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sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Augusto de Franco faz uma análise preliminar da vitória de Trump - Identidade Democrática

Uma análise de um dos mais finos analistas do jogo democrático no Brasil e no mundo. 

Minha análise preliminar da vitória de Trump

La victoria aplastante de Trump en Iowa allana el camino a su nominación  como candidato republicano a presidente | Elecciones USA | EL PAÍS

Trump está eleito. Pelo voto popular e pelo colégio eleitoral. Elegeu também a maioria do Senado e da Câmara. Elegeu a maioria dos governadores. E pode ampliar sua maioria na suprema corte. Com isso, aumentam as chances de que ele inaugure uma nova era nos EUA. O que vem por aí, todavia, não será bom para a democracia e para a humanidade.

Será péssimo para a Ucrânia e muito ruim para a coalizão das democracias liberais que foram decisivas para impedir que o expansionismo neoczarista de Putin tomasse o país e dissolvesse aquela nação. Será ruim para a União Europeia, dinamitada por dentro por aliados de Trump, como Viktor Orbán e por salientes expoentes da extrema-direita como Ventura, Abascal, Wilders, Chrupalla e Weidel, Purra, Salvini, Le Pen. Será ruim para a OTAN e para os países por ela protegidos (sobretudo os bálticos, a Suécia e até a Polônia) contra a avanço do eixo autocrático tendo como ponta de lança a ditadura expansionista russa. Será ruim para as democracias liberais como um todo. E será ruim para os regimes eleitorais que estão resistindo à ascensão ou ao retorno de populistas de direita (por exemplo, no Brasil, para os que tentam impedir a volta ao poder do bolsonarismo).

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Será ruim para o desenvolvimento sustentável do planeta, na medida em que Trump é um negacionista das mudanças climáticas. Além disso, o isolacionismo trumpista tipo America First, será ruim para o desenvolvimento humano e social dos países periféricos que precisam da ajuda americana e ocidental. Por último, será ruim para a paz no mundo (se Trump estivesse vivo em 1942, falaria cinicamente em paz numa Europa ocupada pelos nazistas; aliás, os EUA nem teriam entrado na guerra contra Hitler). 

Claro que, mais diretamente, a primeira vítima será o próprio modo de vida democrático da sociedade americana: não que Trump e o trumpismo (MAGA) sejam capazes de acabar com a democracia americana; não, pelo menos, nos curto e médio prazos, mas os EUA iniciarão um longo processo de “mutação genética” capaz de alterar lentamente (ou não tão lentamente) o “DNA” do seu regime democrático.

A vitória de Trump pode - dependendo de como ele quiser e for capaz de governar - instalar ou acirrar uma guerra civil fria nos EUA, ainda que no início subterrânea. Se isso acontecer, num suposto estado de guerra não declarado, não haverá estabilidade a não ser no movimento de avanço da autocratização. Se a cultura democrática da sociedade americana não conseguir resistir a isso teremos uma desconstrução dos EUA tal como hoje se configuram. Não será mais, a rigor, mais uma (única) "nação": em breve teremos “estados progressivamente desunidos”. Impossível prever agora o desfecho desse processo nos médio e longo prazos.

Fala-se que as instituições americanas são resilientes e que o fato de o povo ter votado majoritariamente em Trump é uma prova disso. Venceu quem teve mais votos. Mas tal discurso parece mais aquelas recomendações de autoajuda. Um consolo ou autoconsolo. No entanto, é impossível deixar de ver que a vitória de Trump revela uma crise da democracia americana (e não só da democracia americana). A maioria dos americanos perdeu a confiança nas suas instituições tradicionais. Corporações, forças armadas, universidades, tribunais - muitos milhões de cidadãos do Estados Unidos não confiam mais em nada disso. Mas a provavelmente obscurantista Era Trump, que agora começa, é um dos efeitos da terceira grande onda de autocratização que já engolfa o mundo todo em meados da terceira década deste século. Vale a pena dar uma espiada no diagrama abaixo:

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Não sabemos se (e quando) haverá uma quarta onda de democratização; ou seja, não sabemos quanto vai durar esta terceira onda de autocratização na qual estamos imersos. Trump - ou o trumpismo MAGA - no poder não abrevia, antes prorroga a duração da terceira onda de autocratização. Seu provável sucessor, J. D. Vance, eleito agora vice-presidente, pode piorar muito as coisas porque é mais articulado intelectualmente, inclusive com bilionários e “ideólogos tecnológicos” que já descartaram abertamente a democracia (e agora a desafiam), como Musk e Thiel. 

Não foram os analistas políticos e sim as urnas que mostraram que as instituições americanas não são mais confiáveis para a maioria dos americanos. Se tivermos que apostar em alguma coisa daqui para a frente será na cultura democrática da sociedade americana. Vamos ver. Quase certo, porém, que vem por aí mais um período de trevas: a democracia, na história, já passou por muitos períodos assim. Aliás, a democracia já ficou sumida durante dois milênios, de 322 a.C., com o fim da democracia ateniense, até meados do século 17, quando o parlamento inglês resolveu resistir ao poder despótico de Carlos I - para ressurgir, ou ser reinventada, como regime eleitoral pré-democrático em 1790 na Inglaterra e Irlanda (seguida em 1792 pela França e em 1796 pelos EUA), mas somente como democracia liberal em 1919.

Há uma cultura democrática na base da sociedade americana, sobretudo nas grandes cidades das costas leste e oeste (mas não nas zonas rurais do grande "centrão" do país). É essa cultura que ainda mantém a democracia nos EUA - a defesa de um modo de vida democrático - não mais a cultura predominante no establishment político, não o sistema judicial (e a suprema corte), não o defasado sistema eleitoral, não as direções dos maiores partidos - que sempre quiseram, desde os Pais Fundadores, uma república governável (de inspiração romana, oligárquica e aristocrática, que tomava a ordem como sentido da política), muito mais do que uma democracia (de inspiração ateniense, que tomasse a liberdade como sentido da política). 

São míticas as afirmações de que os Estados Unidos foram o primeiro país democrático, são a maior e a melhor democracia do mundo e são modelo de democracia plena. Os EUA forem o quarto país a adotar um regime eleitoral, na onda pré-democrática que vai de 1790 a 1848. Os EUA também foram retardatários na primeira onda de democratização, que vai de 1849 a 1921. Além disso os EUA foram retardatários em termos de adotar a democracia liberal. A Suíça já foi democracia liberal em 1849, a Austrália em 1858, a Bélgica em 1897, a Dinamarca em 1902, a Noruega em 1906, a Nova Zelândia em 1913, a Holanda em 1918 e a Inglaterra em 1919. Os EUA só viraram uma democracia liberal em 1969. 

Cabe reconhecer, por último, que os EUA não são mais, há muito tempo, uma democracia plena (e sim flawed) (1) e está em jogo, neste momento, até quando vão poder continuar sendo considerados uma democracia liberal (categoria na qual, como foi dito acima, se juntou muito tardiamente). Mas há uma vigorosa cultura democrática na sociedade americana - que cresceu a partir da extraordinária acumulação de capital social, em especial na Nova Inglaterra, a partir de meados do século 19 - e essa cultura era o único fator que poderia ter impedido a nova eleição do populista-autoritário, escroque e boçal, Donald Trump. Não deu. Talvez porque o capital social americano venha sendo continuamente dilapidado, seja pela centralização em Washington e pela multicentralização governamental na maioria dos estados, seja pela recorrência sistemática aos tribunais para resolver qualquer dilema banal da ação coletiva, seja pelo complexo científico-industrial-militar e, claro, pelas guerras. Agora estamos prestes a ver se o que ainda sobrou dessa cultura democrática será suficiente para resistir à Era Trump.

As causas da vitória de Trump são, portanto, muito mais profundas do que a falta de um discurso "progressista" palatável ao homem e a mulher comuns de classe média que votam em massa no "agente laranja". Alguns dizem que os progressistas estão entregando o mundo de bandeja aos fascistas por uma espécie de deficiência de marketing eleitoral. É como se tivessem um discurso inadequado ou não conseguissem mais conversar com parte do eleitorado. Mas isso está, simplesmente, errado. E é uma narrativa enganadora. Está errada, em primeiro lugar, essa classificação das forças políticas em conservadores, liberais e socialistas - os dois últimos compondo um mesmo campo progressista. O que é progressista? Zé Dirceu é progressista? Se for, os democratas não podemos ser progressistas. Liberais e socialistas (hoje populistas de esquerda, iliberais) não podem compor um mesmo campo. Está errada, em segundo lugar, porque não diz uma palavra sobre a maior ameaça que paira sobre as democracias liberais na atualidade: a formação de um agressivo eixo autocrático reunindo as maiores e mais brutais ditaduras do planeta.

Sim, eleito Donald Trump, temos de ter cuidado com essa conversa (da esquerda, dita progressista) de que a "internacional fascista" é a principal ou a única ameaça à democracia. 

É verdade que agora temos mais um - o sexto - governante populista-autoritário, dito de extrema-direita, no mundo: Orbán, Erdogan, Meloni, Bukele, Milei e... Trump! Mas ainda é um número muito menor do que o de autocratas, ditos de esquerda, que governam ditaduras: Xi Jinping (China), Kim Jong-un (Coreia do Norte), Phạm Minh Chính (Vietnam), Díaz-Canel (Cuba), Nicolás Maduro (Venezuela), Daniel Ortega (Nicarágua), Sonexay Siphandone (Laos) - para não falar de Vladimir Putin (Rússia), que investe nos dois lados e, claro, dos autocratas islâmicos, como Ali Khamenei (Irã), Bashar al-Assad (Síria) e não menos do que outros quinze ditadores (2). E atenção: não estão incluídos aqui os chefes de governo de regimes eleitorais não-autoritários e não-liberais, parasitados por populismos de esquerda (ainda chamados de democracias apenas eleitorais ou defeituosas), que se alinham ao eixo autocrático, como López Obrador e Claudia Sheinbaum (México), Xiomara e Manuel Zelaya (Honduras), Luis Arce e Evo Morales (Bolívia), Gustavo Petro (Colômbia), Lula da Silva (Brasil), Cyril Ramaphosa (África do Sul), talvez Prabowo Subianto (Indonésia) et coetera.

Podem ser apontados outros fatores. Embora isso não tenha sido determinante para a derrota de Kamala, é claro que a esquerda identitária americana atrapalhou muito a postulação da candidata democrata. Como diz o Yascha Mounk, trata-se de uma visão "paralela à visão de mundo tribalista que historicamente caracterizou a extrema-direita". Kamala, que namorou com essa visão ao concorrer as primárias democratas em 2019, não conseguiu se desvencilhar totalmente desses aloprados que propunham desfinanciar a polícia ou descriminalizar travessias ilegais de fronteira - embora ela não tenha feito mais isso na campanha eleitoral de 2024. Mas a nódoa ficou porque ela não enfrentou abertamente os fundamentos dessa visão antidemocrática e eleitoralmente suicida.

Tais razões, entretanto, são menores diante da influência da ascensão de um eixo autocrático, o mais poderoso já articulado em toda a história humana e da segunda grande guerra fria que já está em curso. De certo ponto de vista, os EUA, nas eleições de ontem, foram um palco dessa guerra, que não é mais a confrontação de dois blocos geograficamente demarcados, como foi a primeira guerra fria e sim um conflito fractal que pervade todas as fronteiras instalando polarizações que dividem as sociedades nacionais. Sem tal polarização, Trump não teria vencido. Mas esse é tema para um próximo artigo.

Notas

(1) Os EUA figuram em vigésimo-nono lugar do ranking de democracia da The Economist Intelligence Unit (2023).

(2) Entre os quais Hibatullah Azhundzada (do Afeganistão), Mohammad bin Salman (da Arábia Saudita), Salman bin Hamad bin Isa Al Khalifa (do Barein), Mohammed bin Abdul Rahman Al Thani (do Catar), Xeique Mohammed bin Rashid Al Maktoum (dos Emirados Árabes Unidos), Mohammed Ali al-Houthi (do Iémen), Abdullah II bin Al Hussein (da Jordânia), Mishal Al-Ahmad Al-Jaber Al-Sabah (do Kuwait), Mohamed al-Menfi e Abdul Hamid Mohammed al-Dabaib (da Líbia), Maomé VI e Aziz Akhannouch (do Marrocos), Haitham bin Tariq Al Said (de Omã), Hassan Sheikh Mohamud (da Somália), Abdel Fattah al-Burhan (do Sudão). 

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sábado, 7 de setembro de 2024

A "internacional fascista" é fichinha comparada ao eixo autocrático - Augusto de Franco (Identidade Democrática)

 A "internacional fascista" é fichinha comparada ao eixo autocrático

Onde mora o perigo

A aliança entre Trump e Putin | Blog do Helio Gurovitz | G1

Vamos prestar atenção ao que dizem duas das mais reconhecidas instituições que monitoram os regimes políticos no mundo: o V-Dem Institute (da Universidade de Gotemburgo) e a The Economist Intelligence Unit (EIU). Segundo o V-Dem o Brasil não é uma autocracia (ou ditadura) e sim uma democracia não-liberal. Segundo a EIU o Brasil, igualmente, não é um regime autoritário (ou ditadura) e sim uma democracia não-plena. 

Prefiro dizer - e já mostrei por quê em um artigo- que o Brasil tem um regime eleitoral parasitado pelos dois populismos do século 21: o neopopulismo dito de esquerda e o populismo-autoritário dito de direita e, portanto, está em risco de entrar em transição autocratizante. Isso significa que o Brasil, enquanto permanecer nessa condição de hospedeiro de populismos, não caminhará para ser uma democracia liberal ou plena. Mas, atenção: não significa que viraremos, nos curto ou médio prazos, uma autocracia eleitoral ou fechada (na classificação do V-Dem) ou que nos converteremos em um regime híbrido ou autoritário (na classificação da EIU). 

Mas o risco continua porque os dois populismos que parasitam nosso regime político, embora não sejam iguais, têm, ambos, efeitos adversos sobre o regime do ponto de vista da democracia: o neopopulismo não costuma (a não ser em alguns casos extremos, como o da Venezuela e o da Nicarágua) matar o hospedeiro, enquanto que o populismo-autoritário pode, sim, acabar matando-o (como ocorreu na Hungria, na Turquia e em El Salvador - que se transformaram em autocracias eleitorais ou regimes autoritários).

 

Em outras palavras, no caso concreto do Brasil, o lulopetismo não mata o hospedeiro, mas o paralisa (quer dizer, paralisa o processo de democratização) impedindo que nosso regime eleitoral se converta em uma democracia liberal ou plena, enquanto que o bolsonarismo pretende matar o hospedeiro quando, além de impedir que nosso regime político vire um regime liberal, dificulta até mesmo que continuemos sendo uma democracia eleitoral.

Claro que para entender isso é preciso admitir que existem dois tipos de populismos no século 21 e não apenas o populismo dito de extrema-direita, como querem nos fazer acreditar os intelectuais acadêmicos de ciência política, muitos teóricos atuais da democracia e quase todos os jornalistas e analistas políticos na grande imprensa.

Estabelece-se a partir daí uma grande confusão, diria mesmo uma mistificação, na qual o grande ou principal (ou único) inimigo universal da democracia é o populismo-autoritário ou nacional-populismo dito de extrema-direita. Já mostrei em outro artigo que isso é falso. Das 89 autocracias que existem hoje no mundo (segundo o V-Dem), somente três são governadas por líderes nacional-populistas (Hungria, Turquia e El Salvador). Todas as demais são ditaduras islâmicas (que não podem ser caracterizadas como de direita ou de esquerda (e. g. Afeganistão, Arábia Saudita, Barein, Catar, Iémen, Jordânia, Kuwait, Líbia, Marrocos, Omã, Somália, Sudão) ou regimes na esfera de influência do eixo autocrático composto por Rússia, China, Irã etc. (e. g. Azerbaijão, Bielorrússia, Camboja, Chade, Gaza, Guine Equatorial, Mali, Síria, Sudão do Sul, Tajiquistão, Turquemenistão, Uzbequistão) ou regimes declarada ou historicamente de esquerda ou extrema-esquerda (e. g. China, Coreia do Norte, Cuba, Laos, Venezuela, Nicarágua, Vietnam, Angola).

O eixo autocrático (Rússia, China, Coreia do Norte, Irã, Turquia, Hungria, Cuba, Venezuela, Nicarágua, ditaduras e grupos terroristas do Oriente Médio, da Ásia e da África, talvez Bharat - a nova Índia de Modi, que é uma autocracia) ao qual estão se alinhando regimes eleitorais não-liberais parasitados por populismos de esquerda (e. g. México, Colômbia, Bolívia, Brasil, Honduras, África do Sul) é um inimigo muito mais perigoso e poderoso para as democracias liberais do que a chamada “internacional fascista” composta pelos populistas-autoritários ditos de extrema-direita (e. g. Orbán, Erdogan, Trump, Vance e Bannon, Salvini e Meloni, Le Pen, Wilders, Farage e os ex-militantes do Brexit, Chrupalla, Weidel e Gauland, Riikka Purra, Abascal, Ventura, Bukele, Bolsonaro) que, repita-se, só estão no governo em três países (com exceção de Meloni, pois a Itália continua sendo uma democracia liberal).

Isso não significa que a chamada extrema-direita não seja um perigo para a democracia. Mas significa que ela não representa o único, nem o principal, inimigo das democracias liberais (segundo o V-Dem 2023: EUA, União Europeia, Reino Unido, Noruega, Suíça, Canadá, Barbados, Costa Rica, Suriname, Chile, Uruguai, Japão, Coreia do Sul, Seicheles, Butão, Taiwan, Austrália e Nova Zelândia).

Claro que a eleição de Trump (levando de carona Vance, Bannon e, agora, Elon Musk) pode alterar a correlação de forças no plano mundial, mas não mudar a natureza da principal ameaça à democracia representada pela ascensão do eixo autocrático. Com Trump ou sem Trump, o eixo autocrático continuará sendo a maior coalizão de ditaduras já conformada na história do planeta, atualmente empenhada em uma segunda grande guerra fria cujo objetivo último é exterminar as democracias liberais na face da Terra.

Com exceção do que pode acontecer com os EUA (e com o mundo) na hipótese da vitória Trump e de Putin que, situado no coração do eixo autocrático, investe no populismo de esquerda e no populismo de direita (Mélenchon e Le Pen, Lula e Bolsonaro) - porque sabe que a polarização tóxica entre os populismos é a principal arma de destruição das democracias liberais - essa cogitada “internacional fascista” é fichinha comparada ao eixo autocrático.


domingo, 1 de setembro de 2024

Lula e o PT já fizeram sua opção pelo eixo autocrático- AUGUSTO DE FRANCO (Identidade Democrática)

Lula e o PT já fizeram sua opção pelo eixo autocrático

A mudança de conjuntura que se avizinha

Uma hipótese. 

O PT concluiu (ou está a um passo de concluir) que a estratégia eleitoral de conquistar hegemonia sobre a sociedade, a partir de vitórias eleitorais sucessivas, delongando-se nos governos para ter tempo de controlar as instituições e modificá-las por dentro, não tem mais grandes chances de sucesso. Não, pelo menos, em doses homeopáticas, como previa até há pouco.

Pois ocorreu que, depois do impeachment de Dilma, houve uma descontinuidade no controle que o PT exercia sobre os aparatos do Estado e, em parte, da sociedade. E, em seguida, surgiu uma espécie de "revolução" eleitoral (ainda que uma revolução para trás) da chamada extrema-direita (que nada mais é do que uma mixórdia de correntes nacional-populistas ou populistas-autoritárias), com a vitória de representantes não subordinados a Lula e ao PT para postos legislativos e executivos do Estado. 
A nova realidade que surgiu não foi bem a da ascensão de uma força política orgânica, como a que o PT constituiu ao longo de três a quatro décadas, e sim uma rebelião dos insatisfeitos e irritados com o petismo - o que configurou um imenso e capilarizado antipetismo. 
De sorte que o PT, decorridos oito anos do seu principal revés (o impeachment, seguido da prisão de Lula e das derrotas eleitorais de 2018 e 2020), ficou em minoria nos parlamentos e nos governos em nível nacional (com exceção da presidência da república), estadual e municipal. Além disso, ficou em minoria nas novas mídias sociais e nas ruas. 
Nessas novas circunstâncias, o PT não tem mais a menor garantia de que vencerá as próximas eleições de 2024, 2026, 2028 e 2030. Pelo contrário, está fortemente desconfiado de que poderá perdê-las. 
Em minoria nesses âmbitos políticos e sociais, ao PT restou um alinhamento dos tribunais superiores, do ministério público e dos grandes meios de comunicação profissionais (como os principais canais de TV a cabo), para fazer sua política, bypassando as mediações institucionais onde a correlação de forças lhe é desfavorável. E que tende a ficar mais desfavorável ainda, pois o antipetismo não diminuiu e sim aumentou bastante, inclusive pelo descontentamento generalizado com decisões autoritárias e desastradas do STF - visto por amplas parcelas da população como alinhado ao governo - que atingem não somente o estamento político (como o Congresso Nacional, francamente não-governista), mas a vida das pessoas comuns (como ocorreu, por exemplo, com as ordens de bloqueio do X e das multas extorsivas a quem usar VPN para acessá-lo). 
O que fazer numa situação assim? 
Confrontadas com a contrariedade e até mesmo com a indignação de boa parte da sociedade brasileira que seu apoio inegável às ditaduras (como Cuba, Venezuela, Nicarágua, Angola - para não falar da Rússia, da China e do Irã) provocou, as bases mais radicalizadas do PT e seus dirigentes históricos (incluído Lula), foram chegando à conclusão de que não adianta muito disfarçar tal posição antidemocrática com desculpas de que o Brasil quer apenas ampliar suas relações comerciais com esses países e manter a sua vocação de mediador em busca da paz. O próprio Lula escarneceu dessas desculpas, urdida por intelectuais e jornalistas passapanistas, ao dizer e repetir, com todas as letras, que o interesse do Brasil em se alinhar ao eixo autocrático tem objetivos políticos estratégicos. 
O engajamento no BRICS (agora, talvez, ampliado com Venezuela e Nicarágua) - uma articulação política de ditaduras e governos populistas, sobretudo de esquerda, disfarçada de bloco econômico - é uma evidência de que já foi feita a opção do governo e do PT pelo lado sombrio da força nesta segunda guerra fria que já está em curso. O PT acha que é esse "lado" que vencerá a guerra. 
A guinada que amadurece nos porões do governo e na cúpula do partido é a de que é preciso seguir em frente, manter o caminho e acelerar o passo, dobrando as apostas em vez de recuar e contemporizar. Assim, o PT age como se estivéssemos em uma situação pré-revolucionária, embora sabendo que as condições objetivas para tanto não estão dadas. Então está tentando forçar uma configuração de condições subjetivas que possa criar artificialmente as condições objetivas, a partir da vontade, de cima para baixo. 
Para afastar a possibilidade de surgimento de uma força política democrática liberal (o que, na verdade, estima ser o grande perigo para o seu projeto), o PT investe, em consequência, cada vez mais, na polarização tóxica com o bolsonarismo, propagando a ideia perversa e incorreta de que ainda estamos sob risco de um golpe de Estado, desta feita pela entrada dos fascistas na disputa eleitoral. A vitória eleitoral dos fascistas seria, nessa releitura, equivalente a um golpe de Estado. 
A explicação é que os fascistas (entendidos de modo safado como todos aqueles que não se subordinam a Lula) usam as mídias sociais para espalhar o ódio, lançam mão de fake news e usam outros artifícios que seriam ilegais para vencer ilegalmente a disputa eleitoral (como se todos que se opõme ao PT fossem bolsonaristas, golpistas e terroristas: por acaso a mesma linguagem usada por Nicolás Maduro para caracterizar a oposição ao seu governo). É necessário, portanto, que lhes sejam retirados os instrumentos para cometer essa “fraude”. A proibição do X, a multa para quem acessá-lo por VPN e, em seguida, uma regulamentação das mídias sociais que retire desses golpistas a capacidade competitiva, passam a ser providências estratégicas para tentar eliminar concorrentes que podem ameaçar a continuidade do PT no poder. 
Ora, isso não pode ser feito sem alguma dose de autocratização do regime político. O PT está disposto a arcar com esse custo se souber que mais adiante conseguirá se recompor como força hegemônica. É um jogo de vale-tudo e de vida ou morte, uma vertigem que leva a aumentar sempre a velocidade, como se não houvesse amanhã. 
Como haverá um amanhã, isso só se sustenta se houver uma mudança brusca na correlação de forças, na verdade uma revolução (para frente), que justifique a adoção de remédios alopáticos fortes, com sérios efeitos colaterais. Estamos vivendo no Brasil neste preciso momento em que está havendo uma mudança importante na conjuntura.