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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sábado, 10 de novembro de 2012

O fracasso da ajuda ao desenvolvimento, Deutsche Welle


Documentário alemão reflete sobre erros da ajuda ao desenvolvimento

Jochen Kürten
Deutsche Welle, 10/11/2012
Exibido no 20° Festival de Cinema de Hamburgo, o filme “Doce veneno – Ajuda como negócio” registra as consequências da ajuda ao desenvolvimento equivocada na África, no decorrer das últimas décadas.
Süsses Gift– Hilfe als Geschäft (Doce veneno – Ajuda como negócio) é um documentário que deverá desencadear muitas reações adversas na Alemanha, pois ataca diretamente a ajuda estatal ao desenvolvimento. E, para tal, não propõe teses críticas, nem levanta polêmicas contra a inflação desse tipo de iniciativa, mas simplesmente deixa falarem as pessoas in loco. O resultado é uma maior proximidade e verosimilhança.
Peter Heller trabalha há 40 anos com documentários. Na África, já rodou 30 filmes sobre os mais diversos assuntos, do colonialismo aos problemas sociais do continente. Em seus filmes, porém, o diretor sempre manteve o olhar também voltado para seu país, explorando a relação dos alemães com a África.
50 anos de independência
Essa experiência anterior do diretor é um dos trunfos de Doce veneno. Heller, que já esteve em função de seus outros filmes no Quênia, Tanzânia e Mali, pôde recorrer a muito material de seus trabalhos anteriores. Sendo assim, Doce veneno se tornou uma espécie de documentação de longo prazo, que trata do assunto “ajuda ao desenvolvimento” num contexto histórico mais amplo.
Mas o que inspirou o diretor a retomar o tema exatamente agora? “Há 50 anos, muitos países africanos se tornaram independentes”, contou o diretor depois da estreia de seu filme em Hamburgo. “Sempre me incomodaram a dependência e a letargia em que as pessoas caíam, devido á ajuda ao desenvolvimento.”
Mas o que há de errado na ajuda ao desenvolvimento? O que há de errado com a meta de ajudar às pessoas in loco? Heller esclarece não ter nada contra, por exemplo, a ajuda emergencial em caso de catástrofes naturais, embora também aponte irregularidades nestas doações internacionais. “Muitas empresas na UE, nos EUA e no Canadá fazem bons negócios com isso”, afirma. Em Doce veneno, contudo, Peter Heller aborda sobretudo a ajuda de longo prazo concedida pelos países ocidentais, com base em três exemplos.
No Lago Turkana, norte do Quênia, o diretor se deparou com um caso evidente de ajuda ao desenvolvimento mal conduzida. Lá organizações norueguesas tentam há anos auxiliar as vítimas da seca, através de um programa de relocação. Os nômades turkana foram removidos do interior seco para a região do lago e “treinados” para serem pescadores.
Os noruegueses investiram muito dinheiro no projeto e mandaram construir enormes fábricas altamente tecnológicas para a indústria da pesca. “Eles tinham boas intenções”, ressalta Heller, “e queriam inserir os turkana no mercado internacional, muito antes da globalização”. Só que deu tudo errado.
Vitória do calor africano
A fábrica hipermoderna era grande demais, e não adaptada às necessidades da população local. Além disso, não havia energia elétrica suficiente para manter os frigoríficos gigantescos em constante funcionamento. Depois de apenas seis semanas a fábrica foi fechada.
Outro erro cometido pelos mentores noruegueses da ajuda ao desenvolvimento foi subestimar a mentalidade, os costumes e as tradições dos nativos. Pois tão logo os homens e mulheres iam ganhando um pouco de dinheiro com a pesca, investiam o que tinham em gado e retomavam seus hábitos nômades. Três anos mais tarde, os noruegueses também abandonaram o local.
Como mostra o filme de maneira impressionante, hoje os habitantes tornaram-se permanentemente dependentes da ajuda vinda dos países ocidentais. “Quando os noruegueses brancos vão voltar e trazer para cá o progresso?”, pergunta um ancião camponês no filme. A fábrica, hoje uma ruína enorme e monstruosa, é usada como depósito para peixe seco. Apenas recentemente os investidores voltaram a demonstrar interesse pelas instalações.
Fome “made in Germany”
Outro exemplo drástico foi pesquisado por Peter Heller no Mali. Décadas atrás, empresas alemãs lá construíram uma represa enorme, a fim de garantir o fornecimento de água para a agricultura. As intenções eram as melhoras, mas também aqui o tiro saiu pela culatra: 34 povoados foram inundados e muitas pessoas foram desalojadas para regiões menos férteis.
O projeto foi feito para durar de 10 a 15 anos, mas acabou sendo interrompido depois de três anos. Na Alemanha, ocorreu uma mudança de governo e os novos políticos no poder tinham outras prioridades. Hoje, a maioria dos homens deixou a região para migrar para a Europa, enquanto mulheres e crianças passam fome.
Outro projeto documentado por Doce veneno é uma plantação de algodão na Tanzânia, no fim dos anos 70. Heller presenciou quando tudo começou. “Era um projeto-modelo com tratores alemães e bombas de aplicação de agrotóxicos. Falava-se de uma ‘revolução verde’ na época”, recorda. “Revolução verde”, no caso, tinha um significado muito diferente do que tem hoje. Naquele momento, ainda não se falava em proteção ambiental.
“Diziam para simplesmente colocarmos um lenço de papel duplo sobre o nariz, enquanto os africanos espalhavam a substância tóxica”, lembra o diretor. Mas já nos anos 80, o projeto começou a decair. E nos anos 90, a queda nos preços internacionais do algodão puseram um fim à história. A ideia era produzir em grande escala para o mercado mundial, desde o início – um erro fatal.
Pelo fim da ajuda estatal ao desenvolvimento
No filme, Heller não defende de maneira explícita o fim da ajuda estatal ao desenvolvimento, deixando que isso seja, antes, dito através dos comentários e posições tomadas pelos africanos in loco. Em entrevista à Deutsche Welle, no em tanto, ele citou diversos argumentos contra o procedimento.
A ajuda ao desenvolvimento é, em primeira linha, um negócio para empresas ocidentais; há muito dinheiro envolvido; muitos grandes projetos de ajuda ao desenvolvimento não são ajustados às condições locais, argumenta Heller. Dever-se-ia investir recursos sobretudo no setor agrícola; o certo seria plantar e vender alimentos no local, em vez de importá-los dos países ocidentais; e é preciso apoiar as diversas pequenas ONGs, que têm experiência prática nesse campo.
Por fim, o filme de Heller questiona por que os estimados 600 bilhões de dólares de ajuda ao desenvolvimento investidos nos últimos 50 anos não contribuíram para um progresso visível das regiões em questão. As respostas são dadas por encarregados de ajuda ao desenvolvimento, intelectuais, ativistas políticos e comerciantes.
“A ajuda ao desenvolvimento cria uma espécie de letargia”, diz um jornalista africano, que considera o auxílio internacional nocivo e muito perigoso. Segundo ele, a ajuda destrói toda motivação, por vir de fora e não incentivar o esforço próprio. Um exportador africano de algodão conclui: “Cinquenta anos depois da independência dos países africanos, chegou a hora de assumirmos a responsabilidade, e não só esperar até que a ajuda chegue”.

sábado, 5 de novembro de 2011

O fardo do mulato inzoneiro...(estamos precisando de um Kipling tropical...)

A propósito deste meu post: 

O Brasil no NYTimes: imperialismo regional?




um leitor habitual relembrou-me o famoso poema de Rudyard Kipling, sobre as agruras do homem branco, tentando trazer um pouco de civilização aos bárbaros que os imperialistas britânicos colonizavam nos cafundós da África e nos buracos sujos da Ásia.
Nada de errado em postar aqui o poema completo, nem que fosse pelas virtudes propriamente literárias, esquecendo completamente suas perversões colonialistas e imperialistas, suas ilusões civilizatórias e sua carga de horrores tropicais para almas sensíveis europeias.
Mas a carga do "mulato inzoneiro", como diz meu correspondente, nem de perto passará pelas "savage wars of peace", que os nossos bravos soldados não estão aí para isso, mas podem sim enfrentar "The blame of those ye better" e "The hate of those ye guard", que para isso servem os ressentimentos de todos os coitadinhos em face dos mais bem sucedidos.
Pode-se relembrar, também, que o título do poema de Kipling também foi usado por William Easterly em seu livro - The White Man's Burden -- sobre a inanidade da ajuda ocidental aos povos ditos subdesenvolvidos, com o dinheiro da assistência indo parar em bancos ocidentais e toda a corrupção pervertendo o processo de cooperação ao desenvolvimento.
Eu até diria que o Brasil segue o caminho, e o fardo, do Homem Branco, ao tentar fazer bondades no Terceiro Mundo, colocando dinheiro em diversos projetos de desenvolvimento que, na verdade, representam uma gota d'agua no oceano das necessidades, fazendo em certos países o que por vezes se deixa de fazer aqui dentro.
Paulo Roberto de Almeida 


Rudyard Kipling:
The White Man's Burden
(ca.1899).



"Take up the White Man's burden--
Send forth the best ye breed--
Go bind your sons to exile
To serve your captives' need;
To wait in heavy harness,
On fluttered folk and wild--
Your new-caught, sullen peoples,
Half-devil and half child.

"Take up the White Man's burden--
In patience to abide,
To veil the threat of terror
And check the show of pride;
By open speech and simple,
An hundred times made plain
To seek another's gain.

"Take up the White man's burden--
The savage wars of peace--
Fill full the mouth of Famine
And bid the sickness cease;
And when your goal is nearest
The end for others sought,
Watch sloth and heathen Folly
Bring all your hopes to nought.

"Take up the White man's burden--
No tawdry rule of kings,
But toil of serf and sweeper--
The tale of common things.
The ports ye shall not enter,
The road ye shall no tread,
Go mark then with your living,
And mark them with your dead.

"Take up the White Man's burden--
And reap his old reward:
The blame of those ye better,
The hate of those ye guard--
The cry of hosts ye humour
(Ah, slowly!) toward the light:--
'Why brought he us from bondage,
Our loved Egyptian night?'.

"Take up the White Man's burden--
Ye dare not stoop to less--
Nor call too loud on Freedom
To cloke your weariness;
By all ye cry or whisper,
By all ye leave or do,
The silent, sullen peoples
Shall weigh your gods and you.

"Take up the White Man's burden--
Have done with childish days--
The lightly proferred laurel,
The easy, ungrudged praise.
Comes now, to search your manhood
Through all thankless years
Cold, edged with dear-bought wisdom,
The judgment of your peers!"

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A falencia da ajuda ao desenvolvimento - Paulo R Almeida

Uma versão sintética de um artigo publicado de maneira mais extensa neste link.

Cooperação internacional e desenvolvimento: isso muda o mundo?
por Paulo Roberto de Almeida
Ordem Livre - 17 de Maio de 2010

O conceito de cooperação, num entendimento puramente formal da palavra, implica uma ação voluntária de dois ou mais parceiros em prol de objetivos comuns, sendo subjacente ou implícita a idéia de que juntos eles conseguirão fazer algo que talvez não pudessem alcançar isoladamente. Nessa compreensão, a realidade da cooperação é relativamente recente na comunidade internacional, posto que até o advento dos primeiros organismos intergovernamentais, a partir de meados do século 19, e mais especificamente da ONU, um século depois, não havia espaços políticos ou instrumentos para o estabelecimento de uma cooperação genuína entre Estados soberanos. Até então, a realidade das relações entre Estados era feita, na melhor das hipóteses, de concorrência em bases autônomas, ou, na pior, de animosidade ou de hostilidade, que podiam resultar, inclusive, em conflitos militares, sendo muito comum a relação de dominação, de exploração e de subordinação entres os países.

Na acepção moderna do termo, a realidade da cooperação está intrinsecamente ligada aos objetivos da Carta da ONU e à atuação de suas agências especializadas, nos diversos campos estabelecidos desde 1945 e que vem sendo ampliados gradualmente desde então, sempre quando novos temas – energia nuclear, direito do mar, meio ambiente, direitos da criança e da mulher, habitação, e vários outros – recolhem certa unanimidade dos Estados no sentido de seu tratamento multilateral. Os dois objetivos prioritários da ONU são a cooperação entre os Estados para a preservação da paz e da segurança internacional e para promover o desenvolvimento dos povos dos países membros. Obviamente, como não se pode contornar a questão central do poder – ou seja, quem manda e quem obedece –, a ONU (como antes dela a Liga das Nações) não poderia dar um encaminhamento satisfatório ao primeiro conjunto de objetivos sem fixar mecanismos não igualitários de resolução de disputas, hoje consolidados no seu Conselho de Segurança (não muito diferente do sistema oligárquico da Liga); aí não se trata tanto de cooperação, mas de coerção, o que também é necessário.

Descontados, porém, os poucos episódios de coerção multilateral – ou seja, as operações de peace keeping (muitas) ou de peace making (pouquíssimas) da ONU – a maior parte da agenda onusiana (PNUD e a dúzia de agências especializadas atuantes) está prioritariamente voltada para a cooperação ao desenvolvimento, cenário que implica a mesma relação desigual já existente na questão do poder, ou seja, países que prestam cooperação, de um lado, e países que recebem cooperação, de outro. Esse tipo de relação assimétrica – que desde o início da ONU dividiu os países em desenvolvidos e em desenvolvimento, com a situação bizarra, mas temporária, dos chamados “socialistas” – tem sido preservado desde então, sem mudanças relevantes ou significativas no plano das capacitações nacionais.

Em outros termos, a interação entre cooperação e desenvolvimento não parece ter produzido os resultados esperados pelos seus promotores multilateralistas de 60 anos atrás. A questão, portanto, que deve ser colocada de forma clara é se esse tipo de ação cooperativa, nas formas que vêm sendo prestadas tradicionalmente, pode, de fato, produzir o que propõe, ou seja, desenvolvimento. O registro histórico do período transcorrido desde a aplicação sistemática e institucional da cooperação técnica ao desenvolvimento só pode ser avaliado em categorias inferiores, do tipo sucesso moderado até o fracasso evidente, numa gradação que possui vários casos de lento progresso, mas nenhum de rápida prosperidade em direção ao desenvolvimento.

A realidade do desenvolvimento mundial, nos últimos dois séculos e meio – grosso modo, desde o início da Revolução Industrial – não foi feita de grandes alterações na quase imóvel hierarquia econômica do desenvolvimento: a despeito do desaparecimento de alguns grandes impérios e a descolonização completa do chamado Terceiro Mundo, a grande divergência se manteve praticamente intacta durante a maior parte do período. Os que já eram desenvolvidos no século 19 continuaram desenvolvidos no decorrer do século 20, e as economias atrasadas e periféricas permaneceram, em grande medida, atrasadas e periféricas. Os únicos países a terem saltado a barreira do desenvolvimento durante esse período foram, de uma parte os nórdicos, de outra o Japão, todos por terem reunido condições culturais e institucionais que resultaram num processo autogerado de crescimento sustentável e transformador das antigas estruturas conservadoras e fixadas na economia primária.

A situação não conheceu mudanças notáveis durante a maior parte do século 20, sendo apenas alterada pela emergência de algumas nações asiáticas à plena capacitação industrial, logo sendo chamados de NICs, ou novos países industriais. Coréia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Cingapura são provavelmente os únicos exemplos de países que alcançaram o desenvolvimento na segunda metade do século 20, tendo partido de patamares quase tão medíocres quanto os da maioria dos países da Ásia, da África e da América Latina, que, aliás, ainda patinam no subdesenvolvimento. Instrutivo constatar que nem o Japão ou os nórdicos, nem qualquer um dos países que se qualificaram posteriormente deveram a melhoria de suas situações respectivas à cooperação ao desenvolvimento. E resulta pelo menos estranho que dos países que mais receberam cooperação ao desenvolvimento desde os aos 1950 – como os africanos, em cifras equivalentes a muitas dezenas de bilhões de dólares – nenhum conseguiu escapar do não-desenvolvimento.

Isto não quer dizer que ela seja absolutamente ineficaz, podendo ser útil, ou até mesmo necessária, nos casos mais dramáticos de inexistência de estruturas físicas e institucionais de um Estado ‘normal’ e de grande atraso educacional. Mas ela não é decisiva, ou suficiente, a ponto de mudar os dados básicos de um pais que não consiga reunir ele mesmo as condições para um processo endógeno de desenvolvimento (que implica a manutenção de um processo contínuo e sustentável de crescimento econômico, com transformações estruturais via inovações tecnológicas e distribuição social dos resultados da prosperidade assim criada). Ao contrario, ‘excesso’ de ajuda pode até prejudicar o processo de desenvolvimento, ao tornar o país em questão dependente da assistência externa, quando ele deveria estar buscando suas próprias fontes de crescimento num ciclo autogerado de investimento produtivo, poupança e atividades empreendedoras.

Em resumo, a cooperação não tem a capacidade de mudar o destino dos países se os recebedores não souberem se organizar para inserir a economia nacional nos circuitos da economia mundial, pelo lado do comércio e dos investimentos, não pela vertente da assistência externa. Em retrospecto, a única ajuda a ser prestada por países ricos aos países pobres deveria ser aquela que simplesmente qualifica a população desses últimos no domínio do ensino universal de base e aquele técnico-profissional; todo o resto deveria ser deixado em segundo, ou terceiro, plano.

Paulo Roberto de Almeida é sociólogo, diplomata, e reúne seus escritos em um site pessoal.