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domingo, 13 de dezembro de 2020

"A missão do Tradicionalismo é destruir o que existe": entrevista Benjamin Teitelbaum - Leticia Duarte (El Pais)

 O autor de War for Eternity confirma: Olavo de Carvalho, a que eu chamo de Rasputin de Subúrbio, é basicamente um confuso tradicionalista, sem muita consistência nas ideias.

Como ele foi desprezado pela mídia, pela academia, pelas próprias elites, ele ficou com raiva, ressentimento e por isso juntou um bando de desmiolados, inclusive e sobretudo a família presidencial, para cumprirem sua tarefa de Anjo Exterminador. Sendo um subsofista expatriado, ele junta todos os malucos que estão em volta dele, com essa missão específica: DESTRUIR TUDO O QUE EXISTE

Paulo Roberto de Almeida

BENJAMIN TEITELBAUM, AUTOR DE 'GUERRA PELA ETERNIDADE' E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE DO COLORADO

“Destruição é a agenda do Tradicionalismo”, a ideologia por trás de Bolsonaro e Trump

Benjamin Teitelbaum passou 15 meses entrevistando os principais ideólogos conservadores atuais para escrever ‘Guerra pela eternidade’, que mostra a relação entre os gurus Olavo de Carvalho e Steve Bannon com esta ideologia antimodernista e de fundamentos religiosos

O pesquisador da extrema direita e etnógrafo americano Benjamin Teitelbaum.
O pesquisador da extrema direita e etnógrafo americano Benjamin Teitelbaum.
ED. UNICAMP
LETÍCIA DUARTE

Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, a escalada populista com flerte autoritário dos Governos de Jair Bolsonaro Donald Trump suscita comparações com o fascismo. Mas para o pesquisador da extrema direita e etnógrafo norte-americano Benjamin Teitelbaum, autor do livro Guerra pela rternidade (Editora da Unicamp, War for eternity: inside Bannon’s far-right circle ―no título original, em inglês), a cruzada em curso contra valores modernos e democráticos nos dois países pode ser melhor compreendida a partir de uma outra doutrina menos conhecida, o Tradicionalismo (com ‘T’ maiúsculo, para diferenciá-lo do conservadorismo tradicional). Não que a alternativa seja melhor, o autor se apressa em esclarecer.

Baseado em mais de 15 meses de pesquisa e entrevistas com ideólogos conservadores como o ex-estrategista da Casa Branca Steve Bannon, o guru do Bolsonarismo, Olavo de Carvalho, e o conselheiro do presidente russo Vladimir Putin, Aleksandr Dugin, Teitelbaum descreve em seu livro como essa teoria obscura seguida por eles têm influenciando os governos dos Estados Unidos, do Brasil e da Rússia.

Nesta entrevista concedida por vídeochamada ao EL PAÍS, o professor de Assuntos Internacionais e Etnomusicologia da Universidade do Colorado (EUA) explica por que ele considera esta ideologia mais radical em suas concepções antimodernistas do que o próprio fascismo. “Há um elemento de destruição no Tradicionalismo que não necessariamente existe no fascismo”, alerta. Mesmo após a derrota de Trump e a prisão de Bannon (sob acusação de desvio de recursos para a construção do muro entre os EUA e o México), o autor avalia que as forças que eles representam continuarão vivas —e testando as instituições democráticas. Também examina como o Tradicionalismo legitima desde o racismoaté a propagação de teorias conspiratórias em relação à pandemia do coronavírus.

Pergunta. Seu livro descreve como o Tradicionalismo, que até pouco tempo era considerada uma doutrina marginal dentro da própria extrema direita, alcançou influência global. Para quem ainda não leu o livro, como o senhor sintetizaria essa doutrina?

Resposta. O Tradicionalismo é originalmente uma escola espiritual filosófica que se tornou política em certo nicho. Os seguidores basicamente acreditam que a humanidade está ao fim de um longo ciclo de declínio e que vai ser concluído com destruição e renascimento. O que foi perdido neste ciclo de declínio foi o conhecimento verdadeiro da religião e também a ordem nas nossas sociedades —incluindo a diferença entre homens e mulheres, posições sociais e espirituais. No lugar disso, teríamos um mundo massificado e secularizado, neste processo de modernização. O Tradicionalismo acredita que é preciso haver um cataclismo para restaurar o que acreditam ser a verdade. Um dos elementos desse Tradicionalismo politizado de direita é acreditar que é preciso restaurar uma hierarquia onde homens arianos e líderes espirituais estão no topo, em oposição a materialistas, não-arianos e mulheres.

P. Quais as principais consequências do Tradicionalismo, e o que mais lhe surpreendeu durante a pesquisa para o livro?

R. Vou começar pelo fim. A grande consequência é que o Tradicionalismo acrescenta uma motivação espiritual para o que poderia ser simplesmente uma agenda política do populismo de direita, antiglobalista, antiprogressista. As pessoas podem aderir a isso por diferentes razões, como ressentimento econômico, racismo, antifeminismo… Mas o Tradicionalismo oferece uma motivação religiosa. E esse é um elemento importante. No caso de Olavo de Carvalho, por exemplo, ele não expressa apenas um ódio às elites, desprezo à ciência, à mídia, às universidades. Existe também a visão, um certo mandato espiritual, com o desejo de destruir grandes organizações, como a União Europeia, as Nações Unidas. A seus olhos, a destruição é uma coisa boa. Isso é assustador e preocupante. Os tradicionalistas acham que essas grandes organizações querem unificar e homogeneizar o mundo com o comunismo, ou com dominação chinesa. Então Olavo quer ver o establishment no Brasil ser quebrado em peças e fraturado: sejam os militares, a universidade, a mídia. Destruição é a agenda.

O que me surpreendeu é que não sei por que isso aconteceu agora. Olavo, Bannon e Dugin são bem diferentes. Não conseguem trabalhar juntos, não é um círculo funcional. Mas o estranho é que essas ideias extremas acabaram vindo à tona basicamente no mesmo momento, e não pelas mãos de Bolsonaro, Trump, e Putin, mas pelas mãos das figuras atrás deles, como uma espécie de Rasputin... os conselheiros místicos, influentes.

P. Desde a publicação do livro nos Estados Unidos, no início deste ano, o cenário político mudou. Bannon foi para a prisão e Trump perdeu as eleições. Como você interpreta essas mudanças?

R. Eu sinto quase como se isso pudesse liberar a verdadeira mensagem do livro, porque o real sujeito do livro não são as ações de Bannon, Olavo e Dugin. É a história mais ampla por trás disso, para entender por que em lugares diferentes, com trajetórias independentes, vimos essa ideologia aparecer. A história não é sobre a ação de indivíduos. É sobre o que está por trás disso tudo, porque nos encontramos em um momento em que as pessoas estão buscando ideologias que parecem destoar tanto do padrão. E essa ideologia não é o comunismo, não é liberalismo, não é fascismo. O Tradicionalismo é tão fora do mapa que nenhum cientista político, nenhuma think tank em Washington, ninguém no Congresso e nenhum candidato à presidência jamais ouviu falar dele. E esse movimento ainda assim se sustenta. Há tanto desencanto, tanta frustração com o status quo, que nós vemos atores buscando alternativas radicais.

P. Vários pesquisadores vêm definindo essa guinada populista de direita que estamos vivendo em países como Brasil e Estados Unidos como uma retomada do fascismo. Você discorda, então?

R. Eu discordo, e isso não é pra dizer que eu acho que é melhor. Essa definição é errada, e há um certo nível de falta de interesse e rigor que leva a essa caracterização como fascismo. Mas o único jeito de compreender essa ideologia é levá-la a sério e ouvir o que ela realmente diz, em vez de olhar apenas a fachada. O Tradicionalismo é anti-progressista num nível que raramente vemos. Muitas pessoas costumam chamar a si mesmas de conservadoras, mas quase todo mundo no campo conservador é basicamente progressista no mundo ocidental. Elas acreditam que, se você reduzir as regulações governamentais do capitalismo e aumentar a liberdade individual sobre a propriedade, você pode criar uma sociedade melhor. Eles não são nostálgicos. O Tradicionalismo vai na direção diametralmente oposta. Eles não acreditam que é possível mudar ou melhorar a história, acham que é preciso desfazer todo o mal feito para as nossas sociedades, e isso não significa voltar apenas décadas para trás, mas séculos.

P. Qual a principal diferença entre o fascismo e o Tradicionalismo?

R. O fascismo é futurista, modernista, a despeito de tudo. Hitler e Mussolini queriam transformar radicalmente suas sociedades, revolucioná-las. O Tradicionalismo vai na direção contrária: quer voltar para trás, num nível que ninguém leva muito a sério. E é nesse ponto que as ideologias se separam. Ambas se opõem ao feminismo, ao multiculturalismo, às políticas emancipatórias contemporâneas. Mas as diferenças são significativas. Há um elemento de destruição no Tradicionalismo que não necessariamente existe no fascismo.

P. Você descreve no livro que certos autores tradicionalistas, como o italiano Julius Evola, colaboraram com o fascismo e com o nazismo. Qual o marco dessa separação ideológica?

R. O fascismo historicamente era amistoso com a ideia de modernização e com o pensamento científico. Quando Evola rompeu com os nazistas, foi justamente quando ele achou que eles estavam sendo materialistas demais, científicos demais. O entendimento de raça dos nazistas era visto como muito modernista e biológico para ele. O grande contexto é que o Tradicionalismo é cético em relação à ciência. E não acho que seja coincidência que pessoas na administração Bolsonaro, como Ernesto Araújo, e o próprio Olavo e pessoas de seu círculo, que leem e celebram o trabalho de autores como Guénon [o francês René Guénon, patriarca do Tradicionalismo] e Julius Evola, sejam também os mais adeptos a teorias da conspiração em relação ao coronavírus. Isso não é muito facilmente explicável olhando para o fascismo. É muito mais fácil de entender pelas lentes do Tradicionalismo.

P. Um ingrediente comum das teorias da conspiração em relação ao coronavírus é culpar a China pela pandemia. Seu livro conta que Bannon recebeu um milhão de dólares para militar contra o Partido Comunista Chinês. Não parece ser coincidência que, antes de ser preso, Bannon também tenha sido um dos primeiros a articular essa narrativa conspiratória do “vírus chinês”. No Brasil, vemos o mesmo discurso contra a China. Por que esta questão é tão crucial?

R. No caso de Bolsonaro, isso parece se justificar por uma oposição ao comunismo. Mas, para Bannon e Ernesto Araújo, há uma questão mais específica: o fato de a China ser secular, antirreligião, e ao mesmo tempo massificante, globalizante, por estar eliminando fronteiras. Isso é um problema para os nacionalistas. Não por acaso, Araújo escreveu em seu blog meses atrás que o maior problema não era o fato de a China ser um país contra o capitalismo, mas por ser contra o espírito. Então, para os tradicionalistas, a China não é uma vilã apenas pela questão econômica, mas é um demônio metafísico.

P. Como você vê o papel do Olavo nesse contexto?

R. Comparando com os outros, Olavo é ao mesmo tempo o mais tradicionalista de todos e também o menos. É mais porque não há um partido tradicionalista oficial, um clube, então o único jeito de ser oficialmente afiliado é ser iniciado em um centro religioso afiliado às ideias de Guénon, por exemplo, que podem ser centros hare krishna ou tariqas muçulmanas sufistas. E Olavo foi iniciado numa dessas linhas muçulmanas. Essas são credenciais tradicionalistas muito antigas, que são passadas por uma longa rede de pessoas. Mas olhando para Olavo hoje, ele não segue o Tradicionalismo de forma ortodoxa. É como se o Tradicionalismo fosse um tempero em seu pensamento. E isso é comum entre os tradicionalistas, pessoas que são inspiradas por essas ideias, mas as misturam com outras. E esse parece ser o caso de Olavo.

Jair Bolsonaro ao lado do ideólogo de extrema direita Olavo de Carvalho e do chanceler Ernesto Araújo, em meados de 2019.
Jair Bolsonaro ao lado do ideólogo de extrema direita Olavo de Carvalho e do chanceler Ernesto Araújo, em meados de 2019.ALAN SANTOS / AFP

P. Depois da publicação, o Olavo atacou você, classificando-o como mentiroso.

R. Olavo disse que eu era um mentiroso, mas ele nunca respondeu quando eu enviei para ele um capítulo do livro antes da publicação. Os documentos que reuni mostram basicamente que Olavo se converteu ao islã, era chamado de Sidi Muhammad. E eu acredito que ele ainda seja, de acordo com algumas tradições religiosas.

P. Você disse que Olavo foi o “pior” dos seus entrevistados, o que reagiu de forma mais furiosa à publicação do livro. Por que você acha que Olavo teve a pior reação?

R. Eu acho que há duas coisas: primeiro, que ele ficou um pouco envergonhado de eu expor sua ligação com a tariqa do Schuon [Frithjof Schuon, herdeiro intelectual de Guénon], porque isso contradiz a imagem que ele projeta hoje, de um cristão zeloso. E ele fala e escreve melhor baseado em uma posição de vitimização. É mais fácil me chamar de mentiroso, em vez de ter revisado os materiais que eu havia mandado para ele com antecedência. E há uma questão de personalidade. Eu não quero fazer uma psicanálise, mas nenhum dos outros personagens pareceu tão desapontado.

P. Quando eu entrevistei Olavo, ele me disse que não tinha projeto para a sociedade, que ele só sabia o que ele era contra, não o que era a favor. Isso parece reforçar essa lógica tradicionalista de destruição.

R. Interessante você mencionar isso, porque uma das coisas mais perspicazes que o Olavo me disse durante sua entrevista foi uma frase sobre o tradicionalista René Guénon. Ele disse que Guénon estava certo em tudo o que ele rejeitava e errado sobre tudo o que ele apoiava. E, de certa forma, senti quase como se o Olavo estivesse falando de si mesmo quando estava falando isso. Ele pode criticar , mas não há meta alguma. Não há muito o que construir, é tudo sobre destruição. E se você pensar historicamente, a crítica é muito fácil. A construção de algo é que é difícil. Olhando para o pensamento conservador, a crítica que fazem ao marxismo é justamente o fato de Marx criticar tanto o capitalismo e não conseguir imaginar muito o que colocar no seu lugar.

P. Como o senhor imagina o futuro do Tradicionalismo?

R. Eu não sei quantas pessoas vão se identificar como tradicionalistas. O que eu sei é que muitos republicanos bem posicionados, trabalhando para organizações nacionais, estão mais sintonizados com o Tradicionalismo do que eu jamais imaginaria. O Tradicionalismo está circulando, e isso vem de leituras da alt right. Não é necessário que haja uma evangelização, não precisa. Steve Bannon nunca pensou em fazer isso. Essas são ideias circulando entre a direita intelectual dissidente, pessoas que querem tomar o lugar dos conservadores nos Estados Unidos. Então essas ideias são atraentes para pessoas que se consideram intelectuais e ideólogos. Mas eu acredito que isso é o sintoma de algo maior. Há uma frustração e uma insatisfação política que vai fazer com que essas pessoas continuem procurando ideólogos e pensadores que querem alternativas e mudanças radicais, que querem repensar nossa democracia. E isso pode acontecer via Tradicionalismo ou outra ideologia, mas eu acredito que continuaremos vendo essa tendência.

P. Como a derrota de Trump afeta essa tendência? O movimento se enfraquece?

R. Trump perdeu, mas ele continua sendo incrivelmente popular entre a direita. Não há nada parecido, nenhum republicano jamais recebeu tantos votos nos Estados Unidos. E além disso os republicanos ainda foram muito bem nas votações do Senado, no Congresso. Eles têm uma penetração crescente entre grupos minoritários e pessoas sem diploma. Tenho entrevistado muitos jovens republicanos e eles seguem a cartilha de Trump. Eles acreditam que Trump mostrou que, se conseguirem combinar políticas econômicas liberais com políticas sociais conservadoras, eles podem vencer os democratas. Isso deve manter a ideologia trumpista viva.

P. E como o senhor vê as perspectivas para Bolsonaro, um dos maiores aliados de Trump, após a vitória de Biden?

R. Bolsonaro tem um problema real, não vejo o mesmo potencial para ele. Me parece que ele se antecipou ao se aliar aos Estados Unidos e virar as costas para a China. Agora que os Estados Unidos subitamente se transformaram e não o querem mais como parceiro, quem serão os amigos de Bolsonaro? Acho que o que salva Bolsonaro é que nem todos os seus subordinados no setor público levam tão a sério suas ameaças à China e seguem fazendo seu trabalho para manter as relações. Se tudo o que ele diz fosse levado à risca, o Brasil estaria realmente em apuros.

Antes também tínhamos Bannon, que fazia uma boa interlocução com o governo Bolsonaro. Havia um círculo, formado por Araújo, Bannon, Olavo, o embaixador brasileiro, e Gerald Brant. Eles tinham jantares juntos, confraternizaram frequentemente, em todas as visitas, mesmo Bannon não tendo cargo oficial no Governo Trump. Agora que tudo isso implodiu, é difícil saber quem manterá o entusiasmo por Bolsonaro em Washington. Trump não se importa muito.

Steve Bannon, ex-estrategista, ao deixar a Corte Federal de Manhattan, em 20 de agosto, após ser acusado de fraude e conspiração.
Steve Bannon, ex-estrategista, ao deixar a Corte Federal de Manhattan, em 20 de agosto, após ser acusado de fraude e conspiração. ANDREW KELLY / REUTERS

P. O senhor tem formação em música. Como começou a pesquisar a extrema direita?

R. Eu era um etnomusicólogo e estava estudando a relação entre música e cultura. Estava na Suécia e ia escrever uma dissertação sobre um ritmo assimétrico na música folk sueca. Ninguém no mundo ia ler isso (risos), mas enquanto eu estava lá a extrema direita assumiu o poder no país, e eles disseram que iriam investir na música folk sueca. Achei isso interessante, e decidi entrevistá-los sobre isso. Percebi que isso significava uma grande mudança para eles. Historicamente, a extrema direita era associada à música metal skinhead white power, mas, assim que tomaram o poder, queriam transformar sua imagem. Então havia uma história ali, a história de como estavam tentando reconstruir sua imagem não pela política, mas pela música.

Esse foi o começo, há mais de uma década. O interessante é que quando eu dizia para as pessoas que era um pesquisador de música, as pessoas falavam comigo. Se eu dissesse que era jornalista, historiador, ou cientista político, certamente ficariam mais desconfiados. Quando você chega perguntando sobre sua agenda política, eles se assustam. Mas se você chega perguntando que tipo de música eles mais gostam, eles se abrem.

P. Uma pergunta que ouço com frequência é por que devemos estudar pessoas como Olavo de Carvalho, ou Bannon. Há quem diga que são malucos, radicais, e que ao escrever sobre eles estaríamos dando plataforma. Por que, na sua opinião, é importante estudá-los?

R. Eu sou um acadêmico. Sou um etnógrafo, um antropólogo. E antropólogos estudam pessoas. Acreditam que todos merecem ser estudados. Meu editor tem uma explicação diferente. Ele diz que essas pessoas geram consequências, e que por isso precisamos compreendê-las. Acho que há um outro aspecto importante: muita análise que se faz da extrema direita é realmente ruim, simplista. Existe tanto medo em contribuir para a criação de mitos que a resposta acaba sendo muito simplista, com rótulos como ‘eles são racistas’, ‘eles são nazistas’. Mas devemos prestar atenção para o fato de que esse discurso também é anti-intelectual. As pessoas ficam com medo dos detalhes, das nuances. E a consequência acaba sendo uma falta de entendimento, se perde o grande contexto. Quando você estuda um fenômeno social, as questões precisam ser bem mais amplas do que se isso é bom ou ruim.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

Prisão de Bannon é pior para o bolsonarismo do que para o trumpismo - Matheus Leitão (Veja)

Prisão de Bannon é pior para o bolsonarismo do que para o trumpismo

Trump se afastou do seu ex-estrategista, mas a família Bolsonaro “herdou” o extremista e Eduardo passou a ser o seu representante na América Latina




Steve Bannon, ex-estrategista da Casa Branca, participa de debate em Roma, na Itália - 25/03/2019 Stefano Montesi/Corbis/Getty Images
prisão de Steve Bannon, ex-conselheiro do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, consegue, por incrível que pareça, ser pior para o bolsonarismodo que para o trumpismo. Conhecido por espalhar teorias conspiratórias de extrema-direita, o marqueteiro, após ter sido elevado ao posto de estrategista-mor, foi expurgado por Trump. Acabou adotando a família Bolsonaro, que o tratou sempre com pompas e circunstâncias. O filho Zero Três, deputado Eduardo Bolsonaro, virou não só amigo, mas seu representante na América Latina para promover ideias e candidaturas ultraconservadoras aos governos da região.
Ou seja, enquanto os Trumps se afastaram de Bannon, os Bolsonaros se aproximaram. O estrategista é o grande amigo internacional do parlamentar brasileiro, integrante da família presidencial mais cotado para assumir o espólio político do pai no futuro. Na verdade, Bannon é mais que amigo de Eduardo Bolsonaro. É o chefe da organização The Movement, de extrema direita, da qual o filho Zero Três é membro emérito e articulador. A projeção de Eduardo Bolsonaro no exterior se dá justamente através de Steve Bannon. 
Agora às voltas com a acusação de desvio de dinheiro levantado dentro da campanha “Nós Construímos o Muro” – promessa de Trump de edificar a divisória entre Estados Unidos e México -, Bannon se encontra negativamente nos holofotes, o que enfraquece todo o seu projeto de ver o ultranacionalismo se erguer pelo mundo afora, ganhando voos não só nos EUA, mas na Europa e na América Latina.
Mas o que isso tem a ver com o Brasil? Particularmente, fortalece o esforço de coibir, através do inquérito das fake news em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), esse comportamento ativista e, muitas vezes criminoso, da extrema direita nas redes sociais. E – o  mais importante – jogar luz nas redes obscuras de financiamento da máquina de ódio e disseminação das notícias falsas. Bannon é dono de uma rede de sites de desinformação e sua atuação nebulosa na áreas das mídias sociais inspira movimentos no Brasil. 
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Com todos os encontros e aconselhamentos para a família Bolsonaro (entenda as ligações na coluna Maquiavel), Bannon agora saiu do posto de mentor para o de mais um problema. Mesmo que a arrecadação privada para o muro, alvo de investigação que o levou ao xilindró nesta quinta-feira, 20, não tenha nada ver com o Brasil, sua atuação ao longo dos anos poderá ser foco de possíveis novos inquéritos, avisam os jornais americanos. 

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Rejeição da ciência na crise tem origem em doutrina tradicionalista, diz autor - Beatriz Bulla

Rejeição da ciência na crise tem origem em doutrina tradicionalista, diz autor
Especialista em extrema direita diz que crise atual faz movimento - que atua nos bastidores e coloca a espiritualidade e religiosidade no centro do debate político - ganhar mais influência
Entrevista com
Benjamin Teitelbaum, autor de 'War for Eternity - Inside Bannon's Far-Right Circle of Global Power Brokers'
Beatriz Bulla / Correspondente, O Estado de S.Paulo
02 de julho de 2020 | 11h58
Desdenhar da ciência na atual pandemia é um traço comum de governos que têm, nos bastidores, pessoas ligadas a uma filosofia conhecida como tradicionalismo. É o que defende o pesquisador Benjamin Teitelbaum, autor do livro "War for Eternity - Inside Bannon's Far-Right Circle of Global Power Brokers” (em tradução livre: Guerra pela eternidade - dentro do círculo dos poderosos de direita radical de Bannon).
Teitelbaum é especialista extrema direita e professor de relações internacionais da Universidade do Colorado. Durante quase dois anos, ele acompanhou reuniões de Steve Bannon, ex-assessor do presidente americano Donald Trump, e nome considerado responsável por bandeiras que ganharam apoio em outros países como a crítica à imigração e a defesa do nacionalismo.
No livro, o americano traça a forma de ação informal de Bannon e as relações com nomes como o conselheiro de Vladimir Putin Aleksandr Dugin e o ideólogo do governo BolsonaroOlavo de Carvalho, unidos pela doutrina do tradicionalismo. Em entrevista ao Estado, Teitelbaum explica por que o tradicionalismo vê na crise atual a oportunidade para ganhar ainda mais influência. Tradicionalistas, segundo ele, atuam sempre nos bastidores e, entre outras características, colocam a espiritualidade e religiosidade no centro do debate político e social.
A crise atual pode tornar os 'tradicionalistas' mais influentes?
Há figuras no governo brasileiro que rejeitam a expertise profissional e científica. Bolsonaro, Ernesto Araújo, Olavo de Carvalho e toda essa ala do governo. As pessoas não percebem que isso pode vir das referências da ideologia tradicionalista. Há um tipo de incentivo religioso para desacreditar os conselhos de cientistas e profissionais que têm mérito oficialmente reconhecido. Isso esteve neste governo brasileiro o tempo todo.
Eles não gostam de universidades, do establishment político, da imprensa, desacreditam qualquer um que tenha credenciais oficiais. Outro aspecto visto é que pessoas como Ernesto Araújo explicitamente conectam o vírus à China e ao comunismo, de um lado, e à globalização, do outro, pelo fato de haver essa disseminação enorme do vírus pelo mundo e sua superação de fronteiras.
Há tradicionalistas que esperam que isso possa reforçar fronteiras, esse sentimento nacionalista. Há esse potencial. Não é que os tradicionalistas tentem fazer disso um caso de sucesso, é como se sentissem que não precisam fazer nada e poderão sair dessa crise com mais valor no nacionalismo. Mas, da perspectiva deles, a crise também é traiçoeira, porque há o argumento de que isto é algo que saiu da China, que tenta fazer uma espécie de um só governo mundial. 
Claramente Ernesto leu René Guénon (francês, considerado um dos precursores da doutrina tradicionalista ao lado do italiano Julius Evola) e Dugin. Olavo também. Acho que é relevante o fato de que essas pessoas, com um fervor suplementar, estão dispensando conhecimento científico. Todos os governos populistas de direita pelo mundo tiveram reações variadas sobre a pandemia. Muitos têm líderes anti-establishment. Mas há uma intensidade maior com essa dimensão espiritual, de uma forma que acho que é importante que brasileiros entendam.
O Brasil está em posição diferente de outros países na crise atual?
Com Trump (EUA), você vê Anthony Fauci e a força-tarefa (de combate ao coronavírus) conseguindo conduzir um pouco a situação. Quando você olha internacionalmente vê Rússia, Brasil, EUA e Índia neste cenário. Em termos de países que rejeitaram medidas protetivas contra o vírus, temos visto dois tipos diferentes de ideologia de direita. Uma, com os liberais pró-mercado e capitalistas, que que querem priorizar a economia.
O Brasil tem isso no ministro da Economia. Do outro lado, você tem os populistas de direita com conspirações, que podem ou ir para a direção do alarmismo e defender o isolamento do país ou acusar uma suposta conspiração produzida pelo establishment. No Brasil, há esta última opção. Há no Brasil o capitalista de mercado livre e também a atitude desdenhosa, conspiratória, juntos em um só governo. Isso é bem incomum, vejo o Brasil como um caso único. 
O fato de os tradicionalistas rejeitarem a ciência, em um momento em que só a ciência consegue nos guiar, não pode gerar forte reação contra governos que seguem essa linha?
Pode haver uma repreensão poderosa, realmente. Em várias partes do mundo, a rejeição da ciência e da experiência é motivada e alimentada por alguns ideólogos de governos que acham que o conhecimento científico é uma piada completa, isso pode provocar um desprezo em relação a esses governos em alguns países e aos influenciadores ideológicos que vivem neles. Absolutamente.
O que será determinante na reação à crise? O que pode enfraquecer essa doutrina ou fortalecê-la nos próximos meses? 
Se a média das pessoas relacionar o fechamento de fronteiras com um grande ganho em termos de saúde, isso pode produzir o ressurgimento do tradicionalismo. Será um passo em direção à segurança, a uma sociedade mais fechada, essencialmente em um momento em que as pessoas têm medo e também sentem que o mundo exterior é uma ameaça para elas.
Do outro lado, os governos inspirados por tradicionalistas podem ignorar todas as indicações ou conselhos de especialistas médicos e colocar em risco suas populações. O complicado aqui é que o tradicionalismo atua nos bastidores, não é conhecido pelas pessoas comuns. Não é como se houvesse um partido político tradicionalista tentando ganhar votos. É bom ter isso em mente. Mas, para responder à sua pergunta, acredito que será uma questão de ter as fronteiras mostradas como proteção versus a responsabilização pela morte e destruição como causa da rejeição à ciência.
Decisões de fechamento de fronteiras estão sendo tomadas no mundo todo. Em um governo com tendências nacionalistas e avesso à imigração, como o de Trump, é possível dizer se medidas de suspensão de entrada de estrangeiros são influência tradicionalista ou parte da conjuntura mundial?
Eu não acho que seja ou um ou outro. Ambos são verdadeiros. Vamos pegar o papel do tradicionalismo no governo Trump. Havia alguém com uma energia fanática, Steve Bannon, que via algo que já existia em Trump. Trump não é um tradicionalista, ele não iria ler nenhum desses livros. Mas Trump é nacionalista, instintivamente gosta de fronteiras, controle e ordem, enquanto Bannon tinha uma devoção espiritual mais religiosa a essas ideias e estava extremamente empenhado em vincular Trump a elas, fazer Trump se mostrar como alguém que apoiava fronteiras rígidas. 
Controlar as fronteiras faz sentido da perspectiva de quando você está pensando na pandemia, mas também pode se tornar um mecanismo para motivações ideológicas que já estavam presentes. Aleksandr Dugin acredita que o que está acontecendo é uma punição divina pelo globalismo e que nossa única esperança é parar com a ideia de que haja uma única comunidade mundial. Esse é a nova lógica que está emergindo deles.
Há reportagens recentes sobre a reaproximação de Bannon com integrantes da Casa Branca. Ele está se reaproximando de Trump no período eleitoral?
Sou cético sobre essas reportagens, porque seria muito difícil politicamente para Trump trazer Bannon formalmente de volta ao seu entorno. O que não duvido, no entanto, é que pessoas que trabalham na Casa Branca e provavelmente uma massa crítica de pessoas estejam consultando Bannon. E, na verdade, isso vem acontecendo há um bom tempo, mas só recentemente recebeu atenção da mídia.
O círculo de pessoas que o consultam é extremamente grande. O poder formal dele pode não estar mudando tanto, mas o poder informal já existia e pode crescer. Mark Meadows, chefe de gabinete da Casa Branca, é próximo dele e isso não é segredo.
O real poder de influência de Bannon é questionado, com muitas de suas iniciativas sem sucesso na Europa. Ele é superestimado?
Há quem diga que ele é superestimado e quem pense que ele é um mestre secreto por trás de fantoches. Não é que a verdade esteja entre essas duas avaliações, mas sim que esteja nas duas extremidades ao mesmo tempo. Ele tem muitos projetos que fracassam, mas, ao mesmo tempo, tem momentos e canais que realmente funcionam e projetos que são bem-sucedidos.
O segredo dele é que tem tantos projetos em andamento, tantas iniciativas, que você pode olhar para sua carreira e ver todo o fracasso e não entender que um em cada 20 projetos do Bannon se torna incrivelmente influente. A Europa pode ter sido um fracasso para ele, assim como outros projetos. E, no entanto, ele provavelmente vai continuar por ali e seguir em frente. É muito revelador para mim que as pessoas estão há três anos dizendo que ele é irrelevante e ele continua aí, agindo.
Olavo de Carvalho já criticou seu livro e disse que não pode ser enquadrado no tradicionalismo.
Ele não quer ser associado a nada além de si mesmo. Ele é certamente um híbrido, um tipo de tradicionalista muito complicado. Vejo muito em seu pensamento inspirado por essa escola. Isso não significa que ele não o modificou, mas quase todo mundo que se identifica com o tradicionalismo o modifica de alguma maneira, portanto esse é o padrão e não exceção.
No caso dele, é presente a rejeição dos especialistas, a vontade de ver a leitura do mundo como sendo definida por, digamos, líderes espirituais, líderes militares. É esse arcabouço conceitual que deriva do tradicionalismo, a crença de que o que realmente importa na política e na sociedade é cultivar e semear uma espécie de espiritualidade. Há também referências explícitas a René Guénon e, no passado, Olavo teve uma passagem por uma tariqa e há documentos sugerindo que ele se converteu ao Islã. Isso tudo está descrito no livro.

terça-feira, 16 de junho de 2020

Tradicionalismo: a extrema direita no poder - Venício A. de Lima (Carta Maior)

Tradicionalismo: a extrema direita no poder

Por Venício A. de Lima 

Carta Maior, 15/06/2020 
 
Valor Econômico noticiou no início de junho que Gerald Brant, executivo do mercado financeiro e diretor de uma empresa de investimentos nos Estados Unidos, deverá ser nomeado para assessor especial no Ministério das Relações Exteriores, uma espécie de conselheiro, ligado diretamente ao gabinete do chanceler Ernesto Araújo. (Cf. Daniel Rittner, “Amigo de Bannon, Gerald Brant pode quebrar tabu e ter cargo no Itamaraty”, 5/6/2020). A notícia causou estranheza, dentre outras razões, porque o indicado não é da carreira diplomática. Uma das reações indignadas veio do ex-ministro Celso Amorim. Se confirmada esta nomeação, afirmou, representaria “um estupro” na diplomacia brasileira; “uma coisa inexplicável, uma violência sem tamanho. Um tiro final no Itamaraty” (Cf. “Amorim: nomear aliado de Bannon no Itamaraty é um estupro” in https://www.brasil247.com/mundo/amorim-nomear-aliado-de-bannon-no-itamaraty-e-um-estupro ).

Quais são as credenciais de Gerald Brant e o que ele representa? Para simplificar a resposta, recorro a um episódio relatado pelo professor da University of Colorado Boulder, Benjamin Teitelbaum em seu recente War for Eternity – Inside Bannon’s Far-Right Circle of Global Power Brokers (Guerra pela Eternidade – Dentro do círculo de extrema direita dos poderosos globais de Bannon, Dey St./HarperCollins, 2020). 

Em janeiro de 2019, Teitelbaum foi convidado para um jantar na casa de Steve Bannon – ex-CEO do portal de extrema direita Breitbart News, ex vice-presidente da Cambridge Analytica, ex-coordenador da campanha de Donald Trump e ex-estrategista chefe na Casa Branca. O evento celebrava o encontro do anfitrião com Olavo de Carvalho, referência doutrinária do recém-eleito governo de Jair Bolsonaro no Brasil. Entre os seletos convidados americanos e brasileiros estava Gerald Brant. Depois do “Pai Nosso” de agradecimento pela refeição, o investidor propôs um brinde e saudou: “Isto é um sonho se realizando. Trump na Casa Branca, Bolsonaro em Brasília. E aqui em Washington, Bannon e Olavo de Carvalho, face-a-face. Este é um novo mundo, amigos” (pp. 164-165). Ao longo do jantar os presentes descreveram as perspectivas do governo Bolsonaro e, em resposta a uma pergunta de Bannon sobre qual a posição de seus partidários, declararam unânimes: “alinhamento com o Ocidente Judeu-Cristão”. (pp. 167).

Para os que já conhecem as relações entre a família Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Ernesto Araújo e Steve Bannon, a eventual nomeação de Gerald Brant certamente não causaria qualquer estranheza. O que os une é a adesão a uma doutrina chamada Tradicionalismo.

O Tradicionalismo
War for Eternity é, de certa forma, uma introdução ao Tradicionalismo, com “T” maiúsculo para se diferenciar do simples tradicionalismo (conservadorismo), crítico do novo por acreditar que a vida era melhor no passado. Pesquisado e escrito, nas palavras do próprio autor, no espaço cinzento entre a etnografia e o jornalismo investigativo, o livro resulta de mais de 20 horas de entrevistas gravadas com Steve Bannon e muitas horas com outros adeptos do Tradicionalismo, direta ou indiretamente, a ele relacionados: extremistas radicais da AltRight, nacionalistas brancos (White Nationalists), membros da Ku Klux Klan e neonazistas. Gente como Daniel Friberg (Suécia) e Richard Spencer (EUA); Michael Bagley, Jason Reza Jorjani e John B. Morgan (EUA); Tibor Baranyi e Gabor Vona (Hungria). Somos também introduzidos a figuras como o místico armênio George Gurdjieff (1866-1949), o filósofo esotérico sufista suíço Frithjof Schouon (1907-1998) e a francesa defensora do nazismo Savitri Devi (1905-1982). Entre os mais proeminentes entrevistados, o russo Aleksandr Dugin e o brasileiro Olavo de Carvalho. O conjunto doutrinário que resulta e articula toda essa gente é, para dizer o mínimo, assustador. 

Não há no livro uma resposta organizada para a pergunta “o que é o Tradicionalismo? ”. Escrito primariamente para o público leitor estadunidense, War for Eternity está centrado em Steve Bannon, não só pelas posições que já ocupou no governo Trump, mas, sobretudo, pelo papel de articulador dos Tradicionalistas que busca exercer em nível mundial. O leitor (a) terá que garimpar os elementos que vão surgindo na narrativa para construir uma visão de conjunto desta bizarra forma de pensar. O que se segue é uma breve tentativa de síntese, parcial e seletiva, privilegiando o que se relaciona ao Brasil de Bolsonaro.

Embora haja importantes diferenças entre eles, os pais fundadores do Tradicionalismo são dois pensadores da primeira metade do século XX: o francês René Guénon (1886-1951) e o italiano Julius Evola (1898-1974). O primeiro, ex-católico, ex-maçom, convertido ao islamismo sufista. O segundo, racista, misógino e ligado ao fascismo de Mussolini. Teitelbaum registra: “René Guénon morreu paranoico e envolvido em conflitos com seus ex-seguidores em 1951, e Julius Evola passou seus últimos anos encafurnado no seu apartamento em Roma com um pequeno grupo de seguidores excepcionalmente radicais e perigosos – alguns deles, simples terroristas – e desprezado por muitos Tradicionalistas” (p. 133).

O Tradicionalismo é um “esoterismo religioso” que se “opõe à modernidade Ocidental e à ciência” (p.137). Uma de suas características básicas é a crença – que tem sua origem no Hinduísmo – de que o tempo histórico se desenvolve em ciclos: as idades de ouro, de prata, de bronze e das trevas. Cada um desses ciclos é representado por diferentes tipos de castas, ordenadas por uma hierarquia descendente: os padres, os guerreiros, os mercadores e os escravos. É uma visão fatalista e pessimista, de vez que esses ciclos se repetirão independentemente da agência humana. Apesar disso, Tradicionalistas militam para acelerar a passagem de um ciclo para outro. Eles acreditam que estamos vivendo uma era das trevas que deve ser implodida para que se retorne ao ciclo inicial, à idade de ouro. Nela viveremos numa sociedade não massificada, não homogeneizada materialmente, onde não existem valores universais – como democracia, comunismo e direitos humanos – mas sim diferentes espiritualidades sob a tutela de uma teocracia hierárquica. 

A modernidade é o oposto do Tradicionalismo. É ela que caracteriza a era das trevas. Ela promove o enfraquecimento da religião em favor da razão (Iluminismo), o declínio do que não pode ser quantificado matematicamente – espírito, emoções, o supranatural – em favor do que é material. A modernidade também envolve a organização de grandes massas de pessoas com fins políticos ou de consumo. Disso resulta a padronização e a homogeneização da vida social. A modernidade acredita no progresso, na criatividade humana que pode nos conduzir a um mundo melhor do que esse no qual vivemos. Tradicionalistas aspiram a tudo que a modernidade não é. Eles acreditam em verdades eternas, transcendentes e estilos de vida, não na busca do progresso.

A hierarquia é um dos sinais da sociedade sadia. Os inimigos da diferença são os universalismos, valores ou sistemas considerados verdadeiros para toda a humanidade e não para grupos específicos. Na modernidade, a democracia é frequentemente compreendida nestes termos, tratada até mesmo em documentos fundadores de estados-nações liberais como parte de um conjunto auto evidente de direitos emanados de Deus, simultâneos ao conceito de uma igualdade universal. 

Os Tradicionalistas adotam o que René Guénon chamou de “teoria da inversão” que é uma das características da era das trevas. “Tudo que você pensa que é bom, é ruim. Toda mudança que você considera progresso, na verdade, é regressão. Toda instância aparente de justiça, na verdade, é opressão” (p. 78). O sistema de valores do mundo moderno é, portanto, o oposto da verdade.

A este amplo quadro de crenças, se acrescentam, de acordo com diferentes matizes do Tradicionalismo, o racismo – a superioridade ariana – e a misogenia – os homens arianos constituem  a casta dominante da idade de ouro.

Os Tradicionalistas atuam através do que chamam de metapolitica, vale dizer, privilegiam o ativismo através da cultura – artes, entretenimento, espaços intelectuais, religião, educação – e não necessariamente através de instituições políticas tradicionais. “Se você consegue alterar a cultura de uma sociedade, você terá criado uma oportunidade política para você mesmo. Fracasse em conseguir isto e você não terá qualquer chance” (p. 61). 

Uma das manifestações concretas do Tradicionalismo – embora, por óbvio, ele não constitua sua única causa explicativa – é a ascenção ao poder de grupos políticos de extrema direita em diferentes partes do mundo, sobretudo a partir da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, em 2016.

O leitor (a) deve estar se perguntando: de onde sai o dinheiro? quem financia os Tradicionalistas? Teitelbaum não está exatamente preocupado em esclarecer esta questão. Todavia, pelo menos no caso de Steve Bannon, a fonte é publica e conhecida. Nos meses em que o livro estava sendo escrito ele recebia 1 milhão de dólares/ano do bilionário dissidente e exilado chinês, Guo Wengui (p. 94).

O guru Tradicionalista brasileiro
Em pelo menos quatro dos 22 capítulos do War for Eternity (10, 13,14 e 20), Olavo de Carvalho é o personagem principal ou merece destaque. Estudioso da extrema direita, Teitelbaum se interessou por ele quando, na primeira manifestação pública do presidente eleito Jair Bolsonaro, através de uma “live” caseira, viu que haviam quatro livros estrategicamente colocados na mesa à sua frente: a Bíblia, a Constituição Brasileira de 1988, Memórias da Segunda Guerra Mundial de Winston Churchill e O Mínimo que você precisa saber para não ser um idiota de Olavo de Carvalho. O vínculo com Olavo de Carvalho foi confirmado publicamente quando, em 1º de maio de 2019, o governo Bolsonaro concedeu-lhe o mais alto grau da Ordem de Rio Branco, criada para "distinguir serviços meritórios e virtudes cívicas, estimular a prática de ações e feitos dignos de honrosa menção” (Cf. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/05/bolsonaro-concede-a-olavo-de-carvalho-condecoracao-igual-a-de-mourao-e-moro.shtml ).

Comunista nos tempos de estudante, passou a se interessar por alquimia e astrologia, frequentando círculos ocultistas em São Paulo. Para a revista Planeta, “entrevistou extraterrestres e pessoas mortas” (p.129). Nesta época deu aulas de astrologia em livrarias e na PUC-SP. “Esoterismo era sua grande paixão” (p. 129). Desde a década de 70 ele tem contato com a obra de René Guénon, a quem considera “crazy”, mas julga que “escreveu muita coisa verdadeira” (p.169). Nos anos 80 esteve envolvido numa estranhíssima celebração Maryamiyya tariqa (uma ordem sufista), liderada por Frithjof Schuon que se considerava o herdeiro de René Guenon (pp. 129-136), em Bloomington, Indiana. Nesta época havia se convertido ao sufismo e se tornou muqaddam (facilitador) de uma tariqa em São Paulo. 

Olavo de Carvalho é um Tradicionalista “excêntrico” (p.128) à sua própria maneira, embora compartilhe pontos fundamentais com os pilares da doutrina. “Despreza a mídia e as universidades” (p.128). Acredita que “esquerdistas se infiltraram no sistema educacional brasileiro em preparação para uma revolução comunista” (p.168). Afirma literalmente: “se eu fosse mostrar a você fotografias das universidades brasileiras, você veria somente pessoas nus fazendo sexo. Eles vão para a universidade para fazer sexo e se você tenta pará-los eles se revoltam, começam a chorar, te veem como um opressor” (pp. 254-255). 

Ele se alinha totalmente com Steve Bannon “na condenação da China e na urgência de resistir à sua influência global” (p.166). Perguntado se temia a China ou o Islã, respondeu: “Eu acredito que a China é mais perigosa. Eles não têm um senso real de humanidade. Eles pensam que pessoas são coisas (...). Eles pensam que você pode substituir uma pessoa por outra. Eles não são boas pessoas” (p. 257).

Ao concluir sua análise sobre o debate público que Olavo de Carvalho travou com o Tradicionalista russo Aleksandr Dugin em 2011, Teitelbaum afirma: “O que, afinal, Olavo apoia? Primeiro e acima de tudo, cristãos de todos os países, Israel e nacionalistas conservadores americanos. Os hábitos sociais rurais dos americanos, em particular, parecem capturar alguma coisa sacrossanta para ele. Ele viu coesão crescente, caridade e voluntarismo quando o Estado se retirou da sociedade americana” (p. 182).

Desde 2005 morando numa zona rural do estado de Virgínia, nos Estados Unidos, agora católico – uma forma de intensificar sua oposição ao comunismo (p. 176) – Olavo de Carvalho passou a oferecer cursos pela internet (Youtube, Facebook) e pelo rádio. Obteve sucesso e “formou” vários quadros que hoje ocupam posições fundamentais no governo de Jair Bolsonaro: Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Abraham Weintraub (Educação) são apenas os mais conhecidos.

Tradicionalismo no Brasil
No capítulo final de War for Eternity, Teitelbaum observa: “Tradicionalismo em sua forma original não estimula preocupações com desigualdades e injustiças. Quando seu comando de arregimentar populações em torno de uma essência espiritual arcaica é combinado com uma ideologia que preserva sua própria versão apocalíptica – como o messianismo de cristãos evangélicos com a crença adicional de que a destruição terrena é necessária para uma utopia terrena, e não celestial – pode existir razão para alarme. Na verdade, para vários dos Tradicionalistas, esta filosofia oferece o pretexto não para a apatia (...) mas para seu exato oposto: a ação transformadora temerária na crença de que o mundo está prestes a mudar e, portanto, medidas audaciosas são justificadas. Tradicionalismo não vê razão para se subordinar à política” (pp. 280-281).
É neste contexto que se deve buscar a compreensão do que ocorre no Brasil de Bolsonaro. No caso específico da nomeação de Gerald Brant – empresário americano de extrema direita ligado a Steve Bannon – para conselheiro da política externa brasileira, há de se lembrar que o chanceler Ernesto Araujo discute Guénon e Evola fluentemente e que “mais do que o próprio Olavo, é um Tradicionalista” (p.165). No seu blog “Metapolítica 17 – Contra o Globalismo” (Cf. https://www.metapoliticabrasil.com/blog/ ) ele se apresenta: “Sou Ernesto Araújo. Tenho 28 anos de serviço público e sou também escritor. Quero ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista. Globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural. Essencialmente é um sistema anti-humano e anti-cristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo, cujo objetivo último é romper a conexão entre Deus e o homem, tornado o homem escravo e Deus irrelevante. O projeto metapolítico significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história”

O Tradicionalismo, vale dizer, a extrema direita, assumiu o poder no Brasil.

[Brasília, 15 de junho de 2020]
Venício A. de Lima é Professor Emérito da UnB e Pesquisador Sênior do CEBRAP-UFMG

quinta-feira, 23 de maio de 2019

A nova direita europeia quer criar uma academia do conservadorismo mundial na Italia - The Economist

A nova direita europeia é uma mistura da velha direita – sim, existem remanescentes de antigos partidos fascistas e até saudosistas do hitlerismo, pois sempre os há – com novos reacionários, aqueles que "reacionam" contra os imigrantes, sobretudo os islâmicos, achando que estes vão "conspurcar" as sagradas tradições do cristianismo europeu, aquele mesmo que, em tempos recuados, promovia pogroms, perseguições e até massacres indiscriminados contra judeus, considerados os "assassinos de Cristo". Ainda não mudaram tanto assim as consciências, ou as "ignorâncias", em certos meios...
Paulo Roberto de Almeida

Steve Bannon’s monastic academy denies monkey business

Donald Trump’s ex-strategist dismisses allegations of a forged letter as “dust kicked up by the left”

Donald Trump’s ex-strategist dismisses allegations of a forged letter as “dust kicked up by the left”
A PLAN BY Steve Bannon, Donald Trump’s former chief strategist, to launch an alt-right academy in an Italian monastery now risks being scotched by the authorities. Evidence has emerged that a key document used to secure tenancy of the property was forged.
Mr Bannon is paying the €100,000-a-year ($111,000) rent on a former Carthusian monastery, the Certosa di Trisulti, in the mountains east of Rome. The property belongs to the state. But in February 2018 Italy’s arts and heritage ministry granted a 19-year lease to a Catholic non-profit organisation then based in Rome, the Dignitatis Humanae Institute (DHI), of which Mr Bannon is a trustee. Two official bodies are investigating the concession: the Attorney General’s department and the regional auditors’ court in Lazio, the region around Rome in which the monastery is situated. An official says the ministry is not ruling out revoking the lease.
Mr Bannon has described the Academy for the Judaeo-Christian West that the institute plans to open at its monastery in the autumn as a “gladiator school for cultural warriors”. Benjamin Harnwell, the director of the DHI, says that his institute will offer a master’s course that includes teaching in philosophy, theology, history and economics. Mr Bannon will be personally responsible for additional tuition in the practical aspects of political leadership.
The DHI took over the monastery following a competitive tender. Accompanying the institute’s bid was a business plan and a letter endorsing it, apparently provided by the Gibraltar branch of a Danish financial institution, Jyske Bank. But on May 7th La Repubblica, an Italian daily, reported a statement by Jyske Bank declaring the letter to be fraudulent. The managing director of Jyske Bank in Gibraltar, Lars Jensen, confirms the statement. “It is a fraudulent letter, put together by I don’t know who,” he told The Economist this week. The signature purported to be that of “a lady who hasn’t been in the bank for years. Her role was that of an assistant and in that letter she’s a director or something like that. So it is obviously fraudulent,” he said.
Mr Harnwell admits that news of the bank’s statement “hit me sideways”. But Mr Bannon told The Economist that “Everything actually is totally legitimate…all of this stuff is just dust being kicked up by the left.” The business plan, however, was crucial to the success of DHI’s bid, which the ministry assessed using a points system. To qualify for the tender, the Institute needed at least 60 points. It secured 72.6. But of those, 17.8 were awarded for its business plan. So if that plan is ruled invalid because the “letter of certification” from its bank is found to have been forged, the authorities could revoke the lease.
The controversy over the DHI’s business plan is only the latest of several blows to the institute in recent months. Since December, the DHI’s chairman, Luca Volontè, a former Christian Democrat politician, has been on trial in Milan, charged with taking a €2.4m bribe from private and public sources in Azerbaijan. Mr Volontè was allegedly paid for helping to block criticism of human-rights abuses in Azerbaijan while a member of the parliamentary assembly of the Council of Europe. Mr Volontè denies any wrongdoing. 
Mr Harnwell founded the DHI in 2008 and won support from a variety of prominent Catholics. They included conservatives such as Austin Ruse, president of the Centre for Family and Human Rights in America, and liberals like Lord Alton, a British peer and former Liberal Democrat politician. But Mr Harnwell admits that, as Mr Bannon has taken an increasingly visible role, several of his liberal members and officials, including Lord Alton, have quit. The latest to go was a high-ranking Vatican prelate, Cardinal Peter Turkson.
As Mr Harnwell readily agrees, the Institute’s stewardship of the Certosa, or Charterhouse, of Trisulti has brought with it daunting responsibilities. Founded in the early 13th century amid woodlands in a part of Italy renowned for its hermits and mystics, abbeys and convents, the complex covers 86,000 square metres—the size of 12 football pitches. It houses a watermill, a herbal pharmacy, an elaborately frescoed church and a topiary maze.
But many of its roofs are in urgent need of repair, and there is water infiltration in several places. The DHI committed itself in its bid to spend an additional €1.9m on restoration. Mr Bannon says that more than the row over the lease, the bigger concern “is making sure I can pull together all the resources needed to restore the monastery to what it should be”.
The local authority has presented a further challenge by demanding €86,000 a year in property tax and for waste collection. Mr Bannon remains unfazed by all this. “I couldn’t be more excited,” he says. More excitement is probably to come.