REQUIEM PARA WESTFALIA...
Fausto Godoy
O mundo moderno é herdeiro da Paz de Westfalia...
Estou-me referindo aos tratados de paz assinados em 1648 nas cidades alemãs de Münster e Osnabrück, que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos na Europa, a qual durou de 1618 a 1648. Estes tratados, firmados entre o Imperador Fernando III, do Sacro Império Romano-Germânico, os demais príncipes alemães e os Reinos da França e da Suécia, marcaram o declínio do Império e do Papado de Roma e a emergência de um novo sistema de poder.
Este, que foi um dos conflitos mais sangrentos da história europeia, teve início por motivos religiosos decorrentes da Reforma Protestante. Começaram por um ato de protesto de nobres boêmios contra a tentativa do imperador Fernando III de abolir as igrejas luteranas. O conflito evoluiu da disputa religiosa para a luta por supremacia entre as potências europeias, inaugurando o sistema de relações internacionais moderno, baseado no poder temporal e nos interesses seculares em vez dos religiosos. E teve por consequência a emergência do conceito de soberania dos Estados nacionais: desfez-se o Império, refez-se a cartografia politica, e cada Estado passou a ter autoridade exclusiva sobre seu território, sem interferências externas. A partir de então este tem sido o padrão que rege o relacionamento entre os países...
Só que... esta tem sido também a grande mazela neste início do século XXI, quando a intensificação do processo de globalização das economias vem transformando de forma radical a geografia humana e econômica e, desta forma, o jogo de poder no planeta...
Desde o final do século XIX e início do século XX, o ocaso do colonialismo europeu, que se consolidou no final da II Guerra Mundial, sacralizou o fim da Europa imperial e colonialista, e deu azo à consolidação de novos atores, mormente os Estados Unidos, que no final do conflito passaram a compartilhar com a então União Soviética a disputa pela hegemonia planetária... Só que em 1991 esta se dissolveu e tornou a América no único hegemon mundial... Só que a partir de 1978, as reformas de Deng Xiaoping na República Popular da China - até então maoísta - alavancaram o “País do Meio” a se liberar do seu “século das humilhações” - como os chineses alcunham o século XIX, em que foram vítimas dos ingleses nas duas “Guerras do Ópio” - e do ranço ideológico radical do maoísmo, e sob sua batuta passou a “caçar ratos, não importasse a cor do gato”, como Deng afirmava... ou seja, a abrir-se para o mundo independentemente do credo político-ideológico e dos sistemas de governo dos parceiros. Foram então criadas as “zonas econômicas especiais”, encerrando o isolamento multicentenário da China. A partir de então ela ganhou o ímpeto que a transformou na segunda maior economia do planeta, já disputando agora com os Estados Unidos a liderança. Ou seja, em oitenta anos o planeta mudou quatro vezes de “patrões”!...
A pergunta que não quer se calar neste ponto é... será que as estripulias isolacionistas de Donald Trump no intuito de “Make America Great Again”, que afetam o planeta por inteiro - como estamos aturdidamente acompanhando - marcariam o início do declínio de um dos dois atuais hegemons?... Mais radicalmente falando: será que a hegemonia territorial será substituída, enfim, pela hegemonia econômica?...Fará sentido disputas territoriais num mundo economicamente interligado?...
Vamos, uma vez mais, recorrer à História...desta vez a da China... Cabe ressaltar, primeiramente, que ao longo da sua história ela não invadiu nenhum país; ou seja, à parte o Tibete e Taiwan que ela reivindica - com ou sem razão(ões)... - como suas partes inalienáveis, ela se reteve ao seu próprio território. Ao contrário, construiu as muralhas que a isolaram dos “bárbaros”, na busca de preservar sua coerência civilizacional...haja vista que o seu nome, em mandarim, é “Zhōngguó” (中国), o país (terra) do meio. Ou seja, antes de ser um país, ela se considera como uma Civilização....com base nisto, ela espraiou seu comércio pelo Ocidente afora através da Rota da Seda e tornou-se a maior economia do mundo ao longo dos séculos; porém trancou-se sobre si mesma, não permitindo a presença de estrangeiros no seu solo.
Corolário disto é a sua participação nos dois conflitos de cunho vestfaliano que mobilizam todo o planeta na atualidade: a guerra da Ucrânia e o conflito Israel-Palestina. À parte declarações retóricas, e algum posicionamento sobretudo em favor da Rússia aliada, ela tem-se pouco manifestado de forma mais engajada. Isto porque o que lhe interessa, na verdade, é a hegemonia econômica!
Este é um dos corolários do livro “The China Dream”, escrito por um professor da Academia de Defesa da China, Liu Mingfu, livro este que o Presidente Xi Jinping menciona amiúde. Logo no seu primeiro capítulo, intitulado “China´s Dream for a Century” está escrito: ”…it has been China´s dream for a century to become the world´s leading nation...but what does it mean for China to become the world´s leading nation? First it means that China´s economy will lead the world. On that basis it will make China the strongest country in the world. As China rises to the status of a great power in the 21st century, its aim is nothing less than the top – to be the leader of the modern global economy”!!!!!…
Em nenhum momento é feita menção a avanços sobre outros territórios... este é um tema que não lhe interessa, até porque ela sabe que cada vez mais o mundo “vestfaliano” vai paulatinamente cedendo espaço para o atual e maior impulso agregador da humanidade: o comércio (e a tecnologia...). Fruto dele o planeta se desloca cada vez mais para o Oriente, onde estão algumas das economias mais pujantes: China, a segunda maior, e a Índia, a quinta (ainda....). E não nos esqueçamos da Coreia do Sul, do Japão, da Indonésia, do Vietnã, etc... E assim “la nave va”...
Neste cenário fica a pergunta recorrente: para onde vamos nós, brasileiros?... Seguindo a nossa herança atávica, vamos nos enquistar no universo que conhecemos melhor e sofrermos as suas consequências, tal como agora... ou nos atirarmos na aventura, como fizeram os nossos antepassados portugueses? Remember Sagres...
Westfalia, ou o Futuro?...To be continued...