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domingo, 29 de dezembro de 2019

“O Livro Negro do Comunismo no Brasil”, de Gustavo Marques - Resenha de Euler de França Belém

Euler de França Belém
Euler de França Belém

Diplomata lança “O Livro Negro do Comunismo no Brasil”

A história do golpismo e do stalinismo das esquerdas brasileiras é pouca contada pelos historiadores. Prevalece uma visão heroica
Há quem acredite que comunistas são advogados renhidos da democracia. Certo, quando estão na oposição – quando não estão no poder –, os comunistas, para abrir espaço para seus projetos tático-estratégicos, se tornam apologistas da democracia.
Mas comunistas não veem a democracia como valor universal, e sim como “etapa” para alguma coisa, quer dizer, para o comunismo, que, ao se tornar poder, expurga a democracia. Carlos Nelson Coutinho, intelectual de esquerda respeitável, escreveu um livro, “A Democracia Como Valor Universal”, no qual sugere que a democracia é um fim, não é uma etapa. Não é o que pensam – ou pensavam – os comunistas.
Gustavo Henrique Marques Bezerra: autor de uma pesquisa exaustiva sobre o comunismo no Brasil | Foto: Facebook
Em 1935, o Brasil não vivia sob ditadura, mas é possível qualificar o governo do presidente Getúlio Vargas de semi-autoritário (entre 1937 e 1945, era uma ditadura totalitária, mas não tão cruenta quanto a nazista, sobretudo, e a fascista). Os comunistas ligados a Luiz Carlos Prestes e Olga Benario, bancados pela União Soviética de Óssip Stálin, decidiram dar um golpe de Estado e se deram mal. Acabaram presos. A alemã Olga Benario foi deportada para a Alemanha de Adolf Hitler e, infelizmente, morreu num campo de concentração nazista. (Prestes autorizou a execução de Elza Fernandes porque temia-se que fosse espiã da polícia. Não era. Mas quase ninguém fala disso. O jornalista Sérgio Rodrigues publicou um livro corajoso sobre o assunto-tabu, “Elza, a Garota: A História da Jovem Comunista que o Partido Matou”.)
Luiz Carlos Prestes: homem de Stálin no Brasil, entre as décadas de 1930 e 1940 | Foto: Reprodução
Os comunistas de 1935, os da Intentona Comunista, não queriam arrancar Getúlio Vargas do poder para instalar uma democracia plena. Na verdade, planejavam retirá-lo do poder para implantar uma ditadura comunista no país – sob inspiração de Stálin, um dos mais cruéis assassinos da história, tendo mandado matar de 25 milhões a 30 milhões de pessoas, única e exclusivamente por discordarem dele. Aliás, muitos foram mortos por pura paranoia, porque nem eram adversários de Stálin e do regime que assumiu o poder em outubro de 1917, com Lênin na linha de frente.
Depois de liderar a Coluna Prestes, um movimento militarista de cunho praticamente messiânico, Luiz Carlos Prestes se tornou comunista e voltou ao Brasil, na década de 1930, devidamente catequizado pelo Comintern, organização dirigida por asseclas de Stálin, como o búlgaro Georgi Dimitrov. Prestes seria o Stálin patropi. Mas, como não soube avaliar a correlação de forças – dado que era voluntarista, pecadilho que comunistas rejeitam –, acabou preso pela polícia de Getúlio Vargas. Mais tarde, ante a tática do “mal menor”, aliou-se a Getúlio Vargas (que entregou sua mulher aos nazistas) contra a UDN de Eduardo Gomes, Juarez Távora e Carlos Lacerda.
Carlos Marighella: o líder da ALN | Foto: Reprodução
Em 1962, a esquerda se dividiu. De um lado, ficou o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partidão, e, de outro, o Partido Comunista do Brasil (PC do B). O primeiro defendia um caminho pacífico para o socialismo, com “etapas necessárias”. O segundo, adepto da China e, depois, da Albânia – e defensor do legado de Stálin –, defendia a luta armada.
Depois do golpe civil-militar de 1964, as esquerdas tradicionais se atomizaram. O PCB continuou moderado, avaliando que a luta armada mais fortaleceria do que enfraqueceria a ditadura. O PC do B enviou jovens, quase meninos, para organizar um campo guerrilheiro no Sul do Pará e Norte de Goiás (hoje, Tocantins). Isto já em 1966. O grupo, liderado por João Amazonas, Osvaldão Orlando da Costa e Maurício Grabois, acabou descoberto em 1972 e, em 1974, estava inteiramente dizimado. Era uma guerra entre os comunistas e as Forças Armadas. Não era uma brincadeira. Mas é preciso admitir que, a partir de determinado momento, com pessoas presas e não mais capazes de reagir, os militares começaram uma matança, o que merece a qualificação de barbárie e genocídio. Morrer na batalha é uma coisa – tem sua lógica –, mas ser morto, depois de capturado e não ser capaz de reação, é assassinato.
Carlos Eugênio Paz, líder da ALN, admitiu que guerrilha recebeu dinheiro até da Coreia do Norte | Foto: Reprodução
O PC do B pretendia a retomada da democracia, com sua Guerrilha do Araguaia? A história contada pelos comunistas sugere que sim. Mas isto é fake news. Os comunistas pretendiam derrubar a ditadura para substitui-la por outra ditadura – só que de esquerda. A luta pelo retorno da democracia era, a rigor, uma batalha de políticos pacíficos – como Tancredo Neves e Ulysses Guimarães –, quase sempre ridicularizados pelas esquerdas.
Outros ramos da esquerda – Ação Libertadora Nacional (ALN – liderada por Carlos Marighella), MR-8 (do capitão Carlos Lamarca) e VAR-Palmares, entre outros – se organizaram também em núcleos guerrilheiros. O objetivo de tais grupos era derrubar a ditadura civil-militar e, claro, instalar outra ditadura no país – só que de esquerda. As Forças Armadas, que não queriam “entregar” o poder, reagiram rapidamente e, em pouco tempo – inclusive com o apoio de esquerdistas, como o Cabo Anselmo (e outros menos citados, como Gilberto Prata) –, destruíram as guerrilhas urbana e rural.
Os guerrilheiros brasileiros receberam dinheiro de Cuba e até da Coreia do Norte (a história foi revelada por Carlos Eugênio Paz, o Clemente, último comandante da ALN).
A história cristalizada pelas esquerdas sugere que os guerrilheiros estavam, ao lutar contra a ditadura dos militares e de muitos civis, promovendo a volta da democracia ao Brasil. Nada disso é verdadeiro. Mas fica evidente que, perdendo o combate, tais esquerdas ganharam o debate histórico. Tanto que a luta pacífica pelo retorno à democracia é muito menos pesquisada do que a batalha dos guerrilheiros.
Nos combates ocorridos entre o fim da década de 1960 e início da década de 1970, militares e guerrilheiros mataram várias pessoas. Os mortos da esquerda são lembrados de maneira gloriosa. Entretanto, os que foram mortos pela esquerda nem são lembrados – e são muitos, vários deles inocentes, como guardas de bancos. Tais assassinados não têm a história para ampará-los (foram excluídos). Tanto que suas famílias não têm direito a indenizações.
Por que isto? Como a esquerda fala em nome do “bem da humanidade” parece que lhe é facultado cometer as maiores atrocidades. O presente “ruim” afinal levará a futuro “radioso”. O comunismo, a “pátria” dos iguais, é o nirvana das esquerdas. Como notou o filósofo italiano Norberto Bobbio, os meios corrompem os fins. Quem mata em nome de um futuro paradisíaco – ou percebe a democracia como etapa (e não deixa de ser curioso como, no momento, a esquerda está preocupada com a crise da democracia) –, sacrificando os indivíduos do presente, não constrói paraíso algum. Stálin e seu discípulo chinês, Mao Tsé-tung, cometeram as maiores atrocidades – mataram, juntos, 100 milhões de pessoas – e não edificaram a sociedade perfeita.
Recentemente, o historiador Hugo Studart escreveu um livro seminal sobre a Guerrilha do Araguaia, mas, finalmente, incluindo os militares – cujas vozes se fazem presentes. Trata-se de uma tese de doutorado rigorosa e nuançada – apresentada na Universidade de Brasília (UnB). Engana-se quem avalia que seja a “favor” dos militares. Pelo contrário, mostra, de maneira detalhada, o massacre que cometeram no Araguaia (e revela a cadeia de comando militar, como ninguém havia feito antes, o que possibilita uma melhor compreensão do outro lado da guerra, o das Forças Armadas). Mesmo assim, o livro tem sido “condenado” por desarvorados militantes do PC do B. O motivo é prosaico: o pesquisador ouviu os militares e, por assim dizer, fez uma reforma agrária no tema Guerrilha do Araguaia – democratizando as versões. A história da batalha era “propriedade privada” do PC do B – que a trata como uma coisa heroica, sem contradições (ignora-se inclusive as críticas pioneiras de Pedro Pomar, que pertencia ao partido, mas soube denunciar o equívoco da guerrilha).
João Amazonas, líder histórico do PC do B | Foto: Orlando Brito
Felizmente, para a compreensão da história – que só é história quando se torna inclusiva, quer dizer, quando inclui todos os lados da questão –, a Guerrilha do Araguaia não é mais latifúndio do PC do B e agregados.
Como Hugo Studart, o diplomata Gustavo Marques é um pesquisador corajoso ao lançar “O Livro Negro do Comunismo no Brasil” (Jaguatirica, 872 páginas). Ele já começa a receber “pedradas”, como o doutor pela UnB. Assim como foi estocado, em tempos idos, Osvaldo Peralva, o ex-comunista que publicou um livro devastador sobre os bastidores dos comunistas, “O Retrato” (Três Estrelas, 440 páginas).
Sinopse do livro: “Inspirada em ‘O Livro Negro do Comunismo’, publicado por Stéphane Courtois [e outros] na França em 1997, esta obra, de autoria do diplomata Gustavo Henrique Marques Bezerra, versa sobre a trajetória do movimento comunista e sua influência na vida política e cultural brasileira desde o advento do anarquismo e do marxismo, no final do século 19, até o começo dos anos 1990, com a falência dos regimes comunistas do Leste Europeu. O livro, que tem características monumentais – pois é fruto de mais de 10 anos de intensa pesquisa histórica ampla e minuciosa, em mais de 400 títulos entre fontes primárias (depoimentos, memórias, entrevistas, documentos) e secundárias, nacionais e estrangeiras, e que se divide em seis capítulos, com quase 900 páginas e milhares de notas –, coloca ênfase em fatos geralmente omitidos e/ou pouco explorados pela historiografia brasileira, majoritariamente de esquerda, que revelam o ‘lado obscuro’ dos comunistas e seus aliados no Brasil ao longo do século 20”.

Vivendo com Livros: uma loucura gentil: Kindle Book - Paulo Roberto de Almeida

Vivendo com Livros: uma loucura gentil 

eBook Kindle

Coletânea das principais resenhas elaboradas entre 1976 e 1994, de livros em diferentes categorias. 


Índice



À guisa de prefácio

HISTÓRIA

1. Pierre Renouvin: Histoire des relations internationales
2. Pandiá Calógeras: A Política Exterior do Império
3. Hélio Vianna: História Diplomática do Brasil
4. Delgado de Carvalho: História Diplomática do Brasil
5. Amado L. Cervo/C. Bueno: História da Política Exterior do Brasil
6. Carlos M. Pelaez/Wilson Suzigan: História Monetária do Brasil
7. John W. F. Dulles: Mr Dulles e o Brazil

ECONOMIA

8. Paul Krugman: Rethinking International Trade
9. Santiago Fernandes: A Ilegitimidade da Dívida Externa
10. Pedro da Motta Veiga: A Evolução do Mercosul: cenários
11. José Maria Aragão: Harmonização de Políticas no Mercosul

POLÍTICA

12. Alexandre Soljénitsyne: Lénine à Zurich
13. Movement for Socialist Renewal: Manifesto for a new USSR
14. Lodgaard/Birnbaum (eds): Overcoming Threats to Europe
15. José Carlos Mariategui: Política Exterior y Diplomacia
16. Daniel Yergin: The Prize: The Quest for Oil, Money and Power
17. Jean-Christophe Rufin: L’Empire et les Nouveaux Barbares
18. Maria Helena Tacchinardi: A Guerra das Patentes
19. Moniz Bandeira: Estado e Política Internacional na América Latina

SOCIOLOGIA

20. Florestan Fernandes: A Revolução Burguesa no Brasil
21. Helder Gordim da Silveira: Integração latino-americana
22. Rubens Antonio Barbosa: América Latina em Perspectiva
23. Pedro Scuro Neto: Pactos e Estabilização Econômica
24. Hélio Jaguaribe: Brasil 2000

DIREITO

25. A. A. C. Trindade: Repertório Brasileiro de Direito Internacional
26. José A. E. Faria: Princípios, Finalidade do Tratado de Assunção

FILOSOFIA

27. Sérgio Paulo Rouanet: Édipo e o Anjo: Freud e Walter Benjamin
28. Sérgio Paulo Rouanet: Teoria Crítica e Psicanálise
29. João Almino: O Segredo e a Informação: ética e política
30. Sérgio Bath: Maquiavelismo: a prática política segundo Maquiavel
31. Francis Fukuyama: The End of History?

CIÊNCIA

32. Stephen Jay Gould: Ever Since Darwin/Mismeasure of Man
33. Martinière-Cardoso (eds): Coopération Scientifique France-Brésil

34. Livros de Paulo Roberto de Almeida
35. Nota sobre o autor

Detalhes do produto


  • Formato: eBook Kindle
  • Tamanho do arquivo: 555 KB
  • Número de páginas: 344 páginas
  • Quantidade de dispositivos em que é possível ler este eBook ao mesmo tempo: Ilimitado
  • Vendido por: Amazon Servicos de Varejo do Brasil Ltda
  • Idioma: Português
  • ASIN: B0838DLFL2


À guisa de prefácio


Es, pues, de saber, que este sobredicho hidalgo, los ratos que estaba ocioso... se daba a ler...; y llegó a tanto su curiosidad y desatino en esto, que vendió muchas hanegas de tierra... para comprar libros... y así llevó a su casa cuantos pudo haver dellos. (...) En resolución, él se enfrascó tanto en su lectura, que se le pasaban las noches leyendo de claro en claro, y los dias de turbio en turbio; y así, del poco dormir y del mucho leer se le secó el celebro, de manera que vino a perder el juicio.
Miguel de Cervantes Saavedra

Ainda não me ocorreu, apesar do excesso de leituras, a fatalidade que se abateu sobre o cavaleiro da Mancha. Em todo caso, meu cérebro não parece ter secado pelo fato de também passar muitas noites na companhia dos livros ou escrevendo sobre eles. Este livro, que fala exclusivamente de outros livros, pode ser considerado como o resultado de algumas dessas noites de leitura.
As resenhas de livros, como se sabe, têm geralmente o estranho hábito de revelar não exatamente o conteúdo do livro examinado ou o que diz o autor em causa, mas mais frequentemente o que pensa deles o próprio resenhista. Este volume não pretende ser uma exceção a essa regra não-escrita da prática do book-review, mesmo se ele a implementa de uma maneira particular.
Com efeito, os resenhistas profissionais costumam ostentar um certo air blasé ou de détachement vis-à-vis da obra resenhada, típicos de quem se julga no direito de falar bem (ou mal) do autor, sem outros objetivos que os de parecer erudito ou de impressionar o leitor. A grande vantagem desta coletânea em relação às antologias de resenhistas é talvez o fato de que ela não foi feita por um resenhista profissional, mas sim por um simples amante dos livros.
Os trabalhos aqui coletados foram escritos não por encomenda de algum editor ou diretor de folha literária, mas como resultado de minha livre escolha, motivado única e exclusivamente pelo desejo de realizar eu mesmo uma espécie de “homenagem voluntária” aos livros ou aos autores selecionados. Essa postura é tanto mais defensável e legítima que muitas das resenhas aqui incluídas não foram escritas para serem publicadas e nem mesmo se referiam a obras do momento ou a autores vivos. Motivou-me o simples gosto da palavra escrita, que responde, neste caso, a meu incontrolável, constante e não tão secreto vício da leitura.
Efetivamente, tenho vivido com livros, pelos livros e para os livros uma boa parte de minha vida, provavelmente dois terços de uma existência passada na atenta fixação do papel impresso. Entretanto, até onde alcançam minhas lembranças da primeira infância, não se pode dizer que o gosto da leitura constituísse uma espécie de kismet pessoal ou que ele estivesse entranhado num certo ambiente familiar.
Não me lembro, por exemplo, que minha casa contivesse muitos livros, pelo contrário, provavelmente muito poucos. Meus pais, típicos filhos de imigrantes pobres, de extração camponesa portuguesa e italiana, tinham sido criados entre o trabalho e a escola, processo que conduziu a uma educação primária incompleta nos dois casos. Mas, como todos os imigrantes, ambos davam uma importância muito grande à educação formal dos filhos, o que, dadas as condições de penúria material em que vivíamos, não necessariamente se traduziu em aquisição voluntária de outros livros que não, chegada a hora, os didáticos. 
Foram circunstâncias fortuitas que me fizeram chegar aos livros e com eles passar boa parte de minha vida. Minha casa, na então Chácara Itaim, bairro paulistano do Jardim Paulista, ficava muito próxima de uma biblioteca infantil, que eu passei a frequentar antes mesmo de estar formalmente alfabetizado. Na “Biblioteca Anne Frank” passei todos os anos de minha infância e os primeiros da adolescência. Uma vez treinado nas primeiras letras, na “atrasada” idade dos sete anos, passei a ler furiosamente: lia com avidez, não só na própria biblioteca, como todos os dias retirava sistematicamente um ou dois livros para ler em casa, à noite. Se não li todos os livros da biblioteca, devo ter chegado muito perto disso.
Alguns anos depois, trabalhando durante o dia e estudando à noite, passei a frequentar as bibliotecas do centro de São Paulo: a pública “Mário de Andrade”, a liberal e circunspecta da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a especializada em economia do Centro das Indústrias, a da USIS, junto ao Consulado dos Estados Unidos, a da União Cultural Brasil-Estados Unidos e várias outras mais. Também comecei a percorrer incessantemente as livrarias do centro da cidade, em especial a velha Brasiliense, na Barão de Itapetininga, e a Zahar, na Praça da República.
Enfim, foram anos e anos de contato com os livros, lendo em toda e qualquer circunstância, em casa ou no trabalho, na escola e nos transportes públicos, sob chuva ou sol quase se poderia dizer. Raramente, ou quase nunca, saía de casa sem um livro na mão ou na pasta: qualquer oportunidade era boa para se avançar na leitura, mesmo na fila do recrutamento militar (quando estava acompanhado de Gustavo Corção, uma leitura insuspeita nos anos do regime militar). Ao deixar o Brasil pela Europa, no começo dos anos 70, arrastei comigo uma biblioteca que certamente deve ter intrigado diversos agentes alfandegários. No velho continente, como não podia deixar de ser, passei boa parte de uma longa estada de sete anos voluntariamente encerrado em bibliotecas universitárias, sobretudo a do Instituto de Sociologia da Universidade de Bruxelas. Continuei depois esse hábito nas demais cidades a que fui levado por força de uma vida profissional sempre nômade.
Desde muito cedo, habituei-me também a fazer fichas de livros, sob a forma de notas sintéticas, algumas compilações mais ou menos longas ou mesmo resenhas críticas, em cadernos ou folhas esparsas. Infelizmente, algumas dessas resenhas pioneiras foram perdidas com os papéis da juventude, entre a partida e a volta da Europa. Minha primeira resenha publicada parece ter sido a de uma obra do Erich Fromm, A Sobrevivência da Humanidade (tradução brasileira, pela Zahar, de Can Man Survive?), que saiu no jornal do centro acadêmico do Colégio Costa Manso, onde eu cursava o Clássico (em torno dos 16 anos, portanto). Muitos outros trabalhos dessa época, que precedeu minha saída do Brasil, se perderam: lembro-me de extensos resumos de obras políticas, de leituras anotadas de Sartre, Celso Furtado, Caio Prado, Florestan Fernandes e muitos outros autores brasileiros ou estrangeiros.
Mais tarde, durante minha estada universitária na Europa, preenchi diversos cadernos quadriculados, organizando-os por temas, ali compilando apreciações críticas e resumos de dezenas de livros, sem considerar as simples notas bibliográficas, que tinham seus cadernos especiais. Mas, essas anotações não cobrem senão uma parte de minhas leituras, aquelas ligadas diretamente ao estudo acadêmico ou às preocupações políticas. Dezenas de outros livros, cujos títulos se perderam em agendas extraviadas, permaneceram sem registro, sem falar dos muitos romances, policiais ou literários, que nunca foram objeto de qualquer tentativa de “crítica literária”. Se fosse possível fazer uma lista mais ou menos abrangente de minhas leituras, ela certamente ocuparia dezenas de páginas e nunca estaria completa.
A presente seleção de livros resenhados, portanto, não cobre senão uma ínfima parte de minhas leituras, compreendendo as obras efetivamente objeto de apreciação crítica. Alguns dos trabalhos aqui reunidos foram, parcial ou integralmente, publicados em revistas acadêmicas ou periódicos brasileiros, muito embora diversas outras resenhas permaneçam inéditas até aqui. Uma única exceção ao critério de autoria: a inclusão do resumo de minha própria tese de doutoramento em ciências sociais, mas que no caso serve para explicar melhor minha posição em relação à obra de Florestan Fernandes, objeto de um trabalho na seção “Sociologia”. Várias outras resenhas não foram escritas pensando precipuamente em sua divulgação, mas sim sob a forma de simples avaliação pessoal no curso de um estudo. Elas são agora transcritas em sua forma original, salvo, num ou noutro caso, pequenas adaptações de forma ou supressões de trechos, por inadequação à atualidade ou limitações de espaço.
Mais do que simples resenhas, estes trabalhos correspondem ao que um habitual leitor do The New York Review of Books, como eu, chamaria de review-article, que na verdade significa aproveitar a oportunidade da publicação de algum novo livro (neste caso, alguns antigos também) para falar sobre os mais diversos problemas de atualidade ou de história. O livro-objeto é, assim, uma simples escusa para uma digressão sobre temas diversos, em outros casos quase que um exercício de estilo ou um divertissement.

Um dia, vou percorrer novamente as bibliotecas de minha infância e adolescência e tomar nota de todos os livros que me fizeram companhia por tantos e tantos anos. Por falta de tempo, isto não ocorrerá certamente antes da aposentadoria, período que já antevejo como de um retorno a intensas leituras.
Esperando chegar esse tempo, decidi selecionar, à intenção dos amigos e curiosos, algumas de minhas leituras anotadas, isto é, aquelas que resultaram em resenhas formais e que, como tal, foram objeto de publicação.
Dedico esta primeira coletânea, com todo amor, a alguém que realiza a proeza de ler ainda mais do que eu, Carmen Lícia, sem cuja compreensão eu não teria cultivado, com tanta intensidade, o vício compulsivo da leitura.

Paulo Roberto de Almeida
Paris, dezembro de 1994
Brasília, 29 de dezembro de 2019