Duas observações a este novo artigo de Marcos Jank: 1) a tarifa Hawley-Smoot não foi adotada no quadro da Grande Depressão, que só teve início, efetivamente, a partir de 1931, e sim sob o impacto do Great Crash da Bolsa de Nova York, em 1929, pois motivou uma imediata reação protecionista do Congresso, antes que se disseminasse verdadeiramente a Depressão; 2) não creio que o antidumping chinês sobre o frango brasileiro faça parte de uma estratégia chinesa para intercâmbio de concessões posteriores com os EUA no quadro de uma altamente duvidosa “guerra comercial” bilateral, e sim responde a instintos protecionistas de empresas chinesas do setor, incapazes de competir em preço e qualidade com os produtos brasileiros. De resto, os chineses não provaram que havia dumping brasileiro e portanto podem ser obrigados a retirar as medidas e ainda pagar reparações ao Brasil por danos injustificados (isso se o Brasil fizer uma necessária contra-ofensiva, o que me parece óbvio e indispensável).
As salvaguardas americanas são improvisadas e erráticas, tanto que estão sendo implementadas sem qualquer elemento mais racional de cálculo comercial, e os chineses provavelmente não usariam o frango brasileiro no quadro de uma estratégia ou tática para responder às esquizofrênicas medidas protecionistas americanas: não são as poucas centenas de milhões de importações chinesas de frango que podem oferecer compensação e elemento de barganha às dezenas de bilhões de restrições comerciais americanas num “grande jogo” comercial muito além da pequena estatura exportadora do Brasil. Eu coloco a briga insana provocada por um economicamente primitivo dirigente americano no contexto daquilo que já chamei de nova “Guerra Fria” geoeconômica entre os dois grandes impérios da atualidade, um atuando racionalmente (e por isso já se sagrou vencedor nesse sucedâneo da velha Guerra Fria geopolítica), e o outro se debatendo de forma esbaforida, sem qualquer estratégia racional, impulsionado por um histriônico presidente, que vai prejudicar dezenas de empresas de seu país e a própria população como um todo, entre eles aqueles mesmos que o delirante e ignorante presidente pretendia proteger, a sua clientela eleitoral.
Dito isto, e já disse muito, vamos ao artigo de Marcos Jank.
Paulo Roberto de Almeida
Guerra comercial EUA-China atinge o frango brasileiro
Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 23/06/2018
Marcos Sawaya Jank (*)
Direitos antidumping sem fundamento podem causar perda de até US$ 1 bilhão ao ano nas nossas exportações de frango para a China.
Em 1930, já no contexto da Grande Depressão, os EUA aprovaram o Smoot-Hawley Tariff Act, que aumentou as tarifas de importação de mais de 20 mil produtos, gerando uma espiral de retaliações e movimentos nacionalistas que desembocou na Segunda Guerra Mundial.
Na semana passada os EUA trilharam o mesmo caminho, ao impor tarifas sobre produtos que representam US$ 50 bilhões em importações vindas da China, alegando práticas desleais em tecnologia e inovação. Em contrapartida, a China anunciou que vai retaliar na mesma moeda, taxando 660 produtos americanos. No agronegócio, a decisão chinesa pode atingir soja, milho, etanol, carne de frango, carne suína e outros produtos dos EUA.
Esse movimento, que é ao mesmo tempo tático e midiático, mostra duas potências medindo forças pela hegemonia global, em áreas que vão muito além do comércio. Mas não creio que essa disputa insana desembocará em uma guerra comercial semelhante à dos anos 1930, pois o mundo se encontra hoje muito mais interdependente e globalizado, com produtos gerados em cadeias globais de valor que envolvem dezenas de países.
Três países controlam as exportações mundiais de soja –EUA, Brasil e Argentina–, mas eles não se substituem. São, na realidade, supridores altamente complementares, inclusive pelo fato de as safras dos hemisférios Norte (EUA) e Sul (Mercosul) ocorrerem em diferentes períodos do ano. A China importa pouquíssimo milho, basicamente da Ucrânia, e não dos EUA. Tarifas proibitivas de 30% impedem o etanol americano de entrar na China desde 2017. E o frango americano está banido do mercado chinês desde 2015, em razão de gripe aviária.
Portanto, no anuncio chinês há muito mais fumaça –no sentido "retaliar para negociar"– do que o fogo ardente de uma guerra comercial que terminaria só com perdedores.
Ao contrário, o perfil dos atuais líderes dos EUA e da China sugere que os países vão buscar um acordo bilateral do tipo "olho por olho, dente por dente" (ou tit-for-tat, em inglês).
Desde o início deste ano venho alertando para o risco de que concessões bilaterais da China para os EUA acabem prejudicando o acesso que temos hoje ao país asiático. Há duas semanas a China deu uma forte pancada no Brasil ao publicar decisão preliminar de investigação antidumping contra as exportações de frango, que impôs tarifas de 18% a 38% sobre o valor das importações. Essas tarifas podem inviabilizar por completo nossas exportações de frango para a China.
Tanto o governo como o setor privado brasileiro estão convencidos de que a imposição de direitos antidumping pela China não tem fundamento e sustentação. O processo foi marcado por graves falhas processuais e de conteúdo, incluindo a ausência dos requisitos mínimos exigidos pelo Acordo Antidumping da OMC.
O problema é que há um forte componente político na decisão, que está ligada à reabertura do mercado chinês de frango para os americanos no contexto de um acordo que venha a proteger os interesses chineses nos EUA.
Ocorre que, apesar de tudo o que foi construído no âmbito dos BRICS e da Parceria Estratégica Global Brasil-China, nosso peso específico é muito pequeno se comparado aos interesses em jogo na relação EUA-China. Por isso, se não houver um envolvimento direto do presidente Temer e dos seus principais ministros nessa questão, em breve poderemos perder quase US$ 1 bilhão ao ano em exportações de carne de frango para a China.
A guerra comercial EUA-China não é assunto para ser comemorado no Brasil, mas sim para perder o sono, levantar e agir com determinação e estratégia.
(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.
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