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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A política soberana ANTI-SOBERANA do governo Bolsonaro na Amazônia - Jamil Chade (UOL)

 O governo brasileiro naquele seu estilo falsamente patrioteiro, bate no peito e diz que está defendendo a soberania do país contra intrusões estrangeiras na Amazônia, mas ao mesmo tempo renuncia completamente à soberania, pois diz que depende da ajuda externa – o que é uma espécie de chantagem – para preservar os recursos naturais.

Nada mais hipócrita, falso e fraudulento, achando que assim pode enganar os parceiros estrangeiros com sua retórica vazia.

Paulo Roberto de Almeida 

Técnicos de Biden não compram versão do Brasil sobre esforços na Amazônia

Jamil Chade

UOL | 19/2/2021, 4h

Técnicos da administração de Joe Biden adotaram cautela e não se deixaram convencer com a versão do Brasil de que o governo de Jair Bolsonaro está lidando de forma eficiente com o desmatamento no país. Nesta quarta-feira, o representante de Joe Biden para assuntos climáticos, John Kerry, manteve uma primeira reunião virtual com os ministros brasileiros Ernesto Araújo e Ricardo Salles.

No evento, de pouco mais de 40 minutos, o governo brasileiro insistiu em repetir seu mantra adotado nos últimos meses: o Brasil está disposto a cumprir suas metas ambientais e reduzir o desmatamento. Mas, para isso, precisa de recursos e de apoio internacional.

Em outras palavras: o Brasil fará sua parte se contar com dinheiro da Casa Branca e de outros atores estrangeiros.

Esse recado passado à equipe de Biden havia sido o mesmo que o Planalto usou nas reuniões do Fórum Econômico Mundial, neste ano. O governo brasileiro indicou que, diante da recessão e dos gastos com a pandemia, teria sérias dificuldades para manter o orçamento para a proteção ambiental. A solução, portanto, teria de passar por recursos externos.

Em janeiro, o vice-presidente Hamilton Mourão criticou no evento de Davos o fato de que a comunidade internacional, apesar da pressão, não estar ampliando financiamento para operações na Amazônia para lidar com o desmatamento e proteger a biodiversidade. Segundo ele, depois da pandemia, governos não terão recursos para destinar para a região e o setor privado terá de ampliar sua participação. "Apesar de o interesse internacional no status da Amazônia ter aumentado de forma importante, o mesmo não pode ser dito da cooperação financeira e técnica internacional", disse o vice-presidente. "Ficou abaixo as necessidades atuais", alertou.

O que causa estranheza entre os delegados estrangeiros é que o pedido por dinheiro tanto para Biden como para a comunidade internacional ocorre dois anos depois que o governo brasileiro, de forma unilateral, interrompeu o acordo que existia de financiamento com alemães e noruegueses.

Biden e o cheque de US$ 20 bilhões

No caso americano, Washington está comprometido em colocar recursos para ajudar o Brasil e um pacote poderia chegar a US$ 20 bilhões. Mas um entendimento sobre como os recursos entrarão e quais serão os critérios exigirá uma conversa detalhada entre técnicos, que promete ser frequente.

Na condição de anonimato, embaixadores e negociadores confirmaram à coluna que, apesar de o contato ter sido um passo importante na aproximação entre os dois países e uma sinalização positiva por parte dos americanos, a reunião serviu do lado americano para confirmar de que terão de cobrar Brasília por conta dos dados relacionados ao desmatamento e as ações do governo.

De acordo com fontes diplomáticas, a Casa Branca fez questão de dizer que não existe qualquer ameaça à soberania brasileira na Amazônia. Mas a equipe de Kerry não se deixou convencer pelos argumentos apresentados por Araújo e Salles sobre a situação na região e nem sobre o que o governo vem realizando para frear o desmatamento.

Em Washington, os argumentos foram considerados como "insuficientes", inclusive sobre as metas do Brasil para atingir seus compromissos no Acordo de Paris. No final do ano passado, a ONU não aceitou o pacote apresentado por Salles e deixou o Brasil de fora de uma cúpula marcada para determinar a ambição das metas de cada um dos países.

Um dos resultados da reunião foi o compromisso de estabelecer um diálogo técnico reforçado e praticamente semanal para tratar tanto do desmatamento, como do apoio que o governo americano poderá dar para os esforços brasileiros. Também ficou estabelecido que esse diálogo técnico também envolverá a questão do financiamento, um ponto defendido pelo Brasil. "Todos os temas estão sobre a mesa", admitiu um interlocutor no Itamaraty.

Serão nesses diálogos técnicos que os americanos pressionarão por transparência por parte do Brasil, além de garantias de que haverá um compromisso político.

No encontro, os EUA reforçaram o convite para que o Brasil participe do encontro Earth's Summit (Cúpula da Terra) proposto por Biden. Os americanos confirmaram que estão preparando um pacote para assumir metas ambiciosas de redução de CO2 e que estão promovendo um diálogo com os principais interlocutores na área ambiental, a fim de antecipar visões convergentes para garantir que a Conferência do Clima, em Glasgow em novembro de 2021, não termine em mais um impasse internacional.

Do lado brasileiro, há uma aceitação de que o tema ambiental estará no centro da agenda diplomática internacional e que não há como escapar da discussão. Mas a percepção é de que cabe também ao governo americano provar que sua adesão do Acordo de Paris será acompanhada por medidas efetivas. Na visão do governo Bolsonaro, recai aos países ricos a maior responsabilidade pelas mudanças climáticas.

Após o encontro, um comunicado discreto do Itamaraty sobre a reunião foi emitido, evitando entrar em detalhes sobre o tom a conversa. De acordo com a nota, "os Ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mantiveram reunião virtual com o enviado presidencial para o clima do governo dos EUA, John Kerry, na tarde de 17 de fevereiro".

"Na ocasião, foram examinadas possibilidades de cooperação e diálogo entre o Brasil e os EUA na área de mudança do clima e de combate ao desmatamento. Acordou-se aprofundar o diálogo bilateral nas áreas mencionadas, com processo estruturado em encontros frequentes, em busca de soluções sustentáveis e duradouras aos desafios climáticos comuns", completou.

A reunião ainda foi seguida por uma mensagem nas redes sociais por parte do chanceler brasileiro, indicando uma postura no mesmo sentido. "O diálogo e cooperação sobre meio ambiente e clima serão mais um elemento agregador na parceira Brasil-EUA que continuamos construindo", disse. Salles também foi às redes sociais para insistir sobre a cooperação que se iniciava com os EUA.

Mas, da parte do americano, o encontro não foi alvo imediato de comentários oficiais. Foi apenas na quinta-feira que Kerry, em suas redes sociais, reforçou a ideia de que Washington está comprometido em reconstruir a cooperação em temas climáticos.

"Lidar com a crise climática exige impactos grandes que apenas podem ser atingidos por parcerias globais", escreveu o americano. "Boa conversa ontem sobre cooperação climática, liderança do Brasil e crescimento econômico sustentável com Ernesto Araújo e Ricardo Salles", completou.

A ordem dentro da Casa Branca é a de sinalizar com incentivos ao Brasil no tema ambiental, antes de falar em sanções ou afastamento de posições. Numa espécie de crédito, Washington continuará a tratar o Brasil como um aliado e convidar o governo a suas iniciativas, como a cúpula do clima em abril.

Mas Washington saiu do encontro convencido de que esse aceno da Casa Branca terá de ser traduzido em ação por parte do governo em termos ambientais e uma capacidade de medir avanços concretos. Biden, que se elegeu em parte por conta de uma agenda ambientalista e de direitos humanos, está sendo pressionado por congressistas americanos, ativistas e uma ala mais progressista de seu partido a manter uma postura dura em relação ao governo Bolsonaro.

Durante a campanha eleitoral nos EUA, Biden chegou a criticar a destruição da floresta brasileira e ensaiou uma ameaça. Na ocasião, Bolsonaro criticou a postura de Biden. Mais recentemente, no pacote ambiental do novo presidente americano, mais uma vez a proteção da Amazônia faz parte dos planos. Mas, pelo menos por enquanto, com gestos de colaboração.

Já Kerry, em 2020, usou uma premiação à líder indígena Alessandra Korap, da tribo Munduruku, para chamar a atenção sobre a situação da floresta. Para ele, os Munduruku resistiram "ao avanço constante, violento, ilegal e às vezes patrocinado pelo estado por madeireiros e mineiros para explorar suas terras".

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/02/19/tecnicos-de-biden-nao-compram-versao-do-brasil-sobre-esforcos-na-amazonia.htm

Governo Bolsonaro diz que reduzirá desmatamento na Amazônia apenas se Biden pagar

Em primeira reunião com Estados Unidos sobre o tema, Brasil disse que precisa de verba estrangeira para se comprometer com metas de preservação

Revista Fórum | 19/2/2021, 6h44

 

O governo Bolsonaro realizou sua primeira reunião com o governo dos Estados Unidos para tratar questões sobre o meio ambiente. Nesse encontro, autoridades brasileiras condicionaram a proteção ambiental no país a um eventual incentivo financeiro por parte do país norte-americano.

De acordo com reportagem do jornal Estado de S.Paulo, o argumento utilizado pelo governo Bolsonaro foi que, sem recursos estrangeiros, não é possível se comprometer com acordos internacionais de preservação.

Com isso, segundo uma fonte do governo brasileiro, o espírito da conversa entre os dois países foi o do “a gente faz, mas vocês vão ter de pagar”.

Participaram do encontro os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o enviado especial do Clima do governo americano, John Kerry.

Na conversa, Kerry teria dito reconhecer “a legitimidade e a soberania do Brasil para cuidar de seus temas” e que a gestão Biden não tem “nenhuma resistência em trabalhar com o governo brasileiro”.

Durante a campanha eleitoral, Joe Biden prometeu diversas vezes aplicar sanções econômicas ao Brasil caso o país não mudasse sua política ambiental e continuasse permitindo a devastação da Amazônia.

https://revistaforum.com.br/global/governo-bolsonaro-diz-que-reduzira-desmatamento-na-amazonia-apenas-se-biden-pagar/

sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

O trágico destino das meninas prostituídas dos garimpos da Amazônia, no relato de Ana Lélia Benincá Beltrame

Em livro, diplomata relata a rotina de abuso sexual e prostituição vivida por meninas e mulheres nos garimpos clandestinos da Amazônia

Ana Beltrame, ex-cônsul geral do Brasil em Caiena, transforma em ficção as violências sofridas por brasileiras em busca de ouro na fronteira mais inóspita do Brasil

O Globo | 28/1/2021, 4h30

A fronteira entre Brasil e Guiana Francesa é talvez a mais desconhecida e a de mais difícil acesso do Brasil. Na floresta densa do Parque Nacional das Montanhas do Tumucumaque, dizem, é possível entrar mas impossível sair. A rodovia BR-156, que liga a cidade de Oiapoque, ponto distante no Amapá, à capital Macapá não é asfaltada. Na época das chuvas, a lama a deixa intransitável. Diante da ausência quase total do Estado, a febre do ouro continua a originar centenas de garimpos clandestinos, lugares onde desvios são punidos de forma violenta e onde meninas e mulheres são as mais vulneráveis.

Cônsul-geral do Brasil em Caiena de 2008 a 2013, a gaúcha Ana Beltrame, de 68 anos, precisou, por diversas vezes, prestar assistência a menores brasileiros vítimas de abuso sexual e outras violências nessa região inóspita do país. Histórias reais que ela transformou em uma única ficção para seu primeiro livro. "O passeio de Dendiara" (Tema Editorial) é o relato do encontro de uma diplomata com uma menina em situação de risco, mas é também a descoberta de um país que a maioria de nós desconhece.

— Minha ideia ao criar uma ficção foi preservar todas as pessoas envolvidas, das crianças vítimas de abuso aos funcionários do consulado. Esse tipo de violência continua ocorrendo na fronteira entre Brasil e Guiana Francesa — afirma Beltrame, para quem o livro não é uma denúncia, mas um chamado à responsabilidade. — Não se sabe quem é o culpado. Mas esses crimes contra a infância têm responsáveis. E nós, agentes do Estado, temos que assumir a nossa responsabilidade.

Dendiara, a personagem que dá título ao livro, é a encarnação da tragédia da infância em um Brasil quase sem lei: analfabeta, sem documentos, abusada sexualmente em um garimpo clandestino, grávida aos 10 anos e abandonada sozinha em uma rodovia na região de fronteira.

— Casos como o da personagem Dendiara chegam ao consulado do Brasil em Caiena trazidos pela polícia francesa (a Guiana Francesa é um território ultramarino da França) que pede a nossa intervenção para conversarmos com a criança, entendermos sua história, acionarmos os conselhos tutelares em Macapá ou Belém e providenciarmos os documentos para que essa menor volte ao Brasil — explica Beltrame, cujo livro deixa claro a fragilidade da estrutura do Estado brasileiro na fronteira. — Há estrutura, mas ela não funciona. Postos como o Oiapoque são vistos como um sacrifício. É longe, quente, de difícil ligação com Macapá. Eu ligava e descobria que, por exemplo, o juiz de menores estava licenciado, fazendo mestrado Rio. Quando ele volta? Ninguém sabia. 

Em garimpos clandestinos, pequenos e escondidos sob a mata densa da Floresta Amazônica, mulheres costumam cozinhar e cuidar da roupa ou estão a frente de pequenos comércios que trazem aos homens itens como cigarros. Muitas se prostituem, incluindo crianças e adolescentes. No livro de Beltrame, a personagem Dendiara ajuda uma mulher mais velha, a "madrinha", na cozinha do garimpo. À noite, as duas se prostituem ou, como se diz na região, "fazem a puta".

— "Fazer a puta" é uma expressão que as pessoas da região trouxeram do francês, que é falado do outro lado da fronteira: faire la pute. É uma sofisticação da linguagem interessante porque as mulheres não são prostitutas, mas fazem a prostituta. Elas continuam sendo pessoas — explica Beltrame, ressaltando que a prostituição na região de fronteira é absolutamente naturalizada. — Conversei com várias brasileiras, muitas delas presas. O garimpo demanda força física, a prostituição é o que resta a essas mulheres para pegarem a parte delas do ouro. A febre do ouro enlouquece as pessoas, elas vão de qualquer jeito.

É importante lembrar que a maioria dessas mulheres chegam ao garimpo por vontade própria. Muitas pensam que vão fazer a puta por um ano e comprar a casa própria. A maioria não consegue, adoece, não volta. As conquistas feministas, tão debatidas nas grandes capitais brasileiras, não chegaram à fronteira do Brasil com a Guiana Francesa, onde barcos com trabalhadoras do sexo navegam entre portos remotos. São chamados de "putanic".

— É uma região onde o Brasil arcaico se choca com o Brasil moderno. As conquistas feministas não chegaram lá, e essas mulheres não esperam que cheguem — afirma Beltrame, para quem o diálogo e a cooperação entre países é essencial nessa parte esquecida do mapa ("Diplomacia é pragmatismo", diz). — Mas o Estado brasileiro precisa conscientizar seus próprios agentes para que entendam que abuso sexual não é normal. Gravidez na infância mata, não é um fato da natureza. Crianças têm que brincar e estudar. Adolescentes não podem deixar a escola para serem mães. É preciso também conscientizar meninos e meninas sobre os riscos, além de quebrar o ciclo que perpetua a miséria social e econômica.

Em meio à violência nos garimpos clandestinos, meninos também não estão imunes. Se elas sofrem abuso sexual, eles são usados como mão-de-obra nos garimpos de galeria. Escuras e apertadas, essas estruturas são pequenas para o corpo de um homem adulto, por isso muitas vezes são escavadas por meninos, que têm seus corpos deformados por esse trabalho.

Atualmente, ela está baseada no Uruguai, seu último posto antes da aposentadoria no Itamaraty, Ana Beltrame diz que o Brasil não conhece a Amazônia, embora existam fontes de qualidade:

— Não conhecemos e não sei se temos o interesse em conhecer. Há muita pesquisa acadêmica valiosa sendo feita nas universidades do Norte do país. Esse acervo de conhecimento é precioso, pago pelo Estado, e nós precisamos ler as teses dessa moçada que pesquisa nas federais do Amazonas, do Pará e do Amapá. A Amzônia não era parte do Brasil até o século XIX. Fizemos conquistas, mas precisamos fazer aquilo que é bom para as pessoas da região.

https://oglobo.globo.com/celina/em-livro-diplomata-relata-rotina-de-abuso-sexual-prostituicao-vivida-por-meninas-mulheres-nos-garimpos-clandestinos-da-amazonia-24854893



domingo, 15 de novembro de 2020

Outras Cartografias: Por uma nova regionalização do Brasil - José Donizete Cazzolato

 Outras Cartografias: Por uma nova regionalização do Brasil

O Maranhão fora do Nordeste? O que seria a Região Noroeste do Brasil? 50 anos após o IBGE definir as Grandes Regiões, país mudou. É preciso reconhecer as novas identidades geográficas. Próximo Censo é oportunidade para isso

MAIS:
Baixe o mapa em alta resolução aqui

Por José Donizete Cazzolato, na coluna Outras Cartografias

Por que este mapa está aqui? A coluna sempre apresenta novas cartografias, e o que esta cartografia tem de novo? São as regiões do Brasil – Centro-Oeste, Norte, Nordeste… Opa! Mas algo está errado, tem duas regiões Norte! Não, uma é NO = Norte, mas e a outra… não é N = Norte também?”

Esta pode ser uma reação esperada de alguém jovem, com algum conhecimento geográfico, mas pouca intimidade com a cartografia e com as siglas das direções cardeais. De fato, à primeira vista o mapa é familiar, por ser diariamente exposto na TV aberta quando o noticiário apresenta a previsão do tempo, por exemplo. Mas há uma importante diferença: em vez das cinco Grandes Regiões do IBGE, adotadas em 1970 e alteradas em 1988 quando se criou o Tocantins, este mapa apresenta o Brasil dividido em seis macrorregiões.

Então mudou a divisão das regiões?”

Não, esta é uma proposta de mudança, buscando adequar a antiga divisão à geografia do Brasil atual. Vale lembrar que, em 1970, o país tinha 90 milhões de habitantes, menos da metade da população atual. Não existiam Tocantins nem Mato Grosso do Sul, Rondônia era um Território Federal com apenas dois municípios, e a cidade do Rio de Janeiro tinha o privilégio de ser o Estado da Guanabara; Niterói era capital do Estado do Rio de Janeiro.

Nesses 50 anos o Brasil cresceu e desenvolveu-se em diversos campos de atividade, atenuando ou aumentando as desigualdades. Suas cidades cresceram como nunca, e grandes áreas quase despovoadas foram ocupadas e incorporadas à economia nacional. Expandiram-se a agricultura, a pecuária, a malha viária e a rede urbana, principalmente na faixa que vai de Rondônia ao Maranhão passando por Goiás.

Especialmente no Centro-Norte – estado do Tocantins, Sudeste do Pará e Sul do Maranhão, houve um grande incremento demográfico e da atividade econômica como um todo. Em decorrência, os fluxos geográficos adensaram-se, estabelecendo também diferentes conexões reforçando novas identidades. Basta lembrar o estabelecimento do estado do Tocantins (31 anos atrás) e o plebiscito de 2011, quando os paraenses do Sudeste do Pará aprovaram a criação do Estado de Carajás.

É inegável a regionalidade que se formou na junção PA-MA-TO. Observe-se a bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia, a rodovia Belém-Brasília, a Estrada de Ferro Carajás – ligando o Sudeste Paraense a São Luís – ou o longo traçado da Ferrovia Norte-Sul, que conecta a EF Carajás aos estados do Tocantins, Goiás e São Paulo. Todos esses elementos estruturantes da geoeconomia local estendem-se no sentido geral Norte-Sul, proporcionando uma nova dinâmica de fluxos na interface entre as atuais regiões Norte e Nordeste. Esta nova realidade regional também se evidencia na evolução da polarização urbana – São Luís, Palmas e Belém, diretamente ou através de Marabá, Imperatriz e Araguaína, estendem sua influência cada vez mais sobre áreas tradicionalmente ligadas a Fortaleza ou Goiânia.

A divisão regional atual, porém, secciona este novo contexto regional, mantendo o Maranhão no Nordeste e o Tocantins como um apêndice da Região Norte. Este fato, por sinal, pode ser considerado o ponto de inflexão do atual arranjo macrorregional. Poucos se lembram, mas até 1988 o atual Tocantins, que pertencia Goiás, fazia parte do Centro-Oeste. Nesse ano promulgou-se a atual Constituição Federal, em cujas disposições transitórias o Artigo 13 criou o novo Estado, transferindo-o simultaneamente para a Região Norte.

Em decorrência, descaracterizou-se o quadro macrorregional do país. A Região Norte ficou ainda maior – em extensão e em número de estados, aproximando-se do número recorde de 9 estados do Nordeste em comparação com o Sudeste e o Centro-Oeste (4) e o Sul, que tem apenas 3 unidades da federação. Além disso, não se justificava, geograficamente, a transferência do Tocantins para o Norte, que se efetivou, por sinal, sem qualquer consulta ou aval do IBGE, IPEA ou quaisquer outras instituições de pesquisa e tradição geográfica.

A proposta de ajuste aqui sintetizada busca reparar e, simultaneamente, atualizar a trama macrorregional do país. Reconhece a nova regionalidade que se consolida na junção PA-MA-TO e recupera o equilíbrio dimensional entre as unidades. Com esta nova cartografia, aprimora-se a percepção da realidade nacional e suas identidades regionais, disponibilizando para a gestão pública e para a sociedade um ferramental seguramente mais eficaz.

A efetivação da proposta requer apenas dois passos: 1. Passa a integrar a Região Norte o Estado do Maranhão; 2. Fica instituída a Região Noroeste, formada pelos estados de Rondônia, Acre, Amazonas e Roraima. As demais regiões – Sudeste, Sul e Centro-Oeste, permanecem inalteradas.

Entendi… Mas como se faz essa alteração? Tem que criar uma lei? Ou é o IBGE que muda?”

Neste ponto pode surgir uma polêmica. Como foi o IBGE que elaborou e formalizou a atual divisão, caberia a ele mesmo promover quaisquer alterações, como de fato vem alterando e atualizando outras estruturas regionais. Porém, a atual divisão em Grandes Regiões foi instituída também por lei federal, cabendo então, nesse caso, uma ação do Executivo ou do Legislativo.

No entanto, os processos de discussão e votação nas casas legislativas nacionais podem levar um tempo além do razoável, e assim o próprio IBGE – a única instituição governamental federal com geografia no nome – poderia formalizar tecnicamente um ajuste na macrodivisão regional, aproveitando a oportunidade do Censo 2020 (adiado para 2021). O peso do notório saber que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística consolidou ao longo de quase um século é suficiente para que o novo desenho regional seja assimilado e adotado em todas as instâncias do saber e fazer nacionais com aporte espacial: ensino, pesquisa, comunicação, planejamento, logística, políticas públicas, etc.

Além de embasar a gestão pública e apreensão da realidade, outro aspecto fundamental das estruturas regionais ou territoriais é o reconhecimento das identidades geográficas. Nossa cidadania se consolida quando nossos lugares de vida são oficializados. Sejam eles bairros, distritos ou municípios, quando compõem uma trama igualitária de unidades, denominadas e delimitadas por lei, ganha força a ideia da democracia, da igualdade dos lugares – e, por extensão, das pessoas. O mesmo se aplica para outras escalas ou instâncias da vida social – regiões, Estados ou Macrorregiões.

Na proposta aqui exposta, o Maranhão deixa de ser a quarta força econômica e política do Nordeste para ser a segunda da nova conformação da Região Norte. O Tocantins deixa de ser um mero apêndice de uma região gigantesca para ocupar um lugar central no novo arranjo proposto. No outro extremo, o Amazonas assume a liderança da Amazônia Interior – reconhecida na proposta como Região Noroeste, enquanto Rondônia, Acre e Roraima ganham força pela proximidade de Manaus, a nova metrópole regional.

Do ponto de vista ambiental, o arranjo aqui defendido permite ajustar o foco nos grandes biomas, especialmente os dois mais expostos à degradação. Circunscreve uma nova região exclusivamente amazônica (Noroeste) e duas na interface Amazônia/Cerrado (Norte e Centro-Oeste). Paralelamente, este novo arranjo pode levar a estratégias mais eficazes na gestão das faixas fronteiriças, cuja incumbência passa a ser dividida por quatro unidades macrorregionais.

Esclareça-se, por fim, que o intuito deste trabalho é recuperar a operacionalidade das atuais Grandes Regiões do IBGE, cinquenta anos depois de sua última versão tecnicamente consensuada. Foi apresentado em encontros acadêmicos em 2007 e reeditado em 2019 para a Revista Confins – edição de julho de 2020. Sua versão integral está disponível em https://journals.openedition.org/confins/31037   

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Bolsonaro põe em risco acordo entre Mercosul e EU – Editorial O Globo, 7/09/2020

Bolsonaro põe em risco acordo entre 

Mercosul e EU – Editorial | O Globo, 7/09/2020


Desmatamento da Amazônia é empecilho incontornável à ratificação por França e Alemanha

Em julho do ano passado, Jair Bolsonaro celebrou a conclusão de duas décadas de negociações sobre um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia (UE). Fez o anúncio em Tóquio, com justa euforia, do potencial transformador que o tratado teria nas economias do Brasil e dos sócios regionais. Um ano depois, Bolsonaro vacila sobre o texto final. Corre o risco de perder a única obra diplomática que, até agora, pode ser considerada relevante na sua gestão.

O acordo Mercosul-UE já enfrentou a hesitação de vários governos, mas se consolidou, nas duas margens do Atlântico, em virtude do interesse comum de avançar num sistema de comércio lastreado em normas de consenso. Ganhou impulso na reta final pelas mãos dos ex-presidentes do Brasil, Michel Temer, e da Argentina, Mauricio Macri. Com apenas seis meses no poder, Bolsonaro surpreendeu pela agilidade na definição dos contornos finais.

Na perspectiva de longo prazo, o acordo modela um mercado de 780 milhões de pessoas no Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e mais 28 países europeus, somando 25% da riqueza mundial no conjunto. Impõe uma aposta inequívoca na cooperação internacional, baseada em princípios da democracia liberal, da livre-iniciativa, da proteção ambiental e do multilateralismo.

Não é pouco numa época de fragmentação, marcada pela reedição de nacionalismos fundamentados no unilateralismo populista, de viés racista e xenófobo.

Ficou acertada a abertura de novas fronteiras de negócios em praticamente toda a cadeia de produção e comércio de bens e serviços nos dois continentes, com isenção de tarifas em ritmo progressivo.

Sul-americanos e europeus também se obrigaram à sintonia na modernização da regulação de mercados, de normas setoriais e das regras de propriedade intelectual. Estima-se, em consequência do acordo, a liberação de mais de 90% das exportações agrícolas do Mercosul, grande parte sem tarifas.

O texto está pronto, mas empacou na resistência do governo Bolsonaro em aceitar compromissos ambientais, essenciais para uma economia sustentável. O principal é a exigência europeia de uma política auditável nos resultados sobre a redução dos incêndios e do desmatamento na Amazônia. O impasse se estende à continuidade do Fundo Amazônia, financiado por Alemanha e Noruega. Governos da Alemanha e da França já deixaram claro que a racionalidade na política ambiental é pré-condição para a ratificação do tratado.

Mercosul e a UE gastaram duas décadas para chegar a um consenso sobre essa parceria transformadora. Bolsonaro tem a chance de concretizá-la. A persistência no negacionismo climático e ambiental não o conduzirá a outro lugar senão à margem — ou ao rodapé — reservada aos políticos que se deixam atropelar pela História

sábado, 5 de setembro de 2020

Dia da Amazônia: maior floresta tropical do mundo não tem o que comemorar

Dia da Amazônia: maior floresta tropical do mundo não tem o que comemorar
Levantamento do Inpe indica que desmatamento acumulado na Amazônia entre agosto de 2019 e julho de 2020 cresceu 34,49%. Dia da Amazônia é comemorado neste 5 de setembro

Por Tiemi Osato - iG Último Segundo  Atualizada às 


Nos últimos anos,a Amazônia tem enfrentado um cenário crítico.
Divulgação/Imazon
Nos últimos anos,a Amazônia tem enfrentado um cenário crítico.
Maior floresta tropical do mundo, a Amazônia possui grande relevância devido à enorme biodiversidade e aos povos tradicionais que abriga. Importante também para a estabilidade climática, ela influencia e impacta regiões que ultrapassam as suas fronteiras. Apesar de toda importância, nos últimos anos a floresta vem enfrentando um cenário preocupante  e, neste 5 de setembro, Dia da Amazônia , não tem tanto a comemorar.
Dados do DETER (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), levantamento feito pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), indicam que o desmatamento acumulado na Amazônia entre agosto de 2019 e julho de 2020 cresceu 34,49% em comparação ao período anterior — de agosto de 2018 a julho de 2019. Em relação à média dos últimos quatro anos, o aumento foi de 71,80%.

Esforços para conter o desmatamento

Com taxas cada vez mais alarmantes, não há dúvidas de que a Amazônia tem sofrido um aumento considerável no aumento de queimadas e desmatamento. A professora Mariana Vale, chefe do departamento de Ecologia da UFRJ, aponta para o fato de que essa tendência não é exclusiva do governo Bolsonaro e vem desde 2013, durante o governo Dilma Rousseff.
Vale lembra que, no período de 2005 a 2012, o Brasil teve uma redução expressiva, em torno de 70%, do desmatamento na Amazônia . “É um caso de sucesso e reconhecimento internacional no controle de desmatamento de uma floresta tropical”, observa. Claudia Azevedo-Ramos, professora associada do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA, atribui essa conquista a “pressões internacionais e estratégias federais de combate que envolveram ações de comando e controle, regularização fundiária e promoção de atividades econômicas sustentáveis ”.
Referente a esse período, Vale destaca que a implementação do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm), em 2004, durante o governo Lula, “reduziu substancialmente as taxas de desmatamento”. O controle foi realizado com auxílio de diversos elementos, como o monitoramento por satélites pelo Inpe, a fiscalização pelo Ibama e incentivos às boas práticas de pequenos produtores através da Bolsa Verde. “Com esse plano, a gente criou toda uma estrutura institucional”, pontua.
Em 2012, porém, o plano perdeu força e o cenário começou a mudar. “Houve a reforma do Código Florestal Brasileiro e muito do que se considerava antes como desmatamento ilegal passou a ser legalizado”. E, desde 2013, o desmatamento vem aumentando.
Apesar de não ser o pior momento da floresta em termos de devastação  — posto atribuído ao ano de 1995, durante o governo FHC —, Vale pontua que a tendência de alta segue, em grande parte, “em função da postura do governo e do Ministério do Meio Ambiente em relação a questões ambientais”.
Na análise de Vale, a perspectiva governamental considera as questões ambientais como “problema e entrave para o desenvolvimento ao invés de entendê-las como uma grande riqueza e diferencial do Brasil, que pode dar protagonismo ao país em termos de conservação ambiental e explorada de maneira sustentável”.


"Passar a boiada"

Um dos momentos em que mais ficou claro o projeto do governo Bolsonaro para o meio ambiente foi durante a reunião ministerial de 22 de abril. Na ocasião, o ministro do Meio Ambiente,  Ricardo Salles, defendeu utilizar a pandemia de Covid-19 como oportunidade para “passar a boiada” e realizar mudanças infralegais na legislação ambiental brasileira.
“Se o ministro não caiu depois desta fala, só pode sinalizar que ele está fazendo o que foi demandado”, afirma Azevedo-Ramos. Ela também diz que grileiros , desmatadores e garimpeiros ilegais se sentem “confiantes para agir” quando há um discurso nas esferas federal e estadual que estimula a impunidade.


Imagem do Brasil no exterior

Paulo Roberto de Almeida, diplomata e ex-diretor do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI), explica que, principalmente a partir da Conferência Rio-92, formou-se uma grande consciência ecológica mundial. Almeida ressalta também que o evento marcou o início de um período “bastante positivo” para o Brasil quanto à liderança no cenário ambiental. Ao longo dos anos 90 e 2000, o país mudou consideravelmente sua política de meio ambiente, deixando para trás a perspectiva da ditadura militar.
Até 2018, o Brasil possuía posições avançadas. Almeida aponta que a nação “fez um esforço de cooperação internacional na pesquisa e nos projetos de sustentação”. O resultado das eleições, porém, mudaram o cenário. “A chegada de Bolsonaro e suas concepções primitivas ao poder foi um choque para todos, para os ambientalistas no Brasil e no mundo, para a opinião pública internacional e para o próprio agronegócio”, diz o diplomata.
Ele observa que houve uma deterioração da imagem brasileira durante o governo Bolsonaro. “O Brasil virou um pária internacional, um país marginalizado e desprezado. É uma coisa muito triste para nós”, diz. Almeida coloca Ernesto Araújo e Ricardo Salles, respectivamente ministro das Relações Exteriores e ministro do Meio Ambiente, como “os dois protagonistas dos grandes problemas nas relações internacionais do Brasil”.
Almeida diz que “ainda que de vez em quando se faça um anúncio de que está preservando, isso é muito retórica”. Ele explica que a comunidade internacional “sabe exatamente o que está se passando no Brasil”, pois os dados do Inpe são universais e diferentes países têm satélites através dos quais é possível coletar informações sobre o desmatamento.
O posicionamento do Brasil quanto ao meio ambiente sinaliza, inclusive, possíveis impactos econômicos . No dia 21 de agosto, a chanceler alemã Angela Merkel declarou ter “sérias dúvidas” quanto à implementação do acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul devido ao aumento do desmatamento na Amazônia.
“Há uma chance sim de que esse acordo não entre em vigor e de que novas sanções sejam aprovadas”, analisa o diplomata Paulo Almeida. “E não precisam ser sanções oficiais, porque não são os governos que fazem exportação e importação”, acrescenta. Para ele, a pressão da opinião pública tem um papel relevante nesse âmbito.
“A opinião pública pode pressionar empresas e varejistas inteiros”, afirma Almeida. “Cadeias de importação podem simplesmente boicotar a compra de produtos brasileiros, como grãos, carnes ou qualquer outra coisa que lhes pareça suficientemente ofensivo. Grandes campanhas internacionais podem ocorrer. A opinião pública vai determinar grande parte de movimentos políticos, acordos de cooperação e, sobretudo, fluxos de comércio e de investimento”.
“A nossa imagem atual é muito negativa no mundo do meio ambiente e acredito que, enquanto o governo não mudar a sua postura, não haverá muita condescendência do mundo para com o Brasil”, conclui Almeida.

Luz no fim do túnel?

A professora Claudia Azevedo-Ramos observa que “em um mundo globalizado, as opções políticas internas têm repercussão externa”. Esse fator, aliado às preocupações crescentes com cadeias produtivas sustentáveis e com mudanças climáticas, faz com que a reação internacional pela Amazônia seja “esperada”.
“Quando mega investidores dizem que vão retirar seus investimentos do Brasil ou países compradores de nossos produtos dizem que não comprarão mais, cria-se uma pressão interna para mudanças”, constata Claudia. “É o que se viu em agosto com a carta de 60 assinaturas de organizações brasileiras endereçada a lideranças políticas e investidores pedindo pela moratória do desmatamento e fortalecimento dos órgãos ambientais. Ou com a recente decisão de bancos privados de se unirem para encontrar soluções sustentáveis a seus financiamentos”.
Para além da pressão de questões externas e econômicas, as especialistas afirmam que o Brasil possui capacidade para conter o desmatamento na Amazônia. “Temos sistemas integrados, pessoal qualificado, monitoramento por satélites e ferramentas econômicas para coibir o mal feito e incentivar o bem feito”, diz Claudia.
“A gente foi capaz de controlar o desmatamento de forma exemplar entre 2005 e 2012, a gente tem a capacidade institucional e científica para isso”, destaca Mariana. “Eu acredito que as coisas podem ser revertidas, eu acredito que o eleitorado brasileiro pode ter consciência e votar de maneira adequada nas próximas eleições pensando no país como um todo, com todos os seus problemas econômicos, sociais e também ambientais”, finaliza.


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segunda-feira, 10 de agosto de 2020

'Perder investimento por falta de estratégia para desmatamento é vergonhoso', diz diplomata (Everton Vargas)

Everton Vargas sempre foi um diplomata enquadrado, ou seja, obediente às instruções de Brasília, quaisquer que fossem. Poderiam ser de esquerda num dia, de direita no outro, de centro mais adiante, ou até de extrema-direita e absolutamente reacionária, como tem sido desde o início de 2019. Retirado de seu posto ao começar o governo aloprado, e sem ter qualquer cargo no novo esquema de poder do Itamaraty, esperou sair do ministério, para trabalhar em outra instância, para tratar das posturas vergonhosas do presente desgoverno no que se refere especialmente ao desmatamento amazônico, coisa capaz de indignar qualquer cidadão urbano e não telúrico e até antiecológico.
É que este governo é tão bárbaro, que é capaz de tirar qualquer um do sério, como agora ocorreu, com um dos mais enquadrados diplomatas brasileiros. 


'Perder investimento por falta de estratégia para desmatamento é vergonhoso', diz diplomata
Para embaixador, é ingenuidade pensar que a comunidade internacional não vai avaliar o cuidado que o Brasil tem com seu capital natural
Entrevista com
Everton Vieira Vargas, embaixador especializado em temas ambientais

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
10 de agosto de 2020 | 05h00

BRASÍLIA - Ao longo de boa parte dos 43 anos de carreira, o embaixador Everton Vargas chefiou a frente da diplomacia ambiental brasileira. Ele teve participação direta nas tratativas com países nórdicos para trazer ao Rio a ECO-92, conferência histórica que ajudou a inserir o Brasil no grupo dos protagonistas das discussões ambientais, no momento em que o país era pressionado pelo assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em 1988. Foi embaixador em postos prestigiados, como Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina) e Bruxelas (União Europeia).

Os diplomatas hoje têm o que mostrar com a atual política ambiental?
Diplomata não age sozinho. Ele trabalha sobre instruções, não pode chegar numa gestão junto a um país ou numa reunião internacional e dizer o que gostaria. Ele escreve seu discurso, mas com base nas instruções de Brasília. Em determinadas circunstâncias, tem que consultar o Itamaraty em Brasília sobre o que vai dizer. Há instruções mais específicas, mais firmes e incisivas, outras são para considerar algo ou um conjunto de informações recebidas. Quando se trata de um caso como desmatamento, em geral o que vem é o que o governo está fazendo. Os colegas têm que estar alinhados com o discurso oficial do governo. Diplomata é um homem honesto para dizer o que seu governo quer que ele diga. Sempre tivemos grande presença, e isso tudo foi em função da nossa política interna.
Há certa demonização de ONGs no governo?
É uma questão de sua cabeça. Se você acha que o mundo está contra você, não vai sair de casa. Se você acha que consegue ser persuasivo com o diálogo, você senta para conversar com as pessoas. As ONGs existem e não é por que a gente não fala com elas que vão parar de funcionar. Se demonizar quem perde é você, eles vão ficar ali e, o dia que o governo mudar, eles vão lá para reclamar e dizer que ficaram de fora. ONG não é só aquele pessoal tatuado que anda com pé descalço e sujo, com tatuagem, enrolado com folha. É um pessoal muito capaz, alguns dos melhores técnicos brasileiros trabalham para ONGs. A ONG muitas vezes está mais presente na ponta da linha do que os órgãos governamentais, então você aprende muito, com populações ribeirinhas, indígenas, quilombolas. Eles às vezes querem coisas que mudam radicalmente o cenário, sem condições de passar (nos acordos internacionais) porque outros países têm dificuldades, mas podem trazer outro viés, uma posição mais meio termo, palatável, seja no plano interno quanto no plano externo.
Por que o País perdeu a posição de liderança na diplomacia ambiental nas negociações internacionais?  O ponto é o descontrole no desmatamento?
A Amazônia é patrimônio brasileiro, seus efeitos no sistema climático extrapolam fronteiras. É ingenuidade pensar que a comunidade internacional vai deixar de perceber e avaliar como o Brasil cuida de seu capital natural. Isso é essencial. Segunda coisa, é necessário que você saiba quais são seus desafios e como deve tratá-los. E para isso, vai depender de uma política interna coerente e consistente. E há outra coisa muito importante: a questão das comunidades indígenas. A imagem de qualquer país está vinculada à proteção do meio ambiente, dos direitos humanos, em particular das comunidades originárias, da adoção de padrões de produção e consumo sustentáveis, de combate ao desmatamento. Enquanto não fizer uma coisa concreta nessa área vão ter repercussões. Agora, estamos vendo um fenômeno novo que é exatamente o engajamento do setor financeiro internacional em ações que vão do desmatamento às culturas tradicionais.
Qual o maior risco para o País na questão ambiental, o investimento ou o comércio exterior?
Depende do seu parceiro. Ninguém quer comprar carne, soja ou qualquer outro produto que venha de uma região onde ocorreu desmatamento. Eu estava na UE quando houve uma grande polêmica com a Indonésia em razão a exportação do óleo de palma, porque esse óleo supostamente vinha de regiões degradadas, onde tinha havido desmatamento e foram plantadas palmeiras que forneciam esse produto. O problema é Europa e tem a ver com o protecionismo do agro deles ou é maior? A gente corre um sério risco nessa área comercial, em particular com a Europa, mas não só. Vai além da Europa porque muitos países que não pertencem a União Européia adotam os mesmos critérios para efeito de importação de produtos agropecuários, sobretudo, quando se refere a questões sanitárias. Eu vi isso quando houve a (Operação) Carne Fraca aqui no Brasil. Eu estava como embaixador em Bruxelas. Foi minha grande batalha evitar que a União Europeia fechasse seu mercado à carne brasileira. São questões que temos que cuidar. Eu não vejo uma grande trading japonesa querendo comprar soja, carne do Brasil que tenha uma mancha de ter sido produzida numa região desmatada. Todo lugar onde têm grandes empresas com interesses internacionais, com necessidade de recursos financeiros e que querem ter ações em bolsa, elas têm que ter hoje um boletim bastante limpo a respeito de como atuam em regiões onde há problemas ambientais.
Agora essa preocupação chegou no Brasil...
Há uma coisa muito importante que não damos conta. Toda vez que o Brasil investiu em conhecimento foi extremamente bem sucedido. Pega o caso da agricultura, da pecuária, da aviação, do etanol, da exploração de petróleo em águas profundas. Nesses cinco, em todos eles o Brasil é competitivo, tem a melhor tecnologia, fez uma coisa que conseguiu se manter. Perder esse investimento, que não é do governo A, B ou C, mas da sociedade, deixar isso morrer por não ter estratégia para coibir o desmatamento, coisa que a gente também sabe fazer, é vergonhoso.
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