O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

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segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Noticias da politica externa brasileira continuam dominadas pela esquerda - Alerta Google

Meus "Google Alerts" me trazem uma grande variedade de assuntos que sigo regularmente.
Entre eles figura, obviamente, "política externa do Brasil".
Sempre constato a mesma coisa: a dominação dos companheiros sobre uma fração significativa do noticiário, o que revela a tal estratégia gramsciana de conquista do terreno cultural e ideológico.
Esta é uma realidade que poderia mudar, se pessoas -- já não digo liberais, mas -- equilibradas escrevessem mais frequentemente sobre os mesmos temas.

politica externa do Brasil
Atualização semanal  14 de agosto de 2017


NOTÍCIAS 

O dinamismo da relação comercial entre Brasil e Venezuela diminuiu nos ... “A atual política externa do Brasil não está tão preocupada em priorizar ...
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Bateu duro e deixou claro como via o país: “O Brasil é um gigante ... Mas também um sinal de alerta: a política externa brasileira dava sinais claros de ...
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CARACAS, 7 AGO (ANSA) – O governo brasileiro e a alta representante para a Segurança e Política Externa da União Europeia, Federica Mogherini, ...
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Desta feita para rechaçar a decisão dos chanceleres de Brasil, Argentina, ... para, por meio do diálogo, promover a paz e a estabilidade política. ... país e a Constituição Federal, que consagra como princípios de política externa o ...
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Porque no Brasil houve golpe." Numa crítica dura a política externa brasileira, Igor debate as possibilidades de agravamento do conflito no país ...
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O senador também destaca que o Marrocos é um país-chave no contexto africano e de política externaextremamente ativa e multidirecionada.
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... poderes dependentes, e uma política externa cujo eixo essencial era e é a ... Para o senhor não existiu esse golpe no Brasil, e agora se apoia no ...
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O senador Roberto Requião (PMDB-PR) criticou a condução da política externabrasileira. Em sua opinião, o país abriu mão do protagonismo entre ...
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E também alinhar o Brasil à lógica imperial dos USA no lugar de uma política externa "ativa e altiva”. As classes oligárquicas (Jessé Souza, ...

Como escolher os seus governantes: Brunetto Latini (1260) - Regina Caldas


Recebo hoje (14/08/2017), este trabalho de TREZE anos atrás, de Regina Caldas, mas que traduz maravilhosamente bem ensinamentos sobre a arte da política e sobre o "perfeito" eleitor de quase 800 anos atrás, ou seja, em plena Idade Média, de um florentino, Brunetto Latini, do qual ainda não havia ainda falar (ou seja, nunca li a respeito, e agradeço muitíssimo por essa transmissão de novo conhecimento).

Ao enviar-me o texto abaixo, a autora escreveu o que segue numa mensagem: 

"Embora haja descrença sobre a conduta de nossos políticos, não podemos perder a esperança por dias melhores. Vale lembrar, que os políticos são escolhidos e eleitos por nós. Façamos a nossa parte  através de uma educação política que nos leve a melhores escolhas. 
Entretanto, vale lembrar, que o nível desejavel para a seleção de políticos capazes e íntegros tem baixado na maioria dos países." (RC, 14/08/2017)

Antes de postar o texto, fiz, de minha parte uma busca rápida sobre o autor em questão, e confirmei a excelente impressão que me causou o pensador florentino a partir do texto abaixo. Recomendo a leitura de uma tese sobre o seu Tesouro.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 14/08/2017
PERCEPÇÃO POLÍTICA
O exemplo de Brunetto Latini
Regina Caldas, 2004

        A vida de Brunetto Latini ( 1220-1294), coincide com um dos períodos mais agitados da história política florentina . Tendo recebido formação para se tornar notário, Brunetto foi treinado para escrever em latim nas mais variadas formas de contratos e na redação de atos e documentos governamentais. Como praticante de notário, atestou mortes, atos de ultima vontade, acordos de negócios particulares e do estado, entre Florença e outras cidades.

         Brunetto Latini foi uma proeminente figura da vida pública florentina. Ocupou vários cargos de confiança como chefe de chancelaria, conselheiro e por duas vezes, embaixador. Foi também escritor, e seus livros são relatórios baseados em experiências adquiridas na vida pública. Foi na França, durante um curto período de exílio, como Dante e Machiavelli, que escreveu seus melhores livros: Li Livres dou Tresor (no estilo das enciclopédias medievais), o inacabado Il Tesoretto, um trabalho alegórico e didático em versos, e Rettorica, um comentário do livro de Cícero, De inventione. Seus escritos revelam a sua maior paixão na vida pública: a palavra e seu efeito na vida comunitária.

           Aos olhos de Brunetto, a vida urbana significava a verdadeira forma de sociedade civilizada. Exagerando uma visão de Cícero, ele considerava a retórica, a suprema ciência de governar uma cidade. A arte de falar sem a qual a cidade não existia, pois faltariam justiça e solidariedade. Para ele a civilização originava-se na palavra, unindo os homens e levando-os a viverem juntos em algum lugar e debaixo de leis.

            Li Livres dou Tresor, foi a primeira enciclopédia a ser escrita para ensinar as leis, e dirigida aos burgueses. Entretanto, também trata de teologia, ciências naturais e história, mas os temas centrais são a ética, retórica e governo urbano. Seus mentores intelectuais foram Aristóteles e Cícero. O primeiro ajudou o autor a perceber as conexões entre ética, vida comunitária e política, enquanto com o segundo aprendeu a importância da retórica. Mas ele  foi além de endossar  seus inspiradores revelando uma extrema preocupação com os problemas políticos e morais dos espaços urbanos. Discutiu a dinâmica dos negócios e do dinheiro, a civilidade, a usura, o serviço comunitário, os departamentos de estado, a autoridade política e a justiça civil. A parte mais importante do Tresor aparece no livro III. Aqui ele trata da retórica e da “boa fala”, e se envolve com as cidades italianas e seus regimes comunais durante o período central do século XIII , discutindo as funções do “podestà”. Seus escritos nos oferecem uma percepção do homem como indivíduo e também uma visão acurada dos problemas de seu tempo. Ele aborda a natureza e origem dos governos, a ligação ideal entre o “podestà” e a comunidade, incluindo eleições e qualidades requeridas num bom governante. Trata também de todas as formalidades necessárias à chegada de um novo governante, a relação com o seu staff, reuniões com os conselhos comunitários, indicação de embaixadores, administração da justiça, suas responsabilidades sobre os direitos e propriedades dos cidadãos, preparo de seu sucessor, e tudo o que deve executar antes de deixar o governo. O livro é dirigido ao “podestà” e aos cidadãos. É um tratado prático e preciso, que além de ensinar as solenidades do cargo, também fala de justiça, imparcialidade, vontade divina e os benefícios da paz. ´

               Uma preocupação de Brunetto a respeito das eleições para o cargo de governar uma cidade, referia-se a seleção dos candidatos, quase sempre de origem nobre. Ele recomendava aos cidadãos que, ao fazerem suas escolhas considerassem acima de tudo a nobreza do coração, uma vida de costumes honrados,  seu trabalho e seu lar. Para tanto ele concluía: “Muitas pessoas não consideram os hábitos do candidato, mas sim o poder que ele comanda para a sua linhagem ou para os seus desejos. Eles estão, entretanto enganados, pois o ódio e a guerra têm se multiplicado entre nós, sendo isto o sinônimo de uma divisão entre os burgueses. E os cidadãos que amam uma facção odeiam as outras. Tiranos como Ezzelino da Romano, Torriani e outros, desfilavam aos olhos de Brunetto como resultado da tendência popular de eleger candidatos na base do seu poder, de suas ambições ou sua popularidade. Para ele, o poder deveria ser partilhado entre a experiência, os bem sucedidos e as eminências. Nas sociedades fortemente marcadas pelo status, deferências e  intelectualidade, a tendência é  que as altas classes tornem-se elitistas e cuidem apenas de proteger seus próprios interesses.

                  Outra preocupação do notário, relativa ao governo, era de que os governantes deveriam manter afastadas suas relações de amizade enquanto ocupassem cargos de poder, já que isto diminuiria a dignidade do cargo, levantava suspeitas e estimulava a discórdia civil. A implicação era de que o “podestà” poderia ser tentado a ajudar os amigos violando as leis. Um podestà jamais deveria vender justiça ou receber presentes, afirmava ele.. E concluia que sendo a comunidade sempre dividida pelos interesses dos vários grupos sociais, a melhor maneira de se impor barreiras à corrupção e às dissidias seria obedecer a lei e temer a Deus.

                    O código de Brunetto, a ser seguido pelo bom governante determinava:

Não aceite um segundo termo;

Não faça amigos enquanto estiver governando;

Não mantenha contactos pessoais;

Não adquira débitos com pessoa alguma;

Não se permita ser louvado pelo conselho;

Esteja acima das partes e facções;

Sempre consulte os cidadãos mais capazes;

Favoreça a opinião e o conselho da maioria;

Obedeça estritamente a lei em todas as circunstancias;

Não aumente as taxas e impostos deixando a população endividada, salvo por manifesto benefício à cidade e pela aprovação do conselho.

                   Como fica muito claro na concepção do notário, justiça não soluciona todos os problemas existentes dentro de uma comunidade, pois as pessoas diferem umas das outras e assim sempre será. O homem sempre tem uma concepção arbitrária ao reclamar para si os bens terrenos. Mas, estando a justiça no meio deles torna-se possível a convivência social. 
              
                     Em vários aspectos de seus escritos, Brunetto manifestou pensamentos e atitudes que retrataram a percepção local própria do século XIII. Porém, quando fala de política e sociedade, seus pensamentos são extraídos de um forte apego à cidade tendo-a como um fim em si mesma. E, numa época em que todo ato de governo era considerado fruto da vontade divina, sua visão política vai além de seu tempo. A noção medieval de que todo poder político provinha de Deus não era uma abstração. Continuamente, nas falas públicas o homem era conduzido a aceitar plenamente a vontade divina em seu destino. A doutrina era enunciada sob o juramento de que reis e governantes reconheciam a origem divina de sua autoridade. As conseqüências eram de ordem prática. Se toda a atividade política  origina-se de uma concepção religiosa e sujeita à uma ordem de valores eternos, quem governava estava imbuído de um poder superior incontestável para criar as leis, julgar, administrar  e decidir os destinos da cidade e de seus cidadãos, conduzi-los à guerra ou à paz. E as conseqüências para os cidadãos eram claras, os heréticos eram condenados à morte. Foi Brunetto Latini que, durante o tempo em que esteve exilado na França, primeiro manifestou sua compreensão da necessidade de separar a gestão do Estado de suas origens de cunho espiritual tornando-o secular. Mas, para que a semente de seu pensamento se espalhasse e provocasse mudanças para governos seculares levou tempo.

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Addendum bibliográfico, enviado pela autora: 


Em "Power and Imagination" referindo-se ao capítulo em que o autor menciona Brunetto Latini,  ele cita o livro de N. Rubinstein "Marsilius of Padua and Italian Political  Thought in His Time" :
 reeditado em 1965.
Cliquem aqui.

Neste link.


domingo, 13 de agosto de 2017

Livro de P.R. Almeida no concurso de admissao a carreira diplomatica, 2017

Uau! Parece que, depois dos 13 anos de pensamento único companheiro, quando não só minha figura, como todos os meus escritos estavam banidos de qualquer instância no Itamaraty, desde o concurso de admissão ao curso do Instituto Rio Branco, até as esferas de definição de políticas, depois dessa longa travessia do deserto, alguém (não tenho a menor ideia quem) resolve me "ressuscitar", trazendo um pequeno trecho de um dos meus livros como base para questões formuladas aos candidatos:

O livro está citado, e é este aqui:

Paulo Roberto de Almeida: Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização (Rio de Janeiro: LTC, 2012, 309 p.; ISBN 978-85-216-2001-3)

Uma guerra nuclear que quase ocorreu, em 1983 - Book review

Certas coisas podem acontecer, quando os atores estão predispostos a pensar nessa direção, instalando mísseis e sistemas defensivos. Como agora, por exemplo. As fontes estão aqui:

National Security Archive, “The Able Archer Sourcebook,” http://nsarchive.gwu.edu/nukevault/ablearcher/.

Paulo Roberto de Almeida 


DiCicco on Jones, 'Able Archer 83: The Secret History of the NATO Exercise That Almost Triggered Nuclear War' [review]

Nate Jones, ed. Able Archer 83: The Secret History of the NATO Exercise That Almost Triggered Nuclear War. New York: New Press, 2016. 320 pp. $27.95 (cloth), ISBN 978-1-62097-261-8.

Reviewed by Jonathan M. DiCicco (Canisius College)

Published on H-Diplo (August, 2017)

Commissioned by Seth Offenbach


Did the United States and the North Atlantic Treaty Organization (NATO) unwittingly push the Soviet Union to the brink of war in 1983? A choir of voices echoes the claim that the superpowers came “frighteningly close” to nuclear war—“certainly closer than at any time since the Cuban missile crisis of 1962.”[1] Unlike the showdown over missiles in Cuba, however, this episode of nuclear peril played out in the shadows. No banner headlines heralded what the faithful believe was the moment of peak danger: the second week of November 1983, when misperceptions of a NATO military exercise code-named Able Archer 83 evidently prompted the Soviets to put nuclear-capable forces on alert. Trapped in an intelligence cycle that reinforced fears of susceptibility to surprise nuclear attack, Soviet leaders took steps toward an anticipatory counterattack.


Within days, the Soviet alert was called off. The situation did not escalate; war did not break out. The “crisis” moment even passed unnoticed by American political leaders, who learned of the apparent brush with catastrophe only after the fact from revelations by Oleg Gordievsky, a KGB/MI6 double agent. The Soviet “War Scare” became a subject of considerable interest within then president Ronald Reagan’s administration in late 1983 and well into 1984. Retrospective intelligence assessments were quietly undertaken to improve US understanding of Soviet actions and motivations, including perceptions of vulnerability, hypervigilance, and fears of surprise nuclear attack. Unsurprisingly, these proceedings were kept secret.


For years, secrecy and relative obscurity kept Able Archer 83 from public view. Journalists like Don Oberdorfer and a few historians picked up the thread in the 1990s, but the documentary trail was scanty at best.[2] Gordievsky defected and published accounts of Soviet intelligence activities associated with fears of a decapitating first strike, but produced little by way of authenticated documents.[3] Former US officials like national security advisor Robert McFarlane and deputy director for intelligence Robert Gates spoke and wrote openly about the war scare and Able Archer, but minced words and tolerated (and perhaps encouraged) ambiguity concerning the particulars.[4] Reluctant governments and bureaucracies balked at requests for relevant classified documents.


Welcome, then, is Able Archer 83: The Secret History of the NATO Exercise That Almost Triggered Nuclear War, an edited collection of documents ferreted out by the National Security Archive. Known for its dogged use of Freedom of Information Act (FOIA) requests in sustained campaigns to expose historic secrets of the US national security establishment, the not-for-profit organization has posted on its website a substantial collection of declassified documents related to the war scare.[5] This print volume features thirteen document reproductions, mostly from US sources. Nate Jones, the archive’s head researcher on Able Archer 83 and clearly an authority on the subject, includes in the book a richly detailed sixty-five-page introductory section. Extensively researched and documented with over 280 intricate and often informative endnotes, it serves as a fine complement to the selection of declassified documents.


Jones’s densely packed introduction is an expanded version of his 2009 master’s thesis, which argued (without the benefit of many documents unearthed since) that Able Archer 83 pushed the Soviets to the brink of nuclear war.[6] The account inevitably echoes themes of earlier works on the subject by Benjamin B. Fischer, Beth A. Fischer (no relation), and others, but it also adds considerable context and evidence, and makes original claims rooted in analysis of primary documents and (to a lesser extent) the secondary literature.[7] Using facts and information from recently declassified documents, together with archival sources and the occasional interview, Jones corrects mistakes and clarifies ambiguities in the historical record.


But this is not a wholly dispassionate enterprise. Jones frames the subject and its subtopics around two purposes: to convince readers that 1983 was a year of exceptional danger that culminated in a needlessly provocative NATO military exercise that had unintended consequences; and second, that the Able Archer 83 exercise provoked a secret, one-sided crisis that nearly triggered a nuclear war, averted perhaps only by a US Air Force lieutenant general’s “instinctual decision not to respond to the Soviet escalation in kind” (p. 67). Faithful believers in the Able Archer narrative will find both purposes fulfilled by the contents of the volume; agnostics and skeptics are likely to remain unconvinced of the second.


The book’s central claims are familiar to students of the “Second Cold War.” In an atmosphere of renewed hostility and mutual recriminations, a ramped-up arms race and a US president willing to destabilize mutual deterrence put superpower relations on “a hair trigger” (p. 3). President Reagan’s outspoken vitriol toward the Soviet “evil empire” and unrelenting US pressure on NATO allies to host intermediate-range nuclear forces exacerbated tensions, particularly since it appeared that a surprise attack using the so-called Euromissiles would reduce Soviet reaction times to virtually nil—“render[ing] Moscow, including the Soviet nuclear command, vulnerable to a decapitating first strike” (p. 10).  


Fearing the United States’ pursuit of a decisive military advantage and development of a secret doctrine of nuclear first-use, Soviet leaders initiated an extraordinary Warsaw Pact program of data gathering and analysis: Operation RYaN (for Raketno-Yadernoe Napadenie, or “nuclear missile attack”). RYaN fueled a “vicious circle of intelligence” that reinforced and ratcheted up Soviet fears of a surprise nuclear attack (p. 32). Resolved not to relive the harsh lessons of 1941, some hypervigilant Soviet leaders perceived NATO’s command post exercise Able Archer 83—the concluding phase of the annual Autumn Forge military exercises, known to the Soviets but featuring in 1983 several “special wrinkles” (p. 153)—as the moment of impending doom. After months of US psychological military operations (PSYOPs) designed to keep the Soviets on edge, unusual military movements and a simulated escalation to nuclear launch by US/NATO forces prompted Soviet officials to put nuclear-armed forces on alert, and possibly to contemplate an anticipatory counterattack. Though the Soviets never initiated military action against NATO, the risk of war via miscalculation was, in the editor’s judgment, “unacceptably high” because the unusual Soviet alerts could have triggered an escalatory response from US/NATO forces (p. 57).


Only later (the timeline remains unclear) did high-level US officials become aware of the acute danger of the Able Archer 83 episode, thanks largely to Gordievsky’s revelations. Alarmed by the revelations, Reagan came to the “realization of the danger of nuclear war through miscalculation encapsulated by the Soviet reaction to Able Archer 83” (p. 46), which in turn contributed to the tipping of his administration’s stance from confrontation to cooperation.[8] Unlike the president, the US intelligence community (IC) appeared unmoved by the reports, and remained sanguine about Soviet fears and any corresponding risk of unintended escalation—at least until taken to task in 1990 by the President’s Foreign Intelligence Advisory Board (PFIAB) in a highly classified, retrospective report that chided the IC for discounting Soviet fears and critiqued the IC’s process for assessing Soviet actions and intentions.


That PFIAB report is the real gem among the reproduced documents offered in support of the war scare narrative. The ninety-four-page final report of a year-long, all-sources intelligence review by the PFIAB on the Soviet “War Scare” (quotation marks in original report, p. 69) reportedly was held back for twelve years before the archive’s FOIA request for its release was fulfilled. The published report is partially redacted but is nonetheless quite revealing in its account and analysis of the war scare; it is also remarkably frank in its criticism of the IC. Cold War aficionados and intelligence historians alike will find the document fascinating. Together with a once-classified article on the war scare by Central Intelligence Agency historian Benjamin Fischer, a US Air Force after-action report filed in the weeks following Able Archer 83, various internal memoranda, a declassified May 1984 Special National Intelligence Estimate (SNIE), and other intriguing documents, the PFIAB report creates a credible basis for belief in the possibility that Soviet leaders feared a US first strike and took steps toward war in response to Able Archer 83.


And yet, despite the documents and Jones’s detailed analysis, it is reasonable to harbor doubts about the gravity and significance attributed to the Able Archer incident. Indeed, to respond affirmatively to the question raised at the start of this review requires a leap of faith. The leap is now a far shorter one than it was when the Able Archer affair made the jump from minor Internet sensation to subject of serious scholarly inquiry, and the publication of Jones’s Able Archer 83 narrows the gap considerably more. Ultimately, however, the claim of an acute nuclear crisis in November 1983 is not conclusively demonstrated, if only because—as Jones plainly acknowledges—whatever we can gather from declassified documents about how US military, intelligence, and political officials understood the events of 1983 and their implications, “how Able Archer 83 shaped the Soviet leadership and its policy is more difficult to ascertain” (p. 51, emphasis added).


Part of the problem is that direct evidence of an acute nuclear crisis in the Kremlin is lacking. Scholars associated with the National Security Archive and the Wilson Center’s Cold War International History Project have acquired and disseminated various Eastern Bloc documents that illuminate a few once-darkened corners, but no one has yet produced incontrovertible evidence of high-level Soviet political officials grappling with the frightening possibility that Able Archer 83 masked the opening moves of a surprise attack. Jones draws on much of what is available, but his refutation of critics like Vojtech Mastny amounts to little more than the old aphorism made familiar by former Secretary of Defense Donald Rumsfeld: “absence of evidence is not evidence of absence.”[9] The sentiment is logically true but nonetheless rings hollow. Historians and other specialists should continue to investigate the war scare—and especially the alleged crisis of November 1983—from the perspective of Soviet leadership, however that may be defined.


The relevant documents on this subject that are included in the book are often speculative, are redacted, or furnish information filtered through the lenses of a single individual (for example, Averell Harriman’s June 1983 memorandum of conversation with General Secretary Yuri Andropov, and a report on an unnamed American academic’s observations on the emotionalism and paranoia of Soviet officials). Others are cautiously phrased to capture contributors’ differences of opinion or interpretation, or to communicate uncertainty.


Much of the uncertainty reflects a lack of complete information about Soviet perceptions and intentions behind observed Soviet actions; the PFIAB report provides a case in point. Jones is keen to highlight the board’s seemingly unequivocal statement: “There is little doubt in our minds that the Soviets were genuinely worried by Able Archer ... it appears that at least some of the Soviet forces were preparing to preempt or counterattack a NATO strike launched under cover of Able Archer” (p. 68). But the ellipsis, and the implied ellipsis at the end of the quotation, cloak caveats in the actual report: “There is little doubt in our minds that the Soviets were genuinely worried by Able Archer; however, the depth of that concern is difficult to gauge. On one hand, it appears that at least some of the Soviet forces were preparing to preempt or counterattack a NATO strike launched under cover of Able Archer ... On the other hand, the US intelligence community detected no evidence of large-scale Warsaw Pact preparations” (p. 158; emphasis added). Discerning readers will appreciate such subtleties when they read the reproduced documents.


Observed Soviet reactions to Able Archer 83 were interpreted by the PFIAB as indicative of Soviet leaders’ “uncertainty” and suggestive of “serious doubts about the true intent of Able Archer,” prompting the board to conclude, “This situation could have been extremely dangerous if during the exercise—perhaps through a series of ill-timed coincidences or because of faulty intelligence—the Soviets had misperceived US actions as preparations for a real attack” (p. 159). Counterfactual speculation—alongside generous use of hedges like “could have,” “perhaps,” “may have,” and “suggests”—suggests to readers that it could be a mistake to treat this document as conclusive. The board itself indicates as much, stating that its discussion of the war scare “is what we view as a plausible interpretation of events based upon a sizable, but incomplete, body of evidence” (p. 118). Still—and despite its caveats, speculations, and redactions—the declassified 1990 PFIAB report comes as close as anything we have to a “smoking gun” to warrant claims of crisis and increased danger of war, as seen from an American vantage. As the board concluded, “In 1983 we may have inadvertently placed our relations with the Soviet Union on a hair trigger” (p. 80).


A larger, related issue that bedevils the literature on this subject is failure to reliably parse the notion of a prolonged war scare, broadly conceived, from allegations of an acute crisis on the occasion of the Able Archer 83 command post exercise. Though they are intimately connected, the distinction between them is crucial, because evidence for the former is not necessarily evidence for the latter. Indeed, evidence for a period of months or years during which the Soviets had concerns about US armaments, Intermediate-range Nuclear Forces (INF) deployments, US pursuit of a first-strike capability, and an unfavorable shift in the overall correlation of forces is more abundant than evidence of a specific crisis stemming from fears of imminent attack during Able Archer 83. Support for the Able-Archer-as-crisis narrative is often traceable back to Gordievsky’s revelations, or is inferred from conclusions drawn by privileged parties (e.g., the PFIAB, Benjamin Fischer, etc.) privy to information that remains concealed, either by redaction or by refusal to declassify documents (a “tightly controlled” annex to a 1988 intelligence estimate is particularly tantalizing). Jones rarely falls victim to the pitfall of conflating the two but occasionally stumbles in keeping the distinction clear for readers. In one such instance, as evidence to support his contention that “the Soviet fear of war during Able Archer 83 was real, not manufactured,” Jones cites Soviet defense advisor Vitalii Kataev’s remarks characterizing “the early 1980s to be a crisis period, a pre-wartime period” during which the impending deployment of Pershing II missiles was “extremely destabilizing” (p. 11). The reader is left to judge whether Kataev’s words substantiate the claims of an acute crisis during Able Archer 83, as distinct from an extended period of more diffuse anxieties.


Minor issues related to the book’s presentation of materials are worth mentioning but scarcely diminish the value of the work. Fussy readers may be disappointed by the handling of document 3, which appears to be a two-page excerpt of a KGB report on its activities; as it is presented in Russian without translation into English, the casual reader is at the mercy of Jones’s brief English-language description on page 195. An unfortunate typographical error labels a British Ministry of Defence document “May 9, 1983” (p. 251) even though the document is date-stamped May 8, 1984. Readers occasionally may find portions of reproduced documents difficult to read, though in one case the blame may be placed on a former president’s cursive handwriting. Quibbles and quirks aside, the documents are carefully selected and competently reproduced.


A minor concern deals with the organization of Jones’s introductory chapters. The overarching narrative addresses a complex array of topics, which makes a singular, chronological account difficult; hence, Jones’s decision to organize his work by subject is a sensible one. However, this means that the text jumps around in time, frustrating linear thinkers’ efforts to understand what happened first and who knew what and when. A timeline of events, developments, and vital communications would have been an excellent addition to the volume.


At bottom, Able Archer 83: The Secret History of the NATO Exercise That Almost Triggered Nuclear War is a valuable addition to the literature on the post-détente “Era of Renewed Confrontation.” Despite its sensationalistic subtitle and occasional overreaches, this is a serious work that makes significant contributions to our collective understanding of a tense and perhaps alarming episode in Cold War history. Substantiating and widening the discussion with an accessible collection of declassified documents is a public service, and one for which students of history and concerned citizens owe a debt of gratitude to the National Security Archive, and to Jones in particular. Whether this book produces new converts or merely preaches to the choir, it is a vital resource that deserves to be read and evaluated.


Notes

[1]. Christopher Andrew and Oleg Gordievsky, KGB: The Inside Story of Its Foreign Operations from Lenin to Gorbachev (New York: HarperCollins, 1990), 605.

[2]. Don Oberdorfer, The Turn: From the Cold War to a New Era, the United States and the Soviet Union, 1983-1990 (New York: Poseidon, 1991); and for treatments by historians see, for example, Raymond L. Garthoff, The Great Transition: American-Soviet Relations and the End of the Cold War (Washington, DC: The Brookings Institution Press, 1994); and Christopher Andrew, For the President's Eyes Only:Secret Intelligence and the American Presidency from Washington to Bush (New York: HarperCollins, 1996).

[3]. See, for example, Christopher M. Andrew and Oleg Gordievsky, Comrade Kryuchkov’s Instructions: Top Secret Files on KGB Foreign Operations, 1975-1985 (Stanford, CA: Stanford University Press, 1991).

[4]. See, for example, Beth A. Fischer, The Reagan Reversal: Foreign Policy and the End of the Cold War (Columbia: University of Missouri Press, 1997); and Robert M. Gates, From the Shadows: The Ultimate Insider's Story of Five Presidents and How They Won the Cold War (New York: Simon & Schuster, 1996).

[5]. National Security Archive, “The Able Archer Sourcebook,” http://nsarchive.gwu.edu/nukevault/ablearcher/.

[6]. Nathan Bennett Jones, “‘One Misstep Could Trigger a Great War’: Operation RYAN, Able Archer 83, and the 1983 War Scare” (master’s thesis, The George Washington University, 2009), http://gradworks.proquest.com/14/65/1465450.html.

[7]. Benjamin B. Fischer, A Cold War Conundrum: The 1983 Soviet War Scare (Washington, DC: Central Intelligence Agency, 1997), updated 2008 version at https://www.cia.gov/library/center-for-the-study-of-intelligence/csi-publications/books-an... and Fischer, Reagan Reversal.

[8]. For a nuanced account, see Jonathan M. DiCicco, “Fear, Loathing, and Cracks in Reagan's Mirror Images: Able Archer 83 and an American First Step toward Rapprochement in the Cold War,” Foreign Policy Analysis 7, no. 3 (2011): 253-274.

[9]. Vojtech Mastny, “How Able Was ‘Able Archer’? Nuclear Trigger and Intelligence in Perspective,” Journal of Cold War Studies 11, no. 1 (2009): 108-123.

Printable Version: http://www.h-net.org/reviews/showpdf.php?id=49474

Citation: Jonathan M. DiCicco. Review of Jones, Nate, ed., Able Archer 83: The Secret History of the NATO Exercise That Almost Triggered Nuclear War. H-Diplo, H-Net Reviews. August, 2017.

URL: http://www.h-net.org/reviews/showrev.php?id=49474

This work is licensed under a Creative Commons Attribution-Noncommercial-No Derivative Works 3.0 United States License.

sábado, 12 de agosto de 2017

Partido NOVO presente nas eleições de 2018 - Christian Lohbauer 

‘O próximo presidente será de centro-direita’, diz cientista político

NEWSLETTER Política

Blog do Fucs no portal do Estadão, 12/08/2017


Para Christian Lohbauer, o vencedor das eleições em 2018 deverá ser Geraldo Alckmin, João Doria ou outro nome com o mesmo perfil que apareça daqui para a frente

José Fucs

12 Agosto 2017 | 05h00


O cientista político Christian Lohbauer, de 50 anos, formou-se pela USP, tradicional reduto de esquerda na área, mas pode ser considerado um “estranho no ninho”. Lohbauer apoia as reformas propostas pelo presidente Michel Temer e diz que, para o País, é melhor que permaneça no cargo até o final do mandato, apesar das denúncias de corrupção que pesam contra ele. Em entrevista ao Estado, Lohbauer defende a redução da presença do Estado na vida dos cidadãos e das empresas e afirma que o próximo presidente da República será de centro-direita, como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, o prefeito paulistano João Doria ou algum outro nome com perfil semelhante que possa surgir daqui para a frente. 

Como o senhor analisa o atual quadro político no País?

O sistema no qual a gente viveu nos últimos 30 anos, que é o modelo político, partidário e eleitoral da Constituição de 1988, faliu. O presidencialismo de coalizão se esgotou. A fragmentação do Congresso é absurda. Isso ficou comprovado já em 2015, quando a então presidente Dilma com a maioria absoluta de mais de 400 parlamentares na base do governo, não conseguia aprovar seus projetos. Com o impeachment, as denúncias, a Lava Jato, tudo isso, a gente está num momento de depuração, no fim de um ciclo político, e não sabe o que virá depois. Ao mesmo tempo, há uma oportunidade histórica de o Brasil dar um salto institucional. É um caminho cheio de riscos, mas, nesse ponto, sou otimista. Embora o caminho vá ser longo, acredito que haverá uma mudança para melhor.

Qual é a sua avaliação sobre a rejeição pela Câmara da denúncia contra o presidente Temer por corrupção passiva?

É difícil não concordar que, do ponto de vista da estabilidade, é melhor com Temer que sem Temer. É um paradoxo ético, por causa das acusações de corrupção que pesam contra o presidente, que é algo inédito na história republicana. No entanto, infelizmente, em função da conjuntura, é melhor que ele fique e leve o governo até o final e que isso seja reconhecido pela sociedade como uma fase transitória e de fechamento de um ciclo. Se você me perguntasse qual é a minha previsão, eu diria que ele vai terminar o mandato moribundo, mas, infelizmente, não há opção melhor. Se ele deixasse o cargo, a entrada de Rodrigo Maia ou de qualquer outra pessoa geraria uma enorme instabilidade, que o Brasil não está precisando. Nem pode correr esse risco.

Como o senhor vê as reformas propostas por Temer?

Independentemente da figura do presidente e dos grupos que ele comanda, o que aconteceu em seu governo é incontestável. Não dá para negar que, desde a posse, em maio de 2016, uma boa parte das reformas que nós estamos esperando há 30 anos começou a ser desenhada. Ele estabeleceu o limite de gastos, fez uma reforma parcial da legislação trabalhista e apresentou uma proposta de reforma previdenciária. Então, há avanços, embora ainda tímidos para o que o Brasil precisa. Infelizmente, a gente tem de nivelar por baixo. Ele ainda tem certo domínio do Congresso, que é a última coisa que lhe resta, por meio de práticas tradicionais de troca de emendas por apoio. Agora, não foi ele que inventou isso. É a prática brasileira desde os anos 1980.

O próximo presidente não será ninguém da esquerda: Lula, Marina, Ciro ou alguém do PSOL. Também não será o Bolsonaro do outro lado

As últimas pesquisas para 2018 têm mostrado uma polarização entre o deputado Jair Bolsonaro e Lula. Qual o seu prognóstico para as próximas eleições?

Há dois cenários para 2018: com Lula e sem Lula. No cenário com Lula, acredito que ele alcançará 40% no segundo turno e perderá as eleições. O cenário sem Lula é mais fragmentado, parecido com o de 1989. Haverá muitos candidatos, sem muita força. Tanto no primeiro caso quanto no segundo acredito que o próximo presidente vai ser quem ocupar o espaço de centro-direita. Não será ninguém da esquerda: Lula, Marina, Ciro ou alguém do PSOL. Também não será o Bolsonaro do outro lado. Pode ser o Alckmin, o Doria ou alguma figura com esse perfil que apareça e que a gente ainda não sabe quem é.

O que o leva a acreditar que um candidato de centro-direita vencerá as eleições?

Se você analisar as eleições presidenciais desde 2002, verá que houve um afunilamento constante da diferença entre os dois polos, o PT e o PSDB. Em 2006, a diferença entre Alckmin e Lula foi de quase 20 milhões de votos, o equivalente a 16% dos eleitores. Naquela época, apesar do mensalão, o Lula estava no auge. Nas eleições da Dilma contra o Aécio em 2014, a diferença foi de 3 milhões de votos. A população foi cansando do governo que comandou o País por 14 anos. Então, está desenhado o quadro. O eleitor brasileiro é conservador, religioso, cristão. Quer estabilidade e não revolução. Isso significa retorno do emprego, paz no campo, todas as coisas que a gente se desacostumou de ver no noticiário e que atrapalham a vida do cidadão. Quem vier com posicionamento de segurança e estabilidade vai levar a eleição.

Por que o senhor pensa que o ciclo de esquerda acabou?

Primeiro, temos de determinar o que é esquerda. Nos últimos anos, misturou-se muito esquerda com populismo, na figura do Lula. O governo Dilma nada mais foi do que a sequência piorada daquele modelo populista, estatizante. Hoje, a esquerda está muito desgastada, porque não encontra uma maneira de propor soluções com os recursos disponíveis. O País cresceu durante quase uma década e a arrecadação deu um salto significativo em termos reais, viabilizando recursos para o Estado gastar em saúde, educação, segurança, infraestrutura. Mesmo assim, aumentou o déficit e o Estado entregou serviços piores do que entregava dez anos antes. Aí, todo mundo percebeu que alguma coisa muito errada aconteceu. O estudante que recebeu uma bolsa do Fies e tomou um calote do Estado teve de parar de estudar e ir trabalhar. O funcionário público que está hoje na fila da cesta básica no Rio de Janeiro também tomou um calote do Estado. Essas pessoas se deram conta – não precisa ser um gênio para perceber isso – que as propostas de esquerda, que partem do princípio de que o Estado é um bom administrador dos interesses da sociedade, não deram certo. Por isso, acho que a esquerda está numa situação difícil. Sem falar em questões como a carta em que a presidente do PT apoia o regime Maduro na Venezuela. Realmente, fica muito difícil você conseguir acreditar que tem seriedade na conversa.

O capitalismo brasileiro sempre foi um capitalismo de Estado. O resultado, então, é esse que nós conhecemos

Desde a redemocratização, a direita ficou meio em hibernação no País. Nos últimos anos, houve um renascimento da direita, não apenas da ala mais autoritária, mas também da democrática, liberal. O que explica esse fenômeno?

O fracasso da esquerda. A sucessão de fracassos que o Brasil vem colecionando e que, a rigor, vêm desde o regime militar. O modelo de desenvolvimento do regime militar, tomando o governo Geisel como referência, não é muito diferente, se não for igual, ao que propunha o governo Dilma, de crença no Estado como indutor do desenvolvimento. O capitalismo brasileiro sempre foi um capitalismo de Estado. Nunca tivemos um capitalismo genuíno. O resultado, então, é esse que nós conhecemos. O Brasil é um país grande, deveria ser rico, alfabetizado, educado, mas o Estado é tão incompetente, intervém tanto na vida das pessoas e das empresas, e as corporações são tão fortes para defender seus interesses mesquinhos, que o que se observa é um fracasso geral. O que sobrou? Sobrou a democracia liberal, que nós nunca tentamos. Acho que chegou a hora.

No início de agosto, o ex-presidente Lula se tornou réu pela sexta vez. Ele e o PT têm sustentado um discurso de perseguição política, de vitimização, apesar da condenação e da investigação de vários políticos de outros partidos pela Lava Jato, inclusive o próprio presidente Temer. Mesmo assim, o senhor diz que Lula poderá ter 40% dos votos na eleição presidencial. Será que os brasileiros vão ignorar essas coisas todas na hora de votar em 2018?

Eu digo 40% porque há 130 milhões de eleitores. Como tem sempre uns 20% de abstenção, teríamos uns 110 milhões de votos, dos quais 42 milhões no Nordeste, onde ele deve conquistar quase 90%, o equivalente a uns 30% do total nacional. Na região Norte, deve acontecer mais ou menos a mesma coisa. O Norte e o Nordeste ainda são muito marcados por uma época em que as coisas melhoraram. Agora, elas pioraram de novo. Então, a associação é direta. Não há uma compreensão mais abrangente do fenômeno. Eles pensam: “A minha vida melhorou com Lula e depois de Lula, piorou. Se ele é candidato, voto no Lula”. É simples assim. Então, o Lula deverá receber milhões de votos independentemente de televisão, de processo, de condenação, de indiciamento. Isso não pega. No Sudeste, no Sul do Brasil, na área de produção agrícola, na região Centro-Oeste, que são mais inseridas no mundo real da produção, o PT não tem mais a chance que tinha até alguns anos atrás. É aí que está a mudança. Esses 10/12/15 milhões de votos que estavam do lado de lá agora virão para o lado de cá. Acho que é isso que vai acontecer. Tenho dúvidas de quanto essa coisa toda de Lava Jato realmente atinge a massa de eleitores.

Nos idos dos anos 1980, o grande Pelé disse certa vez – e foi muito criticado por isso – que o brasileiro não sabia votar. Será que ainda dá para falar isso hoje? Porque não é possível imaginar que, apesar de acusado por tantas falcatruas, o Lula ainda tenha tantos votos, se a sua previsão se confirmar.

Acho que é uma aprendizagem longa. É duro. O custo da democracia é um pouco essa aprendizagem. Quando as pessoas não têm educação muito refinada, o processo demora mais. A pessoa tem de sofrer na carne, tem de ficar desempregada, perder a bolsa de estudo, para começar a entender a importância do voto. Mesmo assim, se as pessoas tivessem se alfabetizado nos últimos 20 anos, se tivessem aumentado o grau de cidadania, a cidadania de verdade, a dos deveres, da compreensão da importância da política, aí as coisas teriam mudado mais rápido. Por isso, a frase do Pelé ainda tem muito de verdade hoje. O aprendizado tem sido na carne e não no cérebro.

O problema de representação no Brasil é muito grave. Aqueles que dizem que o Congresso brasileiro representa o povo estão enganados

Há uma reforma política em andamento no Congresso que poderá incluir o distritão e o fundo eleitoral, entre outras cláusulas polêmicas. Em sua opinião, o que essa reforma política poderá representar para o País?

Ela é um retardamento do que deve ser feito. Já virou até um chavão, mas a reforma política é a mãe das reformas. Ela também foi iniciada nesse período turbulento, de forma fatiada, como se diz por aí. Uma parte da reforma, relacionada ao financiamento das campanhas eleitorais, começou a ser feita pelo Eduardo Cunha, ao meu ver de forma equivocada. Acredito que deveria haver financiamento empresarial, ainda que com limite determinado pelo faturamento de cada empresa. Proibir o financiamento empresarial foi um grande erro. Manter o financiamento de pessoa física deu o resultado que a gente imaginava em 2016: o crescimento de dois tipos de representação, a criminosa e a religiosa, a dos pastores. Este problema gerou outro, que é essa proposta em tramitação no Congresso. Ela tem dois aspectos desastrosos e dois positivos. Os desastrosos são o fundo de financiamento de campanha, de R$ 3,6 bilhões, que é uma aberração, um soco na cara do contribuinte, no momento em que o governo aumenta impostos para arrecadar R$ 10,8 bilhões a mais, e o distritão, que vai matar os partidos políticos. Vai provocar uma guerra de todos contra todos, uma corrida entre parceiros de partido e ideológicos, para ver quem tem mais voto. Quem tiver mais voto levará. O distritão privilegia quem tem fama e história política, os currais eleitorais tradicionais, mesmo em Estados desenvolvidos como São Paulo. É um movimento explícito de manutenção das velhas figuras que precisam de foro privilegiado e por isso precisam ser reeleitas, de todos os partidos. É um movimento de sobrevivência, de autodefesa, que a população não entende direito, mas é o que está acontecendo.

Quais seriam os aspectos positivos da reforma político que o senhor mencionou?

O primeiro é o fim das coligações proporcionais, para evitar os puxadores de voto, os Tiriricas da vida. O outro é a cláusula de barreira ou de desempenho, para evitar que pequenos partidos consigam entrar no Congresso com representação ínfima, o que eu acho correto. Os partidos terão de lutar para ter uma representação de 2% em 14 estados para conseguir a representação parlamentar. Agora, na minha opinião, a reforma deveria ser feita de uma vez só, pelo menos a maior parte dela. Essa história de só passar medidas de acordo com a conjuntura tende a prejudicar o processo e atrasar o fortalecimento institucional das eleições. O problema de representação no Brasil é muito grave, a qualidade, a proporção. Aqueles que dizem que o Congresso brasileiro representa o povo estão enganados. Os brasileiros, na média, são melhores do que o Congresso Nacional, que está totalmente desfocado, descoordenado dos brasileiros.

Há, ainda, o fundo partidário, que também usa recursos públicos, cerca de R$ 820 milhões por ano. Qual é a sua visão sobre o fundo partidário? O Novo é contra o fundo partidário?

A minha posição pessoal e a posição institucional do partido, que acho corretíssima, é de que partido político, assim como sindicato, como qualquer instituição representativa, tem de viver de contribuição voluntária e privada. As pessoas que acreditarem na instituição contribuirão para garantir a sua sobrevivência. Se a instituição não prestar ou não combinar com o que elas pensam, aí simplesmente elas não farão contribuições. Essa decisão deve caber ao indivíduo ou à empresa. Com o partido político, é a mesma coisa. Se o partido apresentar resultados, representar interesses, prestar um bom serviço, tiver bons candidatos, ele crescerá, as pessoas darão recursos para ele funcionar. Desconectar o recurso público da estrutura partidária é um movimento pedagógico. Tenho certeza de que isso também levaria a uma depuração do sistema. Se fosse assim hoje, se o PMDB e o PSDB já tivessem de viver dos recursos de filiados ou simpatizantes, tenho dúvida de que teriam recursos suficientes para pagar o aluguel dos diretórios. Talvez, só o PT conseguisse.

Como o senhor avalia a possibilidade de haver candidaturas avulsas?

Eu não sou contra, mas acho que candidatura avulsa tem de existir num ambiente em que os partidos políticos são fortes, assim como o parlamentarismo. Candidatura avulsa com as regras do jogo existentes hoje significa ter um parlamento como o que a gente tem. Com a fragmentação interna dos partidos existente hoje, é como se a gente já vivesse num ambiente de candidaturas avulsas. Você pega a votação de determinada matéria dentro do PMDB e vê comportamentos completamente diferentes, como se os parlamentares do partido fossem representantes avulsos. Então, não faz muito sentido falar nisso hoje, a não ser do ponto de vista filosófico. Se a estrutura partidária tiver regras que garantam a fidelidade partidária, se houver cláusula de barreira, menos partidos, aí, sim, deve haver espaço para figuras com autoridade moral ou visões de mundo diferentes poderem se candidatar de forma independente dos partidos e representar uma parcela relevante da sociedade no ambiente legislativo.

Como aconteceu com Collor, o nosso Macron, se for eleito, terá de governar com um Congresso muito distante das ideias dele

Do jeito que está a coisa, é difícil imaginar que esses políticos que hoje controlam o Congresso votem medidas contrárias aos próprios interesses e à continuidade do sistema. Como aprovar o fim do fundo partidário se isso depende dos votos dos próprios políticos que se beneficiam dele?

Essa é o grande dilema da nossa democracia. Como aperfeiçoá-la se ela depende da votação de quem está se beneficiando do atual modelo? Só tem uma saída: ou promove um golpe, uma ruptura institucional, que ninguém quer, ou junta um grupo de pessoas que acham que têm de mudar as coisas e pretendem conquistar espaço dentro do Congresso. É por isso que o Novo se propõe a fazer esse trabalho tão difícil, mas que é o único possível, de construir um movimento, que se consolidou a duras penas como partido, para eleger representantes e fazer a mudança.

Hoje, há uma grande demanda por renovação na política. Quais as chances reais de isso acontecer em 2018 com essas regras eleitorais?

A média de renovação do Congresso é de 50% nos últimos 25 anos. Então, a renovação já tem sido grande. A chance de renovar mais ainda no ano que vem é grande. Mesmo assim, a renovação não significa que as coisas vão melhorar, porque a decisão de participar da política não é racional. Pessoas de bem que querem trabalhar na vida pública, exercer um mandato, pelo interesse público, dificilmente vão tomar a decisão de concorrer com as atuais regras do jogo. Haverá renovação, provavelmente maior do que tem sido, mas não sei se qualidade vai melhorar, porque há um problema sério que eu já comentei aqui, da disponibilidade de recursos para o criminoso e também para as Igrejas, que têm uma força incrível para ampliar sua influência e eleger mais gente. Em relação aos candidatos que não são nem de Igrejas nem criminosos, há ainda muitos vícios. Há pouco espaço para quem quer fazer política de verdade, no modelo tradicional, nos partidos maiores. O modelo atual não tem apelo para trazer gente nova para a política.

É difícil, então, imaginar que possa surgir uma figura no Brasil como o Macron, na França, só que de centro-direita?

É mais fácil pensar que um Macron brasileiro possa ser eleito para presidente do que acontecer uma grande mudança no Congresso. O Collor, por exemplo, foi eleito com o PRN e tinha o Congresso todo contra ele. Depois de seis meses, ele teve de iniciar o que chamou de fase soft. Deixou de enfrentar o Congresso, porque sem o Congresso não se governa. Então, o nosso Macron, se for eleito, terá de governar com um Congresso muito distante das ideias dele. Assim aconteceu com Collor e talvez aconteça com o Macron brasileiro, se ele for eleito.

O senhor é filiado ao Partido Novo e possível candidato a senador por São Paulo. Quais são as chances do Novo nesse cenário? 

O Novo terá candidato a presidente, a alguns governos de Estados importantes. Tudo indica que teremos candidatos a governador e senador no Rio Grande do Sul, em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Minas e talvez no Ceará. Já há também centenas de candidatos a deputado em processo de avaliação, em 16 Estados. Acredito que o partido possa ter entre 5, na pior hipótese, e 15 representantes no Congresso, o que seria uma revolução na política brasileira.

As conversas com o Bernardinho continuam tanto para a presidência da República como para o governo do Estado ou o Senado no Rio. Essa questão deve se definir até o final do ano

Fala-se que o Bernardinho, ex-técnico da Seleção Brasileira de vôlei, poderá ser não o candidato do Novo para o governo do Rio, mas para a presidência da República. Isso tem fundamento?

Há várias conversas, mas por enquanto de real mesmo só tem a possibilidade de o ex-presidente e fundador do Novo, João Dionisio Amoêdo, ser o candidato. Ele se desvinculou da presidência do partido para poder se candidatar, se não houver outro nome, porque no Novo quem é dirigente partidário não pode ser candidato. Quanto ao Bernardinho, as conversas continuam tanto para a presidência como para o governo do Estado ou o Senado, no Rio. Ele está com o Novo há 2 anos e essa questão deve se definir até o final do ano. Agora, depende um pouco de cada um se sentir confortável para entrar nesse jogo, porque nenhuma dessas pessoas se sente confortável entrando no jogo hoje. Elas sabem o tamanho do desafio, o efeito que isso tem na família, na renda. Se pensar muito, você não vai. Isso vale para qualquer um, tanto para o João como para uma figura pública como o Bernardinho. É uma opção muito difícil, mas tem o caráter de um projeto de longo prazo, que incentiva as pessoas a se animar com a política.

O que o Novo propõe efetivamente de diferente?

O Novo luta para descontruir os interesses corporativos que impedem o Brasil de entrar numa rota de desenvolvimento verdadeira. É preciso dar substância e eficiência para o Estado, pensar no contribuinte como principal figura da sociedade, saber que o recurso público é originário dos impostos que as pessoas e as empresas pagam e tentar administrar as coisas públicas de acordo com a capacidade que o País tem de arrecadar. O Estado brasileiro hoje é uma perversão, mastodonte, canalha, explorador, que só faz garantir benefícios para um grupo ínfimo de brasileiros.

No Brasil, historicamente, as ideias liberais jamais foram hegemônicas. Como tornar essas ideias populares e mostrar para o cidadão que elas permitirão que a sua vida melhore mais do que com as ideias estatizantes que o Lula e o PT defendem?

Não é um trabalho de uma semana. Esse processo já começou e ainda levará um tempo para chegar no ponto ideal. Só o desenvolvimento econômico permitirá que as pessoas possam entender que o modelo de liberdade é melhor do que o de igualdade. Gerar esse desenvolvimento econômico significa retomar o emprego, gerar riqueza, mostrar para as pessoas que, se tiverem acesso à maior parte dos recursos que geram quando trabalham, melhor vai ser para elas. Se, em vez de pagar imposto, elas puderem pagar um seguro saúde privado; se, em vez de esperar que o Estado dê uma escola boa para os seus filhos puderem usar os recursos que pagam em impostos para escolher onde eles vão estudar, melhor. Quanto mais acesso à riqueza criada por si mesmo o indivíduo tiver para cuidar da sua vida, melhor será para ele. Mesmo que ele gaste tudo em festa. O problema é dele. O que se fez até hoje foi dizer que o Estado vai cuidar de você e entregar o que você precisa, sem nunca concretizar o que se prometeu. Nem com a Constituição de 1988, que é apresentada como social, com cobertura universal para a saúde, isso aconteceu. Dos 200 milhões de brasileiros, 50 milhões têm plano de saúde privado e 150 milhões usam o SUS, que nem precisa dizer o que é. Para mim, as únicas áreas em que o Estado tem de atuar e regular são saúde, educação e segurança. O resto a sociedade constrói sozinha. O Estado não tem de cuidar de petróleo, dizer que horas a criança tem de dormir, estabelecer a maneira de viver das pessoas. Só tem de regular para evitar oligopólios e monopólios, excessos do mercado.

O Novo defende a privatização da Petrobras?

A gente nunca fez uma enquete para saber, mas não tenho dúvida de que, se a gente perguntasse hoje aos filiados do Novo o que fazer com a Petrobras, a maioria absoluta será a favor da privatização. Mesmo porque a justificativa de que o petróleo é uma área estratégica, que é a grande desculpa dada para manter o privilégio dos funcionários e dos satélites que orbitam em torno da Petrobras, foi desmascarada com o que fizeram com a empresa no último governo. Quebraram uma das maiores empresas do mundo, porque não havia transparência, com a interferência permanente do Estado e a corromperam até a medula.

Pela racionalidade, contra o salvacionismo na política - Rodrigo Constantino 

Não tenho e nunca vou ter qualquer afiliação partidária. Mas nas democracias imperfeitas -- e elas sempre serão assim -- o exercício da política passa pelos partidos. Dito isto, eu consigo ver nos partidos pessoas que são melhores do que outras para governar, e consigo ver pessoas que, em qualquer partido, seriam as piores soluções da e na política para nos governar.

Por isso, recomendo a leitura do texto abaixo de Rodrigo Constantino.

Por instinto, por conhecimento da história, por experiência vivida, sou contra toda e qualquer concentração de poder, e por isso mesmo SOU CONTRA qualquer tipo de LÍDER SALVACIONISTA, mesmo que ele fosse o ser mais puro, o mais intelectual, o mais preparado de todos. Tudo isso à parte, consigo, por exemplo, farejar quem tem espírito FASCISTA, isso no Brasil, ou numa grande democracia, como os EUA. 

Recomendo, portanto, a leitura deste posicionamento do Rodrigo Constantino, não porque eu seja um liberal (não tenho essa pretensão de me encerrar num rótulo), mas porque esse texto traz todos os argumentos RACIONAIS para evitarmos uma nova aventura salvacionista.

Paulo Roberto de Almeida 

Brasilia, 12/07/2017


A DIFERENÇA ENTRE O PROJETO DE MUDANÇA DO PARTIDO NOVO E O PERSONALISMO SALVACIONISTA DE BOLSONARO

Rodrigo Constantino 

Gazeta do Povo, 11 de agosto de 2017

Quando comentei sobre o pronunciamento de Jair Bolsonaro em evento de lançamento do Patriota, novo nome que o PEN deverá adotar para endossar sua candidatura, abordei como um dos principais pontos de fraqueza o fato de se tratar do “exército de um homem só”. Ou seja, as questões chatas permanecem: como exatamente um herói honesto vai chegar ao poder e fazer toda a diferença?

Para quem quer ficar apenas na primeira etapa do “raciocínio”, entendo que essa seja uma pergunta incômoda. Muitos não chegaram tão longe assim. Bolsonaro é tido como íntegro e honesto, enfrenta com coragem os comunistas, e nada mais importa. Será a solução para nossos problemas, a salvação do Brasil (e é fácil perceber o tom messiânico de muitos dos seguidores ali, que trocaram Deus por um político).

Mas alguns levantaram uma questão legítima: essa dificuldade que apontei vale apenas para Bolsonaro? E o Partido Novo, que, como muitos sabem, eu apoiei desde o começo? Não seria também um caso de um partido pequeno, sem base, que não teria condições de governar sem acordos ou parcerias? Esse texto é uma resposta a essa pergunta.

De cara, a resposta é “sim”, o Novo também teria a mesma dificuldade, assim como qualquer outro partido pequeno. Foi o caso de Collor, lembram? Na verdade, pode-se até argumentar que não se governa sem o PMDB nesse nosso querido e vasto Brasil, ao menos não por enquanto. É o centrão fisiológico que está sempre no poder, e que todos precisam de certa forma engolir.

Serve quase sempre para o mal, para impedir reformas estruturais contra o “deep state” (do qual é o representante) que possibilitariam um avanço maior de nossa economia. Mas de vez em quando serve como poder moderador, para impedir golpes totalitários, como foi o caso com o PT. Se o PMDB nos impede de virar o Chile, também nos livrou de virar a Venezuela, justiça seja feita.

E aqui começa a resposta para valer: os seguidores aguerridos de Bolsonaro querem eliminar o PMDB, o PSDB, certamente o PT, querem destruir “tudo e todos” de forma um tanto jacobina, num passe de mágica, por decreto. Querem detonar o “sistema”, acabar com os “socialistas”. Nesse sentido, são revolucionários também. O discurso é todo antipolítica e personalista: Bolsonaro não precisará desses “conchavos” pois terá ao seu lado o povo!

Basta ler inúmeros comentários no meu texto para ver como não são poucos os que pensam assim. Percebe-se que não se debruçaram sobre as questões delicadas e práticas de um governo efetivo. Ou então são mesmo autoritários e antidemocráticos, não ligam para a democracia representativa e desejam um “déspota esclarecido” (ou, no caso, um “déspota íntegro”, já que esclarecido seria forçar demais a barra). Isso é um perigo!

Por que eu defendi o projeto do Novo desde o começo? Porque o Novo deixa claro que não pretende depender de algumas pessoas, mas sim defender ideias e princípios. Ou seja, trata-se mais de um movimento de mudança da mentalidade do que um projeto de poder político. Até aceito que pode ser meio ingênuo mesmo, que “fazer política” não é trivial, não é coisa para amadores, para engenheiros com boas intenções.

O Novo também tem essa pegada antipolítica, quer trazer os “outsiders”, já que a classe política não goza de credibilidade alguma. Quer evitar carreiristas políticos, o que pode ser romântico, já que uma vez acumulado o capital político, dificilmente ele será jogado no lixo (Bolsonaro está em seu sétimo mandato, não custa lembrar, e com três filhos também na política).

Mas ao menos o Novo tem um projeto de longo prazo calcado mais em ideias do que pessoas, e isso me atraiu (apesar de minhas críticas eventuais). Não é do meu perfil, menos ainda das minhas conclusões de anos de estudo, bajular um político, endeusar uma pessoa, concentrar minhas esperanças num governante. Ao contrário: sou cético com o poder, com a política, e por isso mesmo quero descentralizar o poder, retirá-lo dos políticos em geral e devolvê-lo para a sociedade.

Mas não será com um “déspota do bem” que isso vai acontecer, com uma pessoa, um político, concentrando todo o poder para consertar tudo e depois devolvê-lo para a sociedade. Sim, alguns seguidores de Bolsonaro chegaram a pregar exatamente isso. Eu desconfio de todo candidato a Robespierre. Eu desconfio de quem quer executar uma “limpeza geral” no sistema. Eu certamente desconfio de quem quer acumular poderes tirânicos em nome do povo para depois entregar-nos a liberdade. Era o papinho da “ditadura do proletário” de Marx, que depois aboliria voluntariamente o estado para se chegar ao comunismo, lembram?

Logo, eis aí a diferença básica entre ambos, do ponto de vista da governabilidade. O Novo não depende de uma pessoa, de um político, e não promete salvação milagrosa, não foca apenas nas próximas eleições, não deposita tudo ou nada em 2018. Não é esse seu jogo, sua meta, sua razão de existir. Se o Novo emplacasse algum candidato vitorioso nas próximas eleições, teria o mesmo problema de governabilidade de um Bolsonaro eleito. E teria que fechar com o PMDB também, eis a realidade.

Se alguém de um partido nanico chegar ao poder nesse atual sistema, e antes de uma completa renovação do Congresso (o que só será possível com a mudança da mentalidade do povo e do próprio sistema político, com a adoção do voto distrital, por exemplo), não será capaz de governar sem acordo com os grandes partidos. Isso é óbvio! A alternativa é fechar o Congresso, decretar-se ditador e governar em nome do “povo”. Mas isso nunca acaba bem.

Isso não quer dizer, por certo, que alguém com um perfil melhor, mais honesto e mais liberal ou conservador, não possa realizar mudanças importantes no governo. Pode sim. Mas é preciso ser realista quanto aos limites dessas mudanças. Até porque a expectativa elevada demais produz apenas decepção igualmente alta, o que pode ser um perigo. A frustração excessiva leva justamente à perda de confiança no sistema, na democracia, e é um prato cheio para revoluções sangrentas que costumam acabar mal.

Não descarto uma situação limite em que até essa “saída” seja menos pior do que manter o “sistema”. Basta pensar no caso venezuelano, em que a democracia já foi para o espaço faz tempo, e que pegar em armas contra a ditadura é uma atitude legítima. Mas isso significa que as instituições já faliram por completo, e não creio que o Brasil tenha chegado lá (ainda).

Esse é o discurso, aliás, dos próprios comunistas: acham que o “sistema” é capitalista opressor, dominado pelas elites, uma ditadura disfarçada, e que isso justifica a violência redentora. Daí MST, MTST, black blocs e tutti quanti. Não me agrada o mesmo tipo de pensamento “do lado de cá”, à direita. Por isso defendo o projeto do Novo: por entender que é um projeto realista, de longo prazo, uma maratona em vez de uma corrida de cem metros rasos.

E que depende mais de suas boas ideias do que de estrelas, salvadores de Pátria. Eu definitivamente não sou político-afetivo, não tenho nada de idólatra, e não gosto de ver o tom religioso sendo adotado na política. Políticos não são deuses! Desconfiar deles é sempre saudável. Assim como lutar para que tenham menos, não mais poderes. É o paradoxo de todo liberal, eu sei: defendem menos estado, mas para colocarem em prática isso, precisam também chegar ao poder estatal.

É por isso que os liberais sempre focaram mais no poder das ideias, ainda que não devamos menosprezar a via política. Ela é necessária. Mas sem uma mudança no arcabouço cultural, ficaremos dependendo do tal “déspota esclarecido”. E à exceção da pequena Cingapura, desconheço casos de sucesso. Alguém pode citar Pinochet, mas o custo foi alto demais, em vidas e com a morte da democracia por duas décadas. Não acho que a democracia seja um novo Deus, mas ainda é, como disse Churchill, o pior modelo, exceto todos os outros. É o meio menos sangrento de trocar o comando na política…


Rodrigo Constantino

Rodrigo Constantino <constantino.rodrigo@gmail.com>: Aug 11 11:06AM -0400 

http://www.gazetadopovo.com.br/rodrigo-constantino/artigos/diferenca-entre-o-projeto-de-mudanca-partido-novo-e-o-personalismo-salvacionista-de-bolsonaro/

Uma "grande estratégia" para o Brasil? Acho que não precisa...

Uma "grande estratégia" para o Brasil? Acho que não precisa...
Paulo Roberto de Almeida
Poucos leram meus comentários ao documento da SAE, que causou alguns tremeliques no Itamaraty.
O link segue aqui, num trabalho postado em Academia.edu (link: https://www.academia.edu/33515644/Uma_visao_critica_da_politica_externa_brasileira_a_da_SAE-SG_PR) e em Research Gate (link: https://www.researchgate.net/publication/317636574_Uma_visao_critica_da_politica_externa_brasileira_a_da_SAE-SGPR).
Os comentários adicionais que fiz na plataforma Academia.edu, pouco depois, são estes:
Minha diferença fundamental, filosófica talvez, em relação aos autores do documento da SAE, é a de que eles estão interessados em construir um Estado grande e forte, capaz de projetar internacionalmente o Brasil, que nunca deixará de ser uma potência média, o que quer que façamos. O Brasil só seria um país medíocre, e decadente (como tantos outros na história), se não fizermos nada, ou melhor, deixar que elites predatórias se apossem do Estado, como estão fazendo com sanha de sanguessugas e ratazanas com redobrado vigor, desde a redemocratização. Não creio que os militares construíram um Estado impoluto, mas o patrimonialismo rentista era certamente menor no regime militar.
Na redemocratização, nos tornamos presas de uma casta de políticos rentistas e assaltantes dos recursos públicos, o que foi exacerbado no regime companheiro. Não creio que o reforço da fiscalização do Estado resolva esse problema de apropriação de bens públicos. Só a redução do Estado o fará. À diferença da visão grandiosa do documento da SAE, não creio que tal tipo de projeto estatal transforme significativamente o Brasil. Pessoalmente, estou interessado em construir uma nação próspera, e isso não passa pelo Estado, mas por uma sociedade livre.
Na verdade, eu não estou interessado em construir potência nenhuma, de qualquer tipo. Estou apenas interessado em que o Brasil seja uma sociedade integrada, desenvolvida, capaz de prover uma vida decente à maioria dos seus cidadãos, sem qualquer espírito igualitário, baseado na competição e na maior oportunidade de chances a todos.
Sei que mesmo numa perspectiva smithiana, a defesa, a segurança, as relações exteriores passam inevitavelmente pelo Estado, e por isso concedo em que esses aspectos sejam fortalecidos no âmbito do Estado, mas sempre na perspectiva de que uma sociedade livre e competitiva fará isso melhor que exércitos de burocratas e tecnocratas estatais, que se transformam facilmente numa corporação que vive do Estado, para o Estado, no Estado, e para si e em si, o que vale também para os diplomatas.
Eu acho esse debate sobre uma grande estratégia um desvio de objetivos. Em lugar de focalizar o macro, como feito em tantos documentos de tecnocratas — inclusive o recente “Brasil 2035” do Ipea —, eu focaria o micro, para construir um ambiente de negócios condizente com os requerimentos de desenvolvimento do país. Em uma palavra, acho que os tecnocratas impedem o Brasil de se desenvolver. Por isso sou por “pequenas estratégias” focadas no ambiente de negócios para construir riquezas via mercado, não pela mão torta do Estado.

Voilà, é o que penso. Apenas lamento, sinceramente, que não tenha sido possível organizar um debate, seja na universidade, seja no Itamaraty, seja no IPRI, sobre os principais argumentos desse importante documento.
Paulo Roberto de Almeida
Brasilia, 12 de agosto de 2017

The Rise of the East: and the perils of new conflicts - Gideon Rachman

Novo livro, de acordo com o Zeitgeist:

Easternisation

War and Peace in the Asian Century

Easternisation by Gideon Rachman
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US$ 28.19
Selected as a Book of the Year by Evening Standard

The West’s domination of world politics is coming to a close. The flow of wealth and power is turning from West to East and a new era of global instability has begun.
Easternisation is the defining trend of our age – the growing wealth of Asian nations is transforming the international balance of power. This shift to the East is shaping the lives of people all over the world, the fate of nations and the great questions of war and peace.
A troubled but rising China is now challenging America’s supremacy, and the ambitions of other Asian powers – including Japan, North Korea, India and Pakistan – have the potential to shake the whole world. Meanwhile the West is struggling with economic malaise and political populism, the Arab world is in turmoil and Russia longs to reclaim its status as a great power.
We are at a turning point in history: but Easternisation has many decades to run. Gideon Rachman offers a road map to the turbulent process that will define the international politics of the twenty-first century.
Random House; August 2016
320 pages; ISBN 9781473521162
Read online, or download in secure EPUB
Title: Easternisation
Author: Gideon Rachman