Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello 
Nexo, 25/12/2015 

Nossa desgraça atual não é culpa do ajuste fiscal que não houve. É culpa da falta de construção de uma base sólida para o crescimento

Em 2009, Juan Pablo Nicolini, um dos maiores economistas latino-americanos, nos perguntou: quanto do crescimento brasileiro durante os anos Lula é explicado pelo boom de commodities e pela facilidade de financiamento externo? Ficamos surpreendidos ao constatar que economistas não alinhados com o governo não soubessem responder de bate-pronto.
Anos depois escrevemos o artigo "A Década Perdida: 2003 – 2012". Nele, respondemos uma questão distinta mas parecida: o Brasil foi bem sob o comando do PT no governo federal? Quase todos dirão: claro! Crescemos mais do que na década anterior, e com inflação controlada. A pobreza e a desigualdade caíram e milhões foram incorporados ao mercado de consumo. Resposta simples para uma pergunta tola. Por que então dizemos que a década foi perdida? Porque a resposta simples é, na verdade, simplista.
Apesar de intuitiva, e por isso conveniente para as narrativas eleitorais, a comparação antes-e-depois é enganosa. Não seria se nada mudasse entre o antes e o depois. Mas muito mudou. Um exemplo cotidiano ajuda a entender. Imagine que o trânsito diminua no mês seguinte à adoção do rodízio de carros de passeio. A intervenção melhorou o trânsito? Sim, sugere o antes-e-depois. Mas e se o rodízio foi adotado no final de dezembro e, consequentemente, o mês de trânsito bom foi em um janeiro? As condições “externas” são diferentes: no mês de Natal as pessoas se movimentam mais pela cidade; em janeiro, mês de férias, muita gente viaja. Logo, a melhora em janeiro (depois) em relação a dezembro (antes) não pode ser exclusivamente atribuída ao rodízio.
Elimina-se a sazonalidade comparando janeiros, uma adaptação do método antes-e-depois. Imagine que o trânsito piorou em relação a janeiro do ano anterior. O tiro do rodízio saiu pela culatra? Não. A frota pode ter aumentado entre janeiros. Para que dois janeiros sejam comparáveis, é preciso que a frota de automóveis seja a mesma. E que sejam os mesmos o preço da gasolina, a quilometragem de metrô, e assim por diante. Necessitaríamos saber como teria sido o trânsito sem o rodízio, algo que não aconteceu. Temos que saber o contrafactual.
Os cientistas laboratoriais constroem contrafactuais usando experimentos aleatorizados. Aplicam um tratamento – e.g. remédio - em um grupo de pacientes, e um placebo no outro. Este, chamado de grupo de controle, faz o papel do contrafactual, o que ocorre sem o remédio. Para o trânsito, ou para governos, é difícil usar o método experimental. Sortearíamos quais cidades aplicarão rodízio de automóvel? Ou se o PT ou o PSDB ocupará o Palácio do Planalto?
Felizmente, os cientistas sociais bolaram métodos engenhosos para emular, ainda que imperfeitamente, desenhos experimentais e fazer comparações educadas. Usamos um deles: o método do controle sintético.
O nome é assustador mas a ideia é simples. Avaliamos o desempenho de um país comparando-o com países similares. O PIB brasileiro cresceu mais ou menos do que o resto da América Latina? A comparação faz sentido. Mas o incômodo persiste: qual a comparação correta? Com a média da América Latina? Ou melhor comparar só com a Argentina, parceira comercial importante? Ou com o Chile, também grande exportador de riquezas minerais? Ou com o México, industrializado como o Brasil? Por que não comparar com outros emergentes, como a Índia, economia tão fechada quanto a brasileira?
Em suma, a escolha não é óbvia. Parece fadada à arbitrariedade. Aí está a beleza do método do controle sintético: ele ata as mãos do pesquisador, diminuindo a arbitrariedade. Escolhe-se como grupo de comparação a combinação de países que melhor emule o Brasil antes de 2003. Em outras palavras: cria-se um país sintético que aproxime nossas características, o país “gêmeo” do Brasil. Os dados decidem, não o pesquisador. Sendo suficientemente parecido com o Brasil antes do “tratamento” – a chegada do PT ao poder – quaisquer diferenças que apareçam depois de 2002 são mais facilmente atribuíveis ao tratamento.
O desempenho de um país pode ser avaliado em várias dimensões. Comecemos com o PIB per capita. Encontramos um país “gêmeo” cuja renda antes de 2003 era parecida com o Brasil, tanto no nível quanto na trajetória, mostrando o êxito do método. O “gêmeo”, talvez contra-intuitivamente, tem pouco de América Latina. A Turquia aparece com grande peso. Por quê? Porque é um dos poucos países grandes e industrializados que tinha renda parecida com a brasileira antes de 2003.
Depois de 2002 o Brasil cresceu mais do que no período imediatamente anterior. Mas o país “gêmeo” também cresceu ainda mais. Tendo enfrentado condições externas menos favoráveis, cresceu 21% mais do que o Brasil entre 2003 e 2015. No “gêmeo”, a produtividade, medida pelo PIB por pessoa empregada, dobrou (até 2012); no Brasil, ficou parada.
O Brasil, em relação ao gêmeo, investiu menos, adicionou menos valor na indústria e teve inflação um pouco mais alta; perdeu competitividade, avançou menos em pesquisa e desenvolvimento, piorou sensivelmente a qualidade regulatória, e foi mal em quase todos os setores importantes. No social, a desigualdade de renda, a subnutrição e a pobreza caíram, mas em linha com o “gêmeo”. Educação e saúde andaram em linha, apesar de termos gasto mais; a segurança pública foi mal. No mercado de trabalho, o desempenho foi misto: o salário mínimo real aumentou tanto quanto; o salário médio real aumentou menos. A principal conquista foi no emprego: aumentou a massa salarial no PIB através da incorporação de mais pessoas na força de trabalho e da queda no desemprego. Ou seja, o crescimento veio de mais gente trabalhando, e não de maior produtividade.
Terminamos onde começamos, sem conseguir responder a pergunta do Nicolini. Mas aprendemos que, à luz dos nossos pares, crescemos pouco e assentamos bases frágeis para o futuro. Nesse sentido, desperdiçamos a década.
Por fim, um comentário sobre o período mais recente. O crescimento brasileiro perde fôlego a partir de 2011, ano da chegada de Dilma ao poder. De fato, em 2014 já houve queda no produto per capita medido em dólares constantes. Ou seja: não, André Singer! Nossa desgraça atual não é culpa do ajuste fiscal que não houve. É culpa da falta de construção de uma base sólida para o crescimento quando os tempos eram de bonança. Além de uma grande dose de irresponsabilidade nos anos recentes.

Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello são PhDs em economia pela Stanford University. São, respectivamente, professores no Departamento de Economia da PUC-Rio e no Insper.
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