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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sábado, 4 de janeiro de 2025

Parabéns, Estadão! - Blog do Marcelo Guterman

Desde que eu me conheço por gente, isto é, um estudante, recém saído do primário e começando a aprender as coisas do mundo, e tendo opinião a respeito, eu me informei, e me formei (sobretudo em economia) nas páginas do Estadão, primeiro chamando o vetusto jornal de "reacionário", depois reconhecendo o seu valor, embora nem sempre concordando com seus editoriais, nos quais aprendi muito mais, a ser ponderado, moderado e objetivo. (PRA)

Parabéns, Estadão!

Procurei rapidamente no Google quais são as empresas privadas mais antigas do Brasil ainda em atividade. Combinando algumas fontes, cheguei à seguinte ordem:

1) Cervejaria Bohemia (1853)

2) Casa Granado (1870)

3) Instituto Presbiteriano Mackenzie (1870)

4) Cedro Cachoeira Têxtil (1872)

5) O Estado de São Paulo (1875)

O Estadão, portanto, é a quinta empresa privada brasileira mais antiga em atividade. Não é para muitos, considerando a enorme mortalidade das empresas no inóspito capitalismo brasileiro.

A coisa é ainda mais notável se considerarmos tratar-se de um jornal em uma nação de analfabetos. A circulação dos jornais brasileiros é uma fração da circulação nas nações ricas. Manter-se viável comercialmente, ainda mais em um mundo em que a publicidade está mudando rapidamente, é para poucos.

E mais notável ainda fica quando consideramos os, digamos, “dotes empresariais” da família Mesquita. Enquanto Roberto Marinho construiu um império jornalístico e Otávio Frias expandiu seus negócios para o UOL (que se tornou um dos 10 sites de maior tráfego no Brasil), hospedagem de sites e meios de pagamento (PagSeguro), a única aventura empresarial do grupo foi uma pequena participação na concessionária de telefonia móvel BCP, que nunca conseguiu dar lucro e foi incorporada pela Claro.

Considerando esse histórico, podemos dizer que o Estadão é um pequeno milagre empresarial. Mas essa é só a parte econômica. A parte editorial é ainda mais intrigante.

A Província de São Paulo nasceu como oposição ao regime, um jornal republicano no Império. E assim continuou ao longo desses 150 anos. Foi censurado no Estado Novo e na ditadura militar, sempre seguindo o mote “se hay gobierno, soy contra”. É notável que um jornal com esse tipo de orientação tenha sobrevivido ao longo de 150 anos. Governos vieram e foram, o Estadão permaneceu.

E permaneceu porque o editorial do Estadão verbaliza, como poucos, a opinião pública média da classe média brasileira. Cada um de nós, com nossas próprias convicções e vivendo dentro de nossas próprias câmaras de eco, muitas vezes condenamos aquilo que lemos na página de opinião do jornal. Um dos editoriais mais famosos do jornal foi o “Uma escolha muito difícil”, na véspera do 2o turno entre Bolsonaro e Haddad, em 2018. Da esquerda à direita, o jornal até hoje é condenado por se colocar no muro. Ocorre que, tirando as bolhas, não havia mesmo muita convicção, como não houve em 2022. Lembre-se, a sua opinião é muito respeitável por ser a sua opinião. Mas é só uma opinião.

O editorial do Estadão, assim como o de outros jornais, faz parte de uma coreografia que envolve as elites que detém o poder e a sociedade. O editorial ao mesmo tempo pauta e é pautado, sendo difícil discernir a influência que exerce sobre as decisões políticas e o humor da sociedade. Trata-se de uma dança, em que os parceiros se movimentam de acordo com suas próprias convicções, mas precisam também estar atentos às convicções dos outros, para que a coreografia não saia do ritmo. Não há maestro, o que existe é uma espécie de caldo cultural de onde bebem todos os personagens dessa dança. O editorial do vetusto Estadão é aquele parceiro que resiste a alterar o ritmo, mesmo que a música comece a tocar em uma batida diferente.

Acho graça quando “acusam” o jornal de ter apoiado “isso ou aquilo”, e de depois passar a criticar “isso ou aquilo”. Foi assim na ditadura militar, por exemplo, em que o Estadão, assim como todos os jornais da época, apoiou a deposição de Jango, para, algum tempo depois, passar a criticar o novo regime, a ponto de ser censurado. Hoje não é diferente, só mudaram os personagens: o Estadão apoiou o STF no desmonte da Lava-Jato e hoje lamenta os desmandos da Suprema Corte. Criticou Bolsonaro e agora critica Lula. Acho graça porque exigem do editorial uma espécie de fidelidade partidária, como se uma opinião tivesse que ser fiel a pessoas e não a ideias. Tanto no caso de Jango/militares quanto nos casos Lava-Jato/STF e Bolsonaro/Lula, o combate a um não significa apoio automático ao outro. Para os sectários, que não suportam a ideia de não se apoiar ninguém, essa é uma atitude difícil de engolir.

Mas um jornal não vive somente de opinião. É preciso ter um sólido corpo de repórteres. Aqui, o Estadão não escapa da sina do, em geral, pobre jornalismo que se pratica no Brasil. Eu mesmo não canso de criticar matérias publicadas aqui, com seus erros e vieses. Tendo dito isso, o jornalismo profissional ainda é, e sempre será, imprescindível. Sabemos disso quando, ao receber uma notícia no zapzap, logo buscamos na chamada mídia profissional uma confirmação. Sabemos que as notícias só chegam aos jornais depois de devidamente apuradas. Não há falhas? Claro que há! A natureza humana é falha. Mas, dentro da fragilidade humana, o método jornalístico tradicional ainda é o menos ruim.

Faço menção honrosa ao caderno de Economia do Estadão, que poderia ser um jornal de economia à parte. No geral, as matérias têm excelente qualidade, e atingem um nível de profundidade surpreendentemente profundo para um jornal de temas gerais.

Já é hora de terminar essa singela homenagem. Meu pai já assinava o Estadão desde que me conheço por gente. Portanto, já lá se vão mais de 50 anos lendo o diário paulista. Como já não assisto mais a telejornais regularmente, posso dizer que o Estadão é o veículo de comunicação de maior longevidade na minha vida. É notável como, ao longo de décadas, um jornal muda, mas consegue permanecer o mesmo.

Parabéns, Estadão!

Blog do Marcelo Guterman é uma publicação apoiada pelos leitores.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Imigração italiana ao Brasil: 150 anos - Gabriel Rodrigues

Imigração italiana ao Brasil: 150 anos  


Há 150 anos, imigração italiana foi pioneira e transformou o Brasil 

Cultura e economia brasileiras foram impactadas pela chegada dos imigrantes, que atravessaram o oceano em busca de uma vida melhor 

Grupo de italianos as vésperas de embarque para o Brasil (Museu da Imigração/Reprodução) 

Por Gabriel Rodrigues 

O Tempo, 21 de fevereiro de 2024 | 03h00 


(Fotos disponíveis no URL original do artigo, abaixo)


https://www.otempo.com.br/especiais/150-anos-da-imigracao-italiana-no-brasil/a-chegada-ao-brasil/ha-150-anos-imigracao-italiana-foi-pioneira-e-transformou-o-brasil-1.3331317

Uma história de 150 anos que começa com uma viagem de um mês e meio em condições precárias, nos fundos de um navio, agarrando-se à família e à esperança de um futuro do outro lado do oceano. Assim chegavam cerca de 400 italianos à costa brasileira em 21 de fevereiro de 1874, pioneiros de um movimento que atraiu 1,4 milhão de pessoas em 50 anos. A travessia, realizada no navio La Sofia, de Gênova rumo ao Espírito Santo, alterou para sempre não somente a vida de cada um desses desbravadores, mas a cultura e a economia brasileiras, que ganharam contornos italianos inegáveis desde então.

“Há um processo muito profundo nas imigrações, uma amálgama, uma mudança entre aqueles que estão no local e aqueles que chegam, caso eles se permitam se transformar”, introduz a professora de história da Universidade de Caxias do Sul (USC) Terciane Ângela Luchese. A decisão de sair de seu país, especialmente em uma época em que a travessia era tão perigosa e precária, não se explica por simples capricho dos migrantes, sublinha a pesquisadora. Foram abalos profundos nos dois países que abriram caminho para esse movimento.

A imigração italiana para o Brasil não é um deslocamento isolado, mas parte de um momento que historiadores chamam de grandes migrações internacionais do século 19, explica Luchese. Como outras nações europeias, a Itália vivia um processo de unificação tardia, com diferentes povos em conflito no território cujos limites ainda se consolidavam. Ao mesmo tempo, a Revolução Industrial e o turbilhão de um capitalismo em formação empurrava milhares de pessoas para a pobreza. “A instabilidade gera o desejo pela imigração. Outro contexto é o hábito de migrar internamente na Europa. Muitos imigrantes italianos tinham tido experiências de trabalhar temporariamente na França, na Suíça, na Inglaterra”, pontua a historiadora.

Os italianos foram pioneiros e abriram caminho para outros fluxos de migração em massa no Brasil, enfatiza o coordenador de formação do Museu do Café, Henrique Trindade. “Eles foram responsáveis por transformar o fenômeno migratório em um movimento de massa. São os italianos, de fato, a enfrentar em conjunto os primeiros grandes obstáculos das fazendas de café no interior de São Paulo, por exemplo, e que começam a se organizar para tentar melhorar de vida, a ter certa poupança para enviar aos parentes que ficaram na Itália ou para reconstruir sua vida no Brasil”, elabora. 

Deste lado do Atlântico, o Brasil vivia sua própria revolução. O tráfico de pessoas escravizadas estava proibido desde 1850, e a abolição se aproximava. Assim, o país procurava uma nova mão de obra e estimulava a vinda de imigrantes. Um dos programas de incentivo prometia terras aos italianos sob uma espécie de financiamento que se arrastava pelos anos.

“O pagamento durava 15, 25 anos. Encontramos diferentes modos de contrato e de sobrevivência”, completa Luchese. “Há um dissenso muito grande entre aquele sonho, o desejo de se tornar proprietário de terra e ter uma vida melhor, e a realidade. Havia o mito da prosperidade. Era uma terra com vegetação subtropical ou mata atlântica, sem nenhuma referência habitacional próxima, e assim muitas permaneceram por anos”.

Nesse processo, os imigrantes começavam a se perceber, eles próprios, como um grupo unido. “Muitos se enxergavam como lombardos, sicilianos, tinham muitas identidades. Quando chegam ao Brasil, começam a ser chamados de italianos”, menciona a historiadora. Se, naquela época, a identidade italiana estava sendo construída, hoje é um alicerce herdado inclusive pelos descendentes de imigrantes. A Embaixada da Itália no Brasil estima que 32 milhões de brasileiros têm descendência italiana, e são tantos os pedidos de cidadania que o Judiciário de municípios italianos já se diz sobrecarregado.

Brasil e Itália, uma afinidade de séculos

Não raro, ouve-se de brasileiros que visitam a Itália pela primeira vez que se sentem, em certa medida, em casa, rodeados por um povo tão caloroso quanto o do Brasil. Para o embaixador da Itália, Alessandro Cortese, a afinidade entre os países remonta há séculos, antes mesmo de 1874.

“Não podemos esquecer que a imigração italiana para o Brasil começou muitos anos antes. Por exemplo, a última Imperatriz do Brasil, Teresa Cristina, era italiana (napolitana), e entre os imigrantes ilustres, antes mesmo dos anos 70 do século 19, destaca-se um certo Giuseppe Garibaldi”, comenta, em referência ao chamado “herói de dois mundos”, que lutou tanto na unificação da Itália quanto foi uma peça-chave na Revolução Farroupilha, no Rio Grande do Sul.

Para além da gastronomia, que incorporou a pizza (em uma versão abrasileirada), a lasanha e o panetone, por exemplo, a afinidade cultural do Brasil e da Itália é mais profunda, atesta o embaixador. "Não se trata apenas da partilha de uma matriz latina comum, que também deriva da considerável presença portuguesa, mas é uma influência mais refinada, que pode ser observada na busca pela beleza, na tradição artística, na poesia e na arquitetura. Basta mencionar os nomes de grandes artistas ítalo-brasileiros, como Portinari, Alfredo Volpi, Anita Malfatti e Lina Bo Bardi”, conclui.