O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

Mostrando postagens com marcador Conrado Hübner Mendes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Conrado Hübner Mendes. Mostrar todas as postagens

sábado, 13 de outubro de 2018

Com quantos ministros fora da lei se constroi um STF? - Conrado Hubner Mendes (Epoca)

Com quantos ministros fora da lei se constrói um STF?CONRADO HÜBNER MENDES DOUTOR EM DIREITO E PROFESSOR DA USPREVISTA ÉPOCA, 12/10/2018

A gran famiglia administra o Judiciário mais caro das democracias do mundo pelos meios da baixa política.

O Febejapá — Festival de Barbaridades Judiciais que Assolam o País — é nossa dieta cotidiana de nonsense jurídico, nossa rotina de caradurismo togado. Era Stanislaw Ponte Preta quem deveria contá-lo, mas ele não pagou para ver nem viveu para crer. É festival dedicado à magistocracia, à gran famiglia judicial brasileira, estrato social que não se contenta com pouco: não quer escorregar do 0,1% mais alto da pirâmide social brasileira, nem que para isso precise furar o teto constitucional, dobrar a lei e acumular auxílios-dignidade livres de imposto.
A gran famiglia administra o Judiciário mais caro das democracias do mundo pelos meios da baixa política. Resiste à transparência e reprime os que tentam arejar a mentalidade magistocrática. Para compensar, entrega ao país o encarceramento em massa e alimenta o crime organizado, entre outros penduricalhos. Mas fale baixo, porque a magistocracia tem sensibilidade de seda, a sensibilidade dos “cocorocas”. Daqui a pouco vai alegar desacato a sua “honra institucional”, essa ideia pré-liberal que cunhou enquanto se apreciava no espelho. Se um dia levarmos a sério o combate à corrupção individual, e sobretudo a institucional, sugeriria começar por aí.
O relato do Febejapá começa tarde e tem um longo passado pela frente. Por isso, distribuiremos diplomas retroativos. Esse passivo será amortizado em parcelas. Na semana passada, fomos levados a perguntar: a quantos juízes fora da lei resiste o estado de direito? Quem souber que nos conte. Talvez já tenhamos cruzado essa linha vermelha. O juiz Sergio Moro, ciente de que o “quando” decidir é tão crucial quanto “o que”, tirou às vésperas da eleição o sigilo de delação que já não tinha valor jurídico. Ainda que autoridades do STF já o tenham alertado que isso é malcriação, ele insiste. Bem-comportado que é, deverá pedir “respeitosas escusas” de novo. A ala curitibana do Febejapá tem estilo.
Há outra pergunta mais urgente: com quantos ministros fora da lei se constrói um STF? A democracia brasileira nunca precisou tanto de um STF forte e respeitável.
Nos 30 anos da Constituição, nunca houve composição que combinasse tão bem o senso de autoimportância individual e a vocação para o suicídio.
Da presidência da Corte saiu Cármen Lúcia, “a pacificadora”, e tomou posse Dias Toffoli, “o negociador”. A primeira ressignificou o verbo “pacificar”; o segundo começou com arte e deixou seu vice, Luiz Fux, suspender liminar de Lewandowski que permitia a um jornal entrevistar um preso. Faltou nos contar por que o vice o substituiu.
Não tendo conquistado corações e mentes como juiz, Toffoli resolveu se lançar como historiador. Escolheu lugar solene para anunciar sua tese: o Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, sob o olhar de Dom Pedro II. Afirmou que em 1964 não houve nem golpe nem revolução, mas um “movimento”. Chama golpe de movimento assim como quem chama mandioca de aipim. O ministro tem razão: foi um movimento de tanques nas ruas, de choques nos porões, de “suicídios” em delegacias. Foi também um movimento, veja só, de aposentadoria compulsória de ministros do STF e suspensão do habeas corpus. Eram tempos em que um general não habitava gabinete do STF a convite de seu presidente.
De Toffoli nunca se esperou coragem moral. Sua trajetória não carrega vestígios de excelência técnica ou contribuições jurídicas ao bem comum. E isso não se deve ao fato de ter sido reprovado em dois concursos da magistratura ou à carência de títulos acadêmicos, critério bacharelesco pelo qual julgaram sua competência. Foi o único dessa geração que chegou ao tribunal sem outras credenciais que não a amizade do presidente, pelos serviços prestados ao partido. Sua reputação foi construída interna corporis, por assim dizer, não na comunidade jurídica. Mas isso importa menos.
Em vez de reinterpretar a história, ofício para o qual demonstrou não ter vocação nem método, pede-se a ele apenas que interprete a Constituição. E aí Toffoli não está sozinho: mais grave que o revisionismo histórico toffolino é o revisionismo constitucional do STF. Ao contrário de outros revisionismos, que questionam uma interpretação consolidada e propõem uma alternativa no lugar, o revisionismo constitucional do STF não põe nada no lugar. Ou pior: põe uma coisa num dia e depois muda de ideia, a depender da conjuntura.
Conrado Hübner Mendes é doutor em Direito e Professor da USP.