Sai Summers, ficam as incertezas
Rogerio Studart *
19/09/2013
Como um dos economistas mais influentes na administração Clinton (de
quem foi Secretário do Tesouro), Lawrence Summers foi um dos principais
defensores do processo de desregulamentação financeira. Este processo por sua
vez permitiu os três pilares da crise de 2008: a consolidação acelerada do setor
financeiro norte-americano (gerando o problema sistêmico conhecido como “too
big to fail”); o desenvolvimento de uma série de instrumentos financeiros (como
alguns tipos de derivativos) utilizados basicamente para manobras especulativas;
e o crescimento sem precedente da alavancagem e do risco sistêmico.
Já fora do governo, continuou a defender o avanço daquelas inovações e da
alavancagem financeiras, mesmo quando os sinais de perigo eram evidentes. Por
exemplo, em 2005 na reunião anual de Jackson Hole, dos presidentes dos
principais bancos centrais do mundo, Raghuram Rajan (hoje liderando o Banco
Central da Índia) demonstrou em um artigo que a existência de produtos
financeiros complexos, somada a uma estrutura de remuneração dos principais
executivos financeiros, gerava incentivos perversos, que terminavam por engendrar
bolhas especulativas e elevados níveis de risco (sistêmico) para toda economia.
Com isto, Rajan apresentou uma das mais contundentes evidências de que a liberalização
financeira então em curso estaria levando a economia a uma crise de grande
escala, com possíveis efeitos catastróficos.
Summers pediu a palavra e, de pé, basicamente desqualificou os
argumentos de Rajan, chamando-o por fim de “ludita” – ou seja, um radical que
se opõe ao progresso.
Summers é um economista controverso, para dizer o mínimo. Além de seu
decisivo apoio a politicas econômicas que se mostraram desastrosas, ele não
mede suas palavras, mesmo quando para falar de infundados preconceitos. Por
exemplo, ainda como presidente da Universidade de Harvard, fez declarações
tidas como sexistas, dentre as quais a de que “a baixa representação de
mulheres em ciências exatas e engenharia se devia a uma diferença da habilidade
das mulheres nestes campos, e não por razões de discriminação e socialização”.
Apesar disto tudo, sua nomeação ao Fed, o banco central norte-americano,
era dada como certa. De fato, Obama tem razões de ser-lhe grato. No começo do seu
governo, Summers atuou como um dos seus principais assessores nos programas de
salvamento do setor financeiro e nos de estímulo econômico que se seguiram –
cujos resultados, frente à profundidade da crise de 2008, são tidos como bons.
Mas Obama teria alguma dificuldade de defender o nome de Summers perante o comitê
do senado responsável pela nomeação – já que quatro membros, democratas, entre
os doze senadores do comitê já haviam se declarado contrários a esta possível
nomeação, mesmo antes das audiências protocolares.
Neste último domingo, Larry Summers retirou sua candidatura. A sua saída
da disputa é, de certa forma, uma boa notícia. E não somente por suas
declarações machistas, o que, a meu ver, já seria por si só uma boa razão para
não nomeá-lo. Mas porque ela sinaliza que uma parte da sociedade americana não
esqueceu a História recente, e como a visão de Summers sobre economia e sobre política
econômica foram desastrosas para esta sociedade – e para o resto do mundo.
A saída da competição de Summers é, portanto, um alívio. Mas, infelizmente
ela não é um indicador de como o Fed irá se comportar no futuro próximo, nem
muito menos uma garantia de que a História não se repetirá. No que tange à futura atuação do banco central
norte-americano, o debate principal aqui é se se deve ou não dar continuidade à
política extremamente expansionista dos últimos cinco anos – o chamado “quantitive easing” (QE). Esta política se
iniciou em 2009 com a compra sistemática de ativos financeiros privados de
longo prazo (incluindo hipotecas). Esta política gerou pelo menos dois enormes
inconvenientes. Por um lado, desde 2008 o balanço das gigantes instituições financeiras
privadas engordou quase simetricamente ao crescimento acumulado do passivo do
Fed (cerca de US$ 3,7 trilhões). E como houve um processo de consolidação do
setor financeiro após a crise, agora estas instituições são ainda maiores e
mais concentradas do que antes. Ou seja, nunca o argumento de “too big to fail” foi mais válido: a
bancarrota de uma única grande instituição americana poderia mais que nunca gerar
processos encadeados de quebra nos Estados Unidos e no mundo.
Por outro lado, o crescimento e consolidação das instituições financeiras
privadas têm possibilitado crescentes “voos especulativos” dentro do sistema. Já
falamos, na nossa coluna, como alguns destes “pousaram” em economias emergentes,
na forma de fluxos de capital excessivos – com todas as suas sequelas
desestabilizadoras. Mas, para o debate interno nos EUA, o que mais tem preocupado
é a possibilidade que, de novo, se esteja criando uma bolha no mercado acionário,
e, especialmente, no mercado imobiliário. Nós todos já vimos este filme antes,
e o final não foi feliz.
Tudo isto indicaria que o Fed deveria começar a repensar sua forma de
atuação já na sua próxima reunião. Porém há um “detalhe”: apesar da melhora do
mercado de trabalho americano, os sinais de recuperação ainda não são tão fortes
assim.
Ou seja, o Fed atualmente enfrenta um dilema de difícil solução: se não para
o QE, continua a colocar querosene num processo de crescente risco sistêmico que
cada vez mais se assemelha à fogueira especulativa que nos levou ao colapso
financeiro de 2008. Mas se ele para, ameaça uma ainda frágil retomada da
economia americana. Hoje (terça-feira) e amanhã o comitê do Fed se reúne para
discutir esta questão. Mas sabemos que qualquer que seja o resultado desta reunião,
as incertezas e as dúvidas sobre a atuação do Fed infelizmente continuaram
muito depois que o capítulo da sucessão de Bernanke se resolva.
* Professor
da UFRJ e Diretor Executivo Adjunto pelo Brasil no Banco Mundial.
As opiniões
aqui expressas são pessoais.