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terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Recado do governo Biden ao governo Bolsonaro (dois Bs que não se bicam) - Thomas Shannon (e protesto de DefesaNet)

 Parece que o recado está dado, pelo ex-embaixador dos EUA no Brasil, em tom bastante duro.

Os milicos ligados aos Bolsonaros, tanto que acusaram o golpe (ver ao final).

Vamos para os próximos capítulos...

Paulo Roberto de Almeida 


A delicada verdade sobre uma velha parceria


Thomas Shannon, ex-embaixador dos EUA no Brasil

Revista Crusoé, 1/01/2021

https://www.oantagonista.com/mundo/thomas-shannon-a-delicada-verdade-sobre-uma-velha-parceria/

 

A relação entre Brasil e Estados Unidos é uma das peças fundamentais da diplomacia do século XXI. Sendo as duas maiores democracias e as duas maiores economias do continente americano, ambos os países são autossuficientes em energia, produzem e exportam mais alimentos do que qualquer outro país e têm as maiores reservas mundiais de água doce e de terra arável.

Ambos abrigam populações diversificadas e dinâmicas e têm atraído pessoas de todo o mundo em busca de oportunidades para construir um futuro para si mesmas e para suas famílias.

Ambos detêm alguns dos patrimônios ambientais mais importantes do mundo, o que lhes dá uma voz importante no direcionamento do debate global sobre as mudanças climáticas.

E ambos se dedicaram a construir estruturas de diálogo político e cooperação que, em grande parte, mantiveram a paz no Ocidente. Em um mundo cada vez mais moldado por conflitos e por confrontos, essa é uma conquista notável.

Essa combinação de propósito nacional e de ambição global é única. No entanto, defini-la apenas em termos estratégicos seria limitá-la. A parceria que define essa relação não é só entre governos, mas mais entre sociedades.

Como os dois países se globalizaram, os encontros que impulsionam o relacionamento são crescentemente entre nossos setores privados, nossas sociedades civis e nossas comunidades de fé. Isso acrescentou profundidade e riqueza ao relacionamento, que reflete uma experiência histórica compartilhada. Também deu um rosto humano à nossa diplomacia, permitindo compreender a parceria não apenas em termos de poder nacional, mas também em termos de oportunidades e bem-estar individuais.

A sincronia entre nossas duas sociedades levou, mais recentemente, ao mimetismo político. Os governos do presidente Donald Trump e de Jair Bolsonaro refletem um ao outro e espelham nossas sociedades em um momento de profunda mudança política. Isso permitiu a ambos os governos avançarem em alguns aspectos de nossa agenda bilateral, especialmente na área de comércio.

Entretanto, o nacionalismo econômico que sustenta os dois governos e as visões de mundo idiossincráticas de seus líderes limitaram a capacidade do Brasil e dos Estados Unidos de moldar uma parceria maior e mais coerente.

Definir a relação entre Brasil e Estados Unidos em termos da relação entre seus líderes é um erro, pois falha em captar o alcance maior do relacionamento e obscurece as possibilidades de cooperação e de colaboração. Também cria riscos desnecessários, uma vez que os líderes nas democracias vêm e vão, e o presidente Trump está prestes a partir.

Então, o que pode acontecer com a relação bilateral entre os dois países durante a presidência de Joe Biden? Em primeiro lugar, é importante notar que o presidente eleito conhece bem o Brasil e a América Latina. Nenhum presidente americano começou seu mandato com o conhecimento e a experiência na região que Joe Biden conquistou ao longo de 40 anos no Senado e oito anos como vice-presidente. Ele conhece a importância do Brasil e tem um conhecimento bem desenvolvido da trajetória histórica de nossa cooperação.

Em segundo lugar, o presidente eleito é um político que conhece a importância de um acordo. Ele verá a relação com o Brasil não em termos pessoais, mas em termos dos interesses e valores que ligam nossas duas nações. Ele não permitirá que ressentimentos ou ofensas interfiram em sua busca por atender os interesses nacionais americanos.

E terceiro, ele vê o papel do Brasil em termos globais. Quando visitou país em maio e junho de 2013, o então vice-presidente Biden proferiu um discurso no porto do Rio de Janeiro. Lá, definiu o Brasil como uma potência mundial em ascensão e disse que a medida da relação seria definida pelas coisas que os países poderiam realizar juntos.

Dito isso, o governo Bolsonaro tem feito quase todo o possível para complicar a transição na relação bilateral. O presidente Bolsonaro e membros de seu governo romperam com a longa tradição brasileira e expressaram preferência pelo presidente Trump nas eleições de novembro. Bolsonaro também criticou publicamente o então candidato Biden após comentários durante um debate, no qual o então candidato pediu uma ação mais orquestrada do Brasil sobre o desmatamento.

Essa gafe, no entanto, perde relevância quando é comparada com a disposição do presidente Bolsonaro de repetir as alegações infundadas de fraude do presidente Trump nas eleições dos Estados Unidos. A preferência partidária baseada na amizade pessoal é perdoável, assim como a defesa da soberania nacional. No entanto, atacar a integridade e a credibilidade do processo eleitoral americano é um ataque à legitimidade da democracia americana e à presidência de Joe Biden. É algo que não será facilmente perdoado e não será esquecido.

"No entanto, atacar a integridade e a credibilidade do processo eleitoral americano é um ataque à legitimidade da democracia americana e à presidência de Joe Biden. É algo que não será facilmente perdoado e não será esquecido."

Por causa disso, o tom da parceria única entre Brasil e Estados Unidos agora depende em grande parte do Brasil. Caberá ao presidente Bolsonaro mostrar disposição de se engajar e fazê-lo em assuntos que, como o vice-presidente Biden deixou claro no Rio de Janeiro em 2013, permitam aos dois países cooperar em questões de importância global.

A primeira e mais imediata cooperação deve ser em relação à pandemia, tanto de seu controle por meio de vacinação e tratamento, como de suas consequências econômicas. Isso abrirá a possibilidade de cooperação científica e médica, além da cooperação em comércio e investimento para ajudar nossas economias a se recuperar.

A segunda questão, do ponto de vista do governo Biden, envolve a mudança climática e a gestão ambiental. Isso não precisa ser um problema incendiário. O Brasil desenvolveu ao longo de décadas uma capacidade de diplomacia ambiental que vinculou questões como mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável e avanço tecnológico.

A sociedade brasileira entende que o seu país desenvolveu um capital ambiental que a torna um ator necessário e essencial nas negociações globais sobre mudanças climáticas. A maneira como se constrói a cooperação em torno do avanço das tecnologias ambientais e como se busca o desenvolvimento econômico e social de maneira que respeitem a biodiversidade, protejam as florestas tropicais e promovam o bem-estar dos povos indígenas terá um impacto positivo no relacionamento bilateral e além.

Em terceiro lugar está a questão da China. Embora seja um importante parceiro comercial do Brasil e dos Estados Unidos, os esforços desse país asiático para se inserir mais profundamente nas economias da América do Sul e construir sua infraestrutura 5G têm causado inquietação e preocupação. Nenhuma de nossas economias pode se separar da China, mas o Brasil e os Estados Unidos estão bem posicionados para garantir que a presença econômica chinesa em nosso continente respeite os valores democráticos e as economias de mercado, os quais definem as Américas. Eles também precisam respeitar o compromisso anticorrupção e com a transparência, uma característica definidora do envolvimento comercial dos Estados Unidos.

À medida que os Estados Unidos se preparam para a posse de Joe Biden como presidente, é importante para ambos os países compreender a natureza duradoura de nosso relacionamento e defini-lo em termos do bem-estar de nossas sociedades.

Vivemos em um mundo irremediavelmente globalizado, no qual a tecnologia está se espalhando e impulsionando mudanças a uma velocidade histórica. O mundo viveu muitos momentos de grandes mudanças globais. Mas o que vivemos hoje é uma mudança que acontecerá mais rápido, mais implacavelmente e afetará mais pessoas do que em qualquer momento da história humana.

Neste momento, é hora de o Brasil e os Estados Unidos entenderem nossa parceria em termos globais. É hora de entender nosso compromisso comum com a democracia, os direitos humanos, o Estado de Direito, a sociedade aberta, as economias de mercado, o comércio justo e regulamentado e a resolução pacífica de disputas como a peça central de uma agenda diplomática mais ampla. É hora de entender que somos definidos por uma ambição comum: usar a governança democrática para criar sociedades democráticas.

Machado de Assis certa vez escreveu em Cartas Fluminenses: “Eu sei que Vossa Excelência preferia uma delicada mentira; mas eu não conheço nada mais delicado que a verdade”. A “delicada verdade”, ou verdade primorosa da relação entre o Brasil e os Estados Unidos, é que se trata de uma parceria do século XXI. É uma parceria que reflete o dinamismo de nossas sociedades e o encontro com um mundo em mudança. Pode ser uma parceria de esperança e de realizações, e de grande valor para o mundo, se assim desejarmos.

"É uma parceria que reflete o dinamismo de nossas sociedades e o encontro com um mundo em mudança. Pode ser uma parceria de esperança e de realizações, e de grande valor para o mundo, se assim desejarmos."

 

Comentário da Defesanet

Nota DefesaNet, 2/01/2021

O agressivo artigo do ex-embaixador americano no Brasil Thomas Shannon, e influente, mesmo aposentado, do Departamento de Estado e ligado umbilicalmente ao Partido Democrata publicado na Revista Crusoé marca o início de um ciclo.

DefesaNet considera como o início da Task Force Brazil (Força Tarefa Brasil - TFBR), ou a formação do grupo de intervenção e desestabilização do Governo Brasileiro, independente de ser Jair Bolsonaro ou não o Presidente, e do Brasil como Nação.. A TFBR já tinha o ex-ministo Sergio Moro, como agente desestabilizador e interventor agindo para os dos Departamentos da Justiça e do Tesouro (possivelmente incluindo a área de  inteligência). A lista membros da Task Force Brazil é ampla e inclui vários nomes ativos na política, imprensa e judiciário nacional.

Também o eterno interventor, o ex-presidente FHC.

O Editor DefesaNet


domingo, 19 de julho de 2015

Venezuela-EUA: contatos intimos de primeiro grau - Francisco Toro

Parece incrível: o homem que o FBI e a DEA querem capturar, por seu papel no tráfico de drogas entre Colômbia-Venezuela e os EUA,  encontra amigavelmente o representante do império no Haiti…
Parece que hipocrisia é o outro nome da diplomacia...
No Brasil, como  escreveu um leitor deste blog, e deste post, existe menos pudor em receber o traficante: http://cristalvox.com.br/2015/06/13/secretamente-dilma-recebe-o-maior-traficante-da-venezuela-diosdado-cabello-e-o-chefe-do-cartel-dos-sois/
Paulo Roberto de Almeida

Making Sense of the Shannon-Diosdado Confab


image-2014-11-10-18513179-70-jackson-diehl-washington-postWashington Post op-ed columnist Jackson Diehl has the first comprehensible account of what the effing eff Senior State Department official Thomas Shannon was doing in Haiti a week ago meeting Venezuela’s druglord-parliamentarian Diosdado Cabello.
In Diehl’s telling, Shannon’s key goals were to save Leopoldo López’s life and to help ensure fair legislative elections this year as a way of engineering a soft-landing for the regime.
If so, well done Mr. Shannon!
But Diehl also stresses that allowing meaningful international monitoring of this year’s elections was a key U.S. demand in Port-au-Prince. In her announcement today, Venezuelan elections chief Tibisay Lucena implied that only UNASUR would be invited, and then only to “accompany” the elections.
There are multiple problems with that. First off, UNASUR – the Union of South American Nations – was founded by Chávez and is widely seen as pliant to the Venezuelan regime. What’s more, “accompaniment” is not “monitoring”. Even the Carter Center – not exactly a full-throated CNE critic – has declined to participate in “accompaniment” missions in Venezuela, noting that:
The concept of accompaniment differs from observation in that the purpose of accompaniment is to invite foreign individuals to witness the day of the election with a largely symbolic political presence, while the purpose of observation is to invite international organizations to comprehensively assess an electoral process to enhance the integrity of the voting process, contribute to voter confidence, and inform the international community and domestic stakeholders. (Emphasis added.)
Ni es lo mismo ni es igual.
In short, whether UNASUR accompaniment will meet Shannon’s demand for meaningful, impartial international election observers seems very much open to question.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Relacoes Brasil-EUA: diplomacia ativa, altiva... e agressiva - despedida do Embaixador dos EUA

Parece que certo estilo tem se espalhado pela esplanada, ou então, certas pessoas, por excesso de zelo, precisam se mostrar em conformidade com os ares do tempo, e os espíritos da época. Que tempos, que espíritos...
Paulo Roberto de Almeida
Folha de S.Paulo, 10/11/2013

Tratamento dado por Brasil a embaixador desagrada aos EUA

PATRÍCIA CAMPOS MELLO

DE SÃO PAULO
Ouvir o texto

O governo americano considerou "humilhante" o tratamento dado a seu ex-embaixador em Brasília Thomas Shannon, que deixou o cargo quando estourava o escândalo de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA). A mágoa da diplomacia americana contribui para azedar o já desgastado clima entre Washington e Brasília, em crise desde que foi revelado que a NSA espionou a presidente Dilma Rousseff.
Após deixar o Brasil, em setembro, Shannon foi escolhido para ser o assessor especial do secretário de Estado, John Kerry. Ocupará um cargo estratégico, que já foi de George Kennan, ícone da diplomacia do país.
Em seu almoço de despedida no Itamaraty, em 5 de setembro, Shannon foi recebido por um diplomata de terceiro escalão, em vez do ministro, como era esperado.
Logo no início do almoço, o embaixador Carlos Antônio Paranhos, subsecretário-geral político 1, puxou um papel e fez um discurso com declarações agressivas, segundo pessoas presentes, referindo-se ao unilateralismo e denunciando indiretamente intervenções militares dos EUA, diante de cerca de 30 pessoas, entre elas embaixadores de Israel e da Croácia.
Esses almoços normalmente são uma forma protocolar de o ministério se despedir dos representantes estrangeiros e reconhecer o serviço prestado. O almoço para Shannon, no entanto, não foi nada disso.
"Convidar alguém e depois fazer declarações agressivas contra seu país, ainda mais alguém que se esforçou tanto pelas relações bilaterais, é inexplicável", diz uma pessoa presente.
"Poderiam ter dito a ele que não havia clima para um almoço, por causa da NSA, e fazer só uma cerimonia íntima."

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Relacoes EUA-Brasil: entrevista com Emb. Shannon

Brasil 'tem oportunidade' de passar da abstenção à ação, diz embaixador dos EUA

FÁBIO BRANDT - DE BRASÍLIA
Folha de S.Paulo, 27/10/2011

O embaixador do Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, disse nesta quarta-feira (26) que "o Brasil tem a oportunidade de tomar passos importantes e de passar de um país que se abstenha para um país que atua". Shannon se referiu às recentes abstenções brasileiras na ONU sobre conflitos na Líbia e na Síria.
O diplomata falou sobre o assunto no programa "Poder e Política - Entrevista" conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues no estúdio do Grupo Folha em Brasília. O projeto é uma parceria do UOL e da Folha.
Sobre a vontade do Brasil de se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, Shannon disse que o país faz parte de um grupo de países que têm capacidade de "atuar no mundo". Mas ressalvou que "o processo de reformar o Conselho [de Segurança da ONU] e determinar os novos integrantes ou membros do Conselho não é tanto uma troca transacional, como [também] um processo de reconhecer poder, o poder no mundo".
O americano concedeu a entrevista em português. Entre outros assuntos, falou sobre as mortes de Muamar Gaddafi e Osama bin Laden. Também respondeu sobre a extinção do visto de entrada nos EUA para brasileiros e sobre as relações comerciais entre os dois países.
A transcrição está disponível em texto.
Thomas Shannon - 26/10/2011
Narração de abertura: Thomas Shannon Jr. é diplomata de carreira e assumiu como embaixador dos Estados Unidos no Brasil em fevereiro de 2010. Shannon tem 53 anos e fala português.
Antes de ser embaixador no Brasil, Thomas Shannon trabalhou no Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos. No governo de George W. Bush, foi assessor especial do presidente e diretor sênior para assuntos do Hemisfério Ocidental.
Em agosto de 2011, Shannon foi chamado de volta a Washington. Ocupou interinamente o importante cargo de subsecretário de Estado para Assuntos Políticos. Agora, em outubro de 2011, reassumiu o posto de embaixador no Brasil.
Folha/UOL: Olá internauta. Bem-vindo ao "Poder e Política Entrevista".
O programa é uma realização do jornal Folha de São Paulo, do portal UOL e da Folha.com. A gravação é realizada aqui no estúdio do Grupo Folha em Brasília.
O entrevistado desta edição do Poder e Política é o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon.
Folha/UOL: Embaixador, muito obrigado pela sua presença. E eu começo perguntando: como andam as relações entre Brasil e Estados Unidos? Melhoraram depois da posse de Dilma Rousseff?
Thomas Shannon: As relações são excelentes. Realmente estamos em um momento positivo nas relações. Positivo não somente bilateralmente, mas também no que o Brasil e os Estados Unidos estão fazendo globalmente. Então, para mim, este é o momento de ser o embaixador dos Estados Unidos no Brasil.
Folha/UOL: O presidente Barack Obama visitou o Brasil neste ano [2011], a presidente Dilma Rousseff tem uma visita pré-agendada aos Estados Unidos para o ano que vem [2012]. Qual é o saldo até agora da visita de Barack Obama ao Brasil?
Thomas Shannon: A visita do presidente Obama, especialmente a sua conversa com a presidente Rousseff, foi importante para definir uma agenda do século 21 entre o Brasil e os Estados Unidos. Uma agenda com enfoque na infraestrutura, na ciência e tecnologia, na educação, na inovação e na maneira como os Estados Unidos e o Brasil podem colaborar nessas quatro áreas entre eles, mas também no mundo.
Folha/UOL: Já há algum projeto mais específico que foi tratado e sobre o qual se avançou nessas áreas?
Thomas Shannon: Vários. Começando com os acordos que assinamos durante a visita, como o acordo de céus abertos, que vai permitir grande movimento de linhas aéreas brasileiras para os Estados Unidos e dos Estados Unidos para o Brasil. Vai melhorar o turismo, vai melhorar o intercambio comercial e de investimento.
Mas também estamos trabalhando em cooperação comercial na área espacial e nosso administrador da Nasa [a agência espacial dos EUA] está aqui no Brasil hoje. Amanhã eu vou para São Paulo para me reunir com ele. Mas também assinamos um acordo de cooperação econômica que vai promover as negociações especialmente em setores de nossas economias onde há complementaridade, que realmente abrem muito espaço para o Brasil e os Estados Unidos avançarem em nossas relações.
Folha/UOL: O caso desse acordo que o sr. mencionou, o "céu aberto", para companhias americanas operarem no Brasil e vice-versa. Quando se pode esperar algum acordo para que alguma companhia americana comece a operar novos voos no Brasil e vice-versa?
Thomas Shannon: Já estamos experimentando novos voos em diferentes cidades aqui no Brasil. Mas primeiro o Congresso tem que aprovar ou ratificar o tratado. Mas temos um memorando de entendimento que vai permitir uma abertura durante os próximos três anos, com a ideia de que, em 2015, o mercado, em termos de linhas aéreas, vai ser totalmente aberto.
Folha/UOL: Já há alguma data prevista, mais firme, para a visita da presidente Dilma Rousseff a Washington?
Thomas Shannon: Ainda estamos trabalhando com o Planalto para determinar a data. Mas eu acho que... a nossa ideia é que vá ocorrer em março [de 2012].
Folha/UOL: Em março de 2012. Os pontos da agenda que o sr. acha que poderão ser incluídos nessa visita seriam quais os mais importantes?
Thomas Shannon: Nossas relações são super amplas. Então vamos obviamente falar de muitas coisas. Mas os dois presidentes têm muito interesse em melhorar a relação comercial e também de investimento. Também têm muito interesse de avançar nos programas de intercâmbio educacional, especialmente o programa da presidente Rousseff, Ciência sem Fronteiras. Mas também o Brasil por ser um poder global hoje abre um espaço para um diálogo, uma conversação muito mais ampla sobre o mundo.
Folha/UOL: Há um tema que sempre interessa muito aos brasileiros, sobretudo os brasileiros que viajam aos Estados Unidos, que é a obtenção de visto de entrada nos Estados Unidos. Já houve alguma melhoria nos últimos tempos sobre a validade do visto. Mas há sempre a discussão possível de que, no futuro, Brasil e Estados Unidos poderiam abolir o visto de entrada mutuamente. O que o sr. acha disso e qual é essa possibilidade?
Thomas Shannon: Eu acho que isso vai ocorrer no futuro. Simplesmente pela relação entre o Brasil e os Estados Unidos e também pela economia do Brasil, a potencia que é o Brasil hoje e que vai ser o Brasil no futuro.
Folha/UOL: O que está faltando para isso acontecer?
Thomas Shannon: Nos Estados Unidos o Congresso determina os critérios para abolir a necessidade de um visto. Tem a ver com a quantidade de pessoas que viajam aos Estados Unidos e os que podem obter o visto. E também uma série de regras e acordos entre o Brasil e Estados Unidos sobre a integridade de documentos e a confiança que os dois países têm e na identidade de cada pessoas que está viajando. Estamos trabalhando em todas essas áreas. Agora mesmo temos um diálogo bilateral consular entre Itamaraty e Estados Unidos e também entre diferentes entidades do governo dos Estados Unidos e aqui do Brasil para abrir um espaço para progredir nessa área.
Folha/UOL: O sr., sendo realista, acredita que o horizonte para que isso evolua para um acordo seria um ano, cinco anos, dez anos? Ou é difícil dizer?
Thomas Shannon: É difícil dizer neste momento. Porque depende de cada passo desse processo. Mas no momento estamos fazendo todo o possível para facilitar as entrevistas em nossos consulados e também em nossa embaixada e facilitar a autorização dos vistos. Incluindo aumento do [número de] oficiais que estão aqui trabalhando nos assuntos de visto e também ampliando nossa capacidade física de receber mais brasileiros.
Folha/UOL: O Brasil hoje, entre os países que necessitam de visto ara entrar nos Estados Unidos, encontra-se em qual posição no ranking de países que mais pedem visto de entrada?
Thomas Shannon: É o terceiro país no mundo, depois de China e México.
Folha/UOL: Isso vem sendo assim já há algum tempo?
Thomas Shannon: Isso é coisa nova, durante os últimos anos. Reflete a economia do Brasil, especialmente a emergência de uma classe média aqui. Ou seja, neste ano vamos autorizar mais de 800 mil vistos no Brasil e no ano que vem estamos esperando mais de 1 milhão de vistos.
Folha/UOL: O Brasil tem ficado cada vez mais proeminente no cenário global, atuado em várias frentes diplomáticas e uma delas é o pleito, o desejo do Brasil, de integrar de maneira permanente o Conselho de Segurança da ONU. Os Estados Unidos já demonstraram simpatia a respeito disso, mas não há um comprometimento. É possível evoluir nessa área, o comprometimento dos Estados Unidos a respeito do desejo do Brasil?
Thomas Shannon: É parte de nosso diálogo bilateral com o Brasil. E o importante é que durante a visita do presidente Obama ele mostrou mais que simpatia. Ele mostrou respeito. E também reconhecimento do papel importante que o Brasil já está assumindo no mundo. Mas também é importante reconhecer e entender que não é simplesmente um compromisso entre países sobre quem vai estar no Conselho. Temos que construir um processo para chegar a esse ponto. Ou seja: como reformar o Conselho de Segurança? E nesse sentido o Brasil e os Estados Unidos andamos juntos porque reconhecemos a importância de reformar o Conselho.
Folha/UOL: O sr. acha que na visita da presidente Dilma o palavreado diplomático pode evoluir um pouquinho? Porque na última visita do presidente Obama ele realmente declarou respeito pela posição brasileira de querer uma reforma do Conselho e uma vaga. O sr. acha que vai evoluir um pouco mais ou vai ficar nesse estágio ainda?
Thomas Shannon: Temos trabalho a fazer. E por isso temos essa conversa, esse diálogo bilateral entre o Brasil e os Estados Unidos. Então eu não vou antecipar os resultados, mas estamos trabalhando.
Folha/UOL: O sr. acha que tem sido mais positiva do que negativa a negociação nessa área entre os dois países? Ou neutra?
Thomas Shannon: Eu acho que, pelo papel do Brasil no mundo, a cada dia é mais positiva. Mas, outra vez, temos que reconhecer que o desafio mais importante é construir um processo de reformar o Conselho. Não somente identificar os países que podem integrar um novo Conselho.
Folha/UOL: Qual seria a ação ou a atitude que o governo brasileiro poderia empreender para ter realmente condições de integrar o Conselho de Segurança [da ONU]?
Thomas Shannon: O processo de reformar o Conselho e determinar os novos integrantes ou membros do Conselho não é tanto uma troca transacional, como [também] um processo de reconhecer poder, o poder no mundo, e os países que têm capacidade de atuar no mundo. E nesse sentido eu acho que o Brasil é obviamente parte deste grupo de países. Porque a reforma vai indicar países que vão ficar no Conselho por muitos anos. Então é bem difícil dizer que eu vou trocar ou intercambiar uma presença permanente para uma ação particular. Então não é transacional. É muito mais importante do que isso.
Folha/UOL: Vamos falar de relações comerciais Brasil-Estados Unidos. O Congresso do seu país deve em 2012 aprovar uma nova lei de subsídios agrícolas. A chamada "Farm Bill". Em tese haverá ali alguns elementos que serão contestados pelo governo brasileiro em termos de subsídios. Como o sr. acha que vai ser esse novo pacote de subsídios que o Congresso deve aprovar?
Thomas Shannon: Sempre é perigoso para um diplomata antecipar o que vai fazer o nosso Congresso, porque os fatores de poder lá são complicados. Mas eu acho que essa votação no Congresso em 2012 vai ser em suma positiva. Então eu acho que vão avançar as relações agrícolas entre o Brasil e os Estados Unidos.
Folha/UOL: Porque há sempre essa negociação a respeito de alguns produtos principais como etanol e algodão. Nessas duas áreas o sr. acha que pode haver algum avanço em relação ao que se tem hoje?
Thomas Shannon: Pois, outra vez, eu vou deixar essas coisas do Congresso. Mas eu acho que já estabelecemos um palco, uma área de negociação entre o Brasil e os Estados Unidos nessa área. Uma área de cooperação, que é positiva e que indica para o nosso Congresso os benefícios que podem existir com um Farm Bill adequado.
Folha/UOL: Mas o seu governo tem interagido para que, enfim, digamos no caso do etanol, que é um caso sempre mencionado. Que possa ser mais facilitada a compra do etanol brasileiro por americanos?
Thomas Shannon: Há um debate no Congresso e entre a administração e o Congresso sobre isso. E parte tem a ver com nossa política de energia, ou energética, e tem a ver com nosso orçamento público e os gastos de nosso orçamento público. Mas eu acho que o Brasil e os Estados Unidos somos parceiros em [fazer] avançar a ideia de energia renovável. E especialmente a capacidade de criar novos tipos de biocombustíveis.
Folha/UOL: O sr. está aqui desde 2010. Então conviveu um pouco com o governo Lula. Agora com o governo Dilma Rousseff. Com dois chanceleres, Celso Amorim e Antonio Patriota. Há alguma mudança no dia a dia, no tratamento, nas relações Brasil-Estados Unidos com essa troca de governo?
Thomas Shannon: O fantástico das relações entre o Brasil e os Estados Unidos é que não é status quo. Ou seja, cada dia é um dia novo. Porque tem que ver como é a transformações do Brasil domesticamente e internacionalmente. E tem que ver como são as transformações de que ocorrem no mundo, na área global. Então da maneira com que o Brasil e os Estados Unidos estabelecem relações e estabelecem diálogos dinâmicos que mudam a cada dia. Durante o tempo de Lula e de Celso Amorim havia avanços importantes na relação. Especialmente na estrutura da relação, essa estrutura de diálogo. Mas também com a presidente Rousseff e o ministro Patriota estamos avançando. Ou seja, há continuidade no sentido de uma trajetória positiva.
Folha/UOL: Surgiu algum tema novo, com a chegada de Patriota e Dilma Roussef ao governo, nas relações? Ou foi só uma continuidade.
Thomas Shannon: Como falou o ministro Patriota, a continuidade não quer dizer repetir. Ou seja, estamos construindo realmente a cada dia mais coisas importantes na relação. Eu acho que a troca de ideias e a conversa entre o Brasil e os Estados Unidos em assuntos de Oriente Médio já está a cada dia mais sofisticada e mais útil para os dois países e também na área social. Especialmente na área de educação. E essa iniciativa da presidente Rousseff, Ciência sem Fronteiras, estamos trabalhando para abrir um espaço para brasileiros nas universidades nos Estados Unidos. Então eu acho que na área de diplomacia tradicional e também na área da diplomacia nova, essa diplomacia social, que conecta nossas sociedades. Estamos avançando de uma maneira superinteligente.
Folha/UOL: O sr. mencionou que houve uma evolução, uma sofisticação nas conversas Brasil-Estados Unidos a respeito, por exemplo, de Oriente Médio. O sr. teria como dar um exemplo de como evoluiu essa discussão?
Thomas Shannon: Eu acho que pela crise na Líbia e, depois, na Síria. Havia uma intensificação nessas conversas entre o Brasil e os Estados Unidos. E também pelo fato de que o Brasil hoje é membro do Conselho de Segurança da ONU. E isso ajuda muito, para nós, a entender a posição do Brasil. E também acho que ajuda o Brasil a entender a posição dos Estados Unidos. Por exemplo: o papel do Brasil no Conselho de Direitos Humanos. Para nós é sumamente interessante, especialmente sua capacidade de falar abertamente sobre a importância de não reprimir civis durante manifestações e outras atividades na Líbia e na Síria e sua capacidade de falar diretamente da importância dos Direitos Humanos na Primavera Árabe.
Folha/UOL: Mas então como o sr. e seu governo interpretariam as abstenções do Brasil no Conselho de Segurança neste ano sobre ação militar na Líbia, sobre repressão a manifestantes pelo governo da Síria. O Brasil se absteve várias vezes, não votou com os Estados Unidos. Qual é a sua interpretação disso?
Thomas Shannon: Obviamente nosso desejo é que o Brasil vote conosco. Mas entendemos o papel do Brasil neste momento. Especialmente essa intenção de balancear sua relação nos Brics [grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] e na Ibsa [Ibas, grupo formado por Índia, Brasil e África do Sul]. Mas o importante é reconhecer que, a cada instante, o Brasil falou publicamente da importância dos direitos humanos, falou publicamente da importância de o governo não usar violência contra seus próprios cidadãos e que com o processo dos eventos, especialmente na Líbia, o Brasil efetivamente mudou [sua posição] de abstenção a participação na reconstrução da Líbia. Ou seja, o Brasil mostrou capacidade de avançar com a comunidade internacional.
Folha/UOL: Mas o sr. não acha que o país, no caso o Brasil, poderia manter o discurso sobre direitos humanos e ainda assim ter uma posição mais assertiva no Conselho [de Segurança da ONU] ao invés de se abster?
Thomas Shannon: Eu acho que o Brasil, com seu papel a cada dia mais importante no mundo, está entendendo de uma forma nova o seu próprio poder e a sua própria influência no palco global. Eventualmente o Brasil vai entender que é uma coisa atuar dentro da formalidade das organizações internacionais e outra coisa é falar de seus princípios e valores. E eu acho que, nesse sentido, o Brasil tem a oportunidade de tomar passos importantes e de passar de um país que se abstenha para um país que atua.
Folha/UOL: O governo brasileiro nos últimos anos manteve relações amistosas com certos governos de países que não têm tradição democrática. O sr. acha que nesse caso também o Brasil vai evoluir para uma posição diferente?
Thomas Shannon: Esse é um pecado que todos nós temos, estabelecer relações com países que, às vezes, não são 100% democráticos. Mas é um pecado que podemos reconhecer e tentar pedir desculpas. Meu próprio país, nesta etapa, está tentando mostrar, no Oriente Médio, mostrar que reconhecemos a importância da Primavera Árabe e que é necessário trabalhar para abrir um espaço para a democracia no Oriente Médio. E eu acho que o Brasil está na mesma etapa.
Folha/UOL: O Brasil tem posições críticas sobre, por exemplo, a prisão de Guantánamo. O chanceler Patriota esteve aqui, deu uma entrevista. Disse que, enfim, vê com certo desconforto a manutenção da prisão de Guantánamo. Diz também que alguns procedimento da Guerra ao Terror nos Estados Unidos "revelaram suas limitações, estão sendo revistos". Essas críticas do governo brasileiro, Guantánamo, certos procedimentos que foram usados na Guerra ao Terror, são positivas na relação entre os dois países, que se faça esse tipo de crítica?
Thomas Shannon: Da maneira com que o Brasil fala de direitos humanos no mundo, vai falar sobre temas não somente sobre o Oriente Médio mas também sobre nós, de vez em quando. Da mesma maneira em que nós vamos falar de situações no Brasil. E são bem-vindos, porque são parte de um diálogo. Eu acho que esse comentário é um comentário dado com respeito.
Folha/UOL: Estamos falando de Oriente Médio. Agora, recentemente, foi morto Muammar Gaddafi. As circunstâncias em que ele morreu ou foi assassinado ainda não são conhecidas. E há uma suspeita de que as forças aliadas da Otan facilitaram para que os rebeldes capturassem e, eventualmente, matassem Muammar Gaddafi. O que seu governo tem a comentar sobre este episódio?
Thomas Shannon: O nosso governo expressou nosso interesse na investigação por parte do Conselho Nacional de Transição [órgão político do governo interino da Líbia] da Líbia sobre as circunstâncias da morte de Gaddafi. E nossa secretária de Estado [Hillary Clinton] falou da importância desta investigação. Mas é importante também reconhecer que o fim de uma ditadura sempre é complicado. Porque a ditadura destrói as instituições judiciais, destruí as instituições policiais e destrói as outras instituições que realmente podem facilitar uma transição de poder. Infelizmente no momento em que Gaddafi decidiu ir para Sirte e antecipar seu próprio fim dizendo que estava disposto a ser morto.
Folha/UOL: Mas não teria sido mais prudente que as forcas aliadas tivessem tentado evitar esse desfecho até como um certo esforço didático para a nova democracia que pode surgir?
Thomas Shannon: Claro. Sempre. Mas o mundo é complicado. E é importante nesse momento se concentrar no futuro da Líbia e no futuro de um país que realmente tem inspirações democráticas e que precisa de ajuda do mundo para realizar essas aspirações.
Folha/UOL: No caso de outro líder que também foi morto, Osama Bin Laden, há também muita dúvida sobre a forma como ele acabou sendo morto. Nesse caso o sr. acha que nós ainda temos dúvida sobre o que aconteceu? O sr. poderia compartilhar conosco qual é a versão, no momento, para a morte de Bin Laden naquele episódio?
Thomas Shannon: Não, eu acho que é óbvio. Ou seja, durante a tentativa de capturá-lo, ele foi morto. Assim fechou o capítulo.
Folha/UOL: O sr. não acha que deveria ter havido também um esforço das forças americanas para capturá-lo e colocá-lo em julgamento?
Thomas Shannon: Olhe, nossas forças armadas não são policiais. E estamos em guerra com a Al Qaeda. Osama Bin Laden era o líder da Al Qaeda, o autor intelectual dos ataques contra os Estados Unidos em vários instantes e também ataques em outros países. Nossa intenção é atacar da maneira possível a hierarquia da Al Qaeda. E ele foi um alvo legítimo.
Folha/UOL: Há uma interpretação dos Estados Unidos sempre sobre a Tríplice Fronteira, Brasil, Paraguai e Argentina, de que ali seria um foco potencial ou verdadeiro de ativistas que praticam atos terroristas. O governo brasileiro não compartilha dessa avaliação. Por que há essa divergência de avaliação sobre a Tríplice Fronteira entre Brasil e Estados Unidos?
Thomas Shannon: É importante dizer que há uma cooperação excelente entre o Brasil, Argentina, Paraguai, os Estados Unidos e outros países na luta contra o terrorismo. Seja na América do Sul, seja em outras partes do mundo. E também do meu ponto de vista, a atuação da Polícia Federal, da Abin e outras entidades do Brasil muito responsáveis nessa área. Mas o Brasil como outros países na América do Sul tem uma concepção de terrorismo que está limitado ao ato de terrorismo, ou seja, está limitado ao ato de violência. Nosso entendimento é muito maior. Tem a ver com o financiamento, com as estruturas logísticas e também com a maneira com que grupos que não são diretamente terroristas se vinculam a grupos terroristas fora da área. E obviamente para nós há grupos e pessoas que usam seus negócios e outras atividades, especialmente atividades ilegítimas, para financiar outros grupos. Nisso temos uma conversa mais aberta e mais importante entre o Brasil e os Estados Unidos.
Folha/UOL: No caso da Tríplice Fronteira há uma convicção de que lá existem esses grupos?
Thomas Shannon: Indivíduos. São homens de negócios. Nosso Ministério do Tesouro já identificou algumas pessoas que, para nós, estão usando seus negócios para financiar grupos, especialmente no Líbano.
Folha/UOL: Recentemente o Brasil, o Itamaraty, Ministério das Relações Exteriores no Brasil, abriu seus arquivos diplomáticos. A Folha de S.Paulo teve acesso a mais de 10 mil documentos, o que foi uma medida muito positiva para a transparência. E num dos telegramas analisados, vindos de Washington, o embaixador à época, Rubens Barbosa, identificou que havia um... ele tinha, ele escrevia, certeza de grampo. De que o telefone da Embaixada em Washington havia sido grampeado. E suspeitava do governo dos Estados Unidos. O sr. conhece esse episódio e sabe em que circunstância isso ocorreu?
Thomas Shannon: Não. Infelizmente eu não conheço esse episódio.
Folha/UOL: Quando a notícia foi divulgada, que foi agora que o sr. já era embaixador aqui em Brasília, o sr. fez algum relatório, recebeu alguma informação dos Estados Unidos sobre isso?
Thomas Shannon: Não. Não. Nossa ideia é enfocar no futuro.
Folha/UOL: O sr. acha possível que isso possa ter ocorrido?
Thomas Shannon: Eu realmente não posso fazer nenhum comentário. Tem que falar com o embaixador Barbosa.
Folha/UOL: Lixo hospitalar. Uma notícia recente nos jornais brasileiros dando conta de que lixo hospitalar de origem dos Estados Unidos chegou ao Brasil para ser vendido. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos [do PSB], que é onde chegaram esses materiais, disse que a fiscalização dos Estados Unidos foi deficiente e permitiu o embarque do lixo hospitalar para o Brasil. O sr. concorda?
Thomas Shannon: Eu falei com o governador Campos sobre isso. Depois de nossa conversa eu mandei a Pernambuco agentes do FBI e também de nossa agência de imigração e aduanas para trabalhar com a Polícia Federal e também com o secretário de Segurança do Estado de Pernambuco na investigação. Estamos fazendo um avanço importante. Parte desta investigação tem a ver com a companhia que exportou essas coisas e a maneira como foi fiscalizada nos Estados Unidos.
É importante reconhecer que esse lixo são lençóis já usados e que esse uso de lençóis não é nada que é estritamente dos Estados Unidos. Quer dizer, há lençóis também do Brasil que são usados nessa indústria de roupa. Mas eu acho que nossa conversa, entre eu e o governador, e nossa participação indicam que estamos preocupados por esses lençóis e pelo processo de fiscalização. Mas também pela relação entre a companhia nos Estados Unidos e a companhia aqui no Brasil.
Folha/UOL: Agora, houve de fato uma falha na fiscalização? E mais: é proibido exportar esse tipo de material nos Estados Unidos, ou não?
Thomas Shannon: A investigação vai determinar isso. Não é proibido exportar lençóis. É proibido exportar outro tipo de lixo hospitalar. Então temos que determinar exatamente que tipo de lixo entrou no país e que tipo de lixo foi autorizado a sair dos Estados Unidos.
Folha/UOL: Já há alguma informação preliminar a respeito do que aconteceu?
Thomas Shannon: Nessa etapa da investigação eu não posso falar do progresso da investigação. Mas eu acho que vai ajudar muito o governador Campos e o Estado de Pernambuco a enfrentar esse tipo de desafio.
Folha/UOL: Estamos chegando no final. Cuba: um país que tem relações problemáticas com os Estados Unidos. O sr. vê avanços no regime cubano recentes? E qual a perspectiva que o sr. imagina que exista para melhorar a relação com os Estados Unidos em breve?
Thomas Shannon: Há mudanças dentro de Cuba. Especialmente na área agrícola e a capacidade dos cubanos obterem, como donos, terra, imóveis etc. Esse é um passo importante. Mas infelizmente em nossa relação bilateral temos um problema bem difícil. A detenção de um cidadão norte-americano Alan Gross, que complica de uma maneira não muito feliz nossa capacidade de dialogar. E para nós é realmente muito importante que o governo de Cuba dê liberdade ao sr. Gross.
Folha/UOL: O sr. acha que, numa perspectiva temporal, quantos ainda vai durar tudo isso?
Thomas Shannon: É impossível dizer. Porque esse é um jogo que precisa de avanços reais, verdadeiros. Não é um jogo de tempo. É um jogo de acontecimento.
Folha/UOL: Passados alguns meses do episódio WikiLeaks, o sr. acha que o vazamento causou mais prejuízo ou há também alguns aspectos benéficos em todo esse episódio para que todo o mundo, os países, conheçam mais as opiniões dos Estados Unidos?
Thomas Shannon: Para mim WikiLeaks foi um ato contra não somente os Estados Unidos, mas também a diplomacia internacional. Porque a ideia é impor uma transparência que não permita um lugar de confidencialidade entre países para ter uma conversa. Então, nesse sentido, o vazamento prejudicou.
Mas a transparência geralmente é bom. As decisões do Congresso do Brasil, recentemente, em permitir acesso a documentos do governo é algo positivo e mostra a maneira com que democracias têm que fazer este tipo de coisa. Ou seja, usar suas instituições, seus representantes eleitos democraticamente para determinar qual é o direito do cidadão conhecer ou saber o que faz o seu governo mas também o direito do Estado de ter um espaço de confidencialidade para tomar decisões. Nesse balanço encontra-se a melhor estrada para chegar a uma transparência verdadeira.
Folha/UOL: No seu dia a dia, depois do episódio WikiLeaks, o que mudou em termos de segurança e cuidado na transmissão de informações reservadas? Houve mudanças?
Thomas Shannon: Nosso sistema tem a capacidade de proteger a si mesmo. WikiLeaks não foi um problema sistemático dentro dos Estados Unidos, foi o problema de uma pessoas que roubou essa informação. Mas no sentido mais comum, no sentido de nossas relações com as pessoas com que conversamos a cada dia não mudou muito. Ou seja, há reconhecimento de que as pessoas falam conosco porque querem influir nossa maneira de atuar e isso vai continuar.
Folha/UOL: O sr. é um diplomata de carreira. Recentemente esteve em Washington a chamado do presidente Obama, ocupou interinamente um cargo no Departamento de Estado. Como foi essa sua experiência recente em Washington, o que o sr. fez nesses cerca de dois meses?
Thomas Shannon: Eu estava lá atuando temporariamente como subsecretário de Assuntos Políticos. Ou seja, eu estava trabalhando em assuntos globais e preparando para a Assembleia Geral [da ONU]. Foi uma experiência excelente porque estava trabalhando diretamente com a secretaria de Estado, mas também com meus colegas lá na Casa Branca. Eu sai com uma excelente ideia de como é o mundo neste momento. Mas também voltar ao Brasil foi um momento feliz para mim porque comparado ao resto do mundo, o Brasil anda muito bem.
Folha/UOL: O sr. é diplomata de carreira e trabalhou já com presidentes republicanos e agora um democrata. Há uma diferença de trabalho no dia a dia de um para outro sensível no seu caso?
Thomas Shannon: Excelente pergunta. Eu não sei se eu tenho uma excelente resposta porque realmente os interesses dos Estados Unidos não mudam muito entre um governo democrata e um governo republicano, especialmente nas embaixadas os problemas que enfrentamos a cada dia, mais ou menos, são os mesmos problemas. Eu acho que até o mais importante desses assuntos, da diferença entre os partidos, é a diferença entre as pessoas. Principalmente entre presidentes e secretários de Estado. Porque eles impõem certos aspectos de suas personalidades no trabalho e sua visão de mundo no trabalho.
Folha/UOL: O sr. poderia citar um diferença entre o presidente Obama e o presidente George W. Bush?
Thomas Shannon: Olhe, há muitas diferenças. Da mesma maneira há muita semelhança. Eu realmente não quero comparar ou contrastar líderes americanos. Mas eu posso dizer que, para mim, durante a visita do presidente Obama aqui ao Brasil, algo que realmente me afetou foi a emoção exibida pelo povo brasileiro pelo presidente americano. Durante muitas presidências nos Estados Unidos essa foi a primeira vez que eu vi um bem-vindo tão...
Folha/UOL: Haverá eleições presidenciais nos Estados Unidos no ano que vem. Qual o peso do estado da economia para as chances de reeleição do presidente Obama na sua opinião?
Thomas Shannon: A economia é importante. É básica. Mas também o povo americano é mais sofisticado do que isso. Ou seja, o povo americano vai selecionar um presidente baseado não somente na economia mas também na capacidade de projetar nosso poder no mundo, de colaborar no mundo para nosso benefício.
Folha/UOL: Embaixador Thomas Shannon, muito obrigado por sua entrevista à Folha e ao UOL.
Thomas Shannon: Um grande prazer. Muito obrigado.