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sábado, 21 de setembro de 2013

O FED e as duvidas da economia americana - Rogerio Studart

Sai Summers, ficam as incertezas
Rogerio Studart *
19/09/2013

Como um dos economistas mais influentes na administração Clinton (de quem foi Secretário do Tesouro), Lawrence Summers foi um dos principais defensores do processo de desregulamentação financeira. Este processo por sua vez permitiu os três pilares da crise de 2008: a consolidação acelerada do setor financeiro norte-americano (gerando o problema sistêmico conhecido como “too big to fail”); o desenvolvimento de uma série de instrumentos financeiros (como alguns tipos de derivativos) utilizados basicamente para manobras especulativas; e o crescimento sem precedente da alavancagem e do risco sistêmico.
Já fora do governo, continuou a defender o avanço daquelas inovações e da alavancagem financeiras, mesmo quando os sinais de perigo eram evidentes. Por exemplo, em 2005 na reunião anual de Jackson Hole, dos presidentes dos principais bancos centrais do mundo, Raghuram Rajan (hoje liderando o Banco Central da Índia) demonstrou em um artigo que a existência de produtos financeiros complexos, somada a uma estrutura de remuneração dos principais executivos financeiros, gerava incentivos perversos, que terminavam por engendrar bolhas especulativas e elevados níveis de risco (sistêmico) para toda economia. Com isto, Rajan apresentou uma das mais contundentes evidências de que a liberalização financeira então em curso estaria levando a economia a uma crise de grande escala, com possíveis efeitos catastróficos.  Summers pediu a palavra e, de pé, basicamente desqualificou os argumentos de Rajan, chamando-o por fim de “ludita” – ou seja, um radical que se opõe ao progresso.
Summers é um economista controverso, para dizer o mínimo. Além de seu decisivo apoio a politicas econômicas que se mostraram desastrosas, ele não mede suas palavras, mesmo quando para falar de infundados preconceitos. Por exemplo, ainda como presidente da Universidade de Harvard, fez declarações tidas como sexistas, dentre as quais a de que “a baixa representação de mulheres em ciências exatas e engenharia se devia a uma diferença da habilidade das mulheres nestes campos, e não por razões de discriminação e socialização”.
Apesar disto tudo, sua nomeação ao Fed, o banco central norte-americano, era dada como certa. De fato, Obama tem razões de ser-lhe grato. No começo do seu governo, Summers atuou como um dos seus principais assessores nos programas de salvamento do setor financeiro e nos de estímulo econômico que se seguiram – cujos resultados, frente à profundidade da crise de 2008, são tidos como bons. Mas Obama teria alguma dificuldade de defender o nome de Summers perante o comitê do senado responsável pela nomeação – já que quatro membros, democratas, entre os doze senadores do comitê já haviam se declarado contrários a esta possível nomeação, mesmo antes das audiências protocolares.
Neste último domingo, Larry Summers retirou sua candidatura. A sua saída da disputa é, de certa forma, uma boa notícia. E não somente por suas declarações machistas, o que, a meu ver, já seria por si só uma boa razão para não nomeá-lo. Mas porque ela sinaliza que uma parte da sociedade americana não esqueceu a História recente, e como a visão de Summers sobre economia e sobre política econômica foram desastrosas para esta sociedade – e para o resto do mundo.
A saída da competição de Summers é, portanto, um alívio. Mas, infelizmente ela não é um indicador de como o Fed irá se comportar no futuro próximo, nem muito menos uma garantia de que a História não se repetirá.  No que tange à futura atuação do banco central norte-americano, o debate principal aqui é se se deve ou não dar continuidade à política extremamente expansionista dos últimos cinco anos – o chamado “quantitive easing” (QE). Esta política se iniciou em 2009 com a compra sistemática de ativos financeiros privados de longo prazo (incluindo hipotecas). Esta política gerou pelo menos dois enormes inconvenientes. Por um lado, desde 2008 o balanço das gigantes instituições financeiras privadas engordou quase simetricamente ao crescimento acumulado do passivo do Fed (cerca de US$ 3,7 trilhões). E como houve um processo de consolidação do setor financeiro após a crise, agora estas instituições são ainda maiores e mais concentradas do que antes. Ou seja, nunca o argumento de “too big to fail” foi mais válido: a bancarrota de uma única grande instituição americana poderia mais que nunca gerar processos encadeados de quebra nos Estados Unidos e no mundo.
Por outro lado, o crescimento e consolidação das instituições financeiras privadas têm possibilitado crescentes “voos especulativos” dentro do sistema. Já falamos, na nossa coluna, como alguns destes “pousaram” em economias emergentes, na forma de fluxos de capital excessivos – com todas as suas sequelas desestabilizadoras. Mas, para o debate interno nos EUA, o que mais tem preocupado é a possibilidade que, de novo, se esteja criando uma bolha no mercado acionário, e, especialmente, no mercado imobiliário. Nós todos já vimos este filme antes, e o final não foi feliz.
Tudo isto indicaria que o Fed deveria começar a repensar sua forma de atuação já na sua próxima reunião. Porém há um “detalhe”: apesar da melhora do mercado de trabalho americano, os sinais de recuperação ainda não são tão fortes assim.
Ou seja, o Fed atualmente enfrenta um dilema de difícil solução: se não para o QE, continua a colocar querosene num processo de crescente risco sistêmico que cada vez mais se assemelha à fogueira especulativa que nos levou ao colapso financeiro de 2008. Mas se ele para, ameaça uma ainda frágil retomada da economia americana. Hoje (terça-feira) e amanhã o comitê do Fed se reúne para discutir esta questão. Mas sabemos que qualquer que seja o resultado desta reunião, as incertezas e as dúvidas sobre a atuação do Fed infelizmente continuaram muito depois que o capítulo da sucessão de Bernanke se resolva.
Professor da UFRJ e Diretor Executivo Adjunto pelo Brasil no Banco Mundial.

As opiniões aqui expressas são pessoais.