terça-feira, 9 de setembro de 2025

Independência e a política externa - Rubens Barbosa (O Estado de S. Paulo)

 Opinião:

Independência e a política externa
Desde o início, os formuladores da política externa viam o Brasil como uma ‘potência transatlântica’
Rubens Barbosa
O Estado de S. Paulo, 9/09/2025

No dia 29 de agosto, há 200 anos, Portugal reconheceu a Independência do Brasil.
Um dos objetivos da revolução liberal do Porto, em 1820, estimulada pela elite portuguesa, foi forçar a volta de D. João VI e restabelecer o reinado controlado por Lisboa. Seu filho, Dom Pedro, decidiu ficar no Brasil, rebelando-se contra as Cortes (Parlamento), e em 7 de setembro de 1822 proclamou a separação de Portugal.
O processo de Independência do Brasil foi difícil em razão da tentativa das Cortes do Porto de manter o País como colônia portuguesa. A consolidação da Independência não foi pacífica, em vista das sucessivas revoltas estimuladas e financiadas pelas Cortes, com intenção de dividir o País em dois: toda a Região Norte e Nordeste até Minas Gerais continuaria sob o domínio de Lisboa, e o Sul do País permaneceria independente. As revoltas no Pará, Jenipapo, no Piauí, no Maranhão, em Pernambuco e na Bahia tinham esse objetivo.
Pouco depois da derrota do exército português na Bahia, em 2 de julho de 1823, Portugal e Brasil assinaram, em 29 de agosto de 1825, o tratado que oficializou o reconhecimento da Independência brasileira. O acordo contou com a mediação da Grã-Bretanha, que teve papel decisivo nas negociações.
O reconhecimento do Brasil como país independente, a integridade territorial, a afirmação de sua soberania e a formulação dos princípios básicos da política externa, independente de Portugal, foram alguns aspectos iniciais da ação externa do novo país, mesmo enquanto havia a tentativa de organização de forças de Portugal e Espanha para continuar a manter o Brasil como Reino unido a Portugal.
A relação com a Grã-Bretanha foi dominante nas primeiras décadas depois da Independência e das mais difíceis para a diplomacia imperial brasileira: o esforço para o reconhecimento da Independência (depois de várias tentativas das Cortes de buscar o apoio de Londres contra a separação), para manter uma esquadra estacionada na Bahia para manter a separação de Portugal, para evitar a concessão de novos empréstimos leoninos ao Brasil e, sobretudo, a questão da escravidão, pela pressão britânica para o Império pôr fim ao tráfico de escravos. Apesar dessas questões e da pressão das Cortes, o governo de Londres, de forma pragmática, atendendo a seus interesses comerciais e financeiros, também assinou o Tratado Portugal-Brasil e reconheceu, na mesma data, a Independência do novo Estado, garantindo a integridade territorial brasileira e a continuidade de seus privilégios junto à ex-colônia (renovação em 1827 do acordo de comércio, concessão do primeiro empréstimo internacional) e pela promessa de proteção e fornecimento de material bélico e embarcações. A estreita relação política e comercial com a Grã-Bretanha, que colocou o Brasil quase na condição de um protetorado, teve na questão do tráfico de escravos por mais de 40 anos o maior trabalho da diplomacia para contornar compromissos não cumpridos, tornando os entendimentos com a Grã-Bretanha crescentemente tensos.
Outro relacionamento central no Império foi com os EUA. A história oficial no Brasil registra um equívoco no tocante ao início do relacionamento com os EUA. Dá-se como pacífico que o reconhecimento ocorreu em 1824, com o governo Monroe. Repete-se, inclusive, que os EUA foram o primeiro país a reconhecer a Independência do Brasil. Na realidade, há um duplo equívoco. A Independência só foi oficialmente reconhecida em Washington por um tratado assinado entre o Brasil e os EUA em fins de 1825, depois do reconhecimento de Portugal e da Grã-Bretanha. A razão desse erro histórico talvez resida no fato de o credenciamento do primeiro encarregado de negócios do Brasil em Washington, José Silvestre Rebelo, ter ocorrido em maio de 1824. Rebelo recebeu instruções detalhadas de que tinha como missão obter o reconhecimento da nossa Independência por Washington, visto que o governo norte-americano não reconhecia a Independência brasileira. Na realidade, o primeiro país a reconhecer a Independência não foi nem Portugal, nem os EUA, nem a Grã-Bretanha, foi a Argentina, em 1823, por razões relacionadas com a disputa pela Província Cisplatina, hoje Uruguai.
Desde o início, os formuladores da política externa viam o Brasil como uma “potência transatlântica” que não poderia aceitar subordinação aos interesses de potências estrangeiras, principalmente europeias, que, por seu poderio econômico e militar, eram as principais ameaças à consolidação do Brasil independente. Já nesse início da autonomia em relação a Portugal, a política externa, comandada por José Bonifácio, atuava com um pensamento mais amplo procurando projetar os interesses do País em várias áreas. O essencial para a política externa do novo país era manter a unidade territorial e a soberania. Para isso, trabalhou para equipar as forças de defesa para resistir a alguns focos de resistência à Independência, de modo a defender efetivamente o território nacional e para desenvolver uma ação diplomática que procurasse preservar a autonomia decisória nacional.
Salve a política externa da Independência.

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), foi embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004)

https://www.estadao.com.br/opiniao/rubens-barbosa/independencia-e-a-politica-externa/

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