Brasil, um país sem futuro? Revisitando Stefan Zweig
Paulo Roberto de AlmeidaBrasil, país do futuro é um livro singular no conjunto da obra de Stefan Zweig. Pretendeu ser uma apresentação didática sobre o Brasil e ao mesmo tempo uma homenagem sincera ao país que o acolheu tão generosamente, em meio a uma guerra ainda mais catastrófica do que o conflito global precedente, que ele havia presenciado na Europa, mas que ele não quis tratar em profundidade em seu livro de memórias, O Mundo de Ontem, que se refere, na verdade aos anos que precederam à Grande Guerra. Zweig, um pacifista visceral e radical, acreditava ter encontrado no Brasil um país profundamente devotado à paz.
À diferença de suas outras obras, não tanto as novelas, que são textos de pura literatura, mas sobretudo as biografias de personagens famosos, ou angustiados, como ele, o livro que ele dedicou ao Brasil é um trabalho de circunstância, meio relato de viajante, meio interpretação pessoal de uma terra em tudo diferente do que ele havia vivido até então, na “sua” Europa da cultura clássica, dos grandes pensadores, da arte nas suas mais diversas expressões, mas também um continente dividido pelas paixões guerreiras, que tinha se dilacerado a si mesmo em incontáveis batalhas feudais, em conflitos entre as grandes potências da era moderna e contemporânea, em guerras civis e de religião de todas as épocas.
Stefan Zweig realmente gostava do Brasil, e não apenas por ser sua terra de exílio, mas por ser uma realidade que não existia em nenhuma outra parte do mundo, a mistura de cores, de etnias, de religiões, o sincretismo natural de seus habitantes, e aquela flexibilidade de costumes e de modos de vida que ele nunca tinha encontrado na rigidez social da Europa central e nas nítidas sobrevivências das estruturas estamentais do Antigo Regime, ainda bem visíveis na maior parte do velho continente. Por isso, ele lança um olhar simpático aos cenários, paisagens naturais e humanas, aos comportamentos que ele observava no Rio de Janeiro, em São Paulo, nas costas do Nordeste, em todos os lugares por onde andou, não apenas nas casas e prédios elegantes das capitais, mas também nas favelas, nos subúrbios, na pobreza do interior entre uma fazenda e outra de grandes proprietários. Ele assistiu a muitas festas e folguedos populares, e talvez tenha sido simbólica sua despedida do mundo em pleno Carnaval do Rio de Janeiro, mas em Petrópolis, seu último refúgio de uma vida bem vivida, entre os sucessos da produção literária e as homenagens que recebia, onde quer que fosse.
O livro não se pretendia apenas um retrato do presente, aquele que ele via, e um retorno ao passado, do que ele pode ler sobre nossa história e desenvolvimento, mas era também uma aposta sobre o futuro, daí o seu título ao mesmo tempo otimista e afirmativo. As traduções do título – Brasilien, Ein Land der Zukunft – em português hesitaram durante muito tempo entre o “país de futuro” ou o “país do futuro”, a primeira versão sendo uma promessa, a segunda uma quase certeza. Sim, ele previa um futuro otimista para o Brasil, o fim das favelas, a mescla de raças produzindo uma nação quase sem conflitos sociais, uma quase beleza na pobreza e até na miséria, a alegria dos carnavais escondendo as durezas da vida no resto do ano. Inevitável, ainda que não buscada diretamente, a comparação com os padrões civilizatórios europeus, e até com uma geografia menos castigada, ne velho mundo das vastas planícies, na confrontação com a vastidão de ermos desconhecidos no Brasil não atlântico.
Não é um guia de viagem, embora seja basicamente um livro de um viajante, mas é uma obra interpretativa da alma do Brasil, ou pelo menos aquele espírito que ele buscou ver, e acreditou ter encontrado, em todas as pessoas com as quais conversava, burgueses e fidalgos da terra, e até em homens e mulheres do povo, que ele buscou entender a partir de uma postura preventivamente simpática ao povo que o acolheu, no país que foi sua última morada, a fase mais angustiada de sua vida, esperança perdida de ver sua terra natal retornar aos tempos anteriores à Grande Guerra. Oitenta anos depois de ter sido escrito e publicado rapidamente, vale retornar ao Stefan Zweig do “país de/do futuro”, para ver que tipo de país emergiu de sua visão generosa para com nossas qualidades e defeitos.
Ao apresentar o seu livro ao público brasileiro, seis meses antes do suicídio de Zweig e de sua segunda mulher, Lotte, em Petrópolis, o prefaciador Afrânio Peixoto, membro da Academia Brasileira de Letras desde 1910, ocupando a vaga deixada por Euclides da Cunha, e reitor da Universidade do Distrito Federal desde 1935, descreveu o escritor austríaco como um “namorado de nossa terra e de nossa gente”. Deteve-se no que era bem conhecido: livros editados em seis e mais línguas, alguns em dezoito idiomas: “É o escritor mais impresso, mais adquirido e mais lido do mundo: ensaios, biografias romanceadas, ficção pura.” Enalteceu seu espírito ameno e cativante: “O autor é um encanto de convivência, de conversação, de simplicidade: ternura e poesia.”
Refere-se, sem mencionar o ano (1936), à sua passagem pelo Rio de Janeiro, a caminho da Argentina, para um congresso internacional do Pen Club:
...aqui esteve, sem ruído, no Brasil. Aqui não foi ao Catete, nem ao Itamaraty [Afrânio se engana; ele foi, sim, ao Itamaraty, convidado pelo chanceler Macedo Soares], nem às embaixadas, nem à Academia, nem ao DIP [Departamento de Imprensa e Propaganda do governo Vargas], nem aos jornais, nem aos rádios, nem aos Hotéis-palaces... Andou, virou, passeou, viajou, viveu. Não quis nada, nem condecorações, nem festas, nem recepções, nem discursos... Não quis nada.
A Bahia desejou ser vista por ele e convidou-o. Ficou comovido, mas pôs condição: nem ajuda de custo, nem hospedagem oferecidas, nem recepção, conferência, nada. Gostava do Brasil, gostaria da Bahia, não queria mais. Queria ver, sentir, pensar, escrever, livremente...
Afrânio Peixoto interpreta que foi dessa primeira viagem que saiu o seu único livro dedicado a um país, publicado quando para cá se mudou definitivamente:
De tudo, este livro, este grande livro, livro de amor presente e esperança futura que sai em imensas edições, na América [do Norte], na Inglaterra, na Suécia, na Argentina, em francês e em alemão também – seis de uma vez, a menor, a brasileira...
O acadêmico sintetiza, então, o espírito da obra:
É o mais ‘favorecido’ dos retratos do Brasil. Nunca a propaganda interesseira, nacional ou estrangeira, disse tanto bem do nosso país, e o autor, por ele, não deseja nem um aperto de mão, nem um agradecimento... Amor sem retribuição. Amor de caboclo supercivilizado: a namorada vai saber agora e ficará confusa de tanto bem querer. Ele, porém, já partiu... Deixou apenas esta declaração. Declaração de envaidecer à formosura mais presumida. Os ‘pátriaamada’, os ‘ufanistas’ ficarão de cara à banda, pois ninguém até hoje escreveu livro igual sobre o Brasil... O amor faz desses milagres. Se ele fosse político, ou diplomata, ou economista, ficar-se-ia perplexo; a explicação é só esta, Stefan Zweig é poeta: é hoje o maior poeta do mundo, poeta com ou sem versos, mas com poesia, sentida, vivida, escrita pelo mais suave prosador do mundo...
Ao encerrar seu prefácio, em julho de 1941, Afrânio Peixoto provavelmente esperava levar Zweig para a uma conversa com seus pares escritores na Academia Brasileira de Letras, ele que já tinha sido presidente da Casa de Machado de Assis, em 1923. Não o conseguiu: Zweig refugiou-se em Petrópolis, na casa que é hoje o seu museu, uma casa de cultura, uma homenagem construída por um de seus biógrafos mais brilhantes, Alberto Dines, que dedicou uma obra excepcional ao grande escritor: Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (1981; várias edições posteriores). Dines era um garoto de oito anos em meio a dezenas de outros, numa foto feita na escola progressista Sholem Aleichem, da comunidade judaica do Rio de Janeiro, quando da visita de Zweig em setembro de 1940, quando o escritor estava justamente preparando o seu livro dedicado ao Brasil. Seu suicídio, um ano e meio depois, deve tê-lo abalado, antes da adolescência, a ponto de ter motivado Alberto Dines a escrever, mais tarde, uma das melhores biografias da vida, da obra e dos sentimentos de Stefan Zweig.
A dedicatória que ele me fez, da 3ª edição desse magnífico livro, em junho de 2006, depois de eu ter contribuído para um volume de estudos por ocasião da reedição da coleção completa do Correio Braziliense, empreendida por ele com a colaboração da historiadora Isabel Lustosa, me tocou profundamente:
Para Paulo Roberto, um outro Hipólito da Costa que se atrapalhou com a sua utopia. [assinado] Alberto Dines, São Paulo, agosto de 2004/junho de 2006
Nesse mesmo ano de 2006, Alberto Dines já havia organizado um debate, no quadro do Foro Nacional organizado anualmente pelo ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso no BNDES, dedicado justamente a uma discussão em torno da obra de Zweig dedicada ao Brasil, que foi logo em seguida objeto de uma publicação da José Olympio Editora, sob a coordenação do próprio Reis Velloso e de Roberto Cavalcanti de Albuquerque, Brasil, um país do futuro?, ao qual eu dediquei uma resenha simpática (mais pelos novos projetos apresentados pelos debatedores do que propriamente pelo texto de Zweig). Reproduzo aqui o que escrevi em janeiro de 2007, e que vale reproduzir, pois é dedicado ao livro em questão:
Stefan Zweig teria gostado de assistir ao seminário que lhe foi dedicado, em setembro de 2006, por ocasião do 125º aniversário de seu nascimento e dos 65 anos da publicação do seu livro tão famoso, quanto desconhecido (hoje), terminado poucos meses antes do suicídio do autor, no carnaval de 1942, em Petrópolis. Ele concordaria com o artigo indefinido e talvez até com o ponto de interrogação [Eu tinha intitulado a minha resenha “Futuro preterido? Zweig e um projeto para o Brasil”]. A primeira edição brasileira modificou o título original, agora restabelecido – Brasilien, ein land der Zukunft, não der land – e o colóquio agregou a condicionalidade, refletindo o ceticismo dos examinadores quanto à utopia não realizada. No essencial, Zweig provavelmente se alinharia aos argumentos dos seus revisores contemporâneos.
Alberto Dines, autor de uma biografia que pode considerar-se completa do escritor austríaco – Morte no Paraíso: a tragédia de Stefan Zweig (3ª ed.; Rocco, 2004) –, considera que Zweig, depois de assinar mais de quarenta biografias de personalidades mundiais, fez a biografia de uma nação, no “inferno do Estado Novo”. Como ele diz, essa obra “tornou-se a crônica mais conhecida e a menos discutida, a mais celebrada e mais negligenciada” do Brasil. Ela foi um dos primeiros lançamentos simultâneos da história editorial mundial: oito edições em seis línguas diferentes. Em vista dos percalços recentes no processo de crescimento, parece difícil concordar com Zweig em que, “quem conhece o Brasil de hoje, lançou um olhar sobre o futuro”.
Bolívar Lamounier e Regis Bonelli examinam, respectivamente, os avanços políticos e econômicos obtidos pelo Brasil desde que Zweig traçou seu diagnóstico sobre o Brasil do início dos anos 1940. Para Lamounier, o Brasil é um país de “muitos futuros”, mas ele critica as utopias institucionais que frequentemente pretendem revolucionar a participação e as formas de se fazer política no país: a romântico-participativa da democracia direta, a do parlamentarismo clássico que ressurge sempre em momentos de crise e a utopia barroca do presidencialismo plebiscitário. Já Bonelli opera uma “volta para o futuro” ao examinar os elementos de continuidade e de mudança na esfera econômica: o Brasil certamente mudou muito, nesse terreno, mas a propensão a esperar tudo do Estado permanece, assim como uma certa desconfiança dos mercados externos. Algumas mudanças foram na direção errada, como o aumento na tributação, outras permanências são irritantes, como a péssima distribuição de renda e as incertezas jurídicas. Finalmente, o “fantasma do estrangulamento externo” estaria, de fato, superado?
Boris e Sérgio Fausto acrescentam um ponto de interrogação ao título de Zweig, temperando o otimismo do autor com certa dose de pessimismo. Não se trata do niilismo da esquerda, que vê na “dominação imperialista” a razão do nosso atraso. O duplo nó górdio da carga tributária e do gasto público limita hoje as possibilidades de crescimento. João Luís Fragoso analisa a “equação” de Zweig para o Brasil: concentração de poder + tolerância. Três comentários finais tratam das promessas não cumpridas de um olhar estrangeiro, do futuro que já chegou sob a forma da votação eletrônica e das dificuldades para a retomada de taxas razoáveis e sustentáveis de crescimento. No conjunto, o livro oferece uma boa visita ao que se poderia chamar de “futuro do pretérito”.
Eu já tinha lido, desde a adolescência, alguma coisa de Stefan Zweig, mas voltado basicamente aos estudos de ciências sociais, pouco li de sua obra literária, a não ser uma ou outra das pequenas biografias que ele dedicou a personagens emblemáticos. A leitura, cativante e ininterrompida, da excepcional biografia de Dines me levou a retomar alguns dos livros de Zweig, sobretudo suas angustiantes biografias – Erasmo, Fernão de Magalhães, Fouché –, mas confesso que sempre dei uma atenção menor ao “livrinho” do “país do futuro”, provavelmente porque deduzia ser uma espécie de livro de encomenda em homenagem ao país que o acolheu, um representante da família dos “ufanistas”, justamente, uma peça menor na vastidão diversificada da sua produção intelectual. Eu me enganava, claro, mas, como anarco-contrarianista, sempre tive certa rejeição a livros ao estilo do Conde Afonso Celso, Por Que me Ufano de meu País (1900), por considerá-los meros panegíricos.
Por julgá-lo quase um panfleto de propaganda, talvez um ato de gratidão ao regime varguista, deixei-o de lado, mesmo quando empreendi, naquela época, uma série de “clássicos revisitados”, que incluíram uma versão do Manifesto de Marx e Engels para os tempos de globalização capitalista, uma releitura do Príncipe de Maquiavel, uma nova missão de Tocqueville às Américas, mas desta vez ao Brasil, além de algumas outras digressões modernizantes de Benjamin Constant – De la liberté des Anciens comparée à cellle des Modernes – e mesmo do Sun Tzu, adaptado para os diplomatas, além de vários outros que figuravam e ainda figuram no meu pipeline (mas não o de Zweig).
Dez anos depois, já ocupando o cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, tomei a iniciativa de organizar um evento em homenagem a Zweig, aos 80 anos de sua primeira visita ao Brasil, justamente quando foi publicado no Brasil seu breve relato de viagem: Pequena Viagem ao Brasil (Rio de Janeiro: Versal, 2016). Contatei a Casa Stefan Zweig, de Petrópolis, e sua diretora, a tradutora Kristina Michahelles, ofereceu-me um programa ainda melhor: o lançamento da primeira edição internacional – em diversas línguas – da conferência que Zweig havia feito no Rio de Janeiro em 1936, numa belíssima edição preparada por Israel Beloch e prefaciada por Celso Lafer: A Unidade Espiritual do Mundo, novamente traduzido a partir do manuscrito sobre a “unidade espiritual da Europa”, que Zweig tinha deixado com o chanceler Macedo Soares, na própria Escola Nacional de Música, onde havia sido feita sua memorável palestra (depois expandida em Buenos Aires em 1940). O texto, resgatado de um injusto esquecimento foi publicado em 2017 pela Casa Stefan Zweig e pela editora Memória Brasil, em cinco línguas (alemão, francês, espanhol, inglês e português), com colaborações de Alberto Dines, Klemens Renoldner e Jacques le Rider, e uma belíssima iconografia.
Preparei um dos meus melhores eventos para esse feliz lançamento, feito no Instituto Rio Branco em 21 de março de 2017, para cujo convite fiz questão de contatar a família do famoso cartunista da New York Review of Books, David Levine, já falecido, para poder reproduzir, sem custos, uma famosa caricatura de Stefan Zweig, que eu havia visto, muitos anos antes, nas páginas do famoso jornal literário da esquerda americana (como abaixo).
Celso Lafer fez uma palestra baseada em grande medida em seu texto constante do livro e a diretora Kristina Michahelles exibiu um excelente documentário sobre o personagem e sua Casa brasileira, transformada em museu graças ao grande jornalista que foi Alberto Dines. Eu mesmo preparei uma apresentação em 27 slides, “Stefan Zweig e o Brasil”, que não me lembro de ter podido expor por inteiro no evento, mas que transformei em notas em Word, para circulação mais ampla, divulgando-a na plataforma Academia.edu e, no formato original em Power Point, na plataforma Research Gate (links: http://www.academia.edu/31826161/Stefan_Zweig_e_o_Brasil e https://www.researchgate.net/publication/314720659_Stafan_Zweig_e_o_Brasil?ev=prf_pub ). O auditório estava repleto de diplomatas brasileiros e estrangeiros e, ao final, fui muito cumprimentado pelos austríacos ao lhes lembrar, ademais do próprio Zweig, da excepcional contribuição de Oto Maria Carpeaux à cultura brasileira (e também universal).
Na sequência, por sugestão de meu colega diplomata Antonio de Moraes Mesplé, providenciamos a concessão da condecoração póstuma, com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, ao grande escritor austríaco, feita mais adiante em cerimônia de entrega da comenda à embaixadora da Áustria no Brasil (18/12/2017), remetida mais tarde à Casa Stefan Zweig, de Petrópolis. Na ocasião, preparei um discurso a ser pronunciado pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, na cerimônia de condecoração póstuma, que não sei se foi ou não pronunciado, mas que, por ser relativamente inédito, resolvi colocar à disposição de todos no meu blog Diplomatizzando (17/11/2021; link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/11/stefan-zweig-cerimonia-de-entrega.html).
Ainda assim, e com tudo isso, o “fatídico” livro sobre “país do futuro” permaneceu no limbo inexplicável de meus projetos inacabados durante vários anos mais, até que chegaram, finalmente, os 80 anos de sua publicação original, em 2021, e as vésperas dos mesmos 80 anos da infausta morte do grande escritor, no início de 2022, quase coincidentes com o centenário da Semana de Arte Moderna em São Paulo. Tendo concluído, no período recente, um outro volume sobre os projetos para a construção do Brasil, mas sintetizando unicamente as contribuições de intelectuais brasileiros, de Cairu a Merquior, considero que é mais do que chegada a hora de também oferecer uma análise, sob a forma de minha série dos “clássicos revisitados”, dessa obra muito falada, mas praticamente desconhecida do grande intelectual austríaco, falecido no Brasil.
Já não era sem tempo, e desculpo-me com o escritor por essa duplamente tardia homenagem a quem buscou, sinceramente, traçar um panorama simpático do país que lhe aparecia como uma espécie de síntese viva da diversidade racial, da mistura étnica, da conjunção de culturas, da tolerância religiosa e do pacifismo bem resolvido, características que ele não mais encontrava no seu continente de origem, certamente não naquele momento de desespero que ele não antevia senão destruição, mortes e de aniquilação do seu próprio povo sob as botas, fuzis e gases dos totalitários doentios. Deste canto do planeta, ainda em paz naqueles meses, ele certamente teria esperado muito mais do Brasil, nestes quatro quintos de século decorridos desde então, sobretudo em termos de eliminação da pobreza, de diminuição das desigualdades sociais e regionais, de virtual desaparecimento das favelas e de prosperidade ampliada. Não sei se é o caso de nos desculparmos, ainda que postumamente, por não termos realizado as esperanças do escritor, mas certamente é o caso de retomar o seu testemunho pessoal sob a forma de uma grande promessa feita em direção ao futuro, para examinar o que ficou no registro de um pensador humanista como projeto de construção de uma nação integrada, um país mais justo e, sobretudo, mais conforme ao seu ideal racional com respeito à unidade espiritual do mundo. Valeu Stefan, muito grato a você, por ter dedicado seu empenho intelectual na interpretação do seu derradeiro país de eleição.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4020: 17 novembro 2021
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