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domingo, 15 de novembro de 2020

Outras Cartografias: Por uma nova regionalização do Brasil - José Donizete Cazzolato

 Outras Cartografias: Por uma nova regionalização do Brasil

O Maranhão fora do Nordeste? O que seria a Região Noroeste do Brasil? 50 anos após o IBGE definir as Grandes Regiões, país mudou. É preciso reconhecer as novas identidades geográficas. Próximo Censo é oportunidade para isso

MAIS:
Baixe o mapa em alta resolução aqui

Por José Donizete Cazzolato, na coluna Outras Cartografias

Por que este mapa está aqui? A coluna sempre apresenta novas cartografias, e o que esta cartografia tem de novo? São as regiões do Brasil – Centro-Oeste, Norte, Nordeste… Opa! Mas algo está errado, tem duas regiões Norte! Não, uma é NO = Norte, mas e a outra… não é N = Norte também?”

Esta pode ser uma reação esperada de alguém jovem, com algum conhecimento geográfico, mas pouca intimidade com a cartografia e com as siglas das direções cardeais. De fato, à primeira vista o mapa é familiar, por ser diariamente exposto na TV aberta quando o noticiário apresenta a previsão do tempo, por exemplo. Mas há uma importante diferença: em vez das cinco Grandes Regiões do IBGE, adotadas em 1970 e alteradas em 1988 quando se criou o Tocantins, este mapa apresenta o Brasil dividido em seis macrorregiões.

Então mudou a divisão das regiões?”

Não, esta é uma proposta de mudança, buscando adequar a antiga divisão à geografia do Brasil atual. Vale lembrar que, em 1970, o país tinha 90 milhões de habitantes, menos da metade da população atual. Não existiam Tocantins nem Mato Grosso do Sul, Rondônia era um Território Federal com apenas dois municípios, e a cidade do Rio de Janeiro tinha o privilégio de ser o Estado da Guanabara; Niterói era capital do Estado do Rio de Janeiro.

Nesses 50 anos o Brasil cresceu e desenvolveu-se em diversos campos de atividade, atenuando ou aumentando as desigualdades. Suas cidades cresceram como nunca, e grandes áreas quase despovoadas foram ocupadas e incorporadas à economia nacional. Expandiram-se a agricultura, a pecuária, a malha viária e a rede urbana, principalmente na faixa que vai de Rondônia ao Maranhão passando por Goiás.

Especialmente no Centro-Norte – estado do Tocantins, Sudeste do Pará e Sul do Maranhão, houve um grande incremento demográfico e da atividade econômica como um todo. Em decorrência, os fluxos geográficos adensaram-se, estabelecendo também diferentes conexões reforçando novas identidades. Basta lembrar o estabelecimento do estado do Tocantins (31 anos atrás) e o plebiscito de 2011, quando os paraenses do Sudeste do Pará aprovaram a criação do Estado de Carajás.

É inegável a regionalidade que se formou na junção PA-MA-TO. Observe-se a bacia hidrográfica Tocantins-Araguaia, a rodovia Belém-Brasília, a Estrada de Ferro Carajás – ligando o Sudeste Paraense a São Luís – ou o longo traçado da Ferrovia Norte-Sul, que conecta a EF Carajás aos estados do Tocantins, Goiás e São Paulo. Todos esses elementos estruturantes da geoeconomia local estendem-se no sentido geral Norte-Sul, proporcionando uma nova dinâmica de fluxos na interface entre as atuais regiões Norte e Nordeste. Esta nova realidade regional também se evidencia na evolução da polarização urbana – São Luís, Palmas e Belém, diretamente ou através de Marabá, Imperatriz e Araguaína, estendem sua influência cada vez mais sobre áreas tradicionalmente ligadas a Fortaleza ou Goiânia.

A divisão regional atual, porém, secciona este novo contexto regional, mantendo o Maranhão no Nordeste e o Tocantins como um apêndice da Região Norte. Este fato, por sinal, pode ser considerado o ponto de inflexão do atual arranjo macrorregional. Poucos se lembram, mas até 1988 o atual Tocantins, que pertencia Goiás, fazia parte do Centro-Oeste. Nesse ano promulgou-se a atual Constituição Federal, em cujas disposições transitórias o Artigo 13 criou o novo Estado, transferindo-o simultaneamente para a Região Norte.

Em decorrência, descaracterizou-se o quadro macrorregional do país. A Região Norte ficou ainda maior – em extensão e em número de estados, aproximando-se do número recorde de 9 estados do Nordeste em comparação com o Sudeste e o Centro-Oeste (4) e o Sul, que tem apenas 3 unidades da federação. Além disso, não se justificava, geograficamente, a transferência do Tocantins para o Norte, que se efetivou, por sinal, sem qualquer consulta ou aval do IBGE, IPEA ou quaisquer outras instituições de pesquisa e tradição geográfica.

A proposta de ajuste aqui sintetizada busca reparar e, simultaneamente, atualizar a trama macrorregional do país. Reconhece a nova regionalidade que se consolida na junção PA-MA-TO e recupera o equilíbrio dimensional entre as unidades. Com esta nova cartografia, aprimora-se a percepção da realidade nacional e suas identidades regionais, disponibilizando para a gestão pública e para a sociedade um ferramental seguramente mais eficaz.

A efetivação da proposta requer apenas dois passos: 1. Passa a integrar a Região Norte o Estado do Maranhão; 2. Fica instituída a Região Noroeste, formada pelos estados de Rondônia, Acre, Amazonas e Roraima. As demais regiões – Sudeste, Sul e Centro-Oeste, permanecem inalteradas.

Entendi… Mas como se faz essa alteração? Tem que criar uma lei? Ou é o IBGE que muda?”

Neste ponto pode surgir uma polêmica. Como foi o IBGE que elaborou e formalizou a atual divisão, caberia a ele mesmo promover quaisquer alterações, como de fato vem alterando e atualizando outras estruturas regionais. Porém, a atual divisão em Grandes Regiões foi instituída também por lei federal, cabendo então, nesse caso, uma ação do Executivo ou do Legislativo.

No entanto, os processos de discussão e votação nas casas legislativas nacionais podem levar um tempo além do razoável, e assim o próprio IBGE – a única instituição governamental federal com geografia no nome – poderia formalizar tecnicamente um ajuste na macrodivisão regional, aproveitando a oportunidade do Censo 2020 (adiado para 2021). O peso do notório saber que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística consolidou ao longo de quase um século é suficiente para que o novo desenho regional seja assimilado e adotado em todas as instâncias do saber e fazer nacionais com aporte espacial: ensino, pesquisa, comunicação, planejamento, logística, políticas públicas, etc.

Além de embasar a gestão pública e apreensão da realidade, outro aspecto fundamental das estruturas regionais ou territoriais é o reconhecimento das identidades geográficas. Nossa cidadania se consolida quando nossos lugares de vida são oficializados. Sejam eles bairros, distritos ou municípios, quando compõem uma trama igualitária de unidades, denominadas e delimitadas por lei, ganha força a ideia da democracia, da igualdade dos lugares – e, por extensão, das pessoas. O mesmo se aplica para outras escalas ou instâncias da vida social – regiões, Estados ou Macrorregiões.

Na proposta aqui exposta, o Maranhão deixa de ser a quarta força econômica e política do Nordeste para ser a segunda da nova conformação da Região Norte. O Tocantins deixa de ser um mero apêndice de uma região gigantesca para ocupar um lugar central no novo arranjo proposto. No outro extremo, o Amazonas assume a liderança da Amazônia Interior – reconhecida na proposta como Região Noroeste, enquanto Rondônia, Acre e Roraima ganham força pela proximidade de Manaus, a nova metrópole regional.

Do ponto de vista ambiental, o arranjo aqui defendido permite ajustar o foco nos grandes biomas, especialmente os dois mais expostos à degradação. Circunscreve uma nova região exclusivamente amazônica (Noroeste) e duas na interface Amazônia/Cerrado (Norte e Centro-Oeste). Paralelamente, este novo arranjo pode levar a estratégias mais eficazes na gestão das faixas fronteiriças, cuja incumbência passa a ser dividida por quatro unidades macrorregionais.

Esclareça-se, por fim, que o intuito deste trabalho é recuperar a operacionalidade das atuais Grandes Regiões do IBGE, cinquenta anos depois de sua última versão tecnicamente consensuada. Foi apresentado em encontros acadêmicos em 2007 e reeditado em 2019 para a Revista Confins – edição de julho de 2020. Sua versão integral está disponível em https://journals.openedition.org/confins/31037