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sábado, 13 de agosto de 2011

Entrevista Marcos Azambuja - Brasilia Em Dia

Marcos Azambuja - Barbas do vizinho...
Marcone Formiga
Brasília Em Dia, 12 de agosto de 2011

Um dos mais brilhantes dos embaixadores brasileiros, Marcos Azambuja, é sempre requisitado quando o mundo parece entrar em transe. Sempre muito bem informado em geopolítica, economia, além de diplomacia, ele está sempre acompanhando os acontecimentos globais, buscando fontes em quase todo o mundo para se inteirar. Antes de se aposentar na carreira, ele ocupou embaixadas estratégicas, como a da França e a da Argentina. Sobre a geopolítica, ele não tem dúvida nenhuma de que o Brasil ocupa uma posição favorável em relação ao desarmamento geral, o que ele considera um gesto cristalino, embora não faltem aqueles que considerem essa posição meramente de visionário. O embaixador não tem dúvida, por exemplo, que a humanidade é justa porque existem os visionários, e que não existe mal nenhum em perseguir uma causa, como a brasileira, em se posicionar a favor do desarmamento nos países.

Antes do colapso econômico dos Estados Unidos, o embaixador Marcos Azambuja contestou quando a Casa Branca considerou os governos da América do Sul populistas, correspondendo ao Eixo do Mal - um exagero -, afirmando que são governos que, ele crê, não respondem aos interesses dos respectivos países, mesmo sendo direito dessas populações escolherem democraticamente quem quiser. Para o diplomata, rótulo como Eixo do Mal demonstra uma tendência desses governos que, ao invés de aproximarem-se de políticas de racionalidade isolam-se e, por isso mesmo, têm um comportamento mais errático.

Nesta edição, diante do cenário de crise nos Estados Unidos, que não se trata de um caso isolado, muito pelo contrário, argumenta que esse problema existe em todo o planeta e afirmou que o cenário é mantido pelo Atlântico Norte, Europa e Estados Unidos.

Depois de acompanhar os fatos em torno de Washington, assim como a reação mundial, ele afirma que não é momento para pessimismo e tampouco para complacências, argumentando que o Brasil não escapa das regras gerais, e até lembrou uma velha frase: “O Brasil tinha que colocar as suas barbas de molho, porque têm muitas barbas de vizinho pegando fogo”.

- Como o senhor vê a crise nos Estados Unidos e no mundo?

- Vamos usar a palavra crises; não creio que haja uma unicidade, que aconteça uma só causa, uma só construção. Acho que nós estamos vivendo hoje,em um mundo,com um empilhamento de crises, que se sucedem, se acumulam. Elas têm gênese diferente, casualidades diferentes e, possivelmente, trajetórias diferentes. Deste modo, vamos falar de um mundo em crises: as do Oriente Médio, com toda a sua problemática que tem uma origem muito local; a crise da credibilidade dos Estados Unidos com a fragilização do dólar e da hegemonia americana. Portanto, há uma série de crises que se multiplicam, como a crise gerada pela emergência das grandes potências asiáticas e do Brasil. Nem todo mundo está em crise. A Ásia está vivendo um boom e a América do Sul não está vivendo um mau momento. A crise é mais do centro antigo europeu, do Atlântico Norte, Europa e Estados Unidos. Vamos dar notas muito boas à Ásia e à América do Sul e notas muito baixas à Europa e aos Estados Unidos.

- Qual será o desdobramento disso, qual o cenário futuro?

- De novo, vou pluralizar, são os desdobramentos. Primeiro, vamos fazer um pouco de exercício prospectivo, com os riscos que isso causa. Não vejo o fim da hegemonia americana, acho até que é porque os Estados Unidos perdurarão por um tempo ainda longo. Trata-se de uma potência hegemônica, sobretudo, além de todos os fatores econômicos, comerciais e financeiros; é de fato a única superpotência militar. Não podemos esquecer que o músculo militar ainda é um fator muito importante e eles continuarão a ter essa dominância.

- Como fica a geopolítica?

- Acho que a parte do mundo que também perderá estatura é a Europa Ocidental. Não é que entrará em decadência, não será mais o que já foi; ela deixará de ser aquela espécie de extensão do poder do Atlântico Norte, dos Estados Unidos, em troca de um crescimento, de uma emergência, da Ásia, do Brasil e da América do Sul. Também vejo alguns países isolados da África, nessa emergência vem a África do Sul, e virá também, de certa maneira, o México, os novos asiáticos, Indonésia e Coreia. O que está havendo hoje no mundo é um grande deslocamento do foco e do eixo do poder.

- Pode emergir o autoritarismo?

- O mundo se desloca do Atlântico para o Pacífico, da Europa para a Ásia, e nós entramos bem nisso, nós estamos colocados nesse pequeno bloco do Brics, dos grandes emergentes. Não vejo uma crise, no sentido de um colapso; não é 1929 portanto, uma espécie de depressão mundial duradoura. Não vejo também a emergência de novos autoritarismos ideológicos, não vejo o risco dos anos 30, de um fascismo e um nazismo e de um comunismo militante. O mundo vai jogar com regras parecidas portanto, não sou catastrófico, sou uma pessoa preocupada.

- O ministro Guido Mantega afirmou que o Brasil está preparado, mas não imune à crise. O senhor concorda?

- É um jogo um pouco semântico. Nenhum país estaria, a rigor, preparado. O que faz a crise é que ela é surpreendente, ela se estende por lugares antes não contaminados; a ideia de prever o futuro é o mais arriscado dos exercícios. O Brasil será atingido, sobretudo, porque o que me preocupa mais, absolutamente, é que nesse grande embate o que tem sido o motor da nossa prosperidade, que é a valorização crescente das nossas commodities sofra o processo de deteriorização.

- Mas como vai ficar o Brasil?

- O Brasil tem vivido muito bem de quase tudo que nós exportamos. Está cada vez mais consistente ao longo dos últimos 10, 15 anos. Proteínas animais, todos os produtos agrícolas, minérios, ou seja, o país está vivendo um boom, em parte por ter arrumado a sua casa, mas em grande parte porque os mercados do mundo compram cada vez mais e melhor, aquilo que nós produzimos de maneira competitivamente muito bem. A minha preocupação é que , com o que está acontecendo, haja uma desaceleração no mercado de commodities...

- E na hipótese de perda do valor desses produtos, o que aconteceria?

- Sem dúvida, uma perda do valor desses produtos faria com que as receitas brasileiras de exportação ficassem muito atingidas. Isso não é uma desgraça, mas tira do nosso crescimento um elemento essencial de dinamismo.

- Os investimentos podem ser afugentados, claro...

- Os investimentos - há um grande paradoxo... Quando há uma grande crise, os investimentos fluem para onde há mais segurança - que continuam a ser os Estados Unidos. Ou seja, é quase que uma coisa paradoxal, quando a situação vai mal no mundo, os donos do tesouro norte-americano, os papéis americanos são de uma atração imensa, apesar de tudo. Você pode falar do ouro, mas ele tem uma dificuldade física, é de uma inelasticidade que é parte da sua natureza.

- Mas, acontece que os americanos não são mais os donos do mundo, como pareciam.

- Os Estados Unidos estão cada vez mais vulneráveis as pressões da China e do Brasil, com quase US$ 250 bilhões de reservas lá. Existe hoje, também, uma certa alavancagem, estamos fazendo um jogo. O Brasil e, sobretudo, a China estão alimentando o vício norte-americano em dívida, porque não têm outro lugar para colocar o dinheiro. O problema nosso e da China é que estamos fazendo grandes reservas, e não sabemos o que fazer com essas reservas, a não ser colocá-las em papéis americanos.

- O que muda na geopolítica da América Latina?

- Não uso muito a palavra América Latina. Uso em um sentido cultural, afetivo; prefiro falar da América do Sul, que é o que eu entendo mais. A América Latina inclui América Central e México - é mais complicado. O México tem uma latinidade de língua e de cultura, mas é parte de um bloco que se chama NAFTA. Quer dizer, ele é um país da América do Norte - não confundir isso. A América do Sul está vivendo um momento bom. Mais ainda que o Brasil, a Argentina e um pouco o Chile são produtores de commodities, sobretudo a Argentina. Estão vivendo um bom momento, os próprios populismos mais veementes da América do Sul estão um pouquinho desacreditados.

- O coronel Hugo Chávez é, ou não, um complicador?

- Chávez perdeu um pouco a sua retórica, assim como o Correa, o Evo Morales. Acho que há uma retração daquele populismo mais retórico, em troca de um pragmatismo mais construtivo. O Brasil não se compara a eles, ele não trata mais da América do Sul como o seu destino; ele está aqui, mas as comparações brasileiras sempre são com os Estados Unidos, Rússia, China. Nós mudamos de patamar e as nossas identidades e expectativas estão com eles. O Brasil hoje, sobretudo, é um grande emergente que está na América do Sul, mas não necessariamente é um país da América do Sul.

- Mas, o ex-presidente Lula apostou muito na Venezuela e nesses países todos. Qual a posição, que o senhor vê, da presidente Dilma Rousseff?

- Há uma palavra que eu gosto muito de usar quando falo da Dilma. É a sobriedade. Há nela um estilo que me agrada, muito mais sóbrio, palavras medidas, menos ativismo... O Lula tinha qualidades, evidentemente, tinha um ativismo, uma espécie de personalismo, que para mim, depois de alguns anos, cansava um pouco. A ideia de que todo o tempo ele tinha que produzir manchetes, fatos... Eu gosto de sobriedade. Hoje, eu tenho a impressão que a Dilma inovou no sentido de ela não me parecer seduzida por ditadores africanos ou autoritarismo no Oriente Médio, ela me parece mais cuidadosa na sua afetividade.

- Qual é a diferença entre ela e Lula?

- O problema do Lula é que ele era de tal maneira afetivo, que não conseguia deixar de dar abraços e tratar de uma maneira fraternal pessoas que não mereciam ser tratadas com essa fraternidade. A Dilma está trazendo um pouco de sobriedade, e acredito que o Antonio Patriota seja responsável, também, por esse novo e bom estilo. Estou satisfeito com isso, mas, com certeza, perdeu um pouco aquela teatralidade na política externa brasileira, que era, em parte, um pouco da diversão de todos nós. Agora o Brasil passou a ser um ator mais discreto, mais controlado, possivelmente um pouco menos divertido.

- Um cenário de aperto fiscal vai resolver os efeitos da crise mundial?

- Acho que não, as crises mundiais têm ciclos. Cada uma é um ciclo que se inaugura, que tem um desdobramento. O aperto fiscal pode ser uma alternativa, sobretudo nos países europeus. A Europa construiu para si mesma a ilusão da prosperidade permanente entre seus países, e tinha criado uma ideia de prosperidade, de que os déficits poderiam ser acumulados, de que a política fiscal poderia ser desrespeitada, mas, como sempre, a economia educa, ela mostra que não há exceções. Uma política fiscal mais rigorosa tem a vantagem clara de ajudar a arrumar as contas, diminuir déficits, começar a entrar na realidade. O problema é que ela tem um efeito depressivo, ela tira a energia, acha que em tempos de crise é preciso um gasto público acentuado para movimentar a economia, e aqueles que acham, de uma maneira, que é preciso gastar menos e viver dentro do seu orçamento.

- Como resolver essa equação política?

- O problema é as duas teses têm validação. Se a Europa fizer um ajuste fiscal muito forte, acaba em uma crise política. O que está acontecendo em Londres começa a mostrar que, mesmo lá, que não faz parte do euro, há uma insatisfação com a situação social, que não é mais o que já foi. São grandes correntes imigratórias que foram para lá esperando um outro mundo e que agora não têm nem acolhida, nem emprego...

- O que mudou nos últimos anos?

- Falei na palavra crises, que é o que o mundo está vivendo, depois de 10 anos. O Lula coincidiu com anos de extraordinária tranquilidade. Agora o mundo, de novo, entrou em um daqueles ciclos. Lembro-me, que no tempo de Fernando Henrique Cardoso, ele entrou em umas cinco, seis crises, a asiática, da Europa, mas tínhamos esquecido que o mundo é turbulento. Nós estamos com os cintos afivelados, já está acesa a luz, e que não se levante ninguém do assento!...

- O que afeta mais o Brasil, a crise americana ou a corrupção no governo brasileiro?

- É difícil dizer!... Mas eu creio que a crise americana nos afeta macroeconomicamente, macropoliticamente, inclusive a totalidade da nossa inserção mundial. A corrupção é um veneno doméstico, uma coisa que nos tira energia, vitalidade, credibilidade, enfraquece o tecido social, que leva à insatisfação. Mas ela não é um fator de destruição do projeto nacional, ela é apenas um custo que a sociedade se impõe incompetência, pela falta de seriedade. A corrupção é um tributo que um país paga por não ter sabido ordenar ele mesmo a sua política, a sua justiça, a seleção dos seus líderes, mas não é uma coisa que no nível brasileiro cause uma desagregação. São dois níveis: a crise americana que nos afeta na dimensão macro e a corrupção que nos envenena na dimensão micro.

- O momento é de perder o otimismo no Brasil?

- Não, não!... Pelo contrário, acho que, mais uma vez, o Brasil não é, como na primeira crise de 2008, o causador da crise, porque não contribuiu para ela, sim e não deve ser afetada. Não quero usar a metáfora do presidente Lula, de “marola”, mas dessa vez a crise é mais ampla, ela nos atinge mais, porque ameaça o valor das nossas exportações, e o país tem sido puxado pelas exportações de commodities, esse, sim, tem sido o grande motor.

- Ou seja, nada de pessimismo?

- Nós não temos que estar pessimistas, mas não temos que estar complacentes. Era perigoso para o Brasil ficar achando que vivemos como em uma ilha de prosperidade. Não somos uma ilha de tranquilidade, não estamos fora do mundo, o Brasil não escapa das regras gerais. Para usar uma velha frase, ‘o Brasil tinha de por as suas barbas de molho, porque tem muitas barbas de vizinho pegando fogo.’

- Diante de todo esse cenário, o que o senhor recomenda?

- Eu recomendaria ao Brasil muito, muito molho, e as barbas colocadas dentro dele!...