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segunda-feira, 4 de junho de 2018

Corrupção noregime militar: telegramas da Embaixada dos EUA

O Globo, 4/06/2018

Telegrama secreto liga ditadura à corrupção
 Como era de sua rotina, no dia 1º de março de 1984, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil despachou para o Departamento de Estado, em Washington, o telegrama com carimbo “confidencial” número 1413z. Era um dos grandes. Impresso, preenche quatro páginas — três delas com o texto digitado em duas colunas com letras bem pequenas. O conteúdo era extenso porque o tema era vasto: a corrupção no país. O assunto dominava o noticiário à época e, segundo os informantes americanos, não apenas enfraquecia o governo de João Figueiredo (1979-85), como indicava o apodrecimento e o fim próximo da ditadura militar, no poder desde 1964. O telegrama, obtido pelo GLOBO, faz parte de um lote de 694 documentos enviados pelo governo do então presidente Barack Obama ao de Dilma Rousseff. Foram três remessas, entre 2014 e 2015, para a Comissão da Verdade, que examinou abusos de direitos humanos durante a ditadura. Devido ao prazo curto para o relatório final da Comissão, vários deles deixaram de ser analisados. Numa introdução didática para burocratas de Washington, o telegrama explica o que é o “jeitinho”, um fenômeno brasileiro, seu papel na prática cotidiana e como, devido a isso, a corrupção seria parte indissociável da política e da economia. O informe diz que “jeito is king” para explicar que o “jeitinho brasileiro” dominava a política. A partir daí, o texto traça um quadro da decadência do governo Figueiredo, ao mencionar uma série de acusações de corrupção. “No nível nacional existem muitos escândalos que lançam nuvens sobre o governo Figueiredo”, diz o informe.
Certamente o homem mais poderoso na economia durante a ditadura, o então ministro do Planejamento, Delfim Netto, é citado como um exemplo de alvo de acusações do alto escalão de Brasília. São dois os casos. Num deles, o das polonetas, havia suspeitas em torno de empréstimo de US$ 2 bilhões à Polônia a taxas de juros consideradas baixas. Em outro, um documento conhecido como “relatório Saraiva” — que nunca veio a público na íntegra — acusava Delfim de, quando embaixador em Paris, receber propina para intermediar negócios entre bancos estrangeiros e estatais brasileiras. Delfim nega qualquer relação ou irregularidade nos dois casos — como negou na ocasião: “As polonetas o governo da Polônia pagou, em um momento de grande dificuldade para o Brasil, US$ 3 bilhões. O relatório Saraiva foi arquivado pelo SNI porque não havia nada de concreto”. diz Delfim, que minimiza o papel dos informantes americanos. “Esses funcionários vinham para o Brasil e fingiam trabalhar enviando a Washington informações que já estavam em todos os jornais. Como diz Delfim, o informe de 1984 não cita casos desconhecidos do público”. Tampouco há informações secretas. Estão lá menções ao escândalo da mandioca (desvio de verbas para produtores) e as suspeitas contra os dois pré-candidatos do PDS — hoje PP, na ocasião o partido do governo — à Presidência, o ex-governador Paulo Maluf e o então ministro Mário Andreazza. O GLOBO não localizou a assessoria de Maluf.
O valor do documento está no fato de mostrar a avaliação que os americanos faziam do último ano do regime militar. O diagnóstico da embaixada é que a roubalheira corroía a legitimidade do governo. O texto vai contra certo revisionismo disperso por alguns grupos hoje, de quea corrupção não existia durante o regime militar. Ao contrário: era um problema tão grande e presente no Brasil governado pelos militares quanto é hoje.
O texto de 1984 se preocupava com outro aspecto. Afirma que a corrupção corroera tanto a imagem dos militares entre a população, que era um fator decisivo para sua saída do poder. “Entre muitos oficiais, dos mais baixos aos mais altos, há uma forte crença que os últimos 20 anos no poder corromperam os militares, especialmente o alto comando e que agora é hora de deixar a política e suas intempéries e voltar a ser soldado”, diz. Contudo, o alerta dos informantes é que os militares iriam embora, mas os efeitos negativos da roubalheira ficariam e poderiam desestabilizar a política: “O que está claro é que a corrupção, real ou imaginária, está erodindo a confiança dos brasileiros em seu governo”.

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