Como explica Mansueto, alguém precisa pagar a conta.
A herança maldita que está sendo deixada pelos companheiros já está pesada demais.
Paulo Roberto de Almeida
Fazia tempo que não lia um artigo tão “bom” em defesa do aumento da carga tributária, impostos indiretos e a continuidade do processo de desindustrialização como este do professor André Singer na Folha de São Paulo (clique aqui).
Explico. O professor explica algumas das demandas das centrais sindicais em passeata que ocorrerá esta semana como uma luta de “cada classe social no jogo que se arma em torno da eleição de outubro e do programa a ser executado pelo futuro governo, qualquer que seja ele”.
O que o professor não esclarece é que para atender integralmente essas demandas (legítimas) das centrais sindicais será necessário um brutal aumento da carga tributária. Quando falo “brutal” quero dizer elevar a carga tributária em pelo menos 10 pontos do PIB nos próximos 4 anos. Assim, não se trata de uma luta do bem contra o mal, como parece sugerir o professor da USP. Vamos ver os quatro pontos levantados pelo professor André Singer que são as demandas das centrais sindicais.
(1) Continuidade de valorização do salário mínimo (SM): Sim, o crescimento real do SM desde 2003 foi de 72%. Mas até mesmo as centrais sindicais reconhecem que não será possível continuar com aumentos reais acima do crescimento da produtividade. Com salários crescendo acima da produtividade, ganha quem consegue repassar aumento de custo para preços, ou seja, ganha o setor de serviços e perde a indústria. Adicionalmente, além dos efeitos no mercado de trabalho, crescimento do salário mínimo implica maior despesa previdenciária e assistencial, isso não ocorre nos outros países.
A sociedade quer manter a politica de valorização do salario mínimo nos moldes atuais? OK, mas então será preciso explicar quem pagará mais impostos. Como 49% da arrecadação de impostos no Brasil é imposto indireto, isso significa mais imposto indireto e produtos mais caros ainda. Em outra ocasião explico porque não dá para conseguir esse extra via imposto direto.
(2) Fim do fator previdenciário e valorização das aposentadorias: aqui vou confiar na declaração do próprio governo do PT. O ministro da previdência do governo Dilma, Garibaldi Alves, tem afirmado recorrentemente que é impossível acabar com o fator previdenciário sem estabelecer uma idade mínima para aposentadorias e o próprio ministro, em mais de uma vez, já falou da grande distorção que é o sistema de pensões no Brasil (ver aqui). O Brasil gasta com pensões em torno de 3% do PIB, o dobro da média de países desenvolvidos que gastam 1,5% do PIB.
Assim, quando Singer fala que: “cresce a exigência do capital para que se estabeleça uma idade mínima de aposentadoria e haja menos gastos com pensões por morte e com o seguro-desemprego” não está sendo honesto. Essa agenda não é do capital, mas sim do próprio governo que sabe que, se nada for feito, precisaremos aumentar mais ainda a carga tributária. Será que o ministério da previdência é um representante do grande capital?
(3) Redução dos juros e do superávit primário: Novamente o professor passa a impressão que o aumento de juros é injusto pois tira recursos públicos de outras áreas essenciais. O problema é que com uma inflação de 6% ao ano mesmo com o quase congelamento dos preços administrados, sem o aumento de juros a inflação estaria ainda maior. Se o governo não quer aumentar a taxa de juros, ele poderia fixar o centro da meta de inflação em 6,5% e não em 4,5%. Quanto maior for a meta de inflação, menor será a taxa de juros necessária para trazer a inflação para o centro da meta. Mas será que os trabalhadores querem isso? Será que é bom ter mais inflação para ter uma taxa de juros menor? será os trabalhadores votariam em um candidato que prometesse elevar a meta de inflação para 10% ao ano para reduzir os juros?
(4) Transporte público de qualidade, 10% do Orçamento da União para a saúde, 10% do PIB para a educação: Esse é o meu grupo preferido. Quem é contra essa agenda? Que eu saiba ninguém, mas o problema é sempre quem paga a conta. O Brasil gasta com educação algo perto de 5,5% do PIB. De onde vamos tirar 4,5% do PIB a mais? Aumentando impostos?
Transporte público de qualidade exige mais recursos. No âmbito dos municípios, prefeitos podem aumentar IPTU e, no caso do governo federal, é possível o governo aumentar novamente a CIDE (que hoje está com alíquota “zero”) e utilizar recursos para investir em transporte público. Novamente, estamos falando de aumento de carga tributária. É isso que a sociedade quer?
Por fim, o aumento do gasto com saúde para 10% do orçamento da União. O gasto com saúde do governo federal no ano passado, 2013, foi de R$ 83,3 bilhões, ou 9,1% da despesa total não financeira do Governo Central que foi R$ 914 bilhões. Chegar aos 10% em valores do ano passado significaria um gasto adicional de 8 bilhões. Esse valor que falta já está em restos a pagar, valor foi empenhado mas não gasto.
Agora se os 10% for em cima do orçamento total (que inclui as transferências para estados e municípios) o valor seria muito maior. Por exemplo, a receita primária esperada pelo Governo Central este ano é de R$ 1,3 trilhão. Logo, 10% disso significa R$ 130 bilhões; ou um crescimento de 56% em relação ao executado no ano passado para a função saúde. Esse crescimento seria equivalente a 1 ponto do PIB.
Conclusão:
Seria muito bom os trabalhadores entrarem nesta briga, mas seria bom que suas demandas fossem também seguidas de um debate sobre como financiar o aumento dos gastos. A agenda acima só é possível com um aumento brutal da carga tributária em mais de 10 pontos do PIB nos próximos quatro anos.
E os juros? O gasto do governo com juros, em 2013, foi de 5,2% do PIB. Mesmo com a hipótese heróica de um calote total na dívida pública, a economia seria de 5 pontos do PIB. Não seria suficiente para financiar a agenda acima e precisaríamos também de mais carga tributária. Infelizmente, sonho não resolve problemas. Essa foi a frase que faltou no artigo do professor André Singer.
Faltou também na lista de demandas das centrais sindicais o fim imediato dos subsídios para os ricos, ou seja, acabar imediatamente com os empréstimos do Tesouro para bancos públicos e aumentar a TJLP. Não entendo porque as centrais sindicais não batem neste ponto. Ao que parece, todo mundo está querendo aumento de carga tributária ou, como fizemos no passado, que a inflação resolva nossos problemas. E ai, quando teremos a passeata em defesa do aumento de 10 pontos do PIB de carga tributária?
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