Desde que eu me conheço por gente, isto é, um estudante, recém saído do primário e começando a aprender as coisas do mundo, e tendo opinião a respeito, eu me informei, e me formei (sobretudo em economia) nas páginas do Estadão, primeiro chamando o vetusto jornal de "reacionário", depois reconhecendo o seu valor, embora nem sempre concordando com seus editoriais, nos quais aprendi muito mais, a ser ponderado, moderado e objetivo. (PRA)
Procurei rapidamente no Google quais são as empresas privadas mais antigas do Brasil ainda em atividade. Combinando algumas fontes, cheguei à seguinte ordem:
1) Cervejaria Bohemia (1853)
2) Casa Granado (1870)
3) Instituto Presbiteriano Mackenzie (1870)
4) Cedro Cachoeira Têxtil (1872)
5) O Estado de São Paulo (1875)
O Estadão, portanto, é a quinta empresa privada brasileira mais antiga em atividade. Não é para muitos, considerando a enorme mortalidade das empresas no inóspito capitalismo brasileiro.
A coisa é ainda mais notável se considerarmos tratar-se de um jornal em uma nação de analfabetos. A circulação dos jornais brasileiros é uma fração da circulação nas nações ricas. Manter-se viável comercialmente, ainda mais em um mundo em que a publicidade está mudando rapidamente, é para poucos.
E mais notável ainda fica quando consideramos os, digamos, “dotes empresariais” da família Mesquita. Enquanto Roberto Marinho construiu um império jornalístico e Otávio Frias expandiu seus negócios para o UOL (que se tornou um dos 10 sites de maior tráfego no Brasil), hospedagem de sites e meios de pagamento (PagSeguro), a única aventura empresarial do grupo foi uma pequena participação na concessionária de telefonia móvel BCP, que nunca conseguiu dar lucro e foi incorporada pela Claro.
Considerando esse histórico, podemos dizer que o Estadão é um pequeno milagre empresarial. Mas essa é só a parte econômica. A parte editorial é ainda mais intrigante.
A Província de São Paulo nasceu como oposição ao regime, um jornal republicano no Império. E assim continuou ao longo desses 150 anos. Foi censurado no Estado Novo e na ditadura militar, sempre seguindo o mote “se hay gobierno, soy contra”. É notável que um jornal com esse tipo de orientação tenha sobrevivido ao longo de 150 anos. Governos vieram e foram, o Estadão permaneceu.
E permaneceu porque o editorial do Estadão verbaliza, como poucos, a opinião pública média da classe média brasileira. Cada um de nós, com nossas próprias convicções e vivendo dentro de nossas próprias câmaras de eco, muitas vezes condenamos aquilo que lemos na página de opinião do jornal. Um dos editoriais mais famosos do jornal foi o “Uma escolha muito difícil”, na véspera do 2o turno entre Bolsonaro e Haddad, em 2018. Da esquerda à direita, o jornal até hoje é condenado por se colocar no muro. Ocorre que, tirando as bolhas, não havia mesmo muita convicção, como não houve em 2022. Lembre-se, a sua opinião é muito respeitável por ser a sua opinião. Mas é só uma opinião.
O editorial do Estadão, assim como o de outros jornais, faz parte de uma coreografia que envolve as elites que detém o poder e a sociedade. O editorial ao mesmo tempo pauta e é pautado, sendo difícil discernir a influência que exerce sobre as decisões políticas e o humor da sociedade. Trata-se de uma dança, em que os parceiros se movimentam de acordo com suas próprias convicções, mas precisam também estar atentos às convicções dos outros, para que a coreografia não saia do ritmo. Não há maestro, o que existe é uma espécie de caldo cultural de onde bebem todos os personagens dessa dança. O editorial do vetusto Estadão é aquele parceiro que resiste a alterar o ritmo, mesmo que a música comece a tocar em uma batida diferente.
Acho graça quando “acusam” o jornal de ter apoiado “isso ou aquilo”, e de depois passar a criticar “isso ou aquilo”. Foi assim na ditadura militar, por exemplo, em que o Estadão, assim como todos os jornais da época, apoiou a deposição de Jango, para, algum tempo depois, passar a criticar o novo regime, a ponto de ser censurado. Hoje não é diferente, só mudaram os personagens: o Estadão apoiou o STF no desmonte da Lava-Jato e hoje lamenta os desmandos da Suprema Corte. Criticou Bolsonaro e agora critica Lula. Acho graça porque exigem do editorial uma espécie de fidelidade partidária, como se uma opinião tivesse que ser fiel a pessoas e não a ideias. Tanto no caso de Jango/militares quanto nos casos Lava-Jato/STF e Bolsonaro/Lula, o combate a um não significa apoio automático ao outro. Para os sectários, que não suportam a ideia de não se apoiar ninguém, essa é uma atitude difícil de engolir.
Mas um jornal não vive somente de opinião. É preciso ter um sólido corpo de repórteres. Aqui, o Estadão não escapa da sina do, em geral, pobre jornalismo que se pratica no Brasil. Eu mesmo não canso de criticar matérias publicadas aqui, com seus erros e vieses. Tendo dito isso, o jornalismo profissional ainda é, e sempre será, imprescindível. Sabemos disso quando, ao receber uma notícia no zapzap, logo buscamos na chamada mídia profissional uma confirmação. Sabemos que as notícias só chegam aos jornais depois de devidamente apuradas. Não há falhas? Claro que há! A natureza humana é falha. Mas, dentro da fragilidade humana, o método jornalístico tradicional ainda é o menos ruim.
Faço menção honrosa ao caderno de Economia do Estadão, que poderia ser um jornal de economia à parte. No geral, as matérias têm excelente qualidade, e atingem um nível de profundidade surpreendentemente profundo para um jornal de temas gerais.
Já é hora de terminar essa singela homenagem. Meu pai já assinava o Estadão desde que me conheço por gente. Portanto, já lá se vão mais de 50 anos lendo o diário paulista. Como já não assisto mais a telejornais regularmente, posso dizer que o Estadão é o veículo de comunicação de maior longevidade na minha vida. É notável como, ao longo de décadas, um jornal muda, mas consegue permanecer o mesmo.
Parabéns, Estadão!
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