberação dos brasileiro de Gaza, apesar dos esforços do governo, pode ser atribuído a uma reação de Israel às posições do Brasil no Conselho de Segurança da ONU e às declarações de altas autoridades brasileiras.

As manifestações de Lula também não contribuem para diminuir as tensões e divisões internas no Brasil em relação ao bolsonarismo. A Confederação enfatizou que “devemos nos esforçar para não importarmos o trágico conflito no Oriente Médio para o cenário já tão polarizado do Brasil”. Segundo pesquisas de opinião pública, o antissemitismo e a islamofobia estão aumentando no pais. Não há interesse na radicalização desse tema, em vista da importância das comunidades árabe e judaica e da convivência harmoniosa existente historicamente entre elas.

Contrastando com a chegada discreta de 1.500 brasileiros da Cisjordânia e de Israel, o desembarque dos 32 nacionais e palestinos, parentes dos brasileiros, ganhou grande destaque com a presença do presidente Lula e de Janja, além de meia dúzia de ministros em uma clara intenção de capitalizar politicamente para mostrar quem realmente foi responsável pela liberação dos que quiseram sair. Foi a resposta ao ex-presidente Bolsonaro, que declarou ter falado com o governo israelense para acelerar a decisão de liberar a saída dos brasileiros. Com isso, novamente acirrou a polarização interna e apareceu querendo tirar ganhos políticos de uma questão humanitária, o que não passou despercebido.

‘O Itamaraty manteve uma atuação profissional, evitando declarações de cunho político em defesa de qualquer um dos lados’

O Itamaraty, ao longo de todo o conflito na Faixa de Gaza e no tocante à guerra na Ucrania, manteve uma atuação profissional, evitando declarações de cunho político em defesa de qualquer um dos lados. 

A chancelaria procurou tratar a questão dentro dos limites da diplomacia com uma posição técnica de equidistância no resguardo dos interesses brasileiros. A competente coordenação com o Ministério da Defesa em dez voos que trouxeram mais de 1.500 da Cisjordânia, de Israel e da Faixa de Gaza procurou afastar o trabalho de conotações políticas e os pronunciamentos do ministro Mauro Vieira e dos embaixadores em Ramalah, no Cairo e em Israel primaram pela contenção e por ausência de manifestações politicas.

 

Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC., é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

 

domingo, 10 de março de 2019

Ricupero, FHC e Ernesto Araujo em debate sobre a política externa: a luta continua companheiros

Desculpando-me pelo título provocador, mas esta postagem tem unicamente o objetivo de dizer que o debate sobre a atual política externa continua.
Ele não precisa ser travado, interrompido – e certamente não o será – apenas porque poucas horas depois de eu ter postado o texto referido abaixo o chanceler ter decidido exonerar-me com "efeito imediato", como foi anunciado duramente pelo seu chefe de gabinete, agindo a mando.
O sogro, convidado por mim para uma palestra no Instituto Rio Branco, na sexta-feira 8/03, ainda tentou dissuadi-lo na mesma manhã de Carnaval, tão chuvosa manhã, mas frustrado em seu intento desistiu de viajar a Brasília, temendo repercussões maiores desse gesto autoritário.
As explicações foram as piores possíveis: "já estava prevista a substituição". Mas tinha de ser na manhã da segunda-feira de Carnaval? Não dava ao menos para esperar a quarta-feira de Cinzas?

A postagem abaixo foi feita na madrugada da mesma segunda-feira de Carnaval, e desde então acumularam-se comentários, pois eu justamente convidei a um debate sobre a política externa.
Como esses comentários podem passar despercebidos, permito-me transcrevê-los aqui abaixo, lembrando porém que a leitura do texto permanece à disposição dos interessados.
Apenas lamento que minha exoneração (ainda não consumada no momento em que escrevo: domingo 10 de março), tenha desviado o foco do debate sobre a política externa para esse infausto evento.

Nesta ficha, a indicação do arquivo e da postagem em questão, fazendo a assemblagem dos três textos, com uma introdução minha:

A política externa brasileira em debate: Ricupero, FHC e Araújo”, Brasília, 4 março 2019, 18 p. Introdução, em 2 p., à transcrição de três textos relativos à política externa do governo Bolsonaro, de Rubens Ricupero (25/02/2019), de Fernando Henrique Cardoso (03/03/2019), e do chanceler Ernesto Araújo (3/03/2019). Postado no blog Diplomatizzando (4/03/2019; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/a-politica-externa-brasileira-em-debate.html); disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/70710c9869/a-politica-externa-brasileira-em-debate-ricupero-fhc-e-araujo).


Meu "chute" inicial no debate foi dado nestes termos: 

Começou, finalmente, o debate, sem aquelas acusações debiloides dos lulopetistas, sem os argumentos ridículos do ex-chanceler da "ativa e da altiva". Comparecem um ex-ministro, Rubens Ricupero, um ex-chanceler e ex-presidente, Fernando Henrique Cardoso, e o atual chanceler do governo Bolsonaro, que debatem sobre a política externa atual. Os três textos são oferecidos para comentários e observações pertinentes.

Os demais comentários devem ser lidos na ordem inversa: 

Sinto por ter sido tão mal escrito, mas com estatísticas tendenciosas pode-se defender Lula por diminuir a dívida externa a níveis irrisórios, pode-se condenar Lula por uma perda imensa ao erário. Foi uma crítica a não ter números e fontes do Ricupero. Em segundo plano, lamento profundamente a exoneração do PRA de forma incorreta e infeliz. Por pensar um Brasil melhor, o Itamaraty desqualifica e tenta silenciar um dos seus melhores embaixadores.
Reescrevi rapidamente e simplifiquei
Agradeço a resposta. Estamos de acordo. Raffaelli
 

Apenas um breve comentário, à guisa de mais aprofundadas reflexões sobre os artigos de FHC ou o Professor Doutor, Rubens Ricupero, talvez o maior diplomata vivo do Brasil na atualidade: a exoneração do IPRI de Paulo Roberto de Almeida, homem multiletrado e reconhecido por sua afeição extremada ao debate de ideias, só demonstra a inefável tendência histórica (verdadeiramente traço cultural não luso-ibérico, mas de nosso Brasil) à truculência gratuita, que despreza e espanca o debate ideológico ao seguinte dilema: ou você está do nosso lado, ou está contra nós! Ernesto Araújo, em sua vertente primal (apenas se iniciando, tomara que seja aprumada com o tempo) de política externa virtualmente alinhada automaticamente a Washington, demonstra o desprezo a um dos pilares mestres da diplomacia: numa discussão, apresenta-se um argumento intelectual sólido, criterioso, ao qual se dá a chance de réplica, no sentido inverso: qual é o seu contra-argumento? Desnecessário dizer que a resposta virulenta do atual chanceler foi aquela já esperada na nossa cultura e magnificamente descrita no já tornado clássico ensaio de Roberto da Matta, intitulado Carnaval, Malandros e Heróis: o relato que consolidou uma das frases-mestras do conceito distorcido de nacionalidade brasileira: Sabe com quem está falando? A guisa de conclusão, lamentável verificar que a injusta, inaudita, violenta e inexplicável exoneração se deu quando? No intermezzo momesco...
 

Reescrevendo: Engolimos FHC, nos enganamos com Lula, desabamos com Dilma, passamos por Temer, e esperamos ainda por JB. Enquanto alguns estadistas em 4 ou 5 anos, puseram suas marcas para gerações e com isto o Brasil cresceu baseado em suas instituições criadas e estabelecidas, outros nem conseguem durante seu próprio governo manter a herança de Estado e a dilapidam como herança de família. Nossas instituições levaram décadas para atingirem a maturidade com trabalho determinado e com dedicação de seus membros. Isto, consequentemente representa muitos recursos empenhados na formação deste corpo. Destruir uma instituição é muito mais fácil e, obviamente representa risco inclusive para a nação quando se trata do Itamaraty e da política externa brasileira. Quando observo ações como a ocorrida recentemente na exoneração do PRA, venho a interpretar como uma atração num circo de horrores, e que de nada, absolutamente nada irá legar para o Estado e para nós. Quanto aos números e fontes requeridos para defender as tendências e que faltam no artigo do Professor Ricupero, acho dispensáveis, visto a firme e coerente explanação, pois estatísticas e números podem ser usados com encanto para justificar os erros, por parte de todos sem exceção, afinal todos aprenderam com Darrel Huff* e de forma nefasta se distanciam da realidade e dos objetivos reais. Somente lamento. * How to lie with statistics, 1954
 

Ricupero só indica suas fontes quando cita reportagens de revistas, mas nenhum dos números apresentados sobre as exportações brasileiras vieram acompanhados de... fontes. Procurei bastante esses números e não encontrei. "Basta lembrar que nada menos que quarenta e nove porcento do total das vendas brasileiras de proteína animal se destina a mercados árabes e do Irã". O senhor tem esse números? Sinto muito pela sua exoneração da diretoria do IPRI. Que isso estimule o senhor a produzir ainda mai... Read More
 

Parece que mesmo um leitor aparentemente perspicaz como o Paulo Roberto de Almeida não está livre de figurar entre os leitores incautos, haja vista sua destituição do IPRI. Receber críticas requer de qualquer sujeito ou entidade uma maturidade cada vez mais rara no ectoplasma do Espírito de nosso tempo. Almeida é vítima de mais uma leitura turva da realidade do atual governo e, quiçá, do mundo, ilustrando o argumento do Ricupero.
 

Os argumentos populistas do Chanceler Ernesto Araújo ao criticar FHC e Ricupero pela manutenção das políticas de longo e medio prazo, razão de ser do Itamaraty são infundados, carecem de diretivas sólidas e claramente refletem o despreparo da diplomacia brasileira lotada no atual governo.
 

Texto de Rubens Ricupero é muito rico de dados, informações e argumentos. Faz críticas contundentes ao atual chanceler Ernesto Araujo, que não consegue se contrapor aos argumentos de Rubens Ricupero e de Fernando Henrique, ao responder com acusações genéricas e vagas, sem indicar o caminho a seguir. Talvez ele mesmo não saiba e nem tenha autonomia para tanto, uma vez que, particularmente no relacionamento com a Venezuela, o general Mourão parece ter assumido o protagonismo. Felizmente.
 

Convido os interessados a ler os três textos e a continuar o debate. Eu teria várias observações a fazer, não só aos três textos, bem como aos comentários acima, mas vou deixar isso para uma próxima ocasião.

Ler os três textos no seguinte link: 

https://www.academia.edu/s/70710c9869/a-politica-externa-brasileira-em-debate-ricupero-fhc-e-araujo