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sexta-feira, 17 de julho de 2009

1225) Compras militares: comentarios de jornalista

Opinião e comentários de conhecido jornalista -- não muito apreciado por sua suposta "objetividade", mas ainda assim bem informado -- sobre importantes decisões de aquisições militares pelo Brasil, talvez mais por simpatias políticas do que por racionalidade econômica ou tecnológica.

Voo cego, mergulho no escuro
Jânio de Freitas
Folha de S. Paulo, 16 de julho de 2009

DESDE O SEU início, a condução das providências ligadas à escolha e às condições para compra de novos caças da FAB e submarinos marca-se, na área civil dos governos Fernando Henrique e Lula, por volteios, argumentos artificiosos, intenções encobertas e, como resultado, um conjunto de obscuridades e negaças deliberadas. Para que negócios multibilionários se decidam em um pequeno círculo à margem de conhecimento e participação que representem o país, ao menos em medida razoável. Assim se chega ao momento crucial dos negócios, que Nelson Jobim quer formalizar na França já a partir de amanhã.
As obscuridades poderiam justificar-se no caso de razões estratégicas militares e de segurança nacional. Não há nenhuma envolvida. As especificações dos tipos de caças concorrentes para a compra são públicas, estão disponíveis no mundo todo em revistas de aeronáutica e na internet, incluindo preços conforme as especificações. Os submarinos não são mais misteriosos do que os jatos.
Os caças franceses Rafale, que Lula e Nelson Jobim querem comprar, estão entre os mais caros dos possíveis para a FAB. Consideradas as dimensões extraordinárias do Brasil, não são os que têm a melhor autonomia de voo, a capacidade de percorrer as maiores extensões sem reabastecimento. Entre os países que fizeram compras mais recentes de caças, a Venezuela pode ser desconsiderada por possível influência política e ideológica de sua aproximação militar com a Rússia, mas a boa força aérea da Índia procedeu a seleção rigorosa -e não escolheu o caça francês. A equipe de pilotos e técnicos da FAB que visitou seus colegas da Índia, e testou suas decisões, deu-as como as mais acertadas.
O processo de seleção brasileiro, desde Fernando Henrique, foi uma sucessão de saltos. Da escolha propriamente militar, passou à cessão de tecnologia para produção de aviões aqui. Deveria conduzir ao caça francês, cujo fabricante, Dassault, é representado no Brasil pela Embraer. Mas não o fez, porque foi criada alternativa mais completa por outro concorrente. A dada altura, entrou nas exigências brasileiras o incremento de comércio convencional que o país fabricante dos caças se dispusesse a fazer. Até chegar-se à discussão em torno de galináceos e espigas exportáveis pelo Brasil -critério ao menos original para seleção de aviões de caça. E o caça francês não ganhou. O jeito foi deixar a seleção em banho-maria.
Lula retomou-a. Com Nelson Jobim, com mais objetividade e sem novidade: na direção que se pôde intuir desde a primeira vez em que levou seus ares de vitorioso à primeira visita a uma empresa. A Embraer. Por que a Embraer, e não a Gerdau, a Mercedes, a VW, outra das grandiosas, não ficou claro. A não ser, talvez, para quem notou uma frase dita por Lula, sem razão alguma, como complemento dos elogios à empresa e sua bem sucedida situação: Precisamos ajudar a Embraer. É verdade que, não muito depois, ele foi comprar um avião francês. Mas daí a esquecer a Embraer e o caça da França há distância.
A explicação de Nelson Jobim para gastar com submarinos franceses dez vezes a proposta alemã é que foram incluídos no pacote, pela França, uma base e um estaleiro, além de tecnologia e quatro e não dois submarinos. Se os adendos não estavam pedidos na concorrência, é claro que os demais concorrentes não os propuseram. Mais sério é que a Marinha e a engenharia civil têm habilitação para construir quantas bases e estaleiros quiserem, sem que o país precise pagar bilhões por isso.
E, afinal de contas, o que a Marinha quer são submarinos, cuja oferta pelos franceses é muito reconhecida como bastante ruim, com seu modelo Scorpène muito superado, de operação e manutenção ainda muito dispendiosas. E aquém do nível tecnológico e militar da Marinha.
O acordo militar feito com a França sem maior estudo e debate pode ser bom, eventualmente. Não para negócios como os iminentes. Também porque, se o Brasil quiser se tornar potência armamentista, que o seja para valer e com inteligência. Não faz sentido gastar bilhões para armamentos superados ou inadequados, enquanto, nas palavras de Nelson Jobim, o Brasil só terá submarino nuclear daqui a 20 anos.

4 comentários:

Glaucia disse...

Bem, vejo que o professor percebeu o quanto os argumentos do jornalista (formado?) são bizantinos. Pouco menos que aquele editorial do Estadão saído logo após a compra dos submarinos.

Uma boa fonte de informação, sem os descalabros de uma "resistência militar", é o site www.naval.com.br. Se fizermos a cruz ao nome oficial, "Poder Naval" , podemos ver comentários técnicos e objetivos, sem o pró-governismo nem o antigovernismo burros tão comuns no chamado debate nacional (debate onde ninguém está disposto a ouvir o outro lado, apenas aguardando a oportunidade de denunciar a falta de moralidade e/ou hipocrisia alheia).

No mérito:

http://www.naval.com.br/blog/?p=14444

http://www.naval.com.br/blog/?p=2869

A favor de Jânio, diga-se que ele, nos trilhos do Cony, não deve ter registro de ter sido a favor de qualquer governo.

Caloroso abraço!

Paulo Roberto de Almeida disse...

Acrescento um comentário pessoal em 20.07.2009:

É preciso que se diga que o Scorpene francês foi construido para abrigar um propulsor nuclear, mas toda essa parte foi excluida do contrato de compra. Os brasileiros, que estavam trabalhando com um modelo alemao de submarino, vao ter de adaptar tudo (na verdade refazer) toda a parte da propulsao para encaixar no casco frances, que de fato foi feito para o reator frances.
Por isso vai demorar 20 anos. Pessoalmente acho uma loucura tudo isso. Se vai demorar tanto tempo, nao precisaria fazer esse contrato agora, mas entendo que nossos marinheiros nao possuem projetistas em numero ou qualidade suficiente para fazer tudo a parir de zero.
Uma coisa é certa: em materia de defesa nao existe transferencia de tecnologia, a nao ser defasada, como essas que os franceses nos passarao.
Levando-se em conta todas as demais caracteristicas que DEVERIAM presidir nossa doutrina e planos de defesa, considero que vamos gastar muito dinheiro, que vai contentar nossos industriais da FIESP, mas que em materia de defesa vamos continuar em plano inferior, e em materia de seguranca estrategica para missoes multilaterais vamos tambem continuar despreparados.
Paulo Roberto de Almeida

Glaucia disse...

Bem, professor...continuo cética quanto às possibilidades de desenvolver tecnologia autóctone na área, em prazo equivalente ao da tecnologia comprada. Podíamos começar tentando fazer um carro 100% nacional a partir do último Gurgel, e usar a learning curve como base pra ver quanto tempo demorará pra termos submarinos.

Viu que o mesmo jornalista continua interessadíssimo pelo tema? Deve ter cada fonte que nem imaginamos, né?

Paulo Roberto de Almeida disse...

Glaucia,
O seu ceticismo pode ter um fundo de verdade, pois, afinal de contas, não é fácil conceber, desenhar, projetar e construir equipamentos complexos como motores, reatores, usinas, aviões supersônicos, ou mesmo carros, tanques, mísseis, aviões em geral. É preciso não apenas dominar toda a engenharia de projetos (supondo-se que se disponhoa de projetistas suficientes e de boa qualidade), mas também todos os aspectos da engenharia bruta, isto é, a indústria, em si, sem falar do mercado, ou do financiamento estatal (que pode muito bem pagar por tudo e depois deixar estocado ou entregar os produtos para deleite dos militares).
Tudo isso leva tempo, exige determinação, algum sentido de planejamento e, sobretudo, dinheiro, não apenas como metal sonante, mas capital físico, intelectual e em suas várias outras formas...
Não diria que o Brasil é incapaz de fazer tudo isso: finalmente, temos know-how, tecnologia e dinheiro para fazer grandes barragens e, atualmente, aviões (ainda que com muita tecnologia importada, mas sempre é assim para quem começa tarde).
O Brasil pode e já está fazendo alguma coisa, mas sempre é mais fácil comprar pronto, quando se tem pressa e necessidade. Aí a dependência é inevitável, como ocorre em várias etapas e processos da industrialização brasileira.
De todo modo, se concebermos o desenvolvimento como aquela etapa em que o país alcança autonomia tecnológica, poderíamos afirmar que o Brasil já o alcançou ou está muito perto de fazê-lo.
Não se faz mais por problemas culturais (a introversão universitária ou a imbecil e irracional rejeição de parte do mundo acadêmico à "promiscuidade" com o mundo do negócios, dos lucros e da exploração capitalista), ou por problemas de política econômica: o custo do capital, a extorsão tributária brasileira, o regulacionismo anti-competitivo e anto-mercado, etc.
Aos poucos chegaremos lá.
No que se refere ao tempo de aprendizado, ou ao custo de fazer sozinho, este é um problema típico brasileiro: ao recusar maior grau de interdependência, o que se tem é isso, atrasos e custos maiores.
Falando da Estratégia Nacional de Defesa, especificamente, eu diria que ele representa o sonho ideal de todos os militares e estrategistas políticos. Pensando como economista, porém, eu diria que ela é impossível de ser alcançada, por exigir recursos superiores às possibilidades brasileiras.
No plano da concepção, também, eu diria que ela é paranóica, esquizofrênica ou simplesmente desnecessária, por ignorar determinadas realidades geopolíticas e basear-se numa concepção ultrapassada das relações de poder.
Generais e diplomatas estão sempre pensando com os olhos no retrovisor...