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sexta-feira, 31 de julho de 2009

1249) George Orwell, 1984


George Orwell, 1984 (nova tradução e publicação no Brasil pela Companhia das Letras)

Publicada originalmente em 1949, a distopia futurista 1984 é um dos romances mais influentes do século XX. Uma obra magistral que ainda se impõe como uma poderosa reflexão ficcional sobre a essência nefasta de qualquer forma de poder totalitário

1984 é um inquestionável clássico moderno. Publicado poucos meses antes da morte do autor, tem como herói o angustiado Winston Smith, refém de um mundo feito de opressão absoluta. Em Oceânia, ter uma mente livre é considerado crime gravíssimo, pois o Grande Irmão, líder simbólico do partido único que controla a tudo e todos, "está de olho em você". No íntimo, porém, Winston se rebela contra a sociedade totalitária na qual vive: em seu anseio por verdade e liberdade, ele arrisca a vida ao se envolver amorosamente com uma colega de trabalho, Júlia, e com uma organização revolucionária secreta.
Muitos leram 1984 como uma crítica devastadora às belicosas ditaduras nazifascistas da Europa, de cujos terríveis crimes o mundo ainda tentava se recuperar quando o livro foi lançado. Nos Estados Unidos, foi visto como uma fantasia de horror quase cômico dirigida contra o comunismo da hoje extinta União Soviética, na época sob o tacão de Stálin e seu Partido único e inquestionável. Entretanto, superando todas as conjunturas históricas, e até mesmo a data futurista do título, há muito ultrapassada, 1984 ainda se impõe como uma poderosa reflexão ficcional sobre os excessos delirantes, mas perfeitamente possíveis, de qualquer forma de poder incontestado.

Winston, herói de 1984, último romance de George Orwell, vive aprisionado na engrenagem totalitária de uma sociedade completamente dominada pelo Estado, onde tudo é feito coletivamente, mas cada qual vive sozinho. Ninguém escapa à vigilância do Grande Irmão, a mais famosa personificação literária de um poder cínico e cruel ao infinito, além de vazio de sentido histórico. De fato, a ideologia do Partido dominante em Oceânia não visa nada de coisa alguma para ninguém, no presente ou no futuro. O'Brien, hierarca do Partido, é quem explica a Winston que "só nos interessa o poder em si. Nem riqueza, nem luxo, nem vida longa, nem felicidade: só o poder pelo poder, poder puro".
Quando foi publicada em 1949, poucos meses antes da morte do autor, essa assustadora distopia datada de forma arbitrária num futuro perigosamente próximo logo experimentaria um imenso sucesso de público. Seus principais ingredientes - um homem sozinho desafiando uma tremenda ditadura; sexo furtivo e libertador; horrores letais - atraíram leitores de todas as idades, à esquerda e à direita do espectro político, com maior ou menor grau de instrução. À parte isso, a escrita translúcida de George Orwell, os personagens fortes, traçados a carvão por um vigoroso desenhista de personalidades, a trama seca e crua e o tom de sátira sombria garantiram a entrada precoce de 1984 no restrito panteão dos grandes clássicos modernos.
Algumas das ideias centrais do livro dão muito o que pensar até hoje, como a contraditória Novafala imposta pelo Partido para renomear as coisas, as instituições e o próprio mundo, manipulando ao infinito a realidade. Afinal, quem não conhece hoje em dia "ministérios da defesa" dedicados a promover ataques bélicos a outros países, da mesma forma que, no livro de Orwell, o "Ministério do Amor" é o local onde Winston será submetido às mais bárbaras torturas nas mãos de seu suposto amigo O'Brien.
Muitos leram 1984 como uma crítica devastadora aos belicosos totalitarismos nazifascistas da Europa, de cujos terríveis crimes o mundo ainda tentava se recuperar quando o livro veio a lume. Nos Estados Unidos, foi visto como uma fantasia de horror quase cômico voltada contra o comunismo da hoje extinta União Soviética, então sob o comando de Stálin e seu Partido único e inquestionável. No entanto, superando todas as conjunturas históricas - e até mesmo a data futurista do título -, a obra magistral de George Orwell ainda se impõe como uma poderosa reflexão ficcional sobre os excessos delirantes, mas perfeitamente possíveis, de qualquer forma de poder incontestado, seja onde for.

George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair, nasceu em 1903, na Índia, onde seu pai trabalhava para o império britânico, e estudou em colégios tradicionais da Inglaterra. Jornalista, crítico e romancista, é um dos mais influentes escritores do século XX, famoso pela publicação, entre outros, dos romances A revolução dos bichos, Dias na Birmânia e A flor da Inglaterra, do relato memorialístico Na pior em Paris e Londres e do livro de ensaios Dentro da baleia, todos publicados no Brasil pela Companhia das Letras. Morreu de tuberculose em 1950.

Trecho do posfácio de Thomas Pynchon à obra 1984, de George Orwell.

George Orwell nasceu Eric Arthur Blair em 25 de junho de 1903, em Motihari, uma pequena cidade em Bengala, próxima à fronteira com o Nepal, no meio de uma região com farta produção de ópio. Seu pai trabalhava lá como agente do Departamento Britânico de Ópio, não prendendo os cultivadores, mas supervisionando o controle de qualidade do produto, do qual a Grã-Bretanha havia muito detinha o monopólio. Um ano depois, o jovem Eric estava de volta à Inglaterra com sua mãe e sua irmã, não retornando àquela região até 1922, na qualidade de oficial júnior da Polícia Imperial Indiana na Birmânia. O emprego pagava bem, mas Orwell decidiu abandoná-lo quando voltou para casa de licença em 1927, para desespero de seu pai, porque o que ele realmente queria fazer da vida era ser escritor, e foi o que se tornou. Em 1933, com a publicação de seu primeiro livro, Na pior em Paris e Londres, adotou o pseudônimo de George Orwell, nome pelo qual ficou conhecido desde então. Orwell fora um dos nomes que havia utilizado enquanto vagabundeava pela Inglaterra, e cuja inspiração pode ter sido um rio homônimo em Suffolk.
1984 foi seu último livro - quando foi lançado, em 1949, Orwell havia publicado outros doze, incluindo o muito aclamado e popular A revolução dos bichos. Num ensaio datado do verão de 1946, "Why I Write" ["Por que escrevo"], ele recordou que "A revolução dos bichos foi o primeiro livro em que tentei, com plena consciência do que estava fazendo, fundir intenção política e intenção artística num todo. Não escrevo um livro há sete anos, mas espero escrever outro em breve. Está destinado a ser um fracasso, todo livro é um fracasso, mas tenho alguma clareza de que tipo de livro desejo escrever". Logo depois estava trabalhando em 1984.
De certa forma, esse romance foi uma vítima do sucesso de A revolução dos bichos, lido por muitas pessoas como uma franca alegoria do destino melancólico da Revolução Russa. Desde o minuto em que o bigode do Grande Irmão surge no segundo parágrafo de 1984, muitos leitores, lembrando imediatamente de Stalin, mantiveram o hábito de tecer analogias ponto a ponto, como haviam feito na obra anterior. Embora o rosto do Grande Irmão certamente seja o de Stalin, do mesmo modo que o rosto de Emmanuel Goldstein, o desprezado herege do Partido, é o de Trotski, os dois não se alinham a seus modelos de maneira tão elegante quanto Napoleão e Bola de Neve em A revolução dos bichos. Isso não impediu que o livro fosse vendido nos Estados Unidos como uma espécie de tratado anticomunista. O romance foi publicado no auge da era McCarthy, quando o "comunismo" era oficialmente condenado como uma ameaça mundial, monolítica, e não havia motivo até mesmo para distinguir Stalin de Trotski, assim como não haveria motivo para que pastores ensinassem as ovelhas sobre as nuances do reconhecimento de lobos.
O conflito da Coreia (1950-53) logo lançaria um foco sobre a pretensa prática comunista de imposição ideológica através da "lavagem cerebral", um conjunto de técnicas supostamente baseado no trabalho de I. P. Pavlov, que treinara cães para salivar respondendo a estímulos, de modo que os tecnocratas soviéticos que vieram depois dele estariam condicionando seus espécimes humanos a reflexos políticos úteis ao Estado. Presumia-se que os russos estavam compartilhando esses métodos com seus fantoches, os comunistas chineses e norte-coreanos. Que algo muito parecido com o processo de lavagem cerebral aconteça com Winston Smith, o herói de 1984, em longos e aterrorizantes detalhes, não causou surpresa aos leitores determinados a interpretar o romance como uma simples condenação das atrocidades stalinistas.
Essa não era exatamente a intenção de Orwell. Embora 1984 tenha fornecido apoio e encorajamento a gerações de ideólogos anticomunistas detentores de reações pavlovianas próprias, a política de Orwell não apenas era de esquerda, mas à esquerda da esquerda. Ele fora à Espanha em 1937 para lutar contra Franco e seus fascistas simpáticos ao nazismo, e lá aprendeu rapidamente a diferença entre o antifascismo real e o falso. "A guerra espanhola e outros eventos de 1936-37", escreveu dez anos mais tarde, "fizeram a balança pender, e depois disso eu sabia onde estava. Cada linha de trabalho sério que redigi desde 1936 foi escrita, direta ou indiretamente, contra o totalitarismo e a favor do socialismo democrático, tal como o conheço."

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