Mostrando postagens com marcador Enough is Enough! 30 anos de NÃO ACORDO Mercosul-UE. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Enough is Enough! 30 anos de NÃO ACORDO Mercosul-UE. Mostrar todas as postagens

sábado, 20 de dezembro de 2025

Enough is Enough! - 30 anos de NÃO ACORDO Mercosul-UE - Jorio Dauster, Manuel María Cáceres e Guillermo Valles Galmés (Folha de S. Paulo)

 Enough is Enough!

Trinta anos depois do Acordo Marco de Madri, a União Europeia continua sem decidir se quer – ou pode – ser um sócio estratégico válido do MERCOSUL.
Jorio Dauster, Manuel María Cáceres e Guillermo Valles Galmés
Folha de S. Paulo, 20/12/2025

Exatamente trinta anos atrás, na Cúpula de Madri de 1995, a Comunidade Europeia e o MERCOSUR assinaram o Acordo Marco Interregional de Cooperação, inaugurando uma ambição inédita: construir uma associação estratégica birregional baseada no comércio, no diálogo político e na cooperação. Com grande pompa e profunda convicção, todos os Chefes de Estado acompanharam a cerimônia. Nós também lá estávamos e trabalhamos em Bruxelas nos anos seguintes.
A Europa representava à época cerca de 30% do PIB mundial e se projetava como sócio global. Hoje seu peso reduziu-se para algo como 14%. O MERCOSUL enxergava nesse vínculo uma via de inserção estável e previsível na economia internacional.
Mas não se trata apenas de que o mercado europeu seja hoje menor. O veto franco-italiano ao acordo não só frustra aquela promessa original de associação: ele a esvazia de conteúdo. Identificamos explicitamente esses dois países porque estiveram presentes em Madri. Não são sócios novos nem atores marginais: foram testemunhas e protagonistas de um compromisso que atualmente se vê frustrado por sua responsabilidade direta.
O que ocourreu não pode ser explicado por dificuldades técnicas nem por supostas incompatibilidades estruturais. Os textos foram negociados, revisados e concluídos. As concessões estiveram na mesa. O MERCOSUL aceitou até mesmo reduzir drasticamente seu acesso ao mercado europeu: a quota relativa à carne bovina ficou limitada a ínfimas 90.000 toneladas anuais (peso das carcaças). O equivalente a um hambúrguer por pessoa em um ano! Mesmo assim se argumenta que a identidade cultural da agricultura francesa estaria em perigo. Não é verdade. O que fracassou foi a política. E, em particular, a política europeia.
Como adverte o brilhante Informe Draghi de dezembro último, o problema europeu consiste na incapacidade de decidir. Uma Comissão que anuncia e Estados membros que vetam compõem uma União que regula em excesso, coordena pouco e executa mal. Nesse contexto, nenhum sócio externo pode levar a sério compromissos que a Europa não consegue sustentar nem mesmo internamente.
O próprio comissário europeu de Comércio, Maroš Šefčovič, admitiu poucos dias atrás no Financial Times que o acordo com o MERCOSUL é uma questão de “credibilidade e previsibilidade” para a União Europeia, exigindo uma “decisão estratégica”. O problema é que tal decisão nunca chega. Quando a Comissão reconhece o que está em jogo e os Estados membros continuam a bloquear, a falta de credibilidade deixa de ser um risco futuro para converter-se em um dado do presente. Como a triste realidade atual.
A União Europeia, antes defensora do livre comércio baseado em regras, passou a refugiar-se numa lógica defensiva, dominada por pressões internas e uma crescente incoerência entre discurso e ação. Em nome de padrões ambientais, sociais ou sanitários, apresentam exigências tardias e reinterpretações unilaterais que alteram o equilíbrio pactuado. Bruxelas preconiza padrões que ela própria não consegue cumprir.
A mensagem é preocupante. Num mundo marcado pela fragmentação e competição geopolítica, a União Europeia renuncia a consolidar uma aliança natural com uma região com a qual compartilha valores e história. Pior ainda: afeta negativamente sua credibilidade como ator capaz de fechar acordos complexos e honrar negociações prolongadas.
Os países do MERCOSUL podem manter sua paciência estratégica, porém não indefinidamente. Devem considerar os custos de oportunidade e olhar com mais decisão para a Ásia-Pacífico. No tocante à Europa, os custos são ainda maiores: sua incapacidade de transformar trinta anos de diálogo em um acordo efetivo debilita a própria ideia de associação estratégica.
Trinta anos depois de Madrid, a pergunta já não é por que razão fracassou este acordo, e sim o que diz tal fracasso acerca da vontade europeia de exercer uma liderança internacional quando essa liderança é mais necessária que nunca. É agora ou nunca.
Enough is Enough! Ou, para que se entenda bem em francês: Ça suffit !

Três vozes com experiência direta:
Jorio Dauster (Brasil): Ex-embaixador junto à União Europeia e negociador da dívida externa brasileira. Foi presidente do Instituto Brasileiro do Café e CEO da companhia de mineração VALE.
Manuel María Cáceres (Paraguai): Ex-vice-ministro de Relações Exteriores e ex-embaixador junto à União Europeia, Estados Unidos, OEA, Argentina e Brasil.
Guillermo Valles Galmés (Uruguai): Ex-vice-chanceler; embaixador na China, junto à União Europeia. OMC e Brasil; ex-diretor de Comércio da UNCTAD.

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...