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quarta-feira, 24 de maio de 2023

O Brasil e sua política externa- Fausto Godoy

 Um artigo que merece comentários deminha parte. Eles virão… (PRA)


O BRASIL, O G-7 ...E A TAL DA DEPENDÊNCIA DA CHINA

Polemizando...

Fausto Godoy

O artigo publicado no Estadão de hoje, 22/05, de autoria da minha colega professora da “Escola Superior de Propaganda e Marketing”/ESPM, Denilde Holzhaker, intitulado “Cúpula expôs paradoxos da diplomacia brasileira”, instigou-me a refletir sobre a participação do Brasil na Cúpula do G-7. 

Tem ela razão em afirmar que “a reunião do G-7 realizada em Hiroshima expôs os desafios que a ordem multilateral enfrenta, não apenas no tocante à gestão de crises globais, mas também na busca por diálogo além dos países membros do grupo”. Tem ainda maior razão quando afirma que “as relutâncias manifestadas pelo Brasil e pela Índia em se alinharem aos líderes do G-7 reforçam a árdua tarefa de avançar na construção de um consenso global”.

A questão é: qual seria este “consenso global”... que cara teria ele? A do grupo dos países “mais ricos” do planeta, que (ainda) se consideram os guardiões dos “valores universais” – democracia “western style”, direitos humanos, segurança internacional, etc... -  num planeta em acelerada transformação? 

Tem razão a Professora Denilde quando afirma que “embora os países do G-7 compartilhem de um entendimento - eu diria convicção - em relação à Ucrânia, condenando as agressões russas e partilhando a visão de contenção do poderio chinês, a tentativa de obtenção de apoio de Índia, Brasil e Indonésia esbarra na falta de confiança dessas nações”. Aí está o dilema: no nosso caso: onde nos encaixaremos, nós e a nossa diplomacia, que tem que respeitar os preceitos de “não intervenção” e “solução pacífica dos conflitos” inscritos lapidarmente no artigo 4º da Constituição, no contexto desta guerra? Ou seja, o outro lado da moeda é exatamente este: conceitos que servem bem a determinada(s) civilização ("ões") não se aplicam “erga omnes” num mundo ao mesmo tempo globalizado e apegado às tradições e valores próprios das suas sociedades.

Denilde também tem razão ao afirmar que “a diplomacia brasileira deve incessantemente se esforçar para ressaltar a necessidade de reforma das instituições multilaterais. Mas é imprescindível não ceder à ingenuidade diante da crescente bipolaridade mundial, e das estratégias dos países ocidentais para conter a China”. A meu juízo, Brasil e Índia, com suas características próprias, fazem parte de um planeta em plena transformação; isto é tautológico, evidentemente, mas nem sempre percebido e introspectado em toda a sua dimensão: uma coisa é saber, e outra apreender o seu significado em toda a plenitude... e consequências...

Aí é que está a questão: onde nos posicionamos nesta prevista  bipolaridade? Nos apegaríamos ao Ocidente central rico, mas crescentemente envelhecido e  confrontado com os países cada vez mais afluentes do Oriente – China, Índia, Japão, Coreia do Sul, ASEAN, etc. – , em direção aos quais o mundo está transferindo o protagonismo da globalização? 

Adotaríamos uma posição conservadora e anacrônica por desconhecimento... ou preconceito... ou temor de olharmos para onde esta globalização se encaminha, e que poderia nos trazer benefícios maiores? Senão vejamos: o nosso principal parceiro comercial, desde 2009, é a China “comunista”, como sabemos todos. A Índia – o 5º PIB mundial - se encaminha para tornar-se a terceira maior economia do planeta até o final deste século, segundo os analistas.. Seriam os valores do Ocidente suficientes para conter esta configuração da economia mundial que o próprio Ocidente desenhou em meados do século passado?

Como já disse em outro texto, quando eu nasci, em junho de 1945, no final da II Guerra, o hegemon mundial ainda era a Grã-Bretanha, mas já não mais...depois consolidou-se a bipolaridade compartilhada entre os Estados Unidos, guardião do capitalismo ocidental, e a União Soviética, do mundo comunista... com a dissolução desta, em 1991, restaram apenas os Estados Unidos...e agora, desde o início deste século, emergiu a China...Ou seja, no meu tempo de vida –  77 anos - convivi com quatro hegemonias. Qual será a próxima?... 

E como a nossa política externa deve agir neste cenário mutante?Uma coisa é a estrutura do poder mundial...e outra é a nossa essência, brasileira. A meu juízo, compartilhamos a grande maioria dos valores do Ocidente central... mas não todos. Esta nossa natureza aconselha, acredito, a sufragar antes de tudo as nossas especificidades como país e nacionalidade, bem como os nossos  objetivos próprios. O melhor caminho, acredito, é seguir a teoria – e prática – do “pragmatismo responsável”, que o Itamaraty aplicou sob a liderança do Chanceler Antonio Azeredo da Silveira, na década de 70: o que define a nossa diplomacia são os nossos interesses nacionais. Foi assim que em pleno governo militar transferimos o reconhecimento da China de Taipé – capitalista – para Pequim - comunista. Pelo visto, acertamos... 

Acho que o Itamaraty tem toda razão em adotar uma postura neutra!

Sugiro aos amigos  que leiam o artigo da professora Holzhaker:



quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Fausto Godoy, o colecionador de civilizações asiáticas - Reinaldo Bessa

 


Fausto Godoy, o colecionador de civilizações que doou seu acervo ao MON; leia seu perfil na coluna de Reinaldo Bessa para a revista Pinó

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Reinaldo Bessa

Fausto Godoy, o colecionador de civilizações que doou sua coleção ao MON; leia seu perfil na coluna de Reinaldo Bessa na revista Pinó

“O senhor que é o Fausto, né?”, pergunta uma jovem turista gaúcha acompanhada da mãe antes de pedir para tirar uma foto, ao que o senhor de inacreditáveis 77 anos consente sorrindo timidamente. Ao agradecer, a garota emenda: “Decidi que quero ser diplomata por sua causa”. Fausto agradece e lhe deseja boa sorte. O breve encontro foi ao final da visita à exposição “Ásia: a Terra, os Homens, os Deuses” que fiz ciceroneado pelo embaixador Fausto Martha Godoy durante sua última vinda a Curitiba, na primeira semana de novembro. 

Sua vida está resumida naquela exposição, em cartaz permanente desde abril de 2018 no Museu Oscar Niemeyer, escolhido por ele para receber o acervo em definitivo. Cada um daqueles objetos – do menor, que cabe no bolso do paletó, ao maior, que só pode ser transportado em contêiner – foi adquirido por ele em quase 40 anos de carreira diplomática, quase toda ela desenvolvida no continente asiático.

A condição de embaixador lhe dava o direito de despachar as peças e obras de arte adquiridas por contêineres para o Brasil. Afinal, como trazer na bagagem um riquixá indiano ou as inúmeras estátuas, esculturas e quadros, além de móveis de grandes dimensões? Fausto sabe a história de cada uma delas. “Quando comprava uma peça, procurava saber sua história. Digo que não criei uma coleção de arte, mas de civilizações”, afirma, para completar: “A Ásia é a cultura do excesso. Excesso de gente, de cheiros”. Diante de cada item da mostra, ele dá uma pequena aula. Ao reparar no interesse do público de todas as idades, exibe um sorriso de orelha a orelha. Nem todos que ali circulam sabem quem ele é.

Não fosse sua determinação em contrariar o desejo paterno, provavelmente hoje ele ainda estaria morando em Bauru, no oeste paulista, onde nasceu, e vivendo confortavelmente como titular do cartório de Registro Civil da cidade. Quando o pai quis passar-lhe o cartório disse que seu futuro estava garantido. “Não quero ser rico, quero viver uma vida bonita”, respondeu sem a menor diplomacia filial. 

Tudo o que Fausto não queria era assumir o negócio familiar, ter um cavalo na Sociedade Hípica Bauruense e tampouco constituir família. “Queria sair da província e uma profissão que não me prendesse a uma vida confortabilíssima, mas sem graça”, diz. O pai aceitou com dificuldade a decisão do primogênito – ele tem uma irmã mais nova – e concordou em bancá-lo por seis meses em Paris. 

Fausto Godoy, o colecionador de civilizações que doou sua coleção ao MON; leia seu perfil na coluna de Reinaldo Bessa na revista Pinó

O acordo era que, se não desse certo, ele voltaria e assumiria o cartório. Os seis meses duraram seis anos e a carreira diplomática foi o caminho que encontrou para ganhar o mundo. Às vezes, quando o dinheiro faltava, ligava para a mãe para pedir uma ajuda. Antes de atender ao pedido ela dizia: “Se você não tivesse jogado fora o cartório não estaria me pedindo agora” relembra divertido. O pai morreu em 1986 a tempo de ver o filho consolidado na carreira.

Já formado em Direito, aproveitou a estada na França para fazer doutorado e cursar História da Arte. Em 1975, prestou concurso para o Itamaraty. Foi o terceiro colocado da turma. “A diplomacia foi uma fuga que virou um achado”, diz. Em 1979, ele assumiu seu primeiro posto, como 3º secretário da embaixada do Brasil em Bruxelas, na Bélgica. Dois anos e meio depois foi deslocado para Buenos Aires com a Argentina sob a baioneta do ditador Jorge Rafael Videla. Pegou toda a Guerra das Malvinas, vencida pela Inglaterra de Margareth Thatcher.

Ao deixar o posto, com o país redemocratizado com a eleição de Raúl Alfonsín, foi convidado a assessorar o embaixador do Brasil na capital indiana, Nova Deli. “A Índia foi um tapa na cara. Um caipirinha de Bauru topando com Ganesha”, recorda-se aos risos. A partir daí, fez seu check-in na civilização hindu e se jogou no país dos marajás. “Virei um rato da Índia”, define-se. Em 16 anos passou por 11 países, o que lhe confere o título de único membro da diplomacia brasileira que serviu no maior número de nações asiáticas. Foi quando começou a formar sua coleção de peças doadas ao museu paranaense, do qual tornou-se curador de assuntos asiáticos. Inicialmente, ela estava destinada à Universidade de Brasília. Enquanto estava na ativa Fausto a mantinha em sua ampla casa no Lago Sul, que construiu quando atuava como embaixador no Paquistão.

Mais tarde, com a venda do imóvel residencial, ele precisava achar um local para as peças. As tratativas com a UnB não prosperaram e Fausto as levou para o MASP, em São Paulo, onde, segundo diz, foi construído um puxadinho para acomodá-las. A ideia era fazer um comodato com o museu paulista. Novamente surgiram entraves burocráticos e a coleção foi devolvida. 

Em 2015, por sugestão de José Teixeira Coelho Netto, então curador geral do MASP e também da Bienal de Curitiba e amigo da diretora-presidente do MON, Juliana de Almeida Vosnika, decidiu doá-la ao museu. Enfim, as milhares de peças acumuladas por Fausto ao longo de quase quatro décadas encontraram um lar definitivo. Ponto para os curitibanos. Ave, Ganesha! Com a vinda da coleção para cá, Fausto sonha em transformar o MON no primeiro museu de arte não europeia do Brasil, com nível de Metropolitan, segundo ele. 

“Quero que Curitiba se torne o centro de pesquisa sobre a Ásia no Brasil e que o MON seja a pedra de toque disso”, diz. Para ele, as pessoas não fazem a menor ideia do que está acontecendo por lá. “Fico fulo da vida quando falam em comunismo chinês. Que comunismo é esse que tem o maior número de milionários?”, questiona. 

Para ajudá-las a compreender as complexidades do continente, ele criou, em 2021, o Centro de Estudos das Civilizações da Ásia na Escola Superior de Propaganda e Marketing, em São Paulo, do qual é coordenador. Fausto diz que o prazer de todo diplomata é falar mal do lugar onde está servindo. Com ele deu-se o contrário, especialmente com a Índia. “Fui conhecendo as pessoas e a Índia me adotou”, fala com entusiasmo. 

Certa vez, um colega o indicou a uma aluna que precisava entrevistar alguém sobre o país para o seu Trabalho de Conclusão de Curso com a seguinte recomendação: “Tem um maluco aí que adora a Índia”. Até hoje seus melhores amigos são indianos e suas férias sempre são lá. Durante a entrevista, contou que estava de viagem marcada para o país em dezembro, onde pretendia ficar um mês e meio. Ele e um grupo de amigos haviam combinado fazer trecking no vizinho Nepal. 

Depois de cumprir dois anos e meio de serviço no país, Fausto voltou para o Brasil para uma reciclagem obrigatória e logo em seguida foi designado para chefiar o setor cultural da embaixada brasileira em Washington a convite do embaixador Rubens Ricupero.

Mas a Ásia estava de olho nele e vice-versa. Após um período na capital norte-americana, seguiu para a China como chefe do setor político da embaixada, já na posição de conselheiro. De lá, foi transferido para Tóquio, onde permaneceu mais tempo, três anos e meio, como ministro-conselheiro. O embaixador era Celso Amorim – que deverá voltar à chefia do Itamaraty no novo governo Lula a partir de janeiro de 2023. Fausto pediu-lhe para assumir a embaixada do Brasil na gélida Islândia. Em 2004, ocupou pela primeira vez o cargo mais alto na hierarquia da carreira. Do pequeno país insular no extremo norte do globo terrestre foi para Cabul, capital do conturbado Afeganistão. Foi o primeiro embaixador brasileiro a apresentar credenciais no país hoje novamente sob o domínio do Talibã. Ao concluir a gestão, regressou ao Brasil e abdicou de outros postos de comando. Optou por atuar apenas como encarregado de negócios em embaixadas para ter mais liberdade. Liberdade que usufruiu mergulhando cada vez mais nas diversas culturas asiáticas. 

O bauruense Fausto fala da Ásia com a intimidade de um nativo. Para ele, a curva da civilização saiu do Ocidente e migrou para o Oriente. “Peguei quatro hegemonias desde 1945: a Inglaterra, a União Soviética, a queda desta em 1991 e agora a hegemonia compartilhada entre China e Estados Unidos”, diz. Daí seu empenho em mostrar a riqueza cultural do continente para que as pessoas entendam porque ele é hegemônico no mundo atual. Segundo Fausto, em 30 anos a China vai superar os Estados Unidos. Quem viver, verá, garante. Enquanto isso, ele continua adquirindo peças asiáticas e diz não fazer ideia do quanto já investiu no hobby desde que iniciou sua coleção. 

A tão sonhada vida bonita que planejou na juventude ao recusar o cargo vitalício de cartorário concretizou-se. Para vivê-la, Fausto Martha Godoy abriu mão da riqueza material que a função lhe traria para acumular uma fortuna incalculável em conhecimento e experiências como cidadão do mundo. A pergunta da jovem turista gaúcha que o abordou mostra o quanto ele estava certo. Ninguém é Fausto Godoy por acaso. Registre-se em cartório.


sexta-feira, 2 de julho de 2021

Os 100 anos do PCC, o caminho percorrido e o futuro da China — Paulo Roberto de Almeida, Fausto Godoy e Bruno Benevides (FSP)

 Artigo de meu amigo e colega Fausto Godoy sobre o primeiro centenário do PCC: não creio que chegue ao segundo, exatamente devido ao sucesso dos primeiros cem anos, que mudaram totalmente a China (mas não estarei mais aqui para pagar eventual aposta). Trata-se do ÚNICO partido comunista do mundo a ter tido “sucesso” no âmbito desse regime, mas as razões desse sucesso são duas: uma férrea ditadura e uma clara adesão ao capitalismo (ou a uma economia de mercado com flexível planejamento estatal, o que foi possível fazer graças a uma burocracia de alta qualidade, os mandarins do PCC). 

Escrevi um pequeno ensaio sobre os 100 anos do PCC e as mudanças realmente impressionantes nos últimos 30-40 anos na RPC, que pode ser lido neste mesmo espaço:

https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/06/sobre-os-100-anos-do-partido-comunista.html?m=1

Paulo Roberto de Almeida

Leiam:

UMA CRÔNICA A RESPEITO  DE UM VELHO SENHOR : O CENTENÁRIO DO PARTIDO COMUNISTA CHINÊS

Fausto Godoy

Hoje, 01 de julho, o Partido Comunista da China celebra seu centenário. Nesta data, em 1º de julho de 1921 o PCC era criado pelo líder revolucionário e fundador da República Popular, Mao Zedong. Na verdade o dia da celebração deveria ser 23/07, data efetiva da reunião de 13 pessoas numa casa da concessão francesa em Xangai, onde, inspirados pela revolução bolchevique soviética e com a ajuda do Gabinete do Extremo Oriente do Partido Comunista da União Soviética e do Secretariado do Extremo Oriente da Internacional Comunista, revolucionários chineses encontraram abrigo para lançar na clandestinidade o projeto de um regime que mudaria radicalmente a história da China.

Atualmente, ainda que com cerca de 91,914 milhões de membros, segundo o senso de 2020, número relativamente modesto a se levar em conta a população de 1,4 bilhão de indivíduos do país, o PCC é o segundo maior partido do mundo, atrás apenas do “Bharatiya Janata Party”/BJP, da Índia. Como explicar, então, o seu poder num universo populacional tão mais amplo? O que justifica o apoio massivo da população? Qual é o princípio (dogma?...) político/econômico/civilizacional que lhe dá legitimidade? 

Para buscarmos entender o presente precisamos visitar o passado, sobretudo o chamado “século das humilhações” - o XIX – quando no declínio do Império Qing as potências ocidentais impuseram, com a Grã-Bretanha à frente, a abertura da China para o Ocidente e o consumo do ópio, única maneira que a corte de Saint James encontrou para equilibrar a balança de comércio bilateral exponencialmente favorável aos chineses, descortinando o cenário que foi palco das duas chamadas “Guerra do Ópio” (1839/1842 e 1856/1860). 

O trauma causado por este capítulo da História, até hoje presente na memória dos chineses cujos antepassados foram drogados de forma vil para equilibrar uma corrente de comércio, acirrou não somente a luta pela derrota do regime nacionalista que sucedeu à queda do Império mas não conseguiu pacificar o país dilacerado por disputas de poder entre os caudilhos (“warlords”) regionais, mas também propulsou o espraiamento da ideologia marxista-comunista que alimentou, aliás, o processo de descolonização de vários países da Ásia na segunda metade do século passado.

O caminho desde então foi árduo e a China passou por enormes vicissitudes, causadas principalmente pelo experimentalismo que se inaugurou desde então sob a liderança de Mao Zedong, que desde 1949 até a sua morte, em 1976, impôs políticas e práticas que hoje devem parecer estapafúrdias para muitos chineses. Tal é o caso do “Grande Salto Adiante”, campanha que ele lançou entre 1958 e 1960 com a ambição de tornar a República Popular numa nação desenvolvida e socialmente igualitária em tempo recorde através da coletivização do campo por meio de uma reforma agrária atabalhoada e da industrialização urbana, com as chamadas “siderúrgicas de quintal”. Frustradas, estas experiências resultaram em dezenas de milhões de mortos; um cálculo conservador estima as vítimas em 18 milhões, porém outros estudos sugerem que o número foi mais próximo de 55,6 milhões.

Derrotado nestes seus propósitos e afastado do poder e do partido, Mao conclamou a juventude, e com o apoio do Exército de Libertação Popular (ELP), radicalizou a confrontação com seus opositores através da “Revolução Cultural”, de 1966 até 1976, que tinha por objetivo declarado “purgar os elementos capitalistas e tradicionais da sociedade chinesa e reimpor o Pensamento de Mao Zedong como a ideologia dominante do PCC”. Dezenas de milhões de pessoas foram perseguidas e figuras notáveis aprisionadas, ou mortas. Até mesmo o pai do Presidente Xi Jinping, Xi Zhongxun, que mais tarde desempenharia um papel fundamental no processo de abertura do país para o exterior ao inspirar Deng Xiaoping a criar as “zonas econônicas especiais”, foi para a prisão.

Entretanto, a partir da morte do “Grande Timoneiro”, em 1976, o retorno à cena política de Deng Xiaoping, companheiro de Mao na “Grande Marcha” que tinha uma proposta modernizante para o país, confrontando o pensamento oficial do Partido e que por isto fora banido e até emprisionado, mais uma vez viria a mudar os rumos da República Popular. Deng é o verdadeiro patriarca da China contemporânea. O plano de abertura e modernização econômica por ele lançado catapultou o país, até então majoritariamente rural, na China de hoje. Ele é, aliás, autor de famosos neologismos econômicos, tais como “economia socialista de mercado” e “socialismo com características chinesas”.  É dele a famosa frase “não importa se o gato é preto, ou branco, desde que cace ratos”. A economia cresceu radicalmente após uma série de medidas pró mercado que abriram o país aos investimentos externos e ao capital privado. Isto significa, em última análise, que a partir de então a República Popular – e o Partido Comunista – inauguraram um período de experimentalismo econômico que descontruísse o maoísmo “hard” ao tempo em que mantinham o mito do “Grande Timoneiro” para preservar a mitológica unidade da Nação Comunista.

Este processo teve andamento nas gerações posteriores de líderes, basicamente tecnocratas, que tiveram como missão concretizar e avançar as políticas e práticas “revolucionárias” lançadas por Deng. Até que na 18a. reunião do Congresso do PCC, em novembro de 2012, Xi Jinping foi eleito Secretário-Geral do Partido e subsequentemente, Presidente da República Popular e Presidente da Comissão Central Militar, ou seja, líder absoluto de todos os poderes da RPC.

Quem é Xi Jinping?

Filho do incentivador da abertura da China para o exterior, como mencionei, Xi é um homem moderno para os padrões da burocracia chinesa. Ele sofreu na adolescência as consequências nefastas por ser um “princeling” – filho de autoridade – durante a Revolução Cultural e foi exilado para um condado rural após a purga de seu pai. É casado com uma famosa cantora de música popular patriótica, Peng Liyuan, e tem uma filha estudando em Harvard com nome disfarçado. Sua biografia o situa, portanto, a milhas de distância de seus antecessores.

Mas ele é também um forte adepto da ortodoxia ideológica do Partido, cujas bases reconstruiu depois da série de notícias de malfeitos que assolavam o PCC nos últimos tempos. Xi consolidou com grande ímpeto seu poder, ampliando os limites constitucionais do cargo. O combate à corrupção passou a ser o lema de sua administração. Dizem, porém, as más línguas que a escolha dos incriminados inclui personalidades que lhe fazem oposição. Segundo seus antagonistas, desde a época de Mao, a sociedade chinesa não era tão controlada. 

Em contrapartida, milhões de pessoas foram resgatadas da pobreza na sua gestão. Xi anunciou em fevereiro deste ano que de acordo com os critérios atuais para a definição de “pobreza absoluta”, todos os 98,99 milhões de pobres da população rural do país foram retirados desse índice, assim como 832 municípios e 128.000 aldeias, ainda que alguns especialistas concluam que a China estabeleceu um nível baixo para a sua definição de pobreza e que continua sendo necessário um investimento contínuo em suas áreas mais pobres.

Não obstante, a China de Xi Jinping enfrenta desafios da dimensão do país. Entre outros, a urbanização massiva que tende a escapar ao controle das autoridades, inchando as cidades com uma população desacostumada à vida urbana, com os problemas agudos do processo, como alojamento, escolaridade, deterioração do meio-ambiente, etc.. A crescente disparidade entre as classes sociais é outro fator, a se constatar que a China – teoricamente comunista - abriga hoje centenas de milionários e é o segundo país com maior número de bilionários no mundo, de acordo com a Agência Forbes, assim como de algumas entre as maiores empresas privadas - Huawei, Ali Baba, Tencent, etc. - do planeta. Outro dilema complexo é a decalagem entre gerações, fruto do sistema de um “filho por família” implantado na década de 70 para impedir a explosão demográfica (agora são dois filhos e está-se cogitando aumentar para três) que se tornou um enorme desafio pois criou um vácuo geracional de consequências incalculáveis a longo prazo, sobretudo a se levar em conta que a curva da população já é decrescente. E “last but not least”, a deterioração do meio-ambiente que o crescimento exponencial e acelerado causa ao país, maior poluidor do planeta. E não nos esqueçamos do teorema - maior - da globalização / Ocidente. E estes são apenas alguns dos dilemas... 

São todas estas questões que o Presidente e o Partido terão que administrar se o PCC e a RPC ambicionam perseguir e atingir o plano delineado no livro “The China Dream”, do professor Liu Mingfu, segundo o qual “as China rises to the status of a great power in the 21st century, its aim is nothing less than the top – to be the leader of the modern global economy”; Xi repete este refrão em todos os seus discursos. Neste roteiro incluem-se projetos ambiciosíssimos como a “Belt and Road Initiative”, que visa unir a Ásia à Europa e à África, financiados pelos trilhões de dólares que o país detém de reservas, e tenciona aplicar no projeto, assim como no plano “Made in China 2025”, que pretende catapultá-la ao pináculo da era tecnológica.

O discurso do presidente Xi Jinping durante a abertura das comemorações do centenário demonstra um pouco do papel central que o Partido ocupa na sociedade chinesa: "dediquem tudo, até mesmo suas preciosas vidas, ao partido e ao povo", disse o presidente, enquanto exortava os membros do PCC a manterem seu amor pelo partido com firmeza e lealdade, no pronunciamento transmitido em rede nacional de televisão". 

A confirmar..

Recomendo aos amigos que desejem se inteirar a respeito do Partido Comunista Chinês que leiam a matéria abaixo da Folha de São Paulo.”

Fausto Godoy


Entenda como o centenário Partido Comunista controla o Estado e o poder na China

Modelo atual, que privilegia liderança coletiva, foi criado após excessos da era Mao

Bruno Benevides
Folha de S. Paulo, 29/06/2021

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