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quinta-feira, 11 de junho de 2020

Política externa e diplomacia brasileira: uma aula no GoBrunch - Paulo Roberto de Almeida

Convido os interessados a uma aula-teste por meio da plataforma GoBrunch:

https://br.gobrunch.com/events/land/105292/

POLÍTICA EXTERNA E DIPLOMACIA BRASILEIRA

POLÍTICA EXTERNA E DIPLOMACIA BRASILEIRA

Junho 12, 2020 02:30 PM
Análise e discussão sobre as relações internacionais do Brasil no período atual.

6/12/2020

  • 02:30 PM - Introdução: elementos básicos sobre a diplomacia brasileira
  • Paulo Roberto de Almeida - Professor; diplomata - Uniceub; MRE
Diga aos seus amigos que você irá participar
Transcrevo uma parte de um trabalho que pode ser útil aos interessados: 
Política Externa e Diplomacia Brasileira: palestra GoBrunch
  
Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: aula pública na plataforma GoBrunch; finalidade: teste de webinar]

Introdução: elementos básicos sobre a diplomacia brasileira.
Considerações gerais sobre a política externa e a diplomacia dos Estados soberanos
Um Estado se organiza institucionalmente em torno de seus três poderes principais, à la Montesquieu, e estes se articulam sobre a base das disposições constitucionais que regulam, de modo lato, o seu funcionamento. Os agentes públicos eleitos ou mandatados nos três poderes exercem suas funções a partir dos mesmos dispositivos constitucionais e a partir dos impulsos e iniciativas tomados pelos governos eleitos em alternância, pelo menos nas democracias representativas. No caso do Brasil, tínhamos, no Império, uma inovação à la Benjamin Constant (o franco-suíço, não o brasileiro), um quarto poder, o Moderador, usado pelo Imperador para se livrar do gabinete de turno, e convidar o líder do partido opositor (só havia dois, o Liberal e o Conservador, ambos escravistas).
O Executivo, principal poder nos governos, exerce suas funções por meio de políticas públicas, sendo que estas se dividem em macroeconômicas – fiscal, monetária, cambial – e em políticas setoriais: industrial, comercial, agrícola, educacional, científica, etc. Algumas destas possuem maior abrangência, perpassando diferentes setores da vida pública, como a Justiça, a Defesa e as Relações Exteriores. Esta última, objeto deste ensaio, toma apoio em outras políticas setoriais: de comércio exterior, da indústria, da agricultura, assim como das demais que possuem uma interface internacional, o que acaba sendo o caso de quase todas elas, pois mesmo as políticas que têm a ver com a segurança interna, com a previdência, ou as populações indígenas, por exemplo, podem receber insumos e lições comparativas extraídas de outras experiências de base nacional. Um foro de coordenação de políticas como a OCDE, ao qual o Brasil pretende ingressar, é uma espécie de gabinete ministerial incorporando todas as vertentes das políticas governamentais, macroeconômicas e setoriais. 
A política externa de um país é o conjunto de diretrizes e prioridades que um país determinado escolhe, de acordo com a sua forma de governo – parlamentarista ou de cunho presidencial, como é o nosso caso –, para se relacionar com outros Estados soberanos da comunidade internacional e no âmbito das organizações regionais ou intergovernamentais de caráter universal ou mundial, cenário no qual exercem preeminência a Organização das Nações Unidas e suas agências especializadas. Nos regimes presidencialistas, como é o caso do Brasil, cabe ao presidente determinar as diretrizes básicas da política externa, com a eventual tutela do poder legislativo no controle de suas ações e iniciativas e na designação de representantes diplomáticos junto a essas organizações internacionais ou demais países com os quais se tenham relações diplomáticas. Raramente a política externa aparece com destaque ou prioridade nos debates eleitorais, uma vez que as questões principais em cada escrutínio eleitoral tocam mais diretamente nas políticas econômicas – emprego, renda, habitação, gastos em saúde e educação, transportes, segurança, etc. –, daí uma grande latitude deixada ao chefe de governo, e de Estado (no caso dos regimes presidencialistas), na definição das linhas básicas dessa política setorial abrangente. 
A diplomacia, por sua vez, nada mais é senão a ferramenta pela qual um Estado constituído exerce a sua política externa, mobilizando agentes enviados ao exterior e o corpo profissional do Serviço Exterior para a implementação das diretrizes do presidente, com a atuação paralela dos demais poderes e dos agentes econômicos e sociais de uma nação que mantém relações normais com os demais Estados da comunidade internacional. Esse corpo profissional pode ser mais ou menos aberto à participação de especialistas recrutados em outras áreas de governo (Defesa, Economia, Agricultura, por exemplo) ou na própria sociedade civil (empresas, academia, organizações não governamentais). No caso do Brasil, existe certo insulamento do ministério das Relações Exteriores dessa “osmose” que outras chancelarias mantêm com esses agentes “externos” ao próprio Serviço Exterior oficial, ou seja, recrutado por concurso e dotado de estabilidade funcional. Essas características podem representar tanto uma garantia de alta qualidade no desempenho das funções e atividades tipicamente diplomáticas – pelo constante treinamento do pessoal habilitado –, quanto certo risco de autismo burocrático ou insulamento da sociedade e das demais agências públicas. 

Política externa e diplomacia do Brasil em padrões tradicionais e em tempos normais
Padrões tradicionais significam, no contexto deste ensaio, o trabalho corrente de uma chancelaria funcionando segundo regras estabelecidas de forma mais ou menos consistente segundo disposições constitucionais e outras normas de direito administrativo, sem eventuais alterações que acompanham possíveis mudanças de regime; tempos normais, por sua vez, são os que não conhecem essas quebras de ritmo nas atividades correntes, por mudanças internas ou graves crises externas (guerras, interrupção de comércio, turbulências financeiras, etc.). O Brasil conheceu grandes alterações em seu regime político – da monarquia para a República, por exemplo – sem qualquer alteração nas relações internacionais (mas teve de mudar as prioridades de sua política externa, num sentido mais americanista), assim como atravessou um enorme impacto nessas relações – como a Grande Guerra – sem sequer alterar o padrão de sua política externa ou os hábitos de trabalho de sua diplomacia. Mais adiante, uma grave crise econômica externa, a de 1929, agravou a crise política já em curso, para precipitar a queda da primeira República, e a consequente alteração tanto na política externa, quanto na organização de sua chancelaria e práticas diplomáticas (com a unificação das carreiras diplomática e consular, por exemplo). Padrões tradicionais e tempos normais não excluem, portanto, grandes alterações externas ou internas, e o impacto recíproco dessas mudanças. Vejamos, pois, como tais padrões e políticas se apresentaram ao longo da história do Brasil.
Mesmo nas condições relativamente insatisfatórias, tanto no plano material quanto no educacional, de um país saído de seu status colonial, mantido em formidável isolamento pela política de exclusivo colonial da metrópole portuguesa durante três séculos desde a colonização, o Brasil conseguiu construir um Estado bastante funcional no conjunto das ex-colônias saídas da dominação ibérica nas Américas, tendo inclusive herdado instituições de qualidade razoável a partir da transmigração da corte lusitana três lustros antes de sua independência. A diplomacia herdada a partir de 1822 reflete as boas tradições da diplomacia portuguesa, uma das mais hábeis no jogo de grandes potências da Europa ocidental, o que habilitou o jovem Estado a uma defesa consequente dos interesses nacionais numa época de reafirmação de novos impérios coloniais e de certa arrogância imperialista, como se observou no decorrer do século XIX. O tráfico e o escravismo representaram dois handicaps durante a maior parte desse século, tendo a abolição da escravatura sinalizado o próprio fim do regime monárquico. Eram tempos “normais” no Brasil, mas a escravidão certamente não poderia mais ser considerada algo normal no período contemporâneo: o Brasil era uma anomalia mesmo no contexto exclusivamente latino-americano; quando cessou a escravidão, cessou também o apoio ao regime monárquico, sem que o Partido Republicano (que existia desde 1870 tenha crescido em audiência ou aderentes).
O longo período republicano – mais de 130 anos até aqui – representa a consolidação progressiva de uma diplomacia profissional, com muitas reformas internas (a unificação dos corpos diplomático e consular, a admissão de mulheres, a criação de uma instituição de seleção e treinamento especializado, normas de promoção e remoção, etc.) e a definição das bases políticas para o exercício da autonomia nacional, para um país ainda insuficientemente desenvolvido, dependente de aportes financeiros externos e da exportação de poucas matérias primas, oportunamente engajado num processo bem-sucedido de industrialização substitutiva de importações, que o conduziu à afirmação de uma diplomacia inteiramente mobilizada em função desse grande projeto de desenvolvimento econômico e social. As insuficiências do país, notadamente na área educacional, não obstaram à constituição de uma diplomacia profissional de grande qualidade intelectual, sobretudo a partir do funcionamento, em 1946, do Instituto Rio Branco, selecionando os melhores dentre os melhores. 
Mesmo no século XIX escravista e passavelmente aristocrático – uma aristocracia de títulos apenas, pois nunca teve estamentos tradicionais atrás de si –, mas sobretudo na última década e na transição para o regime republicano, e a partir de então, a diplomacia participou da construção da nação, como brilhantemente exposto pelo embaixador Rubens Ricupero em sua obra de história diplomática, que já nasceu clássica e que leva justamente esse título: A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016 (Versal, 2017). De uma diplomacia de defesa do café, nas primeiras décadas do novo regime, ao equilíbrio difícil nas lutas hegemônicas do entre guerras, à opção pela aliança com as nações democráticas na Segunda Guerra Mundial, que foi mantida durante toda a fase da Guerra Fria no pós-guerra, o corpo diplomático e os estadistas que o conduziram – entre eles o Barão do Rio Branco, Oswaldo Aranha, José Carlos de Macedo Soares, Horácio Lafer, Afonso Arinos e San Tiago Dantas ­– souberam defender os interesses nacionais na linha fundamental do processo de desenvolvimento, ainda que pressionados pela dependência financeira externa e sem dispor de uma sólida base econômica ou militar. Políticas e padrões de trabalho foram alterados em cada circunstância, mas sempre de forma pragmática e quase sem grandes intervenções externas; ou seja, o Itamaraty conseguiu praticar relativo insulamento das turbulências políticas nacionais, pois a intromissão de “externos” à carreira nas missões e chefias de postos sempre foi moderada.
A despeito de alguns momentos de convergência com os interesses das grandes potências – a Grã-Bretanha no século XIX, os Estados Unidos no século XX –, não se pode falar de “alinhamento automático” na política externa ou na diplomacia brasileira, a despeito desse tipo de caracterização em certa literatura acadêmica. Mesmo nas duas décadas do regime militar – supostamente identificado com os interesses ocidentais, no confronto com o desafio representado pela outra grande potência, a União Soviética –, a política externa e a diplomacia brasileira raramente se desviaram de uma definição autônoma dos interesses nacionais para se guiar por outras prioridades que não as do desenvolvimento nacional. O regime militar, comparativamente a todas as demais épocas anteriores, foi o que atribuiu maior independência ao “estamento burocrático” da diplomacia profissional, ao escolher chanceleres retirados do próprio corpo do Itamaraty, provavelmente porque ambas corporações trabalham em bases relativamente similares, com princípios, valores e padrões de funcionamento relativamente, senão amplamente, homogêneos. O fato é que desde os anos 1960, o Itamaraty passou a ser identificado com uma diplomacia de excelente qualidade intelectual, excelente preparação especializada e intensa participação em todos os foros e agências internacionais abertas ao engenho e arte de seu corpo profissional. 
Tanto durante o regime militar, quanto na redemocratização, diplomatas passaram a servir em diferentes agências públicas especializadas, assim como na condição de assessores diretos dos presidentes eleitos, praticamente de maneira contínua, de 1985 a 2003. O Brasil superou gradativamente certos handicaps associados a políticas em desconformidade com os novos padrões do relacionamento internacional – em especial nas áreas dos direitos humanos, das liberdades democráticas, do meio ambiente, no campo das minorias e outras afins – e passou a se destacar nos foros multilaterais com base numa diplomacia afirmativa, inovadora, participativa, sempre pautada nos grandes princípios de sua atuação externa desde os tempos de Rio Branco, Rui Barbosa e Oswaldo Aranha, tendo inclusive retomado, mesmo em pleno regime militar, as grandes linhas da Política Externa Independente que tinha sido inaugurada no final dos anos 1950 e, mais ativamente, no início dos anos 60. Ao abrigo dos dispositivos de relações internacionais inscritos no artigo 4º da Constituição de 1988 – que são cláusulas que se confundem, em larga medida, com princípios relevantes do Direito Internacional contemporâneo ­–, a diplomacia brasileira se alçou ao respeito de parceiros tradicionais no continente, no hemisfério e de maneira geral na comunidade internacional, sempre focada nos objetivos fixados na Carta da ONU – paz, segurança, soberania e desenvolvimento – e nos métodos consagrados pelas estruturas de cooperação internacional. 
Até pelo menos 2003, a diplomacia profissional se pautou por aquelas diretrizes que foram expressas primeiramente pelo Barão do Rio Branco: seu caráter nacional, apartidário e focadas exclusivamente no interesse nacional e no respeito a esses grandes princípios do direito internacional. No período lulopetista, a despeito de uma adesão formal a essas normas, denotou-se clara inclinação para regimes de esquerda não exatamente respeitadores das cláusulas democráticas e de respeito aos direitos humanos, a exemplo de Cuba, dos países ditos bolivarianos e de várias ditaduras em outros continentes. Certos assuntos também foram decididos mais com base numa abordagem partidária do que em atenção aos padrões de trabalho da diplomacia profissional, inclusive porque o assessor presidencial, durante os 13 anos e meio dos governos petistas, foi um militante do partido, vinculado especificamente ao Foro de S. Paulo, uma entidade de coordenação dos partidos de esquerda da América Latina diretamente controlada pelo Partido Comunista Cubano. Em contraposição ao universalismo tradicional da diplomacia profissional, os governos petistas favoreceram uma política míope de orientação preferencial a um fantasmagórico Sul Global, mais uma dessas ficções políticas inventadas por amadores em diplomacia e sustentadas apenas por acadêmicos de esquerda. Tive a oportunidade de examinar, expor e criticar as bases conceituais e ideológicas, assim como as principais orientações operacionais da diplomacia lulopetista em meu livro Nunca antes na diplomacia: a política externa brasileira em tempos não convencionais (2014).
O impeachment que interrompeu o quarto governo petista, em 2016, também permitiu retomar as bases da diplomacia tradicional orientada pelo corpo profissional do Itamaraty, expurgando, portanto, o relacionamento preferencial com algumas ditaduras mais execráveis da região ou de alhures. Pode-se dizer que as orientações que sempre distinguiram a política externa e a diplomacia brasileira durante seus períodos de funcionamento normal foram postas novamente em movimento, de conformidade com o estilo de trabalho da diplomacia profissional, novamente colocada a servir ao Estado, e menos a um governo dominado por um partido dotado de algumas inclinações sectárias. Examinei a fase agônica do período lulopetista na diplomacia brasileira, assim como a retomada dos padrões tradicionais da diplomacia profissional nos dois anos e meio subsequentes em meu livro Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (2019).
Esses padrões de trabalho foram mantidos por dois chanceleres escolhidos entre os membros do Senado Federal, durante um processo eleitoral infelizmente marcado pelo maniqueísmo dicotômico dos populismos de esquerda e de direita. Com isso encerrou-se, em dezembro de 2018, um período de relativa normalidade na diplomacia brasileira, e o ingresso numa era definitivamente anormal, por quaisquer critérios que se julguem os novos padrões de trabalho. Registre-se, finalmente, antes de concluir esta seção voltada para a análise e a discussão da políticas e padrões de trabalho da diplomacia brasileira, que a cada início de novo mandato presidencial, a cada inauguração de um novo chanceler, por vezes até a assunção de um novo Secretário Geral do Itamaraty, a Casa e o público externo sempre foram contemplados com exposições relativamente abrangentes, abrangentes, de modo claro, sobre a política externa em curso ou aquela que se procurava implementar, ou seja, uma definição mais ou menos completa das prioridades políticas, geográficas, econômicas, institucionais, sobre as grandes linhas da política externa nos planos multilateral, regional ou bilateral, às quais se seguiam, eventualmente, viagens, convites para visitas, iniciativas e novos projetos para o período que se iniciava por essas cerimônias de “entronização” de mais uma etapa. Esse foi sempre o padrão seguido no Itamaraty desde décadas, provavelmente desde o Segundo Império. Pois bem, pela primeira vez na história do Itamaraty, tivemos o início, em janeiro de 2019, de um novo governo sem uma exposição clara, ou sem quaisquer diretrizes a propósito de suas prioridades em política externa ou os padrões de trabalho do novo governo.

A política externa e a diplomacia em tempos excepcionais: sem qualquer programa
A falta de uma exposição prévia, abrangente, explícita, por ocasião da inauguração do novo governo – de caráter geral, pelo presidente, ou de escopo setorial, no caso do chanceler e da política externa –, talvez seja a caraterística básica da nova era bolsonarista. Cabe, com efeito, registrar desde já esse caráter fundamental, absolutamente inédito, aliás totalmente único, seja na história política do país, seja na trajetória do próprio Itamaraty: a ausência de uma orientação mais ou menos sistemática a respeito da política externa que se pretende implementar. Difícil, portanto, estender-se numa análise minuciosa sobre uma política externa que simplesmente nunca foi exposta de modo claro, em nenhum documento do governo ou da chancelaria. Essa lacuna já estava evidente desde a apresentação do programa do candidato, em agosto de 2018, uma série de slides muito vagos sobre as grandes linhas do que se pretendia fazer – muitas promessas e poucas realizações até aqui – e quatro miseráveis parágrafos sobre uma “não” política externa, absolutamente estapafúrdios em sua linguagem e sem qualquer conexão com uma política externa e uma diplomacia operacionais. 
Essa carência de documentos, ou de simples transparência quanto aos propósitos e as prioridades do novo governo, em especial na política externa se reflete igualmente na ausência de notas explicativas, de entrevistas, de artigos e de simples boletins de informação sobre as políticas do governo, de modo geral, e sobre a política externa em particular. Quanto ao presidente, a sociedade já se acostumou, o que não deveria, com essas caóticas entrevistas, entrecortadas por desrespeito aos jornalistas, concedidas em poucas minutos pelo presidente, ao sair do Palácio da Alvorada, o que obviamente não substitui, nem poderiam, entrevistas formais à imprensa que todos os presidentes ou chefes de governo concedem regularmente aos meios de comunicação e de informação. Registre-se que o porta-voz da Presidência da República simplesmente desapareceu do cenário, uma vez que, aparentemente, ele não tem mais qualquer função no quadro do Executivo. Da mesma forma, o chanceler sempre teve um porta-voz oficial em todos os governos anteriores, o que simplesmente não mais existe na atual chancelaria.
Não se registrou, nem no discurso de posse do presidente, em 1º de janeiro de 2019, nem em sua primeira mensagem ao Congresso, na abertura da sessão legislativa, em fevereiro seguinte, menções explicitas à política externa ou às prioridades diplomáticas que seriam seguidas ou implementadas em seu governo. No discurso de posse, no Congresso Nacional, as referências foram as mais parcas possíveis, como a promessa de “respeitar as religiões e nossa tradição judaico-cristã, combater a ideologia de gênero, conservando nossos valores. O presidente se comprometeu ainda com que o Brasil “voltará a ser um País livre das amarras ideológicas”, sem, no entanto, esclarecer quais seriam essas amarras, supostamente as da esquerda (quando esta tinha sido já afastada mais de dois anos antes). A política externa recebeu uma única linha em seu discurso, assim expressa: “A política externa retomará o seu papel na defesa da soberania, na construção da grandeza e no fomento ao desenvolvimento do Brasil.” O mesmo ocorreu no discurso de recebimento da faixa presidencial, no Palácio do Planalto, quando a política externa recebeu uma única e obscura referência: “Vamos retirar o viés ideológico de nossas relações internacionais.” Apenas isso e nada mais.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de maio de 2020

quinta-feira, 4 de junho de 2020

A Política Externa e a Diplomacia Brasileira em tempos de Pandemia Global - Palestra online Paulo Roberto de Almeida

https://www.youtube.com/watch?v=g-Jr7xxIphQ&feature=youtu.be

Aula com o Professor Dr. Paulo Roberto de Almeida organizada pelo curso de RI da UniEvangélica

3 de jun. de 2020

Aula ministrada pelo professor Dr. Paulo Roberto de Almeida, através da plataforma do ZOOM, no dia 03 de junho de 2020, sobre "A Política Externa e a Diplomacia Brasileira em tempos de Pandemia Global". Participaram da aula os alunos do curso de Relações Internacionais do Centro Universitário de Anápolis - UniEvangélica, bem como convidados externos. O professor disponibilizou um texto para leitura prévia antes da aula, que está no link abaixo:


Ou aqui: 

3673. “A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global”, Brasília, 18-20 maio 2020, 28 p. Ensaio opinativo sobre a temática do título, para servir como texto de apoio a palestra online para alunos dos cursos de Direito e de Relações Internacionais da IES de Anápolis, em 3/06, via Zoom. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/43208735/A_politica_externa_e_a_diplomacia_brasileira_em_tempos_de_pandemia_global_2020_) e anunciado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/a-politica-externa-e-diplomacia.html).

segunda-feira, 1 de junho de 2020

Um novo livro sobre a diplomacia brasileira - Paulo Roberto de Almeida

Quase na praça

(Não, esta não é a capa, apenas uma ilustração que aprecio)

Acabei de revisar e enviei para preparação editorial um novo livro que representa uma compilação de artigos meus sobre a política externa e a diplomacia brasileira.
Eu não o considero um "scholarly work", como se diz na academia americana, ou seja, ensaios dotados de consistência analítica, de aparato bibliográfico, consistindo num acréscimo ao estado da arte no terreno da política externa e da diplomacia brasileira.
Não, não pretendo que ele seja isso: trata-se de um livro de combate, contra o estado lamentável no qual se encontra atualmente tanto uma quanto outra.
Um amigo, do exterior, que sabe de meus escritos, me escreveu o que segue a propósito de meu trabalho. Ele primeiro comentou a minha listagem de trabalhos – apenas para fins de seleção para algum livro futuro, lista que já coloquei aqui https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/listagem-de-trabalhos-sobre-relacoes.html
– e depois se refere ao novo livro: 


Votre sélection de travaux scientifiques est une vraie encyclopédie de l'analyse sur la politique extérieure du Brésil à travers les temps ! C'est très impressionnant. Un véritable "outil de référence" pour les chercheurs sur la diplomatie brésilienne. Je vais m'y "plonger" (comme on dit en français...). Même si j'en connais déjà, avec une grande joie intellectuelle, un certain nombre.

Quant à votre nouvel ouvrage, je comprends bien entendu fort bien votre état d'esprit... C'est celui d'un patriote, d'un universitaire, d'un diplomate, d'un chercheur qui travaille depuis des décennies au profit du rayonnement international du Brésil. Et qui voit tout cela être détruit systématiquement avec des effets catastrophiques. C'est donc ce que l'on peut appeler un "ouvrage de combat" ! Combat contre la bêtise, l'ignorance, la vilénie (un mot assez "vieille France"...), la méchanceté...

Transcrevo o índice deste livro, 
Dentro em breve o livro estará disponível..
Paulo Roberto de Almeida


O Itamaraty num labirinto de sombras: ensaios de política externa e de diplomacia brasileira
(Brasília: Diplomatizzando, 2020, 225 p.)

Índice

Prólogo     11

1. A política externa e a diplomacia em tempos de revolução cultural    17
2. De uma diplomacia a outra no Itamaraty: conceitos e práticas   23
3. A destruição da inteligência no Itamaraty   29
4. A ideologia da diplomacia brasileira      33
5. Os desastres da política externa do olavo-bolsonarismo    37
6. Questões de diplomacia e de política externa do Brasil     43
7. Desafios da diplomacia no Brasil, do lulopetismo ao bolsonarismo    51
8. O espectro do globalismo: a emergência da irracionalidade oficial    55
9. Manifesto Globalista     59
10. Um ornitorrinco no Itamaraty    71
11. O Itamaraty e a diplomacia brasileira em debate   75
12. Política externa e diplomacia brasileira no século XXI     83
13. A diplomacia brasileira em tempos de olavo-bolsonarismo     101
14. A diplomacia brasileira na corda bamba, sem qualquer equilíbrio   111
15. Pandemia global e pandemia nacional: um futuro pior que o passado    125
16. A diplomacia e a negociação como fundamentos das relações internacionais  135
17. Meu ‘manifesto’ diplomático: em defesa do Itamaraty  149
18. O mundo pós-pandemia: contextos políticos e tendências internacionais   153
19. A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global  167
20. A diplomacia brasileira em uma fase de inédito declínio histórico    197
22. O Itamaraty no seu labirinto    209

Apêndices:
Uma pequena reflexão sobre o trabalho de resistência intelectual      217
Livros publicados pelo autor     219
Nota sobre o autor     225

Frontispício


There are, if not universal values, at any rate a minimum without which societies could scarcely survive. Few today would wish to defend slavery or ritual murder or Nazi gas chambers or the torture of human beings for the sake of pleasure of profit or even political good – or the duty of children to denounce their parents, which the French and Russian revolutions demanded, or mindless killings. There is no justification for compromise on this. But on the other hand, the search for perfection does seem to me a recipe for bloodshed, no better even if it is demanded by the sincerest of idealists, the purest of heart. No more rigorous moralist than Immanuel Kant has ever lived, but even he said, in a moment of illumination, ‘Out of the crooked timber of humanity no straight thing was ever made.’ To force people into the neat uniforms demanded by dogmatically believed-in schemes is almost always the road to inhumanity.

Isaiah Berlin, “On the pursuit of ideal”, New York Review of Books (17/03/1988), In: Isaiah Berlin, The Proper Study of Mankind: an anthology of essays (London: Chatto & Windus, 1997), p. 15-16. 


Este livro é dedicado a todos os meu colegas de carreira que conseguem preservar a alta qualidade intelectual dos padrões de trabalho e o sentido de profissionalismo exemplar no desempenho de suas tarefas correntes no âmbito do Itamaraty, assim como aos que, além disso, se preocupam em pensar o passado, o presente e o futuro da política externa brasileira.


Prólogo



Desocupado lector: sin juramento me podrás creer que quisiera que este libro, como hijo del entendimiento, fuera el más hermoso, el más gallardo y el más discreto que pudiera imaginarse.
Pero no he podido yo contravenir al orden de naturaleza, que en ella cada cosa engendra su semejante. (...)
Muchas veces tomé la pluma para escribirle, y muchas la dejé, por no saber lo que escribiría...

Miguel de Cervantes, Don Quijote de la Mancha, Prólogo;
Edición del IV CentenarioReal Academia Española, Asociación de Academias de Lengua Española, 2004, p. 7-8.


Como Cervantes, mas sem ter o mesmo talento e a sua garra – de combatente em Lepanto, de prisioneiro dos mouros, de escritor dedicado – tomei da pena e dos meus cadernos de notas, sentei-me várias vezes à mesa do computador para juntar palavras e frases, sempre hesitando quanto ao que dizer e o que testemunhar, em face da profusão de surpresas e de infaustos acontecimentos acumulados ao longo do último ano e meio. Na seleção de textos que caberia reter, as hesitações e opções eram muitas, eliminando ensaios aqui, incluindo artigos e entrevistas ali, refinando argumentos, imaginando qual título escolher, o que exatamente se deveria manter, o que retirar, da grande massa de escritos produzidos abundantemente ao longo do período. 
Em condições normais, meus livros são rápida e facilmente compostos, após uma preparação de alguns meses: eles são montados quase que linearmente, da introdução à conclusão, depois de um esforço delongado de reflexão e de grande impulso de redação, o que normalmente me toma seguidas madrugadas solitárias na elaboração do produto final. Mas, tais noites de vigília escrevinhadora constituem a parte mais fácil. Em geral, o livro já está pronto em minha cabeça, sem ainda existir de fato, apenas me faltando escrevê-lo, o que é apenas um desenlace lógico. Um hábito longamente mantido numa trajetória de vida toda ela dedicada a leituras, notas e reflexões, levou-me a que eu sempre tomasse o cuidado de anotar leituras e as ideias que delas eventualmente brotassem; também registrava rapidamente, em muitos cadernos acumulados desde cedo, observações de viagem, impressões de palestras, sumários de encontros e de reuniões de trabalho; tenho guardados esses obscuros objetos de um não secreto desejo de anotar o que escuto ou leio.
Também me ajudou um outro hábito, cultivado mesmo sem a estrita obrigação de exercê-lo: o costume de redigir textos de apoio a palestras ou intervenções em seminários, ainda que não pretendesse lê-los na ocasião, assim como o cuidado de preparar notas sistemáticas para as incontáveis aulas de uma longa e diversificada carreira docente (que sempre mantive em paralelo ao exercício da diplomacia profissional), o de compilar listas dos livros lidos e a ler (algum dia), tudo isso sendo acumulado em muitas pilhas de papel, mais recentemente em centenas de working files no computador. Quando me decidi, por exemplo, a redigir a tese de doutoramento, ainda na era pré-informática, depois de alguns anos de laboriosas pesquisas e de leituras “revisionistas”, espalhei os muitos cadernos de notas numa mesa de jantar, com a máquina de escrever à minha frente, para, finalmente, começar a datilografar os meus argumentos, que já estavam todos idealmente concebidos, antes de tomar uma forma escrita quase definitiva.
Com este livro, contudo, foi diferente, já que ele não deveria normalmente existir, exceto pela necessidade do momento, dos tempos que correm. O mesmo tinha ocorrido com um anterior, Miséria da diploma: a destruição da inteligência no Itamaraty (2019), que tampouco teria sido redigido, não fossem as circunstâncias da época, tanto quanto as agora enfeixadas sob a consigna da resistência intelectual em face de desafios momentosos, não exatamente para mim, mas para a instituição à qual estou ligado desde pouco mais de quatro décadas: o Itamaraty. As características de cada momento explicam que ambos os livros tragam o nome da instituição em seus títulos, primeiro como “miséria” e “destruição da inteligência”, agora como um “labirinto de sombras”. Não necessito explicar em que consistiam a misériae a destruição, uma vez que o livro se encontra livremente disponível em meu blog Diplomatizzando, cabendo aos interessados simplesmente descarregá-lo a partir desse pequeno quilombo de resistência intelectual. 
O labirinto de minha trajetória (um pouco à la Herman Hesse) também tem a ver com o título deste pequeno livro, que surge não como uma obra planejada – podendo ser inscrita em alguma coletânea futura, tipo Gesamtwerk –, mas como simples instrumento de combate, uma catapulta de ideias, aqui lançadas contra esses minotauros de pacotilha que estão conspurcando a política externa de um país outrora respeitado no mundo, assim como deformando a sua diplomacia que se dizia, na região e fora dela, entre as melhores do mundo. Essa distinção, meritória, foi infelizmente perdida no último ano e meio. Sim, eu e meus colegas do Itamaraty fomos levados a um labirinto obscuro, ameaçador, do qual não sabemos quando iremos sair. Não, não contamos com nenhum Teseu; só com nossa força e espírito de resistência.
De resto, vivemos tempos realmente tormentosos e torturados, com o país lançado como jangada de pedra num vasto oceano sem rumo, para usar a metáfora de Saramago. Nossa diplomacia está encerrada nesse labirinto obscuro, sem qualquer fio de Ariadne, e sem qualquer mapa do caminho. Foi esse o cenário preocupante que me levou a novamente compilar textos esparsos e publicar um novo livro que, como o anterior, não deveria existir. Não creio, entretanto, que a sociedade brasileira, menos ainda o Itamaraty, requeiram, para o restabelecimento de suas condições normais de trabalho e de funcionamento, de qualquer herói momentâneo, de alguma personalidade messiânica, que os venham salvar das muitas disfunções registradas no período recente.
Eu deveria estar me ocupando de trabalhos mais sérios, de verdadeiros scholarly works, ou seja, ensaios fundamentados em pesquisas de arquivos, empiricamente embasados, para completar meus muitos trabalhos de relações econômicas internacionais e de história diplomática, sobretudo para oferecer a continuidade de minha obra sobre a trajetória de nossa inserção global, iniciada com Formação da diplomacia econômica (2001; 2005; 2017), que se ocupou essencialmente do século XIX. Tenho já avançado um segundo volume, tratando da República até a Segunda Guerra Mundial, antes de um terceiro planejado, indo de Bretton Woods aos nossos dias. Tudo isso, porém, ficou momentaneamente para trás, em face dos tremendos desafios que se precipitaram – que desabaram, seria o termo mais exato – sobre nossa diplomacia e sobre a política externa desde o início de 2019. 
Vários anos antes que Cervantes finalizasse sua novela, um dos parceiros de escrita e de similares viagens e aventuras – que ele aliás admirava –, Camões, já tinha decretado o que ouso agora parafrasear: “Cesse tudo o que a Musa antiga canta, / Que outro ‘desafio’ mais alto se alevanta”. Esse desafio é o de enfrentar, contestar e denunciar a deplorável situação da política externa e da diplomacia brasileira, rebaixadas no plano internacional a um grau nunca antes visto em nossa história, talvez nem mesmo nos tempos do tráfico negreiro e da escravidão, ou naquele do regime militar. O Brasil está praticamente excluído de concertações que estão sendo feita entre interlocutores dos principais países e dirigentes das organizações multilaterais em torno de vários itens da agenda internacional, inclusive e principalmente porque seus representantes diplomáticos ousam, estupidamente, proclamar-se contra o multilateralismo (como se isso fosse meritório), assim como eles também se posicionam contra o monstro metafísico que eles chamam de globalismo. 
Sem pretender me comparar ao bardo das navegações, e menos ainda ao escritor do Siglo de Oro, também tenho de deixar de lado pesquisas mais exigentes para me dedicar a esta pequena digressão de oportunidade, apenas para não deixar sem respostas os muitos ataques que ambas, a política externa e a diplomacia, vêm sofrendo nas mãos (e pés) dos amadores ineptos que a comandam de fora, sem ter nenhum preparo para tal, com a ajuda dos poucos profissionais da carreira que se dispuseram a servi-los nessa miserável tarefa de destruição, não só de um estilo, mas também da própria substância de nossa diplomacia. 
Este novo livro, como antecipado no frontispício, pretende ser uma homenagem aos colegas da diplomacia profissional que se empenham em manter a alta qualidade de seu trabalho, defendendo os padrões elevados de competência técnica pelos quais nossa diplomacia ficou conhecida ao longo de décadas, um reconhecimento que, infelizmente, agora se desfez. Ele compila, como vários outros anteriores, ensaios, entrevistas e artigos e elaborados ao longo de meses de trabalho, todos eles animados pelo mesmo espírito de ativismo participativo, de honestidade intelectual e – por que não dizer? – desse contrarianismo que se identifica com minha postura básica no trabalho acadêmico: o ceticismo sadio. Ele se situa, não apenas no terreno daquilo que os franceses chamam de histoire immédiate, mas também num terreno que pode, e deve, ser situado no contexto do jornalismo de debate, senão de combate, aqui representado pelas críticas que formulo à infeliz política externa bolsonarista e à ainda mais lamentável diplomacia olavista (se é que elas existem, o que, de verdade, não acredito). 
O fato é que ambas envergonham o Brasil e não podem, absolutamente, ser consideradas como pertencendo, de alguma forma, ao arco de nossas tradições históricas em política externa e menos ainda se inserem nas tradições conhecidas de nossa diplomacia profissional. Em sua grande maioria, os textos aqui incluídos foram redigidos logo após que conclui meu livro anterior sobre a mesma temática, Miséria da Diplomacia: a destruição da inteligência no Itamaraty(livremente disponível em meu blog Diplomatizzando, que desde 2006 constitui uma espécie de quilombo de resistência intelectual contra certas distorções em nossas políticas públicas). Não posso reclamar da matéria prima que permitiu a redação das peças aqui coletadas, pois ela é abundante, ainda que sua qualidade própria, ou consistência explicativa sejam extremamente medíocres. Enfim, sempre se pode fazer do limão uma limonada, como se diz na linguagem popular. 
A inspiração maior de cada um destes textos, ademais das estupendas entrevistas e dos impactantes escritos do embaixador Rubens Ricupero, em defesa do espírito próprio de nossa diplomacia tradicional, também pode ser encontrada em brilhantes ensaios de Sir Isaiah Berlin, em sua luta constante contra os horrores de todos os dogmatismos e fanatismos conhecidos na história da humanidade, que levaram certas “revoluções culturais” às piores desumanidades, em busca de uma perfeição lunática inatingível. O Brasil também passa por uma espécie de “revolução cultural”, tão destruidora, talvez, quanto o precedente chinês, não exatamente em vidas humanas (pelo menos até aqui), mas da ciência, da cultura (em seu sentido mais nobre), do simples sentido humano da pesquisa aplicada e do debate respeitoso. O livro se abre justamente por uma referência a essas “revoluções (in)culturais”, que significam, antes de mais nada, o estrangulamento da inteligência, o cerceamento do espírito crítico e da liberdade de pensamento e expressão. 
Como também disse Isaiah Berlin, no seu ensaio sobre a “busca do ideal” – que abre o livro The Crooked Timber of Humanity: chapters in the history of ideas –, a “primeira obrigação pública é a de evitar extremos sofrimentos”, sejam estes físicos ou espirituais. No momento em que encerro este prefácio, não sabemos ainda quando o Brasil poderá atravessar, com um mínimo de sofrimento, os horrores da atual pandemia, cujo impacto poderia ser bem menor se não tivéssemos, na direção do país, uma pequena tropa de dogmáticos e de fanáticos que não cumprem sequer a primeira obrigação pública, no sentido que lhe deu Isaiah Berlin. 
Infelizmente, ainda estamos convivendo, em nosso país, com essa deformação que Emanuel Kant chamou de “madeira torta da humanidade”. Este compêndio de ensaios faz parte de meu esforço para tentar ajudar a endireitar, não exatamente o país, mas pelo menos o “pau torto” de sua política externa e da sua diplomacia. 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 31 de maio de 2020


domingo, 31 de maio de 2020

A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global - Paulo Roberto de Almeida

Um dos meus trabalhos recentes, feito para responder a convite de palestra para alunos de Direito e de Relações Internacionais, mas que não será lido, razão pela qual, como sempre faço, já o enviei preliminarmente, para conhecimento dos alunos e professores. Como sempre, farei uma pequena digressão sobre os temas selecionados, e depois deixarei o máximo de tempo para as perguntas da audiência.
Paulo Roberto de Almeida 

3673. “A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global”, Brasília, 18-20 maio 2020, 28 p. Ensaio opinativo sobre a temática do título, para servir como texto de apoio a palestra online para alunos dos cursos de Direito e de Relações Internacionais da IES de Anápolis, em 3/06/2020. 
Disponível na plataforma Academia.edu (link:
 https://www.academia.edu/43208735/A_politica_externa_e_a_diplomacia_brasileira_em_tempos_de_pandemia_global_2020_).

A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de pandemia global


Paulo Roberto de Almeida
  
Sumário: 
Considerações gerais sobre a política externa e a diplomacia dos Estados soberanos
Política externa e diplomacia do Brasil em padrões tradicionais e em tempos normais
A política externa e a diplomacia em tempos excepcionais: sem qualquer programa
A política externa e a diplomacia em tempos de anormalidade pré-pandêmica
A política externa e a diplomacia brasileira em tempos de anormalidade pandêmica
A restauração da política externa e da diplomacia segundo ex-chanceleres

Considerações gerais sobre a política externa e a diplomacia dos Estados soberanos
Um Estado se organiza institucionalmente em torno de seus três poderes principais, à la Montesquieu, e estes se articulam sobre a base das disposições constitucionais que regulam, de modo lato, o seu funcionamento. Os agentes públicos eleitos ou mandatados nos três poderes exercem suas funções a partir dos mesmos dispositivos constitucionais e a partir dos impulsos e iniciativas tomados pelos governos eleitos em alternância, pelo menos nas democracias representativas. No caso do Brasil, tínhamos, no Império, uma inovação à la Benjamin Constant (o franco-suíço, não o brasileiro), um quarto poder, o Moderador, usado pelo Imperador para se livrar do gabinete de turno, e convidar o líder do partido opositor (só havia dois, o Liberal e o Conservador, ambos escravistas).
O Executivo, principal poder nos governos, exerce suas funções por meio de políticas públicas, sendo que estas se dividem em macroeconômicas – fiscal, monetária, cambial – e em políticas setoriais: industrial, comercial, agrícola, educacional, científica, etc. Algumas destas possuem maior abrangência, perpassando diferentes setores da vida pública, como a Justiça, a Defesa e as Relações Exteriores. Esta última, objeto deste ensaio, toma apoio em outras políticas setoriais: de comércio exterior, da indústria, da agricultura, assim como das demais que possuem uma interface internacional, o que acaba sendo o caso de quase todas elas, pois mesmo as políticas que têm a ver com a segurança interna, com a previdência, ou as populações indígenas, por exemplo, podem receber insumos e lições comparativas extraídas de outras experiências de base nacional. Um foro de coordenação de políticas como a OCDE, ao qual o Brasil pretende ingressar, é uma espécie de gabinete ministerial incorporando todas as vertentes das políticas governamentais, macroeconômicas e setoriais. 
A política externa de um país é o conjunto de diretrizes e prioridades que um país determinado escolhe, de acordo com a sua forma de governo – parlamentarista ou de cunho presidencial, como é o nosso caso –, para se relacionar com outros Estados soberanos da comunidade internacional e no âmbito das organizações regionais ou intergovernamentais de caráter universal ou mundial, cenário no qual exercem preeminência a Organização das Nações Unidas e suas agências especializadas. Nos regimes presidencialistas, como é o caso do Brasil, cabe ao presidente determinar as diretrizes básicas da política externa, com a eventual tutela do poder legislativo no controle de suas ações e iniciativas e na designação de representantes diplomáticos junto a essas organizações internacionais ou demais países com os quais se tenham relações diplomáticas. Raramente a política externa aparece com destaque ou prioridade nos debates eleitorais, uma vez que as questões principais em cada escrutínio eleitoral tocam mais diretamente nas políticas econômicas – emprego, renda, habitação, gastos em saúde e educação, transportes, segurança, etc. –, daí uma grande latitude deixada ao chefe de governo, e de Estado (no caso dos regimes presidencialistas), na definição das linhas básicas dessa política setorial abrangente. 
A diplomacia, por sua vez, nada mais é senão a ferramenta pela qual um Estado constituído exerce a sua política externa, mobilizando agentes enviados ao exterior e o corpo profissional do Serviço Exterior para a implementação das diretrizes do presidente, com a atuação paralela dos demais poderes e dos agentes econômicos e sociais de uma nação que mantém relações normais com os demais Estados da comunidade internacional. Esse corpo profissional pode ser mais ou menos aberto à participação de especialistas recrutados em outras áreas de governo (Defesa, Economia, Agricultura, por exemplo) ou na própria sociedade civil (empresas, academia, organizações não governamentais). No caso do Brasil, existe certo insulamento do ministério das Relações Exteriores dessa “osmose” que outras chancelarias mantêm com esses agentes “externos” ao próprio Serviço Exterior oficial, ou seja, recrutado por concurso e dotado de estabilidade funcional. Essas características podem representar tanto uma garantia de alta qualidade no desempenho das funções e atividades tipicamente diplomáticas – pelo constante treinamento do pessoal habilitado –, quanto certo risco de autismo burocrático ou insulamento da sociedade e das demais agências públicas. 

Política externa e diplomacia do Brasil em padrões tradicionais e em tempos normais
(...)

Ler a íntegra neste link: 


quinta-feira, 21 de maio de 2020

Projeto de livro (2010) sobre o Brasil no mundo, diplomacia, política externa, economia, integração - Paulo Roberto de Almeida

Em 2010, já tendo acumulado certo número de trabalhos - este projeto de livro, por exemplo, levou o número 2195 da lista de originais – agrupei os trabalhos mais significativos em duas listas, possivelmente pensando numa publicação de autor. A primeira, de caráter mais conjuntural, ou formada por artigos mais leves, e uma segunda, com ensaios de caráter mais estrutural, ou analítico.
Eis o esquema do segundo livro projetado.
Talvez aproveite alguns, ou a maioria, numa nova publicação, em 2020, ou seja, dez anos depois. O problema é que, neste intervalo de tempo, dezenas de novos itens foram agregados à lista, e que poderão, portanto, integrar novos projetos de livros.
Eis a nova lista: 
3677. “Listagem de ensaios de relações internacionais, de política externa e de história da diplomacia brasileira e sobre personalidades nessas áreas (para fins de seleção)”, Brasília, 21 maio 2020, 4 p. Para elaborar seleção de trabalhos a serem publicados. Postado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2020/05/listagem-de-trabalhos-sobre-relacoes.html).

Ou seja, de 3667 a 2195, são quase 1.500 trabalhos novos, dos quais certamente 5 ou 10% merecerão compilação em algum novo volume.
Paulo Roberto de Almeida

Diplomatizando 2
Sumário:

Prefácio: O Brasil, na região e no mundo...                                                                            9

Parte I:
O Brasil, na região e no mundo
1. Le Brésil à deux moments de la globalisation capitaliste et à un siècle de distance (1909-2009) (2020)
2. A ordem mundial e as relações internacionais do Brasil, 63 p (1960); Economia Internacional, Globalização e Regionalização”, 164 p. (1899); O Brasil nas relações internacionais do século 21: fatores externos e internos de sua atuação (1858) 
3. O Brasil e as relações internacionais no pós-Guerra Fria (2018) 
4. O Brasil no contexto da governança global (1946)
5. Obsolescência de uma velha senhora?: a OEA (2011)
6. A Estratégia Nacional de Defesa e a União das Nações Sul-Americanas (2151)
7. Convergências e divergências no regionalismo econômico e político da América do Sul: evolução histórica, dilemas atuais e perspectivas futuras”, 59 p. (1927)
8. O regionalismo latino-americano no confronto com o modelo europeu: uma perspectiva histórica de seu desenvolvimento”, Brasília, 17 maio 2008, 34 p. Resumo do trabalho 1844. (1889); As experiências de integração regional na América Latina”, Brasília, 13 maio 2008, 23 p. Revisão, redutora, do trabalho 1844, para fins de publicação (1887)
9. Mercosul, 1991-2011: percurso histórico, desafios e perspectivas (2179)
10. O Mercosul não é para principiantes: sete teses na linha do bom senso 
11. Por que a América Latina não decola: alguma explicação plausível?
12. Por que o Brasil avança tão pouco: sumário das explicações possíveis
13. Brasil: o que poderíamos ter feito melhor, como sociedade, e não fizemos?
14. Qual a melhor política econômica para o Brasil?: algumas opções pessoais
15. O que podemos aprender com a experiência dos demais países?
16. Nossa contribuição para o mundo: onde o Brasil poderia ser melhor (2144)

Parte IV: 
Política Externa e diplomacia do Brasil
17. A herança portuguesa e a obra brasileira: balanço e avaliação de dois séculos (1857)
18. A política comercial do Brasil no contexto internacional, 1889-1945 (1991)
19. Estratégia Nacional de Defesa (END): comentários dissidentes (1984)
20. A Arte de NÃO Fazer a Guerra: novos comentários à END (2066)
21. As crises financeiras internacionais e o Brasil desde 1929: 80 anos de uma história turbulenta (2013)
22. Finanças internacionais do Brasil na segunda metade do século XX
23. Relações econômicas internacionais do Brasil dos anos 1950 aos 1980
24. As relações Brasil-Estados Unidos do século XX ao século XXI (1918)
25. Non-Intervention: a political concept, in a legal wrap: a historical and juridical appraisal of the Brazilian doctrine and practice (2023)
26. O Brasil e a (finada) Alca: doze questões para um debate racional 
27. Pensamento e ação da diplomacia de Lula: uma visão crítica (2168 ?)
28. Política exterior do Brasil: potência regional ou ator global? (2134)
29. A dinâmica da relações exteriores do Brasil (2068)
30. Qual a melhor política externa para o Brasil?: algumas preferências pessoais
31. Dez novas regras de diplomacia

Posfácio: O que o Brasil pode ser, daqui para a frente                                                                    

Obras do autor