Desde meu primeiro livro publicado,
O Mercosul no contexto regional e internacional (1993), eu refletia sobre o vigor da ideia protecionista no Brasil, com base neste livro de um economista romeno:
Mihaïl Manoïlescu:
Théorie du Protectionnisme
et de l’échange international
(Paris: Marcel Giard, 1929)
Manoïlesco sempre foi muito apreciado, sobretudo a partir da propagação de suas ideias por Roberto Simonsen, criador do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo, que o fez traduzir e publicar no Brasil desde 1931.
Agora essa tradução é republicada no Brasil, com as mesmas justificativas e entusiasmo:
Teoria do Protecionismo e da Permuta Internacional
Mihaïl Manoïlesco
Tradução: Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (edição de 1931)
(Rio de Janeiro: Capax Dei, 2011, 250 p.; ISBN: 978-85-98059-18-1)
Reproduzo alguns extratos editoriais, para um breve conhecimento do conteúdo do livro.
Paulo Roberto de Almeida
Da orelha do livro: (Armando Brasil)
A reedição do livro de Mihaïl Manoïlesco se reveste de grande
importância para a revitalização de uma corrente de pensamento favorável à
defesa das forças produtivas nacionais, em especial da indústria, que submetida
ao impacto da dinâmica predatória da globalização financeira, vê sua
participação no PIB regredir aos níveis de 1940. Para se reverter esta
tendência destruidora, não basta apontar como causas o “custo Brasil” e o
câmbio valorizado. É preciso ir além e buscar os mecanismos necessários à
defesa da indústria nacional, com ênfase especial nos setores de alta
tecnologia e fabricantes de bens de capital. No livro, Manoïlesco demonstra
esta necessidade com sólidos argumentos extraídos da observação do mundo real,
construindo sua teoria a partir deles – ao contrário da prática habitual dos
teóricos do liberalismo econômico.
As ideias discutidas no livro se tornam, hoje, ainda mais necessárias,
em função do processo de integração física e econômica dos países da América do
Sul, o que exigirá uma recorrência obrigatória ao intervencionismo e à proteção
conjunta dos mercados envolvidos na criação de um espaço econômico comum.
Apresentação do editor: (Lorenzo Carrasco,
RJ, fevereiro de 2011)
(...) O livro foi publicado em um momento crucial da crise econômica que
desembocou na Grande Depressão da década de 1930, tendo desfrutado de grande
influência na formação do pensamento industrial e das ideias favoráveis à
proteção das forças de trabalho nacionais contra as ideologias livrecambistas
da época. (...)
Hoje, igualmente, acreditamos que a sua republicação poderá representar
uma contribuição para o enriquecimento dos debates que, novamente, se travam no
País sobre a necessidade de adoção de medidas protetoras das atividades
produtivas nacionais, em especial dos setores industriais submetidos à
concorrência depredadora da produção estrangeira vinculada aos aspectos mais
contestáveis da globalização financeira.
(...)
... Manoïlesco estende a todas as nações o direito ao processo de
industrialização, independente do seu estágio de desenvolvimento. (...) A
oportunidade para se dar tal passo se oferece com a crise terminal do projeto
hegemônico da globalização financeira, com o necessário retorno ao protagonismo
do Estado nacional soberano e a recuperação das suas capacidade plenas de
regulamentação e fomento econômico.
Na essência, as propostas de Manoïlesco mantêm a sua vigência, sendo,
pois, necessário que se estabeleçam linhas de defesa comercial nos moldes
sugeridos por ele. Para o Brasil, isto implica, também, em estendê-las no
âmbito do Mercosul, dentro do empenho de aprofundamento da integração física e
econômica da América do Sul.
Por esses motivos, a Capax Dei Editorial relança a obra de Manoïlesco,
com o mesmo propósito e como uma sequência de Cartas da Economia Nacional Contra o Livre Comércio (2009), que
reuniu obras capitais de Alexander Hamilton, Friedrich List e Henry Carey,
expoentes do chamado Sistema de Economia Nacional, lançado em sequência à
eclosão da crise financeira de 2008.
Amostra do pensamento de Manoïlesco:
Primeira Parte – Os Fatos
(...)
...esta noção do lucro nacional é capital.
Constitui uma frisante antítese em relação à noção do lucro individual.
De fato, na produção de uma mercadoria, o lucro nacional é representado
por tudo quanto uma indústria qualquer produz como valor novo, exceção feita da
matéria prima, do combustível, etc. que ela emprega. (p. 28)
(...)
O lucro do capitalista é uma coisa de superfície; só o lucro nacional é
uma coisa profunda.
Entre os dois lucros, não existe a menor coincidência... (p. 29)
============
Permito-me agora reproduzir alguns trechos de um livro meu, ainda não publicado, sobre o processo de integração regional:
(...)
... tanto quanto os EUA, os países latino-americanos foram seduzidos desde
muito cedo pela literatura econômica protecionista, a começar pelo próprio
Hamilton, pelo alemão Friedrich List – que havia visitado os EUA nos anos 20 do
século XIX, e que depois publicou seu livro sobre a defesa da “indústria
infante” – e diversos outros opositores teóricos e práticos da teoria
ricardiana do comércio internacional (entre eles os americanos Henry Clay e
Henry Carey, defensores do chamado American System, ou seja a proteção
da indústria infante e o protecionismo comercial). List foi o grande inspirador
de seu principal seguidor no século XX, o romeno Mihail Manoilescu, autor de uma muita comentada
(quanto mal interpretada) “teoria do protecionismo”, lida (e seguida) por
muitos industriais brasileiros da primeira metade do século XX, que o fizeram
traduzir e publicar no Brasil.
Existe, é claro, muita controvérsia
na literatura especializada, em especial na historiografia econômica, sobre o
papel do protecionismo comercial na industrialização dos EUA. O fato é que
aquele país não se teria tornado o gigante industrial que já era no final do
século XIX apenas com base numa política comercial protecionista, quando outras
variáveis estiveram em jogo para construir uma base econômica sólida,
competitiva no plano mundial (inclusive com uma mão-de-obra relativamente mais
cara do que os concorrentes), baseada sobretudo na flexibilidade do sistema, na
dimensão do seu mercado interno e na inovação tecnológica e ausência de
barreiras à competição entre os agentes privados; os latino-americanos, que
praticaram um protecionismo comercial quase tão (ou mais) extensivo quanto o
dos EUA, não lograram desenvolver nenhuma indústria significativa, provando
mais uma vez que o “rabo” comercial não consegue abanar sozinho o “cachorro” do
desenvolvimento, na ausência de outras políticas favoráveis e de estímulos
apropriados a serem dados pelo próprio mercado, não por governos inconstantes.
No que se refere, por sua vez, a
Mihail Manoilescu, ele foi o autor de uma obra famosa na primeira metade do
século XX, Théorie du Protectionnisme et
de l’échange international (Paris: Marcel Giard, 1929), traduzida e
publicada no Brasil sob iniciativa do industrial Roberto Simonsen, um dos
fundadores do Centro das Indústrias de São Paulo, nessa mesma época. Cabe
esclarecer que o economista romeno não advogava simplesmente um protecionismo
defensivo ou retaliatório, nem pretendia fechar a economia às vantagens do
comércio internacional: Manoilescu pretendia, mais bem, demonstrar que valia a
pena praticar um pouco de protecionismo sempre e quando o país se capacitava
para mudar sua pauta de exportação para produtos de maior valor agregado, isto
é, necessariamente industriais. Suas teses, assim como as de List, tiveram
largo acolhimento nas faculdades de economia da América Latina, desde sempre,
aliás.
Autores latino-americanos beberam nessas fontes e formularam suas próprias “contribuições” à teoria do comércio internacional, como o argentino Raul Prebisch, que propôs uma “teoria da deterioração dos termos de intercâmbio”, prevendo uma espécie de maldição permanente para os exportadores compulsórios de matérias-primas, como os países da região; daí a necessidade de implementação de políticas “listianas” de promoção da indústria nacional, eventualmente passando também pela integração regional. Prebisch formou, direta ou indiretamente, gerações de economistas latino-americanos, todos eles convencidos de que a teoria das vantagens comparativas ricardiana só poderia favorecer os países já industrializados, condenando todos os demais a serem eternos exportadores de matérias primas. O atual defensor mais conhecido das teses de List e de Manoilescu é o economista coreano de Cambridge, Ha-Joon Chang, que se esforça por provar que os países avançados também estão empenhados em “chutar a escada” – uma expressão que ele foi buscar em List – para impedir que os países em desenvolvimento os sigam no processo de industrialização, uma tese tão absurda – pelo seu evidente caráter “conspiratório” – quanto efetivamente impossível de ser implementada no plano prático.