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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Imigração italiana ao Brasil: 150 anos - Gabriel Rodrigues

Imigração italiana ao Brasil: 150 anos  


Há 150 anos, imigração italiana foi pioneira e transformou o Brasil 

Cultura e economia brasileiras foram impactadas pela chegada dos imigrantes, que atravessaram o oceano em busca de uma vida melhor 

Grupo de italianos as vésperas de embarque para o Brasil (Museu da Imigração/Reprodução) 

Por Gabriel Rodrigues 

O Tempo, 21 de fevereiro de 2024 | 03h00 


(Fotos disponíveis no URL original do artigo, abaixo)


https://www.otempo.com.br/especiais/150-anos-da-imigracao-italiana-no-brasil/a-chegada-ao-brasil/ha-150-anos-imigracao-italiana-foi-pioneira-e-transformou-o-brasil-1.3331317

Uma história de 150 anos que começa com uma viagem de um mês e meio em condições precárias, nos fundos de um navio, agarrando-se à família e à esperança de um futuro do outro lado do oceano. Assim chegavam cerca de 400 italianos à costa brasileira em 21 de fevereiro de 1874, pioneiros de um movimento que atraiu 1,4 milhão de pessoas em 50 anos. A travessia, realizada no navio La Sofia, de Gênova rumo ao Espírito Santo, alterou para sempre não somente a vida de cada um desses desbravadores, mas a cultura e a economia brasileiras, que ganharam contornos italianos inegáveis desde então.

“Há um processo muito profundo nas imigrações, uma amálgama, uma mudança entre aqueles que estão no local e aqueles que chegam, caso eles se permitam se transformar”, introduz a professora de história da Universidade de Caxias do Sul (USC) Terciane Ângela Luchese. A decisão de sair de seu país, especialmente em uma época em que a travessia era tão perigosa e precária, não se explica por simples capricho dos migrantes, sublinha a pesquisadora. Foram abalos profundos nos dois países que abriram caminho para esse movimento.

A imigração italiana para o Brasil não é um deslocamento isolado, mas parte de um momento que historiadores chamam de grandes migrações internacionais do século 19, explica Luchese. Como outras nações europeias, a Itália vivia um processo de unificação tardia, com diferentes povos em conflito no território cujos limites ainda se consolidavam. Ao mesmo tempo, a Revolução Industrial e o turbilhão de um capitalismo em formação empurrava milhares de pessoas para a pobreza. “A instabilidade gera o desejo pela imigração. Outro contexto é o hábito de migrar internamente na Europa. Muitos imigrantes italianos tinham tido experiências de trabalhar temporariamente na França, na Suíça, na Inglaterra”, pontua a historiadora.

Os italianos foram pioneiros e abriram caminho para outros fluxos de migração em massa no Brasil, enfatiza o coordenador de formação do Museu do Café, Henrique Trindade. “Eles foram responsáveis por transformar o fenômeno migratório em um movimento de massa. São os italianos, de fato, a enfrentar em conjunto os primeiros grandes obstáculos das fazendas de café no interior de São Paulo, por exemplo, e que começam a se organizar para tentar melhorar de vida, a ter certa poupança para enviar aos parentes que ficaram na Itália ou para reconstruir sua vida no Brasil”, elabora. 

Deste lado do Atlântico, o Brasil vivia sua própria revolução. O tráfico de pessoas escravizadas estava proibido desde 1850, e a abolição se aproximava. Assim, o país procurava uma nova mão de obra e estimulava a vinda de imigrantes. Um dos programas de incentivo prometia terras aos italianos sob uma espécie de financiamento que se arrastava pelos anos.

“O pagamento durava 15, 25 anos. Encontramos diferentes modos de contrato e de sobrevivência”, completa Luchese. “Há um dissenso muito grande entre aquele sonho, o desejo de se tornar proprietário de terra e ter uma vida melhor, e a realidade. Havia o mito da prosperidade. Era uma terra com vegetação subtropical ou mata atlântica, sem nenhuma referência habitacional próxima, e assim muitas permaneceram por anos”.

Nesse processo, os imigrantes começavam a se perceber, eles próprios, como um grupo unido. “Muitos se enxergavam como lombardos, sicilianos, tinham muitas identidades. Quando chegam ao Brasil, começam a ser chamados de italianos”, menciona a historiadora. Se, naquela época, a identidade italiana estava sendo construída, hoje é um alicerce herdado inclusive pelos descendentes de imigrantes. A Embaixada da Itália no Brasil estima que 32 milhões de brasileiros têm descendência italiana, e são tantos os pedidos de cidadania que o Judiciário de municípios italianos já se diz sobrecarregado.

Brasil e Itália, uma afinidade de séculos

Não raro, ouve-se de brasileiros que visitam a Itália pela primeira vez que se sentem, em certa medida, em casa, rodeados por um povo tão caloroso quanto o do Brasil. Para o embaixador da Itália, Alessandro Cortese, a afinidade entre os países remonta há séculos, antes mesmo de 1874.

“Não podemos esquecer que a imigração italiana para o Brasil começou muitos anos antes. Por exemplo, a última Imperatriz do Brasil, Teresa Cristina, era italiana (napolitana), e entre os imigrantes ilustres, antes mesmo dos anos 70 do século 19, destaca-se um certo Giuseppe Garibaldi”, comenta, em referência ao chamado “herói de dois mundos”, que lutou tanto na unificação da Itália quanto foi uma peça-chave na Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul.

Para além da gastronomia, que incorporou a pizza (em uma versão abrasileirada), a lasanha e o panetone, por exemplo, a afinidade cultural do Brasil e da Itália é mais profunda, atesta o embaixador. "Não se trata apenas da partilha de uma matriz latina comum, que também deriva da considerável presença portuguesa, mas é uma influência mais refinada, que pode ser observada na busca pela beleza, na tradição artística, na poesia e na arquitetura. Basta mencionar os nomes de grandes artistas ítalo-brasileiros, como Portinari, Alfredo Volpi, Anita Malfatti e Lina Bo Bardi”, conclui.