*Em busca de mais impostos ou mais inflação*
Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 01/04/2023
Arcabouço depende de forte ganho de arrecadação, difícil de realizar. E, realizado, aumenta o custo Brasil
O novo arcabouço fiscal só funciona, mantendo as contas públicas em razoável equilíbrio, na ocorrência de três situações:
1) expressivo ganho de arrecadação do governo federal;
2) forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) ou;
3) alta inflação.
O ajuste proposto se baseia no ganho de arrecadação. O corte de despesa só ocorre, quer dizer, só seria necessário em circunstância difícil de acontecer. Na verdade, o programa como que protege o crescimento da despesa, chegando mesmo a estabelecer uma expansão mínima de 0,6% em termos reais. Também fixa uma meta de investimentos, corrigida anualmente pela inflação.
Sim, sabemos que o governo tem mesmo de gastar, especialmente nos programas sociais. Sim, investimentos geram crescimento, emprego e renda. E, finalmente, não há como cortar radicalmente a despesa. Os gastos obrigatórios (Previdência, salários do funcionalismo, programas sociais, educação e saúde) consomem cerca de 95% da receita. Tudo isso subirá com o aumento real do salário-mínimo e o reajuste do funcionalismo. Sem contar as diversas promessas de campanha. Isso posto, também é preciso admitir: qualquer que seja a boa intenção, chame-se a coisa de gasto ou investimento, o governo precisa colocar dinheiro. E de onde vem?
Da arrecadação, óbvio. Não por acaso, o ministro Haddad, ao apresentar o programa, acentuou esse ponto. Assegurou que não criará novos impostos nem aumentará alíquotas, mesmo assim sugeriu que pode obter logo um ganho de R$ 150 bilhões. Quem pagará isso? O ministro responde: quem deveria e não está pagando impostos. Diversos setores econômicos recebem incentivos fiscais, são autorizados por lei a não pagar ou a recolher menos impostos, taxas e contribuições. Exemplo maior: as empresas instaladas na Zona Franca de Manaus. Mas há muito mais. O obstáculo está exatamente aí: são setores protegidos por lei, logo devem ser desprotegidos por novas leis aprovadas no Congresso. E lá o governo enfrentará os mesmos lobbies que conseguiram as vantagens. Não será fácil. Também não recolhem impostos as grandes empresas da área de tecnologia. A pessoa compra uma roupa num site chinês — ou de qualquer outra origem — e recebe em casa a mercadoria produzida noutro país, por empresa sediada em algum paraíso fiscal. Há uma discussão no mundo todo sobre como taxar esses negócios via “big techs”. Está difícil. Sempre haverá um país disposto a oferecer incentivo para receber a sede fiscal e a base operacional desses gigantes corporativos. Proibir que essas empresas façam negócios por aqui? Só prejudicaria os consumidores, além, claro, de o país não recolher um centavo de impostos. Aliás, perde aquele que se recolhe nas atividades paralelas.
Eis o ponto: o arcabouço fiscal depende de forte ganho de arrecadação, difícil de realizar. E, realizado, aumenta o custo Brasil para empresas e cidadãos. Uma forte expansão do PIB resolve isso automaticamente. Mais crescimento e renda, mais receitas para o governo. Problema: as projeções mostram expansão pífia para os próximos anos, em torno de 1%. Dirão: se o governo gastar mais e estimular a economia, o PIB responde. Mas, para isso, o governo precisa recolher todo aquele dinheiro. Difícil, de novo. A reforma tributária pode melhorar o ambiente de negócios — e, pois, estimular investimentos privados —, mas no médio prazo, para além do atual governo. E precisaria ser votada no Congresso.
Resta a inflação, sim, a própria. Inflação eleva o PIB nominal, logo aumenta a arrecadação. Além disso, a moeda desvalorizada diminui o valor real das despesas do governo, de modo que a mágica se completa: mais receita, mais espaço para gastar. Já aconteceu e sabemos como termina: inflação saindo do controle e corroendo a renda das famílias. Será que deixarão acontecer novamente? Por isso a bronca com o Banco Central? Suspeitas, claro, mas não despropositadas. Os obstáculos são reais.
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