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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

O inacreditável chanceler acidental e o "orgulho de ser pária" - O Antagonista

 Ernesto Araújo e o orgulho de ser pária

O Antagonista | 22/12/2020, 19h00

O Brasil, em 2020, ficou ainda mais isolado. Resultado, em boa parte, da falta de diplomacia do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que já disse não se importar se o país virar um “pária internacional”.

Se a comunidade internacional já reagia negativamente à política ambiental, ficou escandalizada com a forma como Jair Bolsonaro atuou no enfrentamento da Covid-19.

O chanceler não se constrangeu por um minuto ao defender as posturas ridículas de seu chefe e tampouco conseguiu explicar o fracasso total do alinhamento automático em relação ao governo Donald Trump.

Em maio, Trump barrou a entrada nos Estados Unidos de cidadãos brasileiros e não americanos que chegassem do Brasil e ainda citou o país como exemplo de má administração na pandemia.

Araújo ainda se meteu, do lado errado, na briga entre o deputado Eduardo Bolsonaro e a embaixada da China no Brasil.

Depois de diversas postagens em redes sociais atacando o principal parceiro comercial do Brasil, o filho do presidente da República acusou a China de usar a tecnologia 5G para espionagem.

O bananinha falou em “repúdio a entidades classificadas como agressivas e inimigas da liberdade, a exemplo do Partido Comunista da China”.

A embaixada respondeu à mensagem publicada no Twitter por Eduardo, apagada após a repercussão negativa, com uma ameaça: “Cessem as calúnias ou vão arcar com as consequências”.

Em nota, o Itamaraty afirmou que “o tom e conteúdo ofensivo e desrespeitoso” da embaixada “prejudica a imagem da China junto à opinião pública brasileira”.

Dias depois, o chanceler voltou a provocar a China e publicou em suas redes sociais o trecho de um texto do pensador chinês Lao Tzu sobre tentar “controlar o mundo”:

 

“Tentando controlar o mundo? Vejo que não conseguirás. O mundo é um vaso espiritual. E não pode ser controlado.”

Para bajular o governo americano, Ernesto Araújo permitiu que o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, usasse Roraima como palanque para a campanha de Trump pela reeleição.

No Brasil, Pompeo fez um discurso contra o regime do ditador Nicolás Maduro, a quem se referiu como narcotraficante. Araújo seguiu a mesma linha e chamou a ditadura venezuelana de “narcorregime”. Dizer verdades quase nunca é recomendável na diplomacia.

A vitória de Joe Biden na eleição presidencial americana foi uma péssima notícia para o chanceler olavista. Ele e Bolsonaro apostaram todas as fichas na relação com o governo Trump, e levaram tempo demais para reconhecer o democrata eleito.

Ao longo do ano, Jair Bolsonaro foi aconselhado por integrantes do governo e parlamentares a demitir o ministro das Relações Exteriores. O nome de Michel Temer figurou entre os possíveis sucessores, mas o ex-presidente rejeitou o suposto convite.

Afinal, o ocupante do Palácio do Planalto continua sendo o mesmo.

https://www.oantagonista.com/brasil/ernesto-araujo-e-o-orgulho-de-ser-paria-internacional/

domingo, 13 de dezembro de 2020

Livros que não precisariam existir: sobre a diplomacia bolsolavista: já publicados e em publicação - Paulo Roberto de Almeida

No momento em que coloco um ponto final no meu quarto livro sobre a política externa e a diplomacia da bolsodiplomacia, confesso que preferia não tê-los escrito.

Pode parecer estranho, mas é um fato que praticamente todos as minhas obras anteriores publicadas, são livros de estudo, resultantes de pesquisas (inclusive de arquivos) e que se destinaram ao público universitário habitual.

Ao contrário, os listados abaixo correspondem a obras de debate, ou de combate.

Combate contra a degradação da política externa e da diplomacia, contra a burrice na primeira e a estupidez na segunda.

Uma coisa é certa: se algum dia houver alguma coisa parecida às Gesamtwerke de Paulo Roberto de Almeida, esses livros não devem entrar na seleção. Em todo caso, ofereço abaixo uma pequena lista dos quatro livros desta série, com os devidos links para sumários, prefácios e acesso ao corpo do texto.


 1) Miséria da diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty (Boa Vista: Editora da UFRR, 2019, 165 p.; também disponível no Google Books). Incorporado à plataforma Academia.edu e a Research Gate.





 3) Uma certa ideia do Itamaraty: a reconstrução da política externa e a restauração da diplomacia brasileira (Brasília, Diplomatizzando, 169 p.; disponível igualmente nas plataformas  Academia.edu e Research Gate.



Este é o livro recém terminado, que ainda aguarda definição sobre o formato exato de publicação:

4) Apogeu e demolição da política externa brasileira: reflexões de um diplomata não convencional (Brasília: Diplomatizzando, 2020, 245 p.). Capa, sumário, epígrafe e prefácio apresentados no blog Diplomatizzando e nas plataformas Academia.edu e Research Gate


Livros anteriores, que trataram de maneira mais acadêmica de temas relacionados à política externa ou à diplomacia brasileira, foram os seguintes: 






 

Relações internacionais e política externa do Brasil: a diplomacia brasileira no contexto da globalização (Rio de Janeiro: LTC, 2012).



Existem muitos outros, mas basta esses...

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 13 de dezembro de 2020


terça-feira, 8 de dezembro de 2020

O caso do chanceler acidental deixa de ser ideológico para ser psiquiátrico - Alvaro Faria (Jovem Pan)

Fantasma do ‘grande recomeço’ atormenta o ministro Ernesto Araújo

Ministro das Relações Exteriores citou a teoria da conspiração do ‘great reset’ para falar sobre sua participação numa conferência da ONU sobre o coronavírus

Alvaro Alves de Faria

Jovem Pan | 8/12/2020, 11h25

Um fantasma tem atormentado o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo. Segue o ministro em todo lugar. E não adianta se esconder. O fantasma está sempre presente. Ao olhar-se no espelho, o ministro vê o fantasma misturado à sua imagem. Alguém tem de dar um jeito nisso. O fantasma apresentou-se ao ministro com o nome em inglês Great Reset, a teoria da conspiração, o grande recomeço ou ‘zeragem’. Neste final de semana, o ministro Ernesto Araújo evocou a teoria da conspiração em sites de extrema-direita, para explicar sua participação numa conferência da ONU sobre o coronavírus. Convém lembrar a quanto andamos com nossas cabeças doentes. Desgraça pouca é bobagem. Loucura também. Alguém tem de tirar da cabeça do ministro que o vírus não é uma conspiração. Não é possível que o mundo inteiro esteja errado e só ele e alguns outros heróis do grande manicômio falem sobre o assunto. O ministro brasileiro citou “o grande recomeço”, teoria que afirma que a pandemia é resultado de um complô das elites mundiais e que o objetivo seria o controle econômico e social das populações. O assunto começou a ser discutido quando o Príncipe Charles e Klaus Schwab, presidente do Fórum Econômico Mundial, anunciaram que tinham planos de convidar os líderes mundiais para discutir as alterações climáticas e a reconstrução das economias destruídas pela pandemia. A reunião foi chamada de “Grande Recomeço”. E aí começaram os rumores. E nasceu o fantasma do ministro brasileiro.

Nas redes sociais, o ministro das Relações Exteriores escreveu assim: “A pandemia não pode ser pretexto para o controle social totalitário violando, inclusive, os princípios das Nações Unidas. As liberdades fundamentais não podem ser vítimas da Covid. Liberdade não é ideologia. Nada de Great Reset”. A expressão foi utilizada muitas vezes no Forum Econômico Mundial como A Nova Ordem que será iniciada em 2021. Klaus Schwab adiantou que a questão será discutida no segundo semestre de 2021 em Davos, na Suíça. Klaus deixou muita gente com o cabelo em pé quando afirmou que todos os países do mundo, dos Estados Unidos à China, devem participar e todos os setores, bem como a tecnologia do petróleo e do gás, devem ser transformados. Em suma, de acordo com Klaus Schwab, é preciso fazer o “Grande Reinício” do capitalismo. Disse, também, que pandemia representa uma rara janela para refletir, reimaginar e ‘resetar’ o mundo. O ministro das Relações Exteriores do Brasil levou isso a sério. O governo também. Não tiram isso da cabeça. Daí em diante, o fantasma começou a aparecer em todo lugar. O ministro das Relações Exteriores passou a ter visões inimagináveis com o fantasma sempre à espreita.

Então estão todos avisados. A ação conspiratória começará no ano que vem. O ministro Ernesto Araújo usou a rede social para falar sobre o assunto, mas não citou a expressão nenhuma vez. Talvez por temor. O fantasma assusta. Também não o fez na Conferência da ONU, que contou com a presença de mais de 90 países e primeiros-ministros do mundo. Para o ministro, aqueles que odeiam a liberdade usam de todos os meios ilícitos para cercear a própria liberdade e se beneficiar nas grandes crises. Ernesto Araújo adianta que “não podemos cair nessa armadilha”. Diz que teremos de fazer de tudo para que a democracia não seja a grande vítima da Covid-19. Os rumores atormentam muita gente, dizendo que um grupo de elite manipularia a economia e a sociedade mundiais, atuando para exterminar as liberdades individuais e instaurar um regime totalitário em todo o mundo.

O presidente Jair Bolsonaro preferiu não participar da conferência em Nova York. Não se sabe exatamente o que Bolsonaro pensa sobre esse fantasma que atormenta o ministro das Relações Exteriores o tempo todo. O ministro tem a certeza de que, por exemplo, essa história de coronavírus chinês é tudo mentira. Trata-se apenas de uma armadilha. Certamente, nem os mais de 1,5 milhão de mortos no mundo pelo vírus existem, muito menos os mais de 175 mil brasileiros mortos pelo vírus. Não existe nada disso. Tudo se resume, digamos, num golpe mundial contra a liberdade e a democracia. E a Covid-19 teria se originado num projeto secreto das elites corruptas, lideradas por uma organização mundial para tomar conta de tudo. O fantasma está deixando o ministro Ernesto Araújo paranoico. Não falem em Great Reset perto dele. Sua reação será inesperada, poderá ser uma explosão de angústia ou ele vai começar a chorar as pitangas. Diante disso tudo, o melhor é mudar totalmente a maneira de viver e de pensar. A começar pelo mundo. O planeta Terra não é redondo, como dizem os estudiosos do universo. Estão todos enganados. O mundo é plano. E ponto final.

https://jovempan.com.br/opiniao-jovem-pan/comentaristas/alvaro-alves-de-faria/fantasma-do-grande-recomeco-tem-atormentado-o-ministro-ernesto-araujo.html 

domingo, 20 de setembro de 2020

Os descaminhos da nossa diplomacia servil a Trump - Janaina Figueiredo (La Nación)

La gira de Pompeo fortalece el alineamiento automático de EE.UU. y Brasil


La Nación, 20/09/2020
El secretario de Estado norteamericano, Mike Pompeo
El secretario de Estado norteamericano, Mike Pompeo  Fuente: AFP
19 de septiembre de 2020  • 19:52

RÍO DE JANEIRO.- En su libro Miedo: Trump en la Casa Blanca , el periodista norteamericano Bob Woodward menciona la estrecha relación entre el presidente y su par brasileño, Jair Bolsonaro , a quien alguna vez llamó "el Trump de los trópicos" . En uno de sus relatos, Woodward asegura que en marzo pasado, cuando la pandemia de coronavirus ya era una realidad en el continente y Washington sabía de su gravedad, el republicano hizo una excepción en su agenda externa y aceptó recibir a Bolsonaro en su residencia Mar-a-Lago, en Florida . Días después, tres integrantes de la comitiva brasileña confirmaron tener Covid-19 y el consejero de Seguridad Nacional, Robert O'Brien, relató a Woodward que "temió transformarse en el responsable de exponer Trump al virus".

Lo narrado por el periodista retrata el grado de cercanía entre los dos presidentes, que para importantes dirigentes brasileños ya es consideradainconstitucional Trump es el mayor ídolo de Bolsonaro y usa al gobierno brasileño como pieza clave en su estrategia regional. En este contexto debe entenderse la visita del secretario de Estado norteamericano, Mike Pompeo, al estado brasileño de Roraima ayer. Una visita que causó polémica en Brasil y llevó el presidente de la Cámara de Diputados, Rodrigo Maia, a calificarla de"ofensa a las tradiciones de autonomía" de la política exterior nacional.

La escala en Roraima tuvo el objetivo de discutir la crisis venezolana y enviarle un fuerte mensaje a Nicolás Maduro . En un estado brasileño que tiene una amplia frontera con Venezuela , el secretario de Estado, recibido con honores por el canciller Ernesto Araújo, le pidió a Maduro que renuncie. Para Maia y otros dirigentes, el gobierno de Bolsonaro cometió un acto inconstitucional al violar los principios de independencia nacional.

Para Trump, esa escala en territorio brasileño era importante por varios motivos. Seguir estrechando el vínculo con un aliado estratégico; enviarle un mensaje a los electores latinos de Florida y a su archienemigo venezolano. La sociedad con Bolsonaro le ha dado buenos resultados al magnate. El fin de semana pasado, el apoyo indispensable de Brasil le permitió a Estados Unidos ocupar, por primera vez en sus 60 años de historia, la presidencia del Banco Interamericano de Desarrollo (BID). Con un alto nivel de abstención, fue electo el norteamericano de origen cubano Mauricio Claver-Carone.

Si Brasil hubiera presentado un candidato a la altura de las circunstancias, hubiera tenido chances de quedarse con el cargo. Muy por el contrario, propuso al empresario y banquero Rodrigo Xavier, cercano al ministro de Economía, Paulo Guedes, que, según fuentes del BID, ni siquiera habla bien español. Con el lanzamiento de la candidatura de Claver-Carone, el gobierno de Bolsonaro retiró inmediatamente a Xavier y se puso en campaña para respaldar al hombre de Trump.

La alianza entre Brasil y Estados Unidos también hizo jugadas fuertes en la Organización de los Estados Americanos ( OEA ), donde apoyaron a principios de año la reelección del uruguayo Luis Almagro como secretario general. Meses más tarde, Bolsonaro logró que Almagro diera un fuerte impulso a varias denuncias administrativas contra Paulo Abrão, ahora exsecretario general de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos (CIDH). Abrão fue funcionario de los gobiernos del Partido de los Trabajadores (PT) y, además de eso, promovía investigaciones sobre supuestas violaciones de los derechos humanos en países como Brasil.

Para completar el cuadro, Bolsonaro acaba de enviar a su exasesor especial Arthur Weintraub a Washington para ocupar una secretaría del gabinete de Almagro. El hermano del exasesor -el exministro de Educación Abraham Weintraub, envuelto en conflictos diplomáticos con China y famoso por haber dicho que todos los jueces del Supremo Tribunal Federal (STF) deberían estar presos- fue enviado al Banco Mundial.

Queda claro que el vínculo Trump-Bolsonaro es útil a ambos. Aunque en el caso del brasileño lo sea más en temas personales y no de interés nacional. El alineamiento automático con Estados Unidos no le generó beneficios económicos o comerciales a Brasil. Todo lo contrario: el gobierno acaba de adoptar medidas que favorecerán las exportaciones de etanol y arroz norteamericano y, en este último caso, que perjudican a sus socios del Mercosur. Las barreras proteccionistas al acero aplicadas por Estados Unidos demuestran que, a la hora de priorizar, salen ganando los intereses nacionales.

Bolsonaro le sirve mucho más a Trump que viceversa. La Casa Blanca busca ampliar su influencia en la región, principalmente para contraponerse a China . Eso explica, en gran medida, el interés por la presidencia del BID, ámbito donde se toman decisiones sobre reglas de inversión.

"América Latina está muy dividida, y el símbolo de esa fragmentación es la mala relación entre Brasil y la Argentina . En ese contexto, Estados Unidos aprovecha las divisiones para imponerse", explicó a LA NACION Mauricio Santoro, profesor de Relaciones Internacionales de la Universidad Estadual de Río de Janeiro (UERJ).

El presidente brasileño tiene dedicación exclusiva a su ídolo y, como escribió recientemente un internauta en Twitter, se transformó en una especie de "Trump con cinco días de delay . Estuvieron unidos en la defensa de la cloroquina como medicamento supuestamente eficaz contra el Covid-19; minimizaron la pandemia; criticaron a la Organización Mundial de la Salud(OMS); cuestionan los organismos multilaterales, como la Organización Mundial de Comercio (OMC), y en la región sostienen el discurso más duro contra Venezuela, acompañados por la Colombia de Iván Duque , por donde pasó Pompeo.

El canciller brasileño dice públicamente que su gobierno no tendría problemas en relacionarse con una eventual administración demócrata. Pero internamente se sabe que Bolsonaro apuesta a la reelección de Trump. "¿Podrías imaginar a un secretario de Estado demócrata llegando a Roraima? Yo lo veo más visitando la Amazonia, o el Pantanal, y demostrando preocupación por los incendios", dijo Santoro.

El embajador Paulo Roberto de Almeida, tal vez el mayor crítico de Araújo en actividad, dijo que Roraima fue "un set de la campaña de propaganda de Trump". Para el embajador, una eventual derrota de Trump dejaría al presidente brasileño totalmente aislado en la región y el mundo.



segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Duas diplomacias contrastadas: a do lulopetismo e a do bolsolavismo - Paulo Roberto de Almeida

Meu trabalho mais recente, apenas terminado, para uma palestra online. Obviamente não será lido: 

3739. “Duas diplomacias contrastadas: a do lulopetismo e a do bolsolavismo”, Brasília, 23 agosto 2020, 35 p. Exercício de comparação recapitulativa dos principais elementos de política externa e de diplomacia em cada uma das duas épocas, incluindo também a de FHC. Disponibilizado na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43930886/3739_Duas_diplomacias_contrastadas_a_do_lulopetismo_e_a_do_bolsolavismo_2020_).

Duas diplomacias contrastadas: a do lulopetismo e a do bolsolavismo
Paulo Roberto de Almeida
Diplomata; professor no Uniceub
(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Sumário: 
1. Similaridades e diferenças entre uma e outra diplomacia
2. O que distingue, basicamente, a diplomacia lulopetista da bolsolavista? 
3. Contrastes e confrontos entre a diplomacia lulopetista e a bolsolavista
(a) Multilateralismo e cooperação internacional: a quadratura do círculo
(b) OMC e questões comerciais em geral: muito barulho por quase nada
(c) Terrorismo: o que os EUA determinarem, está bem
(d) Globalização e “globalismo”: quando o besteirol chega ao Itamaraty
(e) Brasil na América do Sul e a questão da liderança regional
(f) Mercosul: supostamente relevante, mas de fato deixado de lado
(g) Argentina, o parceiro incontornável (mas contornado)
(h) Europa, União Europeia: esperanças e frustrações
(i) A relação bilateral com os Estados Unidos: subordinação em toda a linha
(j) relações com a China: entre o saldo comercial e o “comunavirus”
4Instrumentos diplomáticos e características gerais das duas diplomacias

Resumo: Ensaio comparativo, contrastando as políticas externas das administrações Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro, com base em suas características gerais e nas tomadas de posição em relação a um conjunto de temas da agenda internacional, nomeadamente: multilateralismo (CSNU); OMC e negociações comerciais multilaterais; terrorismo; globalização; Brasil como líder na América do Sul; Mercosul; Argentina; Europa e União Europeia; relações com os Estados Unidos e China, ademais dos instrumentos diplomáticos mobilizados por cada um dos governos. Os elementos inéditos na fase recente são bem evidentes tanto no estilo quanto na substância, que passou a exibir diversos traços de ruptura com respeito aos padrões e tradições da diplomacia brasileira.
Palavras-chave: diplomacia brasileira; governo Luiz Inácio Lula da Silva; governo Jair Messias Bolsonaro; multilateralismo; globalização; regionalismo; negociações comerciais.

Abstract: Comparative essay, contrasting the foreign policies of Luiz Inácio Lula da Silva’s and Jair Messias Bolsonaro’s administrations. Besides the general features of each diplomacy, external policies and practices of each government are compared for a set of issues in the international agenda, namely: multilateralism (UNSC); WTO, and multilateral trade negotiations; terrorism; globalization; Brazil as a leader; South America; Mercosur; Argentina; Europe; relationship with the United States, and China, with a final section on diplomatic tools preferred by each government. There are unseen aspects in current diplomacy, both in style as well as substance, with breaking features with the traditional patterns and standards of Brazilian diplomacy.
Key-words: Brazilian diplomacy; Luiz Inácio Lula da Silva government; Jair Messias Bolsonaro government; multilateralism; globalization; regionalism, trade negotiations.


Duas diplomacias contrastadas: a do lulopetismo e a do bolsolavismo

Paulo Roberto de Almeida

1. Similaridades e diferenças entre uma e outra diplomacia
Em meados de 2004, ou seja, aproximadamente um ano e meio depois da inauguração do primeiro mandato do presidente Lula, procedi a uma avaliação de sua política externa, em perspectiva comparada com a diplomacia do recém findo governo de Fernando Henrique Cardoso, este ao final de seus dois mandatos. O artigo, “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, foi publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (2004, vol.47, n.1, p. 162-184, link: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v47n1/v47n1a08.pdf) e depois incorporado ao livro Nunca Antes na Diplomacia...: A política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014). Ele converteu-se num dos trabalhos mais acessados, segundo a listagem do Google Scholar (perto de trezentas citações), abrindo uma discussão colaborativa com diversos outros colegas acadêmicos trabalhando na mesma temática.
Um ano e meio após a inauguração do governo Bolsonaro, imaginei poder repetir o exercício, procedendo a uma comparação entre as duas diplomacias, a do lulopetismo e (à falta de melhor termo) a do bolsolavismo. De imediato, constatei que tal comparação, segundo os procedimentos metodológicos apropriados a esse tipo de abordagem, seria propriamente impossível, em vista da inexistência de base documental suficiente para o segundo elemento. Não obstante, como daquela primeira vez, vale o esforço analítico.
Cabe, antes de tudo, uma explicitação quanto à escolha do termo “bolsolavista”, em lugar de diplomacia bolsonarista. Ela é simples: não se tem nenhuma indicação de que o presidente, ou seus assessores mais próximos, tenham ideias próprias no terreno da política internacional, ao passo que muitas de suas posturas, inclusive na área externa, parecem ter recebido decisiva influência de conhecido influenciador e animador de movimentos da direita conservadora, que declarou abertamente que atuou como “patrono” da designação do chanceler escolhido; seja como for, nenhum deles, até aqui, ofereceu qualquer documento de trabalho ou discurso abrangente sobre as bases conceituais, as diretrizes operacionais ou as prioridades práticas do que normalmente se concebe como sendo uma política externa de um governo normalmente constituído.
(...)


segunda-feira, 10 de agosto de 2020

'Perder investimento por falta de estratégia para desmatamento é vergonhoso', diz diplomata (Everton Vargas)

Everton Vargas sempre foi um diplomata enquadrado, ou seja, obediente às instruções de Brasília, quaisquer que fossem. Poderiam ser de esquerda num dia, de direita no outro, de centro mais adiante, ou até de extrema-direita e absolutamente reacionária, como tem sido desde o início de 2019. Retirado de seu posto ao começar o governo aloprado, e sem ter qualquer cargo no novo esquema de poder do Itamaraty, esperou sair do ministério, para trabalhar em outra instância, para tratar das posturas vergonhosas do presente desgoverno no que se refere especialmente ao desmatamento amazônico, coisa capaz de indignar qualquer cidadão urbano e não telúrico e até antiecológico.
É que este governo é tão bárbaro, que é capaz de tirar qualquer um do sério, como agora ocorreu, com um dos mais enquadrados diplomatas brasileiros. 


'Perder investimento por falta de estratégia para desmatamento é vergonhoso', diz diplomata
Para embaixador, é ingenuidade pensar que a comunidade internacional não vai avaliar o cuidado que o Brasil tem com seu capital natural
Entrevista com
Everton Vieira Vargas, embaixador especializado em temas ambientais

Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo
10 de agosto de 2020 | 05h00

BRASÍLIA - Ao longo de boa parte dos 43 anos de carreira, o embaixador Everton Vargas chefiou a frente da diplomacia ambiental brasileira. Ele teve participação direta nas tratativas com países nórdicos para trazer ao Rio a ECO-92, conferência histórica que ajudou a inserir o Brasil no grupo dos protagonistas das discussões ambientais, no momento em que o país era pressionado pelo assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em 1988. Foi embaixador em postos prestigiados, como Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina) e Bruxelas (União Europeia).

Os diplomatas hoje têm o que mostrar com a atual política ambiental?
Diplomata não age sozinho. Ele trabalha sobre instruções, não pode chegar numa gestão junto a um país ou numa reunião internacional e dizer o que gostaria. Ele escreve seu discurso, mas com base nas instruções de Brasília. Em determinadas circunstâncias, tem que consultar o Itamaraty em Brasília sobre o que vai dizer. Há instruções mais específicas, mais firmes e incisivas, outras são para considerar algo ou um conjunto de informações recebidas. Quando se trata de um caso como desmatamento, em geral o que vem é o que o governo está fazendo. Os colegas têm que estar alinhados com o discurso oficial do governo. Diplomata é um homem honesto para dizer o que seu governo quer que ele diga. Sempre tivemos grande presença, e isso tudo foi em função da nossa política interna.
Há certa demonização de ONGs no governo?
É uma questão de sua cabeça. Se você acha que o mundo está contra você, não vai sair de casa. Se você acha que consegue ser persuasivo com o diálogo, você senta para conversar com as pessoas. As ONGs existem e não é por que a gente não fala com elas que vão parar de funcionar. Se demonizar quem perde é você, eles vão ficar ali e, o dia que o governo mudar, eles vão lá para reclamar e dizer que ficaram de fora. ONG não é só aquele pessoal tatuado que anda com pé descalço e sujo, com tatuagem, enrolado com folha. É um pessoal muito capaz, alguns dos melhores técnicos brasileiros trabalham para ONGs. A ONG muitas vezes está mais presente na ponta da linha do que os órgãos governamentais, então você aprende muito, com populações ribeirinhas, indígenas, quilombolas. Eles às vezes querem coisas que mudam radicalmente o cenário, sem condições de passar (nos acordos internacionais) porque outros países têm dificuldades, mas podem trazer outro viés, uma posição mais meio termo, palatável, seja no plano interno quanto no plano externo.
Por que o País perdeu a posição de liderança na diplomacia ambiental nas negociações internacionais?  O ponto é o descontrole no desmatamento?
A Amazônia é patrimônio brasileiro, seus efeitos no sistema climático extrapolam fronteiras. É ingenuidade pensar que a comunidade internacional vai deixar de perceber e avaliar como o Brasil cuida de seu capital natural. Isso é essencial. Segunda coisa, é necessário que você saiba quais são seus desafios e como deve tratá-los. E para isso, vai depender de uma política interna coerente e consistente. E há outra coisa muito importante: a questão das comunidades indígenas. A imagem de qualquer país está vinculada à proteção do meio ambiente, dos direitos humanos, em particular das comunidades originárias, da adoção de padrões de produção e consumo sustentáveis, de combate ao desmatamento. Enquanto não fizer uma coisa concreta nessa área vão ter repercussões. Agora, estamos vendo um fenômeno novo que é exatamente o engajamento do setor financeiro internacional em ações que vão do desmatamento às culturas tradicionais.
Qual o maior risco para o País na questão ambiental, o investimento ou o comércio exterior?
Depende do seu parceiro. Ninguém quer comprar carne, soja ou qualquer outro produto que venha de uma região onde ocorreu desmatamento. Eu estava na UE quando houve uma grande polêmica com a Indonésia em razão a exportação do óleo de palma, porque esse óleo supostamente vinha de regiões degradadas, onde tinha havido desmatamento e foram plantadas palmeiras que forneciam esse produto. O problema é Europa e tem a ver com o protecionismo do agro deles ou é maior? A gente corre um sério risco nessa área comercial, em particular com a Europa, mas não só. Vai além da Europa porque muitos países que não pertencem a União Européia adotam os mesmos critérios para efeito de importação de produtos agropecuários, sobretudo, quando se refere a questões sanitárias. Eu vi isso quando houve a (Operação) Carne Fraca aqui no Brasil. Eu estava como embaixador em Bruxelas. Foi minha grande batalha evitar que a União Europeia fechasse seu mercado à carne brasileira. São questões que temos que cuidar. Eu não vejo uma grande trading japonesa querendo comprar soja, carne do Brasil que tenha uma mancha de ter sido produzida numa região desmatada. Todo lugar onde têm grandes empresas com interesses internacionais, com necessidade de recursos financeiros e que querem ter ações em bolsa, elas têm que ter hoje um boletim bastante limpo a respeito de como atuam em regiões onde há problemas ambientais.
Agora essa preocupação chegou no Brasil...
Há uma coisa muito importante que não damos conta. Toda vez que o Brasil investiu em conhecimento foi extremamente bem sucedido. Pega o caso da agricultura, da pecuária, da aviação, do etanol, da exploração de petróleo em águas profundas. Nesses cinco, em todos eles o Brasil é competitivo, tem a melhor tecnologia, fez uma coisa que conseguiu se manter. Perder esse investimento, que não é do governo A, B ou C, mas da sociedade, deixar isso morrer por não ter estratégia para coibir o desmatamento, coisa que a gente também sabe fazer, é vergonhoso.
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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

As excelentes relações da Bolsodiplomacia com Trump facilitam deportações de brasileiros

Deportados: Brasileiros desembarcam em MG sem saber como voltar

A irmã de Fiama Inácio, 27, de Goiânia, conseguiu entrar e ficar nos EUA assim, mesmo depois de ser pega irregularmente na fronteira

Brasil Ao Minuto, Folha Press, 8/02/2020
Deportados: Brasileiros desembarcam em MG sem saber como voltar
CONFINS, MG (FOLHAPRESS) - O avião que trouxe mais uma leva de brasileiros deportados dos Estados Unidos pousou no Aeroporto Internacional de Confins (a 37 quilômetros de Belo Horizonte) às 23h40 desta sexta-feira (7).
A chegada ocorreu após quase um dia de viagem desde que Cleony Dias Lagasso, 25, deixou o local onde ficou detido com a mulher e a filha de três anos por 18 dias, no estado do Texas, na fronteira com o México.
A família desembarcou no Brasil a 3.223 quilômetros de distância de sua casa, que fica em União Bandeirantes, um distrito de Porto Velho (RO) sem dinheiro e sem nenhuma assistência à espera.
"A gente não sabe [o que vai fazer agora]. Estamos tentando entrar em contato com a família. Pensamos que, chegando aqui, o governo tomaria uma atitude", diz ele.
Inicialmente, o Itamaraty havia informado que 130 brasileiros estariam no voo que chegou a Confins. No aeroporto, porém, o número de pessoas que deixou a área de desembarque parecia menor. Até a publicação desta reportagem, nem a Polícia Federal nem o Itamaraty responderam qual seria o número final.
Depois do desembarque de um grupo de americanos, com bagagens -seguranças, segundo um funcionário do aeroporto que não quis se identificar- os brasileiros vieram, carregando apenas sacos plásticos onde se viam passaportes, celulares, fones de ouvido.
Os brasileiros ouvidos pela reportagem disseram que não foram algemados em nenhum momento. Segundo eles, as únicas pessoas com algemas no voo desceram em uma parada no Equador. Em janeiro, outro voo vindo dos EUA chegou a Minas Gerais com brasileiros deportados que relataram terem sido algemados pelos pés e pelas mãos.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou o uso das algemas, mas depois recuou, dizendo que não pediria a Trump para mudar o tratamento dado aos imigrantes.
Não havia representantes do governo a bordo. Alguns deportados contam que foram levados ao consulado brasileiro enquanto estavam detidos. Outros, que ouviram falar na detenção que havia representantes do governo brasileiro no local.
O voo fretado desta sexta é o terceiro a trazer deportados da fronteira norte-americana desde outubro do ano passado. Pagos pelo governo dos EUA, eles precisam ser autorizados pelo governo brasileiro.
Deportada com a filha de 14 anos e o marido, o plano de Edja Jesus, 48, era comprar passagens em um voo para Salvador o mais breve possível -a família vive em Lauro de Freitas (a 28 km da capital baiana)."Oito dias sem tomar banho, oito dias sem escovar os dentes. Meu marido desmaiou de fome e eles não ajudaram. Quem ajudou fomos nós mesmos", conta ela. "Fomos muito maltratados."
Erivaldo Gomes, 62, marido dela, diz que teve queda de pressão pela alimentação fraca, quase sempre fria e que muitas vezes vinha azeda. A descrição do burrito servido, prato típico mexicano, é a mesma que a reportagem ouviu de outros brasileiros deportados em outubro.
"Só a forma como eles tratam as pessoas já é uma agressividade descompensada. Eu não sofri agressão física, mas sei de pessoas que sofreram. Ser puxado pelo cabelo, ser jogado em cela", diz.
Grávida de cinco meses, Emily da Silva, 20, que tentou entrar nos EUA com o marido e a filha de um ano, conta que um dia passou tanta fome que o bebê parou de se mexer na barriga.
O número de brasileiros detidos na fronteira EUA-México aumentou dez vezes entre outubro de 2018 e setembro de 2019, segundo o Serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras (CBP, na sigla em inglês).A política austera da gestão de Donald Trump contra imigrantes em situação irregular e a dificuldade de emitir vistos a pessoas nascidas no Brasil podem ter ajudado na escalada, de acordo com integrantes do Itamaraty ouvidos em dezembro.
O governo Trump solicitou formalmente ao de Jair Bolsonaro (sem partido) a autorização para fretar mais voos com o objetivo de deportar brasileiros em situação irregular de imigração. A prática não era comum entre os países. O Itamaraty diz que havia registro de outro voo em 2017.
Segundo a Policia Federal em Minas Gerais, voos com deportados podem se tornar mais frequentes. A polícia disse ainda que segue investigando casos suspeitos, mas sem falar em detalhes.Apesar de haver moradores de outros estados, a maioria do grupo que chegou a Confins nesta sexta era de Minas Gerais.
Pâmela Cristina, 21, de Governador Valadares, conta que viu um guarda empurrando uma mulher com uma criança de colo e que era comum policiais da fronteira ficarem com o dinheiro das pessoas detidas."Tem muita gente que está aqui que não tem um centavo no bolso. A gente não imagina o quanto é sofrido. A gente entra com a mente sadia e sai com a mente doente", afirma ela.
Muitos chegaram ao Brasil usando as calças de moletom cinzas e camisetas azuis que eram distribuídas como uniforme. Outros ainda tinham no pulso as pulseiras colocadas na detenção para controle -uma com um número de identificação, outra com a temperatura da pessoa.Quem estava de tênis e botas chegou sem os cadarços, tirados pelos agentes da imigração. Algumas pessoas ainda calçavam o sapato de borracha laranja neon e outros as sapatilhas distribuídas na detenção.
Os brasileiros contaram que foram oferecidas duas opções: assinar a deportação e voltar ao país ou encontrar um advogado e tentar falar com um juiz para explicar o porquê de quererem ficar no país.Era comum que brasileiros tentassem ficar assim nos EUA, entrando irregularmente e respondendo ao processo em liberdade, no que é conhecido como cai-cai, enquanto trabalhavam."Mas você não consegue advogado e o caso segue correndo. A polícia de lá não deixa fazer ligações, mesmo que seja um direito. Então, nem quis tentar", conta Cleony.
A irmã de Fiama Inácio, 27, de Goiânia, conseguiu entrar e ficar nos EUA assim, mesmo depois de ser pega irregularmente na fronteira, na metade do ano passado. Por isso, Fiama resolveu arriscar, com o marido e o filho de seis anos. "Eles tratam a gente como se a gente fosse delinquente. Sei que a gente é ilegal, mas a gente tenta visto e não dão."

terça-feira, 7 de janeiro de 2020

A Bolsodiplomacia ideologica contra os interesses do Brasil - Eliane Cantanhede

Entrando de gaiato

Essa guerra não é nossa. O Brasil não tem nada a ganhar, 

só a perder, se entrar nela

Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
07 de janeiro de 2020 | 03h00
Se fosse confirmada a retirada das tropas americanas do Iraque, depois de 17 anos de invasão, estaria encerrada uma das histórias mais inacreditáveis e sujas da política internacional recente. O governo George W. Bush atacou o Iraque unilateralmente, sem o aval do Conselho de Segurança da ONU e baseado em mentiras – caso claro de fake news institucionais. 
Depois de dominar o Iraque por quase duas décadas, sob vistas grossas da ONU e da comunidade internacional, os EUA agora atacam sem cerimônia a capital iraquiana para trucidar o principal líder militar iraniano. Agora, como se estivessem dizendo “até logo”, podem abandonar o país deixando um rastro de destruição e falta de horizonte. Uma terra arrasada. 
Um livro revelador e de fácil compreensão sobre essa tragédia moderna, Curveball, do jornalista norte-americano Bob Drogin, foi escrito com base em manifestações oficiais, documentos, entrevistas e bastidores da decisão de Bush de invadir o Iraque. É estarrecedor como uma decisão dessa dimensão pôde ser tomada pela maior potência mundial sem qualquer cobrança ou punição. O mundo assistiu calado, lavou as mãos. 
Em resumo, sem dar “spoiler”, Drogin conta a história da decisão, que começa com o relato de um desertor iraquiano que se dizia engenheiro químico e descrevia em detalhes, e até desenhava, como o seu país desenvolvia sofisticado programa de armas químicas e biológicas móveis. Espertalhão e viciado em internet, tudo o que ele queria, na verdade, era fugir do Iraque e se asilar na Alemanha. Faria, ou diria, qualquer coisa para isso. 
O espantoso é como a BND da Alemanha comprou a história, repassou para o MI-6 da Inglaterra e o Mossad de Israel e deu de mão beijada para a CIA dos EUA o pretexto para Bush anunciar um ataque daquele porte. A princípio reticente, o secretário de Estado Colin Powell acabou comprando a versão e a invasão foi decretada. E o que os EUA encontraram? Nada. O Iraque não tinha arma químicas e biológica nenhuma. Mal tinha armamento tradicional de guerra, ainda mais contra a potência econômica, política e bélica. 
Com o Iraque transformado em casa da Mãe Joana, foi fácil, quase natural, Washington agora usar um drone sofisticadíssimo para explodir o general iraniano em solo iraquiano. Assim, os EUA saem do Iraque como entraram: tratando o país como se fosse seu quintal, estivesse à sua mercê. 
Nunca vai se saber como o Irã teria evoluído se tivesse vingado o acordo nuclear assinado por ele em 2010, com a mediação de Brasil e Turquia e solapado por EUA e França. Mas todo o mundo, literalmente, sabe que a crise só chegou ao ponto que chegou após os EUA retirarem, em 2015, o aval ao segundo acordo nuclear aceito pelo Irã e sancionado. Sem os EUA, os países europeus que o subscreveram perderam força. E o Irã, isolado, partiu para retaliações e provocações e agora anuncia que vai jogar todo o acordo fora, aprofundando o enriquecimento de urânio e o desenvolvimento de ogivas nucleares. 
Apesar de todos esses erros e de todo esse excesso de pretensão dos EUA, a nota do Brasil sob o conflito abandonou a prudência tradicional da política externa e privilegiou o viés ideológico do governo Bolsonaro, com o danoso alinhamento automático a Trump. Rússia e China de um lado, OTAN de outro, europeus discutindo freneticamente como negociar uma bandeira branca e evitar o pior, ou seja, uma guerra. 
Se a situação degringolar de vez, o Brasil vai ser chamado a se posicionar mais explicitamente e até a agir. Cometerá um erro histórico se ceder ao chamamento, ou pressão, de Trump. Essa guerra não é nossa. O Brasil não tem nada a ganhar, só a perder, se entrar nela de gaiato.