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sábado, 23 de outubro de 2010

Brasil eleitoral: uma pequena reflexao sobre o dia seguinte

Brasil: the day after
Paulo Roberto de Almeida

Brasil, 1ro. de Novembro de 2010: o país amanhece irremediavelmente dividido, qualquer que seja o resultado das eleições. Quem quer que seja o vencedor, sua herança será um clima pesado de divisão, uma fratura que cinde a nação praticamente ao meio de suas preferências eleitorais, com terríveis consequências para os quatro anos seguintes.
Num caso, podemos antecipar quatro anos de greves, manifestações, invasões, a favor ou contra o governo, não importa, em busca de vantagens políticas, de chantagens econômicas, em torno de simples alinhamentos corporativos.
No outro caso, teremos quatro anos de greves, manifestações, invasões, a favor ou contra o governo, não importa, em busca de vantagens políticas, de chantagens econômicas, em torno de velhos alinhamentos grupais.
Esta é a lógica da divisão do país. Estarei sendo muito pessimista?
Não creio. Infelizmente, eu vejo o Brasil aproximando-se do modelo de alguns vizinhos, países nos quais o processo político também conduziu à fragmentação social, à divisão política, à fratura institucional e a uma predisposição mental de conceber a arena do jogo político, não como uma sadia competição entre propostas alternativas de políticas públicas, mas como um enfrentamento entre inimigos irreconciliáveis, como uma batalha de vida ou morte em torno de escolhas excludentes.
Este é, lamentavelmente, o legado desses anos de simplificação do debate eleitoral como sendo uma oposição entre o passado e o futuro, entre o antes e o agora, entre “nós” e “eles”, entre o povo e as "elites", entre o bom e o mau. Este é o legado da visão confrontacionista do mundo, aquela que pretende que todos os vícios estão de um lado, e que todas as virtudes estão do outro.
Gostaria, pessoalmente, que não fosse assim. Como analista político constato, porém, que é assim! É assim que se comportam certos personagens, que deveriam atuar como magistrados, encarregados de presidir uma simples disputa eleitoral. Ao contrário: eles vêem na contenda uma luta terrível entre um projeto de poder, o “seu” projeto, e todas as demais propostas que não se submetem à sua visão do mundo.
Este parece ser o destino para o Brasil nos próximos anos, infelizmente: descoordenado, dividido, com quase metade da população sentido um gosto amargo de derrota e desiludida de que a política possa representar uma oportunidade para melhorar o Brasil, de forma gradual e consensualmente. Para nossa tristeza, temos apenas de aceitar que uma única solução é exclusivamente aceitável, sem qualquer outra possibilidade. Esta é a lógica dos que nos levaram a essa divisão insana e improdutiva entre brasileiros que simplesmente ostentam opiniões opostas sobre como melhor encaminhar os problemas da nação.

Não quero, contudo, deixar a impressão de que, seja num caso, seja no outro, tudo vai resultar inevitavelmente no mesmo clima de brigas e impasses em torno da governança. Nem tudo são “parecenças” e semelhanças entre um e outro projeto. Existem diferenças, por certo, e eu não me privo de apontá-las. Com minha habitual franqueza e total abertura de linguagem.
Nutro pela classe política as mais fundadas desconfianças, como é público e notório. Mas não posso deixar de reconhecer diferenças entre os personagens. Isto porque não se pode confundir as partes com o todo. Cada um tem responsabilidades individuais e diferenciadas, e não se pode amalgamar o comportamento de todos num mesmo conjunto indivisível. No assunto da corrupção, porém, ocorre algo curioso, justamente. Sempre tivemos a corrupção “normal” do sistema político: políticos se apropriando individualmente de bens públicos, desviando o orçamento para suas pequenas causas (algumas grandes), interferindo no processo decisório em torno de investimentos públicos, etc. Isso é conhecido e até mesmo esperado e sei situa num nível, digamos assim, artesanal, ou manufatureiro, da corrupção.
O que não tínhamos conhecido, porém, era a corrupção sistêmica, estrutural, de natureza “fabril”, em escala industrial, ou seja, organizada e mantida, até estimulada e “agregada” por um grupo que se movimenta em torno do poder com o único objetivo de mantê-lo indefinidamente. Nem se trata de construir um sistema alternativo, pois ninguém mais acredita nesse tipo de bobagem; se trata apenas de explorar as vantagens do sistema para o seu grupo, exclusivamente, fazendo sua “acumulação primitiva”, inclusive no plano individual.
Isto é novo no Brasil, e propriamente aterrador.
Creio, infelizmente, que é este o legado que teremos destas eleições, um legado que nos acompanhará pelos próximos anos.

(Tóquio, 24 outubro 2010)

4 comentários:

Mário Machado disse...

Professor,

Em um período em que vários intelectuais que eu reputava seriedade (pra citar dois Seitenfus e Moniz Bandeira)têm se mostrado "apologéticos" e "oficialistas" (para usar expressões que vc usa em um dos seus livros). É reconfortante ler um texto equilibrado.

Mesmo correndo o risco de ser visto como mero bajulador tenho que dizer que esse texto consegue com elegância sintetizar um conjunto de percepções que tenho sobre o estado de coisas no Brasil.

É a primeira vez em minha jovem vida que sinceramente temo pelo futuro do Brasil, temo pela sanidade desse país. Não consigo não ter medo do tipo de medida que um congresso como o que foi eleito criará ou aprovará.

Estou pessimista e nenhum dos contendores dissipará isto. Se ganha a oficialista avançará uma agenda obscura do discurso fácil. Se ganha José Serra está montado o clima para o que o RA chama de baguncismo.

Abs,

PS: Vou copiar este texto em meu blog com todas as devidas citações e sem alteração do original.

Bella Beloca disse...

Com certeza é uma visão triste e incômoda do futuro, mas não diria pessimista.
O pessimismo é uma previsão ruim, ou seja, ainda reinaria a incerteza.
Seu texto retrata uma situação muito real. Digo real porque já considero tais ânimos de conflito muito presentes na atual fase da campanha eleitoral do segundo turno.
O Brasil se dividiu como "nunca antes na história desse país".
E isso não pode ser bom.
Minhas considerações e agradecimentos pelos posts que só acrescentam!!
Grande abraço!

Paulo Roberto de Almeida disse...

Mario,
Grato pela distinção. Se você for reproduzir o texto, o que muito me honra, reproduza por favor a partir desta versão postada ligeiramente corrigida.
Eu havia escrito muito rapidamente ao acordar em Tóquio (agora estou em Osaka) e cometi pequenos deslizes de escrita, o que sempre acontece quando se está com sono...

Isabella,
Muito grato pelos seus comentários.
Eu gostei sobretudo pela ilustração da Era do Gelo, pois sou um apreciador incondicional desse pobre esquilo e seus esforços inacreditáveis para conseguir ficar com uma única avelã...
Paulo Roberto de Almeida

Mário Machado disse...

Professor,

A atual versão de seu texto é a que publiquei, por sinal o texto tem sido elogiado nas redes sociais que uso para dar publicidade a meu blog.

Abs,

http://www.coisasinternacionais.com/2010/10/brasil-day-after.html