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quinta-feira, 14 de abril de 2011
Miragens chinesas (2) -- de volta a velha hipocrisia...
Editorial - O Estado de S.Paulo
14 de abril de 2011
Saiu ao gosto chinês o comunicado conjunto dos presidentes Dilma Rousseff e Hu Jintao. Os termos foram ditados principalmente pelos interesses da China, assim como são ditados os termos do comércio e da cooperação econômica entre os dois países. Pequim aproveitou a visita para algumas gentilezas. Oficializou a abertura de mercado à carne de porco brasileiro, aceitou conversar sobre a diversificação das trocas e confirmou uma compra de aviões da Embraer. Tudo isso é positivo, mas presidentes não viajam para vender costeleta e lombinho e raramente se envolvem na exportação de aviões - a menos, como fizeram o francês Nicolas Sarkozy e o americano Barack Obama, que se trate de concorrência para reequipar as Forças Armadas de um país.
Como de costume, a viagem serviu para o governo brasileiro pedir apoio à sua ambição de ocupar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. As autoridades chinesas concordaram apenas com uma declaração vaga. China e Brasil "apoiam uma reforma abrangente da ONU, incluindo o aumento da representação dos países em desenvolvimento no Conselho de Segurança como uma prioridade". Além disso, "a China (...) compreende e apoia a aspiração brasileira de vir a desempenhar papel mais proeminente nas Nações Unidas". Essa frase é tão evasiva quanto a declaração de "apreço" à pretensão brasileira, incluída na declaração final da visita do presidente Obama a Brasília.
Mais que chocha, a referência aos direitos humanos teve um toque humorístico - e até de humor negro: "As duas partes fortalecerão consultas bilaterais em matéria de direitos humanos e promoverão o intercâmbio de experiências e boas práticas". Quais serão os temas dessas consultas e que experiências e "boas práticas" o governo brasileiro poderá aprender?
Os dois lados assumiram, como de costume, compromissos de cooperação técnica e científica. Tudo isso produzirá poucos efeitos a curto e a médio prazos. Alguns programas, como geralmente ocorre, talvez sejam esquecidos por um longo período, para serem lembrados, dentro de algum tempo, quando for marcada a primeira reunião de uma comissão bilateral.
Os entendimentos com maior significado prático correspondem aos interesses chineses de acesso a recursos naturais. "Os dois lados acolhem a crescente cooperação entre os dois países nas áreas de mineração e infraestrutura relacionada e no processamento de produtos de minérios", informa o comunicado. Os dois governos "manifestaram ainda o interesse em abrir novas áreas de cooperação em energia e mineração".
Pode haver pontos importantes de interesse comum nessas áreas. Mas a ênfase nesse tipo de cooperação atende sobretudo à estratégia chinesa de crescimento econômico e reforça o estilo de intercâmbio bilateral até agora observado. "A parte chinesa", segundo o comunicado, "manifestou disposição de incentivar suas empresas a ampliar a importação de produtos de maior valor agregado."
Essa "disposição" tem pouco ou nenhum significado prático - e o governo chinês talvez nem pudesse ir além desse ponto.
Se o governo brasileiro deseja de fato mais exportações de manufaturados para a China, o primeiro passo deve ser um exame das condições do comércio e dos obstáculos encontrados pelas empresas. Até agora, a iniciativa mais notável de Brasília, nesse campo, foi a pressão para a Vale exportar menos minérios e investir mais em siderurgia - uma ideia tão estapafúrdia em termos econômicos quanto perigosa politicamente.
Pequim cobrou, como se esperava, o cumprimento de uma promessa tola formulada há anos pelo governo brasileiro. "A parte brasileira reafirmou o compromisso de tratar de forma expedita a questão do reconhecimento da China como economia de mercado nos termos estabelecidos no Plano de Ação Conjunta 2010-2014." A palavra "expedita" vale um ponto para os negociadores chineses.
Empresas da China provavelmente aumentarão seus investimentos no Brasil. Fala-se em grandes projetos para a área eletrônica. Mas nada disso depende de entendimentos de cúpula. A Zona Franca de Manaus e o Polo de Jaguariúna são provas disso. O governo brasileiro deveria designar algum técnico talentoso para estudar esse e outros fatos da vida.
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