O último tango em Caracas
Ricardo Seitenfus
Habituado a fazer bailar opositores e aliados ao seu bel prazer, escolhendo ritmo e cadencia, Nicolás Maduro Moros – o inefável ditador venezuelano – está bailando a contragosto seu último e trágico tango. A História do ocaso das ditaduras demonstra que se trata de período delicado e muitas vazes o canto do cisne dos ditadores se transforma em um derradeiro banho de sangue. Inclusive, prometido por Maduro.
Tudo estava, como em pleitos anteriores, preparado para a proclamação da vitória bolivariana. Todavia, surgiu um pequeno imprevisto nesse script bem rodado. A sociedade civil através da Alta Vista – iniciativa independente de Tabulação Paralela de Votos – em uma operação silenciosa em todo território nacional, decidiu documentar as atas eleitorais afixadas nos Centros de Votação. Dezenas de milhares de voluntários munidos simplesmente de seus celulares conseguiram fotos dos recibos oficiais de contagem de votos com mais de 80% dos votos.
São fotos originais e informações derivadas dos recibos de tabulação de votos, impressos pelas máquinas de votação oficiais após a conclusão da votação em cada centro de amostragem. Cada recibo identifica a mesa de votação e o centro de origem.
Agregando os resultados surgidos das fotografias das Atas e fazendo projeções aos 20% faltantes, os responsáveis da TPV chegam a um resultado inapelável: González recolhe 66,12% ao passo que Maduro, 31,39%.
Ciente que havia perdido, Maduro acelera o processo declarando-se vencedor e de imediato toma posse. Não há festas, passeatas ou regozijos. Ao contrário. Se instala um mal-estar facilmente perceptível. A oposição, por sua vez, se declara vencedora pois possuidora das fotografias das Atas Eleitorais. No entanto, clama unicamente por uma transição pacífica e ordenada, sem festejos ou comemorações.
Ainda mais interessante do que o teatro de sombras entre Maduro e a oposição frente aos resultados da votação, a posição dos vizinhos é tragicômica. Alguns não reconhecem a autoproclamada vitória do ditador e imediatamente seus diplomatas são expulsos de Caracas. Outros, aparentemente mais prudentes, embora sabedores dos resultados das Atas Eleitorais publicadas pela Alta Vista, exigem por parte do CNE a apresentação oficial e desagregada dos resultados. Ora, Maduro não pode fornecer pois seria reconhecer a vitória da oposição.
Esses governos, a começar pelo nosso, estão, de fato, cozinhando o galo, tentando ganhar tempo e buscando uma aparentemente impossível solução institucional.
Graças a franqueza que lhe permite seu poder, finalmente os Estados Unidos descartam a retórica rebarbativa diplomática e, baseados nas fotografias das Atas Eleitorais disponibilizadas pela Alta Vista, consideram a oposição vencedora do pleito. Os derradeiros acordes do último tango ressoam em Caracas.
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Ricardo Seitenfus, Doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Genebra, autor de vários livros, Vice-Presidente da Comissão Jurídica Interamericana da OEA, foi representante da OEA no Haiti (2009-2011) e na Nicarágua (2011-2013). Em 2006 foi Observador do Centro Carter nas eleições presidenciais no Equador.