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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

A política soberana ANTI-SOBERANA do governo Bolsonaro na Amazônia - Jamil Chade (UOL)

 O governo brasileiro naquele seu estilo falsamente patrioteiro, bate no peito e diz que está defendendo a soberania do país contra intrusões estrangeiras na Amazônia, mas ao mesmo tempo renuncia completamente à soberania, pois diz que depende da ajuda externa – o que é uma espécie de chantagem – para preservar os recursos naturais.

Nada mais hipócrita, falso e fraudulento, achando que assim pode enganar os parceiros estrangeiros com sua retórica vazia.

Paulo Roberto de Almeida 

Técnicos de Biden não compram versão do Brasil sobre esforços na Amazônia

Jamil Chade

UOL | 19/2/2021, 4h

Técnicos da administração de Joe Biden adotaram cautela e não se deixaram convencer com a versão do Brasil de que o governo de Jair Bolsonaro está lidando de forma eficiente com o desmatamento no país. Nesta quarta-feira, o representante de Joe Biden para assuntos climáticos, John Kerry, manteve uma primeira reunião virtual com os ministros brasileiros Ernesto Araújo e Ricardo Salles.

No evento, de pouco mais de 40 minutos, o governo brasileiro insistiu em repetir seu mantra adotado nos últimos meses: o Brasil está disposto a cumprir suas metas ambientais e reduzir o desmatamento. Mas, para isso, precisa de recursos e de apoio internacional.

Em outras palavras: o Brasil fará sua parte se contar com dinheiro da Casa Branca e de outros atores estrangeiros.

Esse recado passado à equipe de Biden havia sido o mesmo que o Planalto usou nas reuniões do Fórum Econômico Mundial, neste ano. O governo brasileiro indicou que, diante da recessão e dos gastos com a pandemia, teria sérias dificuldades para manter o orçamento para a proteção ambiental. A solução, portanto, teria de passar por recursos externos.

Em janeiro, o vice-presidente Hamilton Mourão criticou no evento de Davos o fato de que a comunidade internacional, apesar da pressão, não estar ampliando financiamento para operações na Amazônia para lidar com o desmatamento e proteger a biodiversidade. Segundo ele, depois da pandemia, governos não terão recursos para destinar para a região e o setor privado terá de ampliar sua participação. "Apesar de o interesse internacional no status da Amazônia ter aumentado de forma importante, o mesmo não pode ser dito da cooperação financeira e técnica internacional", disse o vice-presidente. "Ficou abaixo as necessidades atuais", alertou.

O que causa estranheza entre os delegados estrangeiros é que o pedido por dinheiro tanto para Biden como para a comunidade internacional ocorre dois anos depois que o governo brasileiro, de forma unilateral, interrompeu o acordo que existia de financiamento com alemães e noruegueses.

Biden e o cheque de US$ 20 bilhões

No caso americano, Washington está comprometido em colocar recursos para ajudar o Brasil e um pacote poderia chegar a US$ 20 bilhões. Mas um entendimento sobre como os recursos entrarão e quais serão os critérios exigirá uma conversa detalhada entre técnicos, que promete ser frequente.

Na condição de anonimato, embaixadores e negociadores confirmaram à coluna que, apesar de o contato ter sido um passo importante na aproximação entre os dois países e uma sinalização positiva por parte dos americanos, a reunião serviu do lado americano para confirmar de que terão de cobrar Brasília por conta dos dados relacionados ao desmatamento e as ações do governo.

De acordo com fontes diplomáticas, a Casa Branca fez questão de dizer que não existe qualquer ameaça à soberania brasileira na Amazônia. Mas a equipe de Kerry não se deixou convencer pelos argumentos apresentados por Araújo e Salles sobre a situação na região e nem sobre o que o governo vem realizando para frear o desmatamento.

Em Washington, os argumentos foram considerados como "insuficientes", inclusive sobre as metas do Brasil para atingir seus compromissos no Acordo de Paris. No final do ano passado, a ONU não aceitou o pacote apresentado por Salles e deixou o Brasil de fora de uma cúpula marcada para determinar a ambição das metas de cada um dos países.

Um dos resultados da reunião foi o compromisso de estabelecer um diálogo técnico reforçado e praticamente semanal para tratar tanto do desmatamento, como do apoio que o governo americano poderá dar para os esforços brasileiros. Também ficou estabelecido que esse diálogo técnico também envolverá a questão do financiamento, um ponto defendido pelo Brasil. "Todos os temas estão sobre a mesa", admitiu um interlocutor no Itamaraty.

Serão nesses diálogos técnicos que os americanos pressionarão por transparência por parte do Brasil, além de garantias de que haverá um compromisso político.

No encontro, os EUA reforçaram o convite para que o Brasil participe do encontro Earth's Summit (Cúpula da Terra) proposto por Biden. Os americanos confirmaram que estão preparando um pacote para assumir metas ambiciosas de redução de CO2 e que estão promovendo um diálogo com os principais interlocutores na área ambiental, a fim de antecipar visões convergentes para garantir que a Conferência do Clima, em Glasgow em novembro de 2021, não termine em mais um impasse internacional.

Do lado brasileiro, há uma aceitação de que o tema ambiental estará no centro da agenda diplomática internacional e que não há como escapar da discussão. Mas a percepção é de que cabe também ao governo americano provar que sua adesão do Acordo de Paris será acompanhada por medidas efetivas. Na visão do governo Bolsonaro, recai aos países ricos a maior responsabilidade pelas mudanças climáticas.

Após o encontro, um comunicado discreto do Itamaraty sobre a reunião foi emitido, evitando entrar em detalhes sobre o tom a conversa. De acordo com a nota, "os Ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mantiveram reunião virtual com o enviado presidencial para o clima do governo dos EUA, John Kerry, na tarde de 17 de fevereiro".

"Na ocasião, foram examinadas possibilidades de cooperação e diálogo entre o Brasil e os EUA na área de mudança do clima e de combate ao desmatamento. Acordou-se aprofundar o diálogo bilateral nas áreas mencionadas, com processo estruturado em encontros frequentes, em busca de soluções sustentáveis e duradouras aos desafios climáticos comuns", completou.

A reunião ainda foi seguida por uma mensagem nas redes sociais por parte do chanceler brasileiro, indicando uma postura no mesmo sentido. "O diálogo e cooperação sobre meio ambiente e clima serão mais um elemento agregador na parceira Brasil-EUA que continuamos construindo", disse. Salles também foi às redes sociais para insistir sobre a cooperação que se iniciava com os EUA.

Mas, da parte do americano, o encontro não foi alvo imediato de comentários oficiais. Foi apenas na quinta-feira que Kerry, em suas redes sociais, reforçou a ideia de que Washington está comprometido em reconstruir a cooperação em temas climáticos.

"Lidar com a crise climática exige impactos grandes que apenas podem ser atingidos por parcerias globais", escreveu o americano. "Boa conversa ontem sobre cooperação climática, liderança do Brasil e crescimento econômico sustentável com Ernesto Araújo e Ricardo Salles", completou.

A ordem dentro da Casa Branca é a de sinalizar com incentivos ao Brasil no tema ambiental, antes de falar em sanções ou afastamento de posições. Numa espécie de crédito, Washington continuará a tratar o Brasil como um aliado e convidar o governo a suas iniciativas, como a cúpula do clima em abril.

Mas Washington saiu do encontro convencido de que esse aceno da Casa Branca terá de ser traduzido em ação por parte do governo em termos ambientais e uma capacidade de medir avanços concretos. Biden, que se elegeu em parte por conta de uma agenda ambientalista e de direitos humanos, está sendo pressionado por congressistas americanos, ativistas e uma ala mais progressista de seu partido a manter uma postura dura em relação ao governo Bolsonaro.

Durante a campanha eleitoral nos EUA, Biden chegou a criticar a destruição da floresta brasileira e ensaiou uma ameaça. Na ocasião, Bolsonaro criticou a postura de Biden. Mais recentemente, no pacote ambiental do novo presidente americano, mais uma vez a proteção da Amazônia faz parte dos planos. Mas, pelo menos por enquanto, com gestos de colaboração.

Já Kerry, em 2020, usou uma premiação à líder indígena Alessandra Korap, da tribo Munduruku, para chamar a atenção sobre a situação da floresta. Para ele, os Munduruku resistiram "ao avanço constante, violento, ilegal e às vezes patrocinado pelo estado por madeireiros e mineiros para explorar suas terras".

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2021/02/19/tecnicos-de-biden-nao-compram-versao-do-brasil-sobre-esforcos-na-amazonia.htm

Governo Bolsonaro diz que reduzirá desmatamento na Amazônia apenas se Biden pagar

Em primeira reunião com Estados Unidos sobre o tema, Brasil disse que precisa de verba estrangeira para se comprometer com metas de preservação

Revista Fórum | 19/2/2021, 6h44

 

O governo Bolsonaro realizou sua primeira reunião com o governo dos Estados Unidos para tratar questões sobre o meio ambiente. Nesse encontro, autoridades brasileiras condicionaram a proteção ambiental no país a um eventual incentivo financeiro por parte do país norte-americano.

De acordo com reportagem do jornal Estado de S.Paulo, o argumento utilizado pelo governo Bolsonaro foi que, sem recursos estrangeiros, não é possível se comprometer com acordos internacionais de preservação.

Com isso, segundo uma fonte do governo brasileiro, o espírito da conversa entre os dois países foi o do “a gente faz, mas vocês vão ter de pagar”.

Participaram do encontro os ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o enviado especial do Clima do governo americano, John Kerry.

Na conversa, Kerry teria dito reconhecer “a legitimidade e a soberania do Brasil para cuidar de seus temas” e que a gestão Biden não tem “nenhuma resistência em trabalhar com o governo brasileiro”.

Durante a campanha eleitoral, Joe Biden prometeu diversas vezes aplicar sanções econômicas ao Brasil caso o país não mudasse sua política ambiental e continuasse permitindo a devastação da Amazônia.

https://revistaforum.com.br/global/governo-bolsonaro-diz-que-reduzira-desmatamento-na-amazonia-apenas-se-biden-pagar/

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

Biden provavelmente não vai seguir todas as recomendações da Task Force, mas vai congelar discretamente as relações Brasil-EUA

 BIDEN RECEBE DOSSIÊ RECOMENDANDO SUSPENSÃO DE ACORDOS ENTRE EUA E GOVERNO BOLSONARO

O documento de 31 páginas condena a aproximação entre os dois países nos últimos dois anos

Época | 3/2/2021, 19h

Quatro meses depois de fazer críticas públicas contra o desmatamento no Brasil, o presidente Joe Biden e membros do alto escalão do novo governo dos EUA receberam nesta semana um longo dossiê que pede o congelamento de acordos, negociações e alianças políticas com o Brasil enquanto Jair Bolsonaro estiver na Presidência.

O documento de 31 páginas, ao qual a BBC News Brasil teve acesso, condena a aproximação entre os dois países nos últimos dois anos e aponta que a aliança entre Donald Trump e seu par brasileiro teria colocado em xeque o papel de "Washington como um parceiro confiável na luta pela proteção e expansão da democracia".

"A relação especialmente próxima entre os dois presidentes foi um fator central na legitimação de Bolsonaro e suas tendências autoritárias", diz o texto, que recomenda que Biden restrinja importações de madeira, soja e carne do Brasil, "a menos que se possa confirmar que as importações não estão vinculadas ao desmatamento ou abusos dos direitos humanos", por meio de ordem executiva ou via Congresso.

A mudança de ares na Casa Branca é o combustível para o dossiê, escrito por professores de dez universidades (9 delas nos EUA), além de diretores de ONGs internacionais como Greenpeace EUA e Amazon Watch.

A BBC News Brasil apurou que os gabinetes de pelo menos dois parlamentares próximos ao gabinete de Biden — a deputada Susan Wild, do comitê de Relações Internacionais, e Raul Grijalva, presidente do comitê de Recursos Naturais — revisaram o documento antes do envio.

O texto têm o endosso de mais de 100 acadêmicos de universidades como Harvard, Brown e Columbia, além de organizações como a Friends of the Earth, nos EUA, e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), no Brasil. A iniciativa é da U.S. Network for Democracy in Brazil, uma rede criada por acadêmicos e ativistas brasileiros no exterior há dois anos que hoje conta com 1500 membros.

Tanto Biden quanto a vice-presidente Kamala Harris, além de ministros e diretores de diferentes áreas do novo governo, já criticaram abertamente o presidente brasileiro, que desde a derrota de Trump na última eleição assiste a um derretimento em negociações em andamento entre os dois países.

"O governo Biden-Harris não deve de forma nenhuma buscar um acordo de livre-comércio com o Brasil", frisa o dossiê, organizado em 10 grandes eixos: democracia e estado democrático de direito; direitos indígenas, mudanças climáticas e desmatamento; economia política; base de Alcântara e apoio militar dos EUA; direitos humanos; violência policial; saúde pública; coronavírus; liberdade religiosa e trabalho.

O material, segundo a BBC News Brasil apurou, chegou ao núcleo do governo Biden por meio de Juan Gonzales, recém-nomeado pelo próprio presidente americano como diretor-sênior para o hemisfério ocidental do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca — e conhecido pelas críticas a políticas ambientais de Bolsonaro.

Assessor de confiança de Biden desde o governo de Barack Obama, quando atuou como conselheiro especial do então vice-presidente Biden, Gonzales passou por diversos cargos na Casa Branca e no Departamento de Estado e hoje tem livre acesso ao salão Oval como o principal responsável por políticas sobre América Latina no novo governo.

"Qualquer pessoa, no Brasil ou em outro lugar, que achar que pode promover um relacionamento ambicioso com os EUA enquanto ignora questões importantes como mudança climática, democracia e direitos humanos, claramente não tem ouvido Joe Biden durante a campanha", disse Gonzales recentemente.

O dossiê também circula por membros do Conselho de Assessores Econômicos (CEA, na sigla em inglês) do gabinete-executivo de Biden e pelo ministério do Interior - cuja nova chefe, Debra Haaland, também é crítica contumaz de Bolsonaro.

REDE INTERNACIONAL

O documento surge em momento de intensa expectativa sobre os próximos passos da relação entre Brasil e Estados Unidos sob o governo de Biden e da vice-presidente Kamala Harris.

Até dezembro do ano passado, os líderes dos dois países celebravam anúncios conjuntos, como protocolos de comércio e cooperação econômica, e mostravam intimidade em encontros públicos. Na Assembleia Geral da ONU de 2019, por exemplo, Bolsonaro chegou a dizer "I love you" (eu amo você) a Trump, que respondeu "Bom vê-lo outra vez".

Na primeira semana de janeiro, Ivanka Trump, filha do ex-presidente, foi fotografada carregando no colo a filha de Eduardo Bolsonaro, que visitava a Casa Branca junto à esposa Heloisa e à recém-nascida Georgia — nome do Estado que se tornou um dos pivôs da derrota de Trump na eleição.

Mas os ventos mudaram. Já na campanha, Biden disse que "começaria imediatamente a organizar o hemisfério e o mundo para prover US$ 20 bilhões para a Amazônia, para o Brasil não queimar mais a Amazônia".

A declaração gerou uma dura resposta do presidente Jair Bolsonaro, que classificou o comentário como "lamentável", "desastroso e gratuito" e quebrou o protocolo presidencial ao declarar sua torcida pelo hoje derrotado Donald Trump.

Semanas antes, a agora vice-presidente Kamala Harris escreveu que "o presidente do Brasil Bolsonaro precisa responder pela devastação" na Amazônia.

"Qualquer destruição afeta a todos nós", completou.

Mais recentemente, após ser questionado pela jornalista Raquel Krähenbühl, da GloboNews, sobre quando conversaria com o par brasileiro, Biden apenas riu.

MEIO AMBIENTE

Membros do partido democrata ouvidos pela reportagem sob anonimato descrevem Bolsonaro como uma figura "tóxica" no xadrez global.

Continuar investindo em uma relação próxima com o líder brasileiro seria, na avaliação destes críticos, uma contradição com as bandeiras de sustentabilidade, defesa aos direitos humanos e à diversidade levantadas pela chapa democrata que venceu as eleições.

Pela primeira vez na história dos EUA, Biden nomeou uma mulher indígena para chefiar um ministério (Interior) e mulheres transexuais para cargos importantes nas áreas de defesa e saúde. Negros, latinos e asiáticos aparecem em número recorde de nomeações.

O apoio a estes grupos é o eixo principal do dossiê, que também defende que Biden retire o apoio atual dos EUA para a adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e questione a participação do Brasil no G7 e G20 enquanto Bolsonaro for presidente.

"Os EUA têm obrigação moral e interesse prático em se opor a uma série de iniciativas da atual presidência do Brasil", diz o texto. "A recente 'relação especial' entre os dois países por meio da ampliação de relações comerciais e ajuda militar possibilitou violações dos direitos humanos e ambientais e protegeu Bolsonaro de consequências internacionais."

O texto não cita diretamente a proposta de um fundo internacional de 20 bilhões de dólares, sugerida por Biden na campanha eleitoral, para conter o desmatamento na Amazônia.

No capítulo sobre meio ambiente, no entanto, o texto alerta que financiar programas de conservação do atual governo brasileiro poderia significar "jogar dinheiro no problema", a não ser que o país mude a direção de suas políticas de proteção ambiental.

O remédio, segundo os autores, seria vincular qualquer financiamento às demandas de representantes da sociedade civil, povos indígenas, quilombolas e comunidades ribeirinhas.

"Um dos valores deste documento é preparar o governo (Biden) para o fluxo de desinformação vindo do governo Bolsonaro. O problema é que este governo não é apenas o mais agressivo antagonista do meio ambiente brasileiro visto até hoje, mas também um grande investidor em relações públicas divulgando informações deturpadas. Eles investem para encobrir problemas. Então o grande objetivo é mostrar ao governo quais devem ser as fontes seguras para informação sobre o Brasil: a sociedade, as organizações que estão em campo, as comunidades e grupos marginalizados", diz à BBC News Brasil Daniel Brindis, diretor do Greenpeace nos EUA e um dos autores do dossiê.

"O presidente Biden precisa ter certeza de onde está investindo o dinheiro, ou corre o risco de jogá-lo fora", afirma.

ALCÂNTARA E MINORIAS

Mas o dossiê diz que a atenção do governo dos EUA deve ir além do financiamento a políticas de conservação no Brasil e também deve mirar o papel de empresários, investidores e da política externa norte-americana "na ampliação do desmatamento e permissão de abusos de direitos humanos".

Depois da China, os EUA são os maiores compradores de madeira brasileira no mundo. O documento ressalta, no entanto, que a lei Lacey, aprovada nos EUA em 2008, proíbe o comércio de produtos vegetais vindo de fontes ilegais nos Estados Unidos e em outros países.

Em 11 de janeiro deste ano, o Ministério Público Federal entrou em contato com o governo dos EUA para recuperar cargas de madeira extraída ilegalmente na Amazônia. Uma operação realizada em dezembro na divisa do Pará e do Amazonas recolheu mais de 130 mil metros cúbicos de madeira ilegal — o equivalente a mais de 6 mil caminhões de carga lotados, segundo a polícia federal.

O texto também lembra que os problemas ambientais brasileiros não se limitam à Amazônia e também incluem o cerrado, o Pantanal e a Mata Atlântica.

Além do foco ambiental, boa parte do dossiê se dedica a políticas sobre grupos historicamente marginalizados no Brasil como indígenas e quilombolas.

Sobre os últimos, o texto defende que os EUA reverta a assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas assinado pelos governos Trump e Bolsonaro, em 2019, permitindo a exploração comercial da Base Espacial de Alcântara, no Maranhão.

Como foi assinado, o acordo prevê a remoção de centenas de famílias de quilombolas que vivem na região há quase dois séculos.

"O governo Biden-Harris deve se colocar de maneira firme contra qualquer desapropriação de terras quilombolas, enquanto se engaja em ações pacíficas colaboração com a Agência Espacial Brasileira em Alcântara", sugere o texto, citando o Tratado do Espaço Sideral, um instrumento multilateral assinado tanto por EUA quanto pelo Brasil.

Segundo o texto do tratado, criado em meados dos anos 1960, em meio à Guerra Fria, iniciativas que envolvam exploração no espaço só podem acontecer a partir de fins pacíficos. "O governo Biden e Harris deve rejeitar firmemente qualquer envolvimento militar na colaboração espacial no Brasil. Qualquer colaboração entre os programas espaciais dos EUA e do Brasil deve eliminar o racismo e o legado ambiental destrutivo de Trump e Bolsonaro", prossegue o dossiê.

O governo Bolsonaro afirma que o acordo de Alcântara estimulará o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro e poderá gerar investimentos de até R$ 1,5 bilhão na economia nacional.

O Brasil diz pretender "tornar o Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão, competitivo mundialmente e um grande atrativo de recursos para o Brasil no setor espacial".

OUTROS TEMAS

Ao longo de mais de suas mais de 30 páginas, o texto também defende que os EUA divulguem documentos secretos sobre a ditadura no Brasil e que o Departamento de Justiça responda a questionamentos sobre a suposta participação dos EUA na operação Lava Jato.

Em agosto de 2019, o parlamentar Hank Johnson, junto outros 12 congressistas, pediu esclarecimentos sobre a relação dos norte-americanos com a operação brasileira, mas não teve resposta.

Em coro com relatórios recentes de organizações globais de direitos humanos sobre o Brasil, o dossiê também recomenda que o governo americano se coloque enfaticamente contra a violência policial no Brasil, os assassinatos de ativistas e trabalhadores rurais no país e a ataques contra religiões de matriz africana.

O texto também cita extinção do Ministério do Trabalho pelo governo Bolsonaro e "políticas de desmantelamento de direitos dos sindicatos, financiamento sindical, negociações coletivas e sistemas de fiscalização do trabalho" como temas a serem revertidos antes da discussão de qualquer acordo de livre-comércio com o Brasil.

O dossiê não foi enviado a membros do governo brasileiro.

Longe de Washington, após se tornar o último líder de um pais democrático a reconhecer a vitória de Biden e Harris, Bolsonaro vem tentando manobrar para reduzir os danos na relação entre os dois países.

Em janeiro, depois de defender teorias de conspiração infundadas sobre fraudes na eleição americana, o presidente brasileiro assinou uma carta de cumprimentos ao novo líder dos EUA.

"A relação Brasil e Estados Unidos é longa, sólida e baseada em valores elevados, como a defesa da democracia e das liberdades individuais. Sigo empenhado e pronto para trabalhar pela prosperidade de nossas nações e o bem-estar de nossos cidadãos", dizia o texto, que não teve resposta.

À BBC News Brasil, em novembro, o embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, disse acreditar que a proximidade entre os dois países se manteria em um eventual governo Biden. "Acreditamos firmemente que, independente do resultado das eleições aqui nos EUA, essa agenda vai continuar e a importância do Brasil não vai mudar porque está esse ou aquele partido. Temos a melhor relação com os dois partidos políticos, como é natural em uma democracia."

Dias antes, no entanto, parlamentares democratas haviam chamado Bolsonaro de "pseudoditador" e classificado acordos entre os dois países como "tapa na cara do Congresso".

https://epoca.globo.com/mundo/biden-recebe-dossie-recomendando-suspensao-de-acordos-entre-eua-governo-bolsonaro-1-24867983


quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

Relações Brasil Estados Unidos no governo Biden - Paulo Sotero (Interesse Nacional)

O jornalista Paulo Sotero é o mais bem informado jornalista brasileiro sobre as relações Brasil-Estados Unidos, uma vez que seguiu pessoalmente essas relações desde os anos 1990, quando saiu de Paris, onde ficou alguns anos como correspondente da Veja, e foi para Washington, onde ficou como correspondente do Estadão.

Abaixo, em primeiro lugar, um artigo escrito ANTES das eleições de novembro, discorrendo o que seriam essas relações num governo Biden em Washington. Mais abaixo, o artigo que ele escreveu para a revista Interesse Nacional, já refletindo as novas realidades pós eleitorais, mas antes da posse de Biden.

Paulo Roberto de Almeida


Biden não hostilizará o Brasil

Mas não terá tempo para Bolsonaro

PAULO SOTERO

 O Estado de São Paulo, outubro 2020


O risco imediato é que o presidente e seus asseclas declarem simpatia por Trump nas disputas eleitorais pendentes nos EUA

 

O governo de Joseph Biden não hostilizará o Brasil. Mas não terá tempo para o país enquanto arautos do trumpolavismo e passadores de boiada derem cartas em Brasília. Como pouco ou nada se espera em Washington do presidente do Brasil, a ausência dos cumprimentos protocolares ao presidente eleito dos Estados Unidos não faz diferença. Mas os comentários de Jair Bolsonaro e de membros de seu séquito sobre o processo eleitoral americano pesam e pesarão contra o país.

No momento apropriado, a futura administração em Washington buscará um diálogo construtivo com o Brasil  em duas questões prementes de interesse mútuo. A mais urgente é a contenção do vírus que tem aliados em Bolsonaro e Trump e fez dos dois países os maiores necrotérios mundiais de covid-19, com mais de 400 mil mortos entre eles — um número que pode dobrar antes de ser controlado no ano que vem. Os assessores do presidente eleito dos EUA sabem da qualidade da medicina sanitária no Brasil e de sua capacidade na produção de vacinas em escala industrial. Ajudaria, é óbvio, que o país tivesse um ministro da Saúde à altura do desafio posto pela segunda onda do vírus, que está em pleno curso no hemisfério norte e fatalmente chegará ao Brasil. 

O segundo assunto premente de interesse mútuo é a contenção do aquecimento global. Um dos primeiro atos do presidente Biden, em janeiro, será a readesão dos EUA à Convenção das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, que Trump abandonou. Lançada na Rio 92, a Convenção produziu um acordo histórico em Paris, em dezembro de 2015, sobre a redução voluntária pelos países signatários de suas emissões dos gases poluidores a níveis que mantenham o aquecimento da atmosfera abaixo de dois graus centígrados. As emissões brasileiras estão entre as maiores e derivam, principalmente, do desmatamento e expansão desordenada da pecuária no arco da Amazônia.

De imediato, caberá a atores e instituições da sociedade civil brasileira cultivar laços com a nova admnistração e compensar as faltas do governo, que é obviamente pior do que a nação. Brasília ajudará se evitar dar palpites sobre a crise potencialmente gravíssima gerada pela resistência de Trump em reconhecer a vitória de Biden e seu desejo de sabotar a transição. “Estou alarmado” com as ações desse “patife e fora da lei”, afirmou na última quarta-feira à MSNBC o ex-general Barry McCaffrey, ministro do governo Clinton e um dos militares mais condecorados de seu país, referindo-se a Trump. A fúria de McCaffrey, compartilhada por seus colegas ex-generais, foi provocada pela decisão de Trump de mandar embora pelo tweeter o secretário da Defesa Mark Esper e trocar o alto comando do Pentágono por ideólogos inexperientes, da mesma laia dos amadores que compõem o gabinete do ódio incrustrado no Palácio do Planalto, com o beneplácito de Bolsonaro. Trocas parecidas podem acontecer no comando da CIA, do FBI e do Departamento de Segurança Interna. Essas mudanças imprudentes, desnecessárias e injustificáveis às vésperas da troca do governo alarmam os generais e os especialistas civis em segurança nacional. O temor é que adversários dos EUA usem as oportunidades que elas obviamente oferecem e façam movimentos que requeiram uma resposta militar.

Tendo negado, durante a campanha, comprometer-se com uma transição ordeira de poder caso perdesse a eleição, Trump embarcou numa irresponsável estratégia para alimentar o caos — sua especialidade —, tumultuando a recontagem automática de votos nos estados onde perdeu por pouco e aprofundando a divisão política e o ódio racial até as vésperas do início da nova administração. O palco da contenda são as acirradas disputas por duas vagas ao Senado federal no estado da Geórgia, a serem decididas em segundo turno, na primeira semana de janeiro. Elas criam espaço para Trump continuar a fazer estragos, com a ajuda da liderança do Partido Republicano, que conseguiu aumentar sua bancada na Câmara de Representantes, onde é minoritário, e está na briga para manter a maioria no Senado, que perderá se os democratas elegerem dois senadores na Geórgia. 

Esse é o tenso contexto no qual o Brasil não se deve meter, pois nada de relevante tem a dizer ou a ganhar e muito perderá voluntariando opiniões em assuntos que não são de sua conta. Declarações de Bolsonaro prometendo “pólvora” se os EUA impuserem sanções contra o Brasil por conta do desmatamento na Amazônia preocupam, - sobretudo por revelarem o despreparo do líder brasileiro. Sanções contra o Brasil inevitavelmente virão, mas de países da Europa importadores de nossos produtos agrícolas e/ou sob a forma do sepultamento do acordo comercial Mercosul–União Europeia, já há tempo nas cordas.   

 Preocupa também a inclinação do atual comando do Itamaraty a fazer tolices, como vangloriar-se da nova posição de pária internacional. Bravatas e declarações estúpidas mostram que a presença do país na cena internacional deixou de ser indispensável. 

Jornalista, é pesquisador sênior do Brazil Institute no Wilson Center, em Washington 

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Na era Biden, o Itamaraty ‘Trumpolavista’ Ficará Falando Sozinho

 

De volta a Washington, em dezembro de 2013, depois de quase quatro anos como embaixador em Brasília, Thomas A. Shannon recordou afirmação que havia feito ao partir para a missão sobre o efeito salutar da crescente conectividade das sociedades dos dois países, já visível então, a despeito da distância e das turbulências ocasionais do diálogo oficial. “Eu disse que nossas sociedades e nossos povos — e não nossos governos — se tornariam os principais motivadores de nosso relacionamento”, lembrou Shannon, em palestra no Wilson Center. A presciente observação do diplomata, que concluiu sua carreira em 2018 como vice-secretário de Estado, descreve o desafio criado para o Brasil pela eleição à Casa Branca do centrista Joseph R. Biden e a fragorosa derrota que ele impôs ao populista de extrema-direita Donald Trump, cujo arremedo tropical, Jair Bolsonaro, permanecerá no Palácio do Planalto. Trata-se de promover e ancorar o relacionamento em interesses reais mútuos que vão além dos governos e a eles se impõem.

Biden conhece e valoriza o Brasil. Ele está ciente das complexidades do País e será assessorado por especialistas fluentes em português e conhecedores da realidade brasileira. Por temperamento e convicção, o novo líder americano não hostilizará o País e não fará preleções. Os EUA estão saindo de uma experiência política traumática, ainda não superada, que colocou em questão, dentro e fora do país, a noção de excepcionalidade americana que desde sempre inspirou a arrogância com que seus líderes falavam ao mundo.

Isso não significa, no entanto, que o novo líder americano, empenhado em reconstruir os laços de seu país com o mundo, terá tempo para as esquisitices e absurdos do “trumpolavismo” ou a má-fé e tolices dos passadores de boiadas que dão cartas em setores importantes do governo brasileiro. O mesmo se aplica à valentia retórica do próprio Bolsorano, que reagiu ao alerta feito por Biden num debate com Trump, durante a campanha, sobre “consequências econômicas significativas” que o Brasil enfrentará se não parar de “destruir a floresta [amazônica]”, afirmando que o governo responderia “com pólvora” à imposição de sanções contra o país. A troca politizou a relação bilateral no Partido Democrata, no qual o líder brasileiro não tem simpatizantes e pode, potencialmente, limitar Biden. A propósito, não faz falta a ausência de cumprimentos protocolares de Bolsonaro a Biden, que não tinham sido apresentados até o início de dezembro. Mas caíram mal e não serão facilmente relevados os irresponsáveis comentários do presidente brasileiro sobre alegações de fraude na eleição de Biden. Não se deve esperar, assim, que o novo governo em Washington priorize as relações com o Brasil.

Contenção da COVID-19 é tema mais urgente da pauta bilateral

Dois temas do tóxico legado de Trump mantêm o País no radar e exigem atenção imediata. O mais urgente é a pandemia. Transformados nos dois maiores necrotérios mundiais de Covid-19 pelo negacionismo e pela negligência de Trump e Bolsonaro, os EUA e o Brasil estão fadados a intensificar a cooperação bilateral na produção de vacinas nos próximos meses. É antiga a cooperação entre as escolas de medicina e os centros de pesquisas sanitárias dos dois países e o intercâmbio de especialistas. É reconhecida a capacidade instalada no Brasil para a produção de vacinas em escala industrial, essencial para a superação do flagelo não apenas em casa, mas nos países vizinhos e em partes da África.

O outro tema que se impõe é a questão ambiental. Ela voltará com força à pauta no dia da posse de Biden, quando sua administração notificará às partes sobre a readesão dos EUA à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Numa de suas primeiras decisões, o novo líder americano reforçou o compromisso com a sustentabilidade ambiental, elevando o ex-secretário de Estado John Kerry ao novo posto de Enviado Especial para Clima, com status de ministro e amplo apoio da vasta rede de entidades científicas públicas e privadas, empresas e organizações civis dedicadas à restauração e preservação do meio ambiente. No Brasil, parece claro que essa conexão dependerá crucialmente de atores relevantes da sociedade civil presentes nas empresas e entidades do setor privado, do terceiro setor, na academia e nos meios de comunicação. Trata-se de uma tarefa de articulação estratégica de interesses concretos, com objetivos mensuráveis ao longo do tempo, como o fim do desmatamento nos grandes biomas, o reflorestamento e a adoção de métodos e tecnologias limpas na produção, transporte e comercialização de bens e serviços.

Esse trabalho já começou e vai adiantado. Ele está patente nas atividades dos setores modernos do agronegócio e começa a ganhar espaço nas discussões de políticas públicas. Em julho passado, 17 ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central divulgaram declaração conjunta em defesa de uma economia de baixo carbono no país. Ainda que tardia, quando se considera que veio quase 30 anos depois da Rio 92 — a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento que internalizou politicamente o assunto —, a iniciativa revelou à nação a salutar descoberta pela elite econômica nacional da necessidade de incorporar dimensão ambiental às políticas de expansão do PIB e promoção da prosperidade.

Em agosto, pressionados pela urgência que o assunto ganhou com a chegada ao poder de Bolsonaro e de sua deletéria abordagem do assunto, uma centena de líderes de vários setores, que vinham conversando há tempos — entre eles os empresários Guilherme Leal, Natura e presidente a Instituto Arapyaú; Cândido Bracher, Itaú; Walter Schalka, Suzano; Marcos Molina, Marfrig; José Roberto Marinho, Grupo Globo e Instituto Humanize; e Denis Minev, Lojas Bemol, maior rede varejista da região Norte —, lançou a “Concertação pela Amazônia” com objetivos que vão além das boas intenções. O propósito é “institucionalizar um debate plural e democrático voltado ao desenvolvimento sustentável da região”, com base em diagnóstico que “subsidiará a construção de uma visão de futuro” para a Amazônia, alicerçada num “movimento que torne perene a implementação de uma agenda de desenvolvimento sustentável no território”.

É dessa iniciativa que devem sair participantes de um diálogo consequente e duradouro com organizações da sociedade americana e com a administração Biden. Os atores dos dois países nesse empreendimento cooperam há anos e têm histórico de realizações. A ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, trabalhou intensamente na construção do Acordo de Paris da Convenção do Clima, em 2015, com o negociador americano Todd Stern, então líder no Conselho de Segurança da Casa Branca nas negociações. Principal autora do Código Florestal de 2012, Izabella é interlocutora respeitada pela nova administração em Washington, bem como por governos e organizações ambientais de nações líderes na Europa e pelas agências das Nações Unidas.

O fato de o governo brasileiro continuar cegamente na ignorância negacionista sobre os desafios que o País enfrenta na Amazônia, orientado pela miopia quase religiosa dos arautos locais do “antiglobalismo”, seja isso o que for, não impede o engajamento de participantes e apoiadores da concertação com atores importantes em Brasília, como o vice-presidente Hamilton Mourão, que lidera o Conselho Nacional da Amazônia Legal, e a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Tereza Cristina da Costa Dias, ex-deputada do Mato Grosso do Sul ligada ao setor agropecuário, com quem Izabella Teixeira tem bom diálogo.

Volta da diplomacia nos EUA deixará o Itamaraty trumpista ainda mais isolado

É pelo diálogo que a nova administração Biden pretende reconstruir as relações internacionais dos EUA, fortemente danificadas por Trump. Estas voltam agora aos trilhos da diplomacia, que guiarão a reinserção do País no mundo. É assim que Washington buscará estabilizar as relações com adversários, como a decadente potência Russa, uma China ascendente ou a emergente Índia, a qual conta com bem-sucedida colônia de imigrantes e seus descendentes no País, entre as quais a vice-presidente Kamala Harris.

Nas Américas, o Canadá, aliado próximo com o qual os EUA compartilham sua maior fronteira e fortes laços culturais e econômicos forjados em séculos de história, voltará ao lugar tradicional de principal aliado no continente. Ao sul, o México, origem da maior comunidade de imigrantes do país, e a Colômbia, principal fonte do flagelo do tráfico ilícito de drogas, enraizaram conexões amplas e profundas com os EUA no último quarto de século, e terão prioridade na América de fala espanhola. Entre os demais países do hemisfério, ganharão os que celebraram acordos comerciais em décadas recentes.

Na frente interna, Biden tem a árdua missão de processar as lições da campanha que o elegeu e incorporá-las às ações da administração. Homem afável, politicamente moderado e experiente, com 44 anos no Senado e oito na vice-presidência, o novo ocupante da Casa Branca sabe que Donald Trump, embora vencido, seguirá como um fator de perturbação na vida americana.

Faltando apurar votos residuais, Biden recebeu 79,7 milhões, 6 milhões mais do que Trump, numa disputa que teve participação de 67% eleitores, a maior em 120 anos, num País onde o voto não é obrigatório e a abstenção oscila em torno dos 50%. Biden prevaleceu no placar do Colégio Eleitoral, que reflete o tamanho das populações dos 50 estados e é a conta que vale. Venceu com 306 votos eleitorais, dos 538 possíveis, o mesmo placar que Trump descreveu como “vitória esmagadora” quando bateu a ex-secretária de Estado Hillary Clinton em 2016.

Mas o triunfo de Biden não produziu um mandato político claro. A votação que Trump obteve nas urnas foi a segunda maior da história do País e municiou o republicano a permanecer no cenário como força política. Sua presença inibirá por algum tempo o surgimento e a afirmação de novos líderes nacionais no partido conservador, especialmente se ele anunciar candidatura à Casa Branca para 2024. Os planos de Trump podem ser frustrados pelos processos judiciais por corrupção, que ele, filhos e associados estão fadados a enfrentar nos próximos meses no Estado de Nova York e, eventualmente, no plano federal.

Biden afirmou que não pretende guiar-se pelo sentimento de vingança, forte entre muitos democratas, e que exacerbaria a divisão entre americanos, a qual ele precisa superar para dar efetividade ao seu governo. Mas sabe que cometerá erro crasso se ignorar o peso político de Trump e sua capacidade midiática para promover o caos e semear crises, que é parte de sua estratégia para permanecer relevante.

Some-se a isso o desempenho surpreendentemente medíocre dos democratas nas eleições parlamentares, que ocorreram simultaneamente à disputa presidencial. Na Câmara de Representantes, o partido de Biden viu a confortável maioria de mais de 30 cadeiras, num total de 435, encolher para menos de dez. Estrategistas do partido atribuíram o recuo à rejeição pelos eleitores de propostas radicais promovidas pela esquerda, como a eliminação ou redução de verbas para as polícias municipais, acusadas de fomentar o ódio racial, a aceleração das políticas de transição para energias limpas e a socialização do sistema federal de seguro saúde, que é anátema numa nação fundada na liberdade individual e no capitalismo.

Essas propostas abriram divisões entre os democratas e contribuíram para frustrar a conquista da maioria do Senado num pleito em que os republicanos tinham um maior número de cadeiras em jogo. O racha interno entre os democratas deixou a esquerda do partido frustrada e motivada a contestar a moderação de Biden. Nesse contexto, a ampla e merecida publicidade negativa que a política ambiental do governo Bolsonaro recebeu na imprensa americana e internacional torna o País alvo certeiro de críticas. Mas, as críticas podem também reduzir e envenenar o espaço para interações produtivas entre os participantes da Concertação pela Amazônia e seus aliados dentro e fora da nova administração americana.

A decisão sobre o controle do Senado, crucial para a aprovação das propostas orçamentárias do novo governo e a confirmação dos 15 membros do gabinete de ministros e dezenas de outros integrantes da alta hierarquia, incluindo embaixadores, acontecerá na primeira semana de janeiro em disputas de segundo turno pendentes no estado da Georgia. Esse é o complexo e ainda indefinido panorama que os atores brasileiros devem ter em mente em suas interações com Washington e seus interlocutores nos EUA. A entrada em cena de representantes de peso da sociedade civil brasileira será muito bem-vinda se injetar realismo e der lastro ao que os dois países podem e devem buscar juntos.

Décadas de frustrações esvaziaram relações oficiais entre Brasília
e Washington

A história das relações bilaterais mostra as limitações de tentativas de aproximação quando deixadas aos governos. O ex-presidente Fernando Collor de Mello, que ganhou o apelido de Indiana Jones na administração George H. W. Bush por seu estilo espetaculoso de agir, iniciou a abertura da economia e pôs simbólica pá de cal no programa nuclear, como queria Washington. Seu maior e último feito foi presidir a Rio-92 semanas antes de renunciar para não ser removido por impeachment, após denúncia de corrupção feita por um de seus irmãos.

Os seis anos em que Fernando Henrique e Bill Clinton coincidiram no poder levou a uma maior aproximação entre os dois países. Mas esta murchou na recusa do Brasil de embarcar na proposta americana de integração econômica regional seletiva e terminou em frustração dos dois lados. Nas presidências de Luiz Inácio Lula da Silva e de George W. Bush, que também coincidiram seis anos no poder, Brasília elegeu o projeto da Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, que Fernando Henrique rejeitara na Terceira Cúpula das Américas, em Quebec, como alvo predileto, argumentando que o arranjo representaria a anexação da economia brasileira pela americana. A produção de etanol nos dois países foi o mote de um estreitamento de laços que viu o líder americano visitar duas vezes o Brasil antes de o governo brasileiro mudar o foco de sua política energética para o pré-sal e, com isso, labuzar-se em negócios escusos que entraram para a história como o maior escândalo de corrupção de todos os tempos.

Nos dois anos em que Barack Obama e Lula governaram simultaneamente, a China tornou-se o principal parceiro comercial do Brasil e deu-se o maior curto-circuito da história das relações bilaterais — numa fracassada tentativa de mediação pelo Brasil e a Turquia, apoiada inicialmente pelo líder americano, de um acordo nuclear entre o Irã e os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha. O grave incidente em maio de 2010, deixou mágoas nos dois países e foi superado apenas com a posse de Dilma Rousseff, em 2011. Primeira mulher presidente do Brasil e sem talento para a diplomacia, amargou episódio de espionagem americana em seu celular e na Petrobras. A revelação do embaraçoso episódio motivou a vinda do vice-presidente Biden a Brasília, em missão de panos quentes que, ironicamente, abriu caminho para o momento mais produtivo da relação bilateral. Depois de uma segunda visita de Biden para a abertura da Copa do Mundo de 2014, Dilma fez visita aos EUA em meados de 2015, na qual Obama e John Kerry, secretário de Estado, empenharam-se em garantir participação efetiva do Brasil em reunião da Convenção do Clima em dezembro em Paris.

A reunião produziu histórico acordo sobre as contribuições nacionais voluntárias de redução das emissões de CO2. A contribuição da delegação brasileira foi amplamente reconhecida em Washington e outras capitais e abriu espaços providenciais a serem explorados agora, na era Biden, para a construção de agenda produtiva por atores influentes da sociedade civil já mobilizados para a tarefa – goste ou não Bolsonaro.

 

 

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Recado do governo Biden ao governo Bolsonaro (dois Bs que não se bicam) - Thomas Shannon (e protesto de DefesaNet)

 Parece que o recado está dado, pelo ex-embaixador dos EUA no Brasil, em tom bastante duro.

Os milicos ligados aos Bolsonaros, tanto que acusaram o golpe (ver ao final).

Vamos para os próximos capítulos...

Paulo Roberto de Almeida 


A delicada verdade sobre uma velha parceria


Thomas Shannon, ex-embaixador dos EUA no Brasil

Revista Crusoé, 1/01/2021

https://www.oantagonista.com/mundo/thomas-shannon-a-delicada-verdade-sobre-uma-velha-parceria/

 

A relação entre Brasil e Estados Unidos é uma das peças fundamentais da diplomacia do século XXI. Sendo as duas maiores democracias e as duas maiores economias do continente americano, ambos os países são autossuficientes em energia, produzem e exportam mais alimentos do que qualquer outro país e têm as maiores reservas mundiais de água doce e de terra arável.

Ambos abrigam populações diversificadas e dinâmicas e têm atraído pessoas de todo o mundo em busca de oportunidades para construir um futuro para si mesmas e para suas famílias.

Ambos detêm alguns dos patrimônios ambientais mais importantes do mundo, o que lhes dá uma voz importante no direcionamento do debate global sobre as mudanças climáticas.

E ambos se dedicaram a construir estruturas de diálogo político e cooperação que, em grande parte, mantiveram a paz no Ocidente. Em um mundo cada vez mais moldado por conflitos e por confrontos, essa é uma conquista notável.

Essa combinação de propósito nacional e de ambição global é única. No entanto, defini-la apenas em termos estratégicos seria limitá-la. A parceria que define essa relação não é só entre governos, mas mais entre sociedades.

Como os dois países se globalizaram, os encontros que impulsionam o relacionamento são crescentemente entre nossos setores privados, nossas sociedades civis e nossas comunidades de fé. Isso acrescentou profundidade e riqueza ao relacionamento, que reflete uma experiência histórica compartilhada. Também deu um rosto humano à nossa diplomacia, permitindo compreender a parceria não apenas em termos de poder nacional, mas também em termos de oportunidades e bem-estar individuais.

A sincronia entre nossas duas sociedades levou, mais recentemente, ao mimetismo político. Os governos do presidente Donald Trump e de Jair Bolsonaro refletem um ao outro e espelham nossas sociedades em um momento de profunda mudança política. Isso permitiu a ambos os governos avançarem em alguns aspectos de nossa agenda bilateral, especialmente na área de comércio.

Entretanto, o nacionalismo econômico que sustenta os dois governos e as visões de mundo idiossincráticas de seus líderes limitaram a capacidade do Brasil e dos Estados Unidos de moldar uma parceria maior e mais coerente.

Definir a relação entre Brasil e Estados Unidos em termos da relação entre seus líderes é um erro, pois falha em captar o alcance maior do relacionamento e obscurece as possibilidades de cooperação e de colaboração. Também cria riscos desnecessários, uma vez que os líderes nas democracias vêm e vão, e o presidente Trump está prestes a partir.

Então, o que pode acontecer com a relação bilateral entre os dois países durante a presidência de Joe Biden? Em primeiro lugar, é importante notar que o presidente eleito conhece bem o Brasil e a América Latina. Nenhum presidente americano começou seu mandato com o conhecimento e a experiência na região que Joe Biden conquistou ao longo de 40 anos no Senado e oito anos como vice-presidente. Ele conhece a importância do Brasil e tem um conhecimento bem desenvolvido da trajetória histórica de nossa cooperação.

Em segundo lugar, o presidente eleito é um político que conhece a importância de um acordo. Ele verá a relação com o Brasil não em termos pessoais, mas em termos dos interesses e valores que ligam nossas duas nações. Ele não permitirá que ressentimentos ou ofensas interfiram em sua busca por atender os interesses nacionais americanos.

E terceiro, ele vê o papel do Brasil em termos globais. Quando visitou país em maio e junho de 2013, o então vice-presidente Biden proferiu um discurso no porto do Rio de Janeiro. Lá, definiu o Brasil como uma potência mundial em ascensão e disse que a medida da relação seria definida pelas coisas que os países poderiam realizar juntos.

Dito isso, o governo Bolsonaro tem feito quase todo o possível para complicar a transição na relação bilateral. O presidente Bolsonaro e membros de seu governo romperam com a longa tradição brasileira e expressaram preferência pelo presidente Trump nas eleições de novembro. Bolsonaro também criticou publicamente o então candidato Biden após comentários durante um debate, no qual o então candidato pediu uma ação mais orquestrada do Brasil sobre o desmatamento.

Essa gafe, no entanto, perde relevância quando é comparada com a disposição do presidente Bolsonaro de repetir as alegações infundadas de fraude do presidente Trump nas eleições dos Estados Unidos. A preferência partidária baseada na amizade pessoal é perdoável, assim como a defesa da soberania nacional. No entanto, atacar a integridade e a credibilidade do processo eleitoral americano é um ataque à legitimidade da democracia americana e à presidência de Joe Biden. É algo que não será facilmente perdoado e não será esquecido.

"No entanto, atacar a integridade e a credibilidade do processo eleitoral americano é um ataque à legitimidade da democracia americana e à presidência de Joe Biden. É algo que não será facilmente perdoado e não será esquecido."

Por causa disso, o tom da parceria única entre Brasil e Estados Unidos agora depende em grande parte do Brasil. Caberá ao presidente Bolsonaro mostrar disposição de se engajar e fazê-lo em assuntos que, como o vice-presidente Biden deixou claro no Rio de Janeiro em 2013, permitam aos dois países cooperar em questões de importância global.

A primeira e mais imediata cooperação deve ser em relação à pandemia, tanto de seu controle por meio de vacinação e tratamento, como de suas consequências econômicas. Isso abrirá a possibilidade de cooperação científica e médica, além da cooperação em comércio e investimento para ajudar nossas economias a se recuperar.

A segunda questão, do ponto de vista do governo Biden, envolve a mudança climática e a gestão ambiental. Isso não precisa ser um problema incendiário. O Brasil desenvolveu ao longo de décadas uma capacidade de diplomacia ambiental que vinculou questões como mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável e avanço tecnológico.

A sociedade brasileira entende que o seu país desenvolveu um capital ambiental que a torna um ator necessário e essencial nas negociações globais sobre mudanças climáticas. A maneira como se constrói a cooperação em torno do avanço das tecnologias ambientais e como se busca o desenvolvimento econômico e social de maneira que respeitem a biodiversidade, protejam as florestas tropicais e promovam o bem-estar dos povos indígenas terá um impacto positivo no relacionamento bilateral e além.

Em terceiro lugar está a questão da China. Embora seja um importante parceiro comercial do Brasil e dos Estados Unidos, os esforços desse país asiático para se inserir mais profundamente nas economias da América do Sul e construir sua infraestrutura 5G têm causado inquietação e preocupação. Nenhuma de nossas economias pode se separar da China, mas o Brasil e os Estados Unidos estão bem posicionados para garantir que a presença econômica chinesa em nosso continente respeite os valores democráticos e as economias de mercado, os quais definem as Américas. Eles também precisam respeitar o compromisso anticorrupção e com a transparência, uma característica definidora do envolvimento comercial dos Estados Unidos.

À medida que os Estados Unidos se preparam para a posse de Joe Biden como presidente, é importante para ambos os países compreender a natureza duradoura de nosso relacionamento e defini-lo em termos do bem-estar de nossas sociedades.

Vivemos em um mundo irremediavelmente globalizado, no qual a tecnologia está se espalhando e impulsionando mudanças a uma velocidade histórica. O mundo viveu muitos momentos de grandes mudanças globais. Mas o que vivemos hoje é uma mudança que acontecerá mais rápido, mais implacavelmente e afetará mais pessoas do que em qualquer momento da história humana.

Neste momento, é hora de o Brasil e os Estados Unidos entenderem nossa parceria em termos globais. É hora de entender nosso compromisso comum com a democracia, os direitos humanos, o Estado de Direito, a sociedade aberta, as economias de mercado, o comércio justo e regulamentado e a resolução pacífica de disputas como a peça central de uma agenda diplomática mais ampla. É hora de entender que somos definidos por uma ambição comum: usar a governança democrática para criar sociedades democráticas.

Machado de Assis certa vez escreveu em Cartas Fluminenses: “Eu sei que Vossa Excelência preferia uma delicada mentira; mas eu não conheço nada mais delicado que a verdade”. A “delicada verdade”, ou verdade primorosa da relação entre o Brasil e os Estados Unidos, é que se trata de uma parceria do século XXI. É uma parceria que reflete o dinamismo de nossas sociedades e o encontro com um mundo em mudança. Pode ser uma parceria de esperança e de realizações, e de grande valor para o mundo, se assim desejarmos.

"É uma parceria que reflete o dinamismo de nossas sociedades e o encontro com um mundo em mudança. Pode ser uma parceria de esperança e de realizações, e de grande valor para o mundo, se assim desejarmos."

 

Comentário da Defesanet

Nota DefesaNet, 2/01/2021

O agressivo artigo do ex-embaixador americano no Brasil Thomas Shannon, e influente, mesmo aposentado, do Departamento de Estado e ligado umbilicalmente ao Partido Democrata publicado na Revista Crusoé marca o início de um ciclo.

DefesaNet considera como o início da Task Force Brazil (Força Tarefa Brasil - TFBR), ou a formação do grupo de intervenção e desestabilização do Governo Brasileiro, independente de ser Jair Bolsonaro ou não o Presidente, e do Brasil como Nação.. A TFBR já tinha o ex-ministo Sergio Moro, como agente desestabilizador e interventor agindo para os dos Departamentos da Justiça e do Tesouro (possivelmente incluindo a área de  inteligência). A lista membros da Task Force Brazil é ampla e inclui vários nomes ativos na política, imprensa e judiciário nacional.

Também o eterno interventor, o ex-presidente FHC.

O Editor DefesaNet