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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Algumas perguntas incomodas para os candidatos - Carlos Alberto Sardenberg

Agora vai ser preciso adaptar apenas para os dois que sobraram para o segundo turno.

Ninguém pergunta, ninguém responde
Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S.Paulo, 04 de outubro de 2010

Era de esperar que alguém perguntasse a Dilma Rousseff, no debate da Globo: em qual afirmação sua a gente deve acreditar, quando dizia que era a favor da legalização do aborto ou quando diz que é a favor da vida?

E para José Serra: sua proposta de elevar o salário mínimo para R$ 600 e reajustar as demais aposentadorias em 10% simplesmente dobra o déficit da Previdência. Trata-se, pois, de uma proposta no mínimo estranha de quem defende rigor nas contas públicas. Como se vai financiar isso, cortando outros gastos (e quais?) ou aumentando impostos?

Para Marina Silva: a exploração do petróleo do pré-sal impõe enormes riscos ambientais, ao mesmo tempo que pode trazer enormes lucros para o Brasil. A senhora segue em frente com a exploração?

Para todos: é a favor ou contra a fixação de idade mínima para aposentadoria? Ou ainda: está claro que o grande problema da economia brasileira está na dobradinha juros altos/dólar barato. Seu governo vai fazer o que para derrubar os juros? E mais: desvalorizar o dólar reduz o poder de compra das pessoas e dificulta as viagens internacionais. Vai fazer isso?

Valeria para Dilma Rousseff também. Em quase todas as suas músicas de campanha aparece algum brasileiro dizendo "agora eu posso viajar". Quer dizer que, para ela, está tudo bem com o dólar baratinho?

Nada disso foi debatido. Não por culpa do William Bonner, mas por causa das regras dos debates, impostas pelos candidatos. Francamente, o modelo brasileiro não está funcionando, especialmente na TV e no rádio. Para participar, os candidatos - sobretudo aqueles com reais chances de vencer - exigem regras que simplesmente engessam a discussão e permitem evitar as questões polêmicas. Fica um acordo tácito entre os candidatos mais competitivos.

Serra, que precisava tirar pontos de Dilma, não fez uma pergunta sequer a ela. Por que não perguntou sobre a polêmica da legalização do aborto? Simples: porque ele, Serra, também não queria se meter nessa confusão.

Por que Dilma não cobrou Serra sobre o aumento de gastos com a Previdência? Porque a questão a obrigaria a também se definir sobre os reajustes das pensões.

Pior do que isso: no ambiente eleitoral essas questões entraram não pela sua natureza, mas pelo que podiam incomodar este ou aquele candidato.

Legalização do aborto ficou embaraçosa para Dilma. Mas, reparem: é uma questão essencial, em debate civilizado no mundo todo. É um problema social, de saúde e econômico. E, sobretudo, envolve direitos e liberdade da mulher, definições sobre a origem e o momento da vida.

Não se chegou nem perto disso. Ficou no ganha-perde votos.

No dia mesmo do debate da Globo, o fato econômico dominante foi o dólar, que caíra abaixo do R$ 1,70. Também acabara de ser publicado o Relatório Trimestral de Inflação, em que o Banco Central (BC) sugere que a taxa real de juros de equilíbrio no Brasil seria hoje de 5% ao ano. Taxa de equilíbrio, ou neutra, é aquela que mantém a inflação na meta e, digamos assim, não esquenta a economia exageradamente nem impede o crescimento. Ou seja, garante o máximo de crescimento e emprego, com inflação na meta.

Não é apenas uma questão técnica. Está na vida das pessoas. O mesmo relatório do BC inclui um estudo que mostra o seguinte: as famílias gastam 13% do seu orçamento com o pagamento de juros e 10% com a amortização do principal da dívida. Mais ou menos o seguinte: você compra uma televisão a prazo; na prestação, você paga mais pelos juros do que pela TV.

Juros menores beneficiariam as pessoas, as empresas e o governo, que paga juros elevados na rolagem de sua dívida. É certo, por outro lado, que juros altos estão entre as causas da valorização do real, pois atraem dólares. Finalmente, a elevada dívida pública e os altíssimos gastos governamentais são causas dos juros altos.

E o que vimos no debate? Promessas variadas de aumento do gasto público. Serra ainda falou em alguns momentos da dobradinha dólar/juros, mas não adiantou qualquer indicação razoavelmente precisa de como desataria esse nó.

Dilma falou da manutenção da política econômica de Lula, mas essa política está mudando.

Marina, ao longo da campanha, foi quem apresentou as melhores e mais desenvolvidas ideias sobre essa questão. Propôs um programa que leva à redução do gasto público como proporção do Produto Interno Bruto. Isso seria um grande avanço, mas o tema não mereceu mais debate e mais elaboração.

A revista The Economist da semana passada, em reportagem sobre as eleições brasileiras, lembrou que em 2006 Lula havia dito à publicação que seu segundo mandato seria dedicado às reformas tributária, política, trabalhista e previdenciária.

Não avançou uma sequer. Lula diz que a culpa é do Congresso. Não é bem assim. Na verdade, na medida em que cresceu a onda econômica, Lula simplesmente desistiu das reformas - que só apareceram vagamente nessas eleições.

Tudo considerado, temos um processo eleitoral de má qualidade. O eleitor não tem condições de fazer boas escolhas. Os eleitos não têm compromissos para valer. Quando pensam na reeleição e na continuidade, tratam de fazer um governo de bondades, sem complicações.

E assim vai o Brasil. Só faz as reformas, as mudanças estruturais, quando está atolado na crise. Por exemplo: em todos os países sérios há idade mínima para aposentadoria. Está na cara que será preciso introduzir a regra por aqui - mas isso será tentado no pior momento, em crise.

Quanto aos debates na TV e no rádio, só tem uma saída: jornalistas perguntando sem restrições, podendo replicar, treplicar, insistir com o candidato. Quem se julga em condições de ser presidente ou governador não pode ter medo disso.

JORNALISTA - E-MAIL: SARDENBERG@CBN.COM.BR

Um comentário:

Brasil disse...

É a paradoxal vitória do politicamente correto. Quase como uma guerra asséptica como já tratado neste blog.