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sábado, 4 de fevereiro de 2023

Uma extrema direita à espera de estudo - Fernando Gabeira (O Estado de S. Paulo)

Uma extrema direita à espera de estudo

Fernando Gabeira 

O Estado de S. Paulo, sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023


Será difícil enfrentar uma direita digital com reflexos analógicos. E mais difícil ainda se houver subestimação e um olhar fixado só nos seus aspectos folclóricos

As invasões golpistas do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF) já foram intensamente condenadas. No entanto, passado quase um mês, a sensação que tenho é de que foram pobremente analisadas.

Para dizer a verdade, a tentativa de golpe foi um fracasso, o esquema de segurança foi um fracasso, mas a interpretação não precisa também ser um fracasso.

Poucos se aventuraram a explicar por que os invasores foram a Brasília. A revista Crusoé contou uma história interessante: uma lavradora paranaense, com uma baixa renda mensal, participou da manifestação porque tinha medo de que o comunismo levasse um trator que ganhou de herança, sua única posse.

Por sugestão de Michele Prado, tenho lido, entre outros, uma autora americana que criou um laboratório para pesquisar a extrema direita, Cynthia Miller-Idriss. Como estão mais adiantados nas pesquisas, estou aprendendo muito, sempre preocupado com não aplicar mecanicamente o aprendizado no exame da extrema direita brasileira.

Lá, o medo de perder algo está relacionado com a presença dos trabalhadores estrangeiros. Há o medo de perder o emprego, de perder a cultura e até de perder o país, tornando-se uma minoria dominada.

Aqui, este medo de perder algo para estrangeiros quase não existe. A falta de habilidade do governo Lula ao anunciar investimentos no exterior abriu um flanco para a exploração da extrema direita. Como se trata apenas de um anúncio, sem explicar os ganhos que o Brasil poderia ter, voltam os velhos argumentos: o metrô de Belo Horizonte foi substituído pelo metrô de Caracas.

Pelo que observei em entrevistas e discursos populares na campanha, o medo mais forte no Brasil é o de perder algo para o comunismo: um trator, um carro Celta, um pedaço do próprio apartamento.

A extrema direita não trabalha apenas com emoções negativas, como a de perder algo, ou mesmo abrir mão de seus direitos para um povo estrangeiro. Ela explora o pertencimento a um espaço pátrio, aos símbolos nacionais, e transmite às pessoas a sensação de que devem lutar por algo mais alto: a sobrevivência do Brasil e o futuro de filhos e netos.

Ainda no prefácio de um de seus livros, Hate in the Homeland, Cynthia Miller assinala um fator que nunca foi muito estudado: o papel da pandemia na vulnerabilidade das pessoas às teses extremistas. De fato, foi um período de medo, ansiedade, depressão e, sobretudo, isolamento, de sobrevivência nas bolhas da internet.

Graças a um amigo, acompanhei a trajetória de uma presa, por meio do histórico de suas postagens no Instagram. A cada nova manifestação, ela parece mais certa da vitória final de sua luta. Era admiradora de Bolsonaro e, na campanha, mandava mensagens desesperadas para ele: Bolsonaro, por favor, não perca as eleições.

Depois da derrota, seguiu enrolada na bandeira do Brasil e dizia nas suas peregrinações: sei que estou deixando família para trás, muitas coisas, mas sei também que isto tudo é muito maior, é a salvação do Brasil.

De fato, deixou tudo para trás, marido, filho, os bichos de que cuidava nas ruas de uma pequena cidade mineira, e hoje está presa na Colmeia com uma centena de mulheres.

Alexandre de Moraes foi muito elogiado pela sua resposta enérgica. Assim agem os magistrados, dizem. Mas há questões que, às vezes, são complicadas para magistrados. São questões políticas, como esta de prender no mesmo espaço gente com treinamento militar para o golpe e alguns que vieram apenas porque ganharam uma viagem grátis.

Segundo a experiência histórica, as prisões são um excelente espaço de doutrinação. O mais inteligente, apesar de levemente mais caro, seria enviar a maioria para os seus Estados de origem.

Mas uma decisão desse tipo nasce de estratégias para enfraquecer a extrema direita. A ideia que o governo passa é de que entrou numa zona de conforto, em que qualquer desgaste é permitido por umuma boa frase de efeito.

Moeda comum com a Argentina, sem preparação dos espíritos, afirmação de que o impeachment de Dilma foi um golpe – tudo isso fornece munição desnecessária para uma extrema direita que já dispõe, por vocação, de um imenso arsenal de fake news.

A presunção de que ficaram totalmente desarticulados depois da tentativa de golpe não se sustenta. O debate nas redes sociais continua intenso. A extrema direita conseguiu mobilizar milhares de pessoas para a campanha no Senado, na defesa da candidatura de Rogério Marinho, que, por sua vez, promete enfrentar o Supremo Tribunal Federal.

As eleições de 2026 parecem muito distantes. Mas não estão. No passado, todos se acalmavam e voltavam ao assunto no ano eleitoral. Agora, há disputa, cada passo tem de ser medido num outro padrão: quem se fortalece, quem se enfraquece para a luta decisiva.

Será muito difícil, creio, enfrentar uma direita digital com reflexos analógicos. Mas isso até é secundário. Será mais difícil ainda se houver subestimação e um olhar apenas fixado nos aspectos folclóricos da extrema direita. É um movimento social e conhecê-lo melhor é um imperativo de nossos tempos

segunda-feira, 18 de julho de 2022

Eleição no Brasil mobiliza extrema direita no mundo - Jamil Chade (UOL)

 Eleição no Brasil mobiliza extrema direita no mundo


Jamil Chade 
Colunista do UOL
18/07/2022 04h00 Atualizada em 18/07/2022 06h34

A eleição de outubro no Brasil mobiliza movimentos e partidos ultraconservadores no exterior, numa demonstração da importância do país para os projetos da extrema direita. Para esses grupos, o que está em jogo não é o destino de um presidente. Mas a força internacional do movimento que, hoje, usa o Brasil como uma de suas principais plataformas para garantir que suas reivindicações sejam defendidas na agenda internacional.

A extrema direita perdeu força na América Latina, foi derrotada nos EUA e, na Europa, vive um momento de redefinição de estratégias. Jair Bolsonaro (PL), portanto, representa a capacidade de o movimento manter sua influência em fóruns internacionais, fazer lobby em diferentes resoluções e frear avanços da agenda progressista.

De acordo com diplomatas europeus ligados a governos de extrema direita, uma derrota de Bolsonaro "reposicionaria" a agenda do grupo. Não por acaso, nas últimas semanas, o governo de Bolsonaro vem recebendo diversas personalidades dos grupos ultraconservadores internacionais. Um deles foi Tucker Carlson, o apresentador vedete da Fox News. O canal americano é o principal veículo de apoio ao trumpismo e ao movimento de base mais radical dos republicanos.

A coluna apurou que a recepção do americano foi organizado sem o envolvimento do Itamaraty, que, quando soube das entrevistas agendadas com figuras do Executivo, se apressou para preparar uma espécie de guia para evitar a abertura de crises diplomáticas a partir do que o presidente e outros entrevistados poderiam declarar.

O tom usado pela Fox News para falar das eleições no Brasil foi interpretado em parte do Itamaraty como um sinal de que o movimento ultraconservador vai enquadrar a votação no país em outubro como um momento importante para a sobrevivência da extrema direita. Nas redes sociais, o Brasil é apresentado como uma trincheira contra o avanço da esquerda pela América Latina.

Outra visita no final de junho ao governo Bolsonaro foi de Valerie Huber, que ocupou o cargo de representante de Donald Trump para temas relacionados com a família e a ofensiva antiaborto. Durante sua passagem pelo Brasil, ela chegou a ser recebida por diplomatas no Itamaraty, além de representantes de outros ministérios.

Antes de deixar o governo nos EUA, diante da derrota de Trump, um email enviado por ela ao movimento ultraconservador em várias partes do mundo revelava que incumbência de liderar os temas relacionados à agenda extremista caberia ao Brasil de Bolsonaro.

Na semana passada, a visita foi da presidente da Hungria, Katalin Novak, uma cria do líder populista Viktor Orban. O país serve como uma espécie de Meca da extrema direita, com um modelo estabelecido de controle total da imprensa, parlamento e Judiciário.

Sua passagem foi usada para reforçar as bandeiras de costumes e valores ultraconservadores, além dos ataques contra o "comunismo".

"Temos muita coisa em comum, em especial a defesa dos valores familiares. Somos pela liberdade religiosa, pela liberdade da imprensa. E eu disse-lhe agora há pouco que tenho um rito de todo dia antes de levantar e antes de ir para presidência, dobrar o joelho, rezar um pai nosso, e pedir para que o povo brasileiro não experimente as dores do comunismo", disse Bolsonaro.

Ao discursar, Novak insistiu sobre a necessidade de que governos atuem para impedir a queda no número de casamentos e deixou claro sua rejeição às relações entre pessoas do mesmo sexo. "Nós acreditamos que a mãe é mulher e que o pai é homem, e não aceitamos outro tipo de justificativa", disse.

A coluna apurou que, dentro do governo húngaro, uma derrota de Bolsonaro terá um impacto para o futuro do movimento de extrema direita no mundo.

Novák escolheu o Brasil como seu primeiro destino de uma viagem internacional para fora da Europa, desde que tomou posse. Se a relação entre Brasil e Hungria beirava à irrelevância antes da chegada de Bolsonaro ao poder, ela passou por uma transformação radical nos últimos três anos.

O envolvimento de grupos estrangeiros ainda contou com a realização de uma reunião da Conservative Political Conference, em meados de junho. A entidade se autodenomina de "maior evento ultraconservador do mundo" e, com base nos EUA, é uma das principais plataformas da difusão de que as eleições americanas foram fraudadas.

Enquanto isso, a agenda da diplomacia paralela foi intensificada, com a secretária da Família, Angela Gandra, liderando os contatos com grupos ultrareligiosos e partidos de extrema-direita da Europa. Nas últimas semanas, ela ainda tem visitado embaixadas estrangeiras em Brasília.

No início de julho, em Londres, coube à ministra da Família, Mulheres e Direitos Humanos, Cristiane Britto, participar da Conferência Internacional sobre Liberdade de Religião, uma coalizão formada por 36 países.

Há ainda aqueles grupos que apoiam o brasileiro por puro interesse doméstico. Na Espanha, a oposição venezuelana exilada não disfarça a torcida por Bolsonaro. Para o grupo, ele seria um dos últimos a se contrapor de forma vocal contra Nicolas Maduro, acusado de minar a democracia na Venezuela.

Na condição de anonimato e questionados sobre os ataques contra a democracia por parte do brasileiro, membros da oposição venezuelana ironizaram: "cada um com seus problemas".

https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/07/18/eleicao-no-brasil-mobiliza-extrema-direita-no-mundo.htm

terça-feira, 16 de junho de 2020

Tradicionalismo: a extrema direita no poder - Venício A. de Lima (Carta Maior)

Tradicionalismo: a extrema direita no poder

Por Venício A. de Lima 

Carta Maior, 15/06/2020 
 
Valor Econômico noticiou no início de junho que Gerald Brant, executivo do mercado financeiro e diretor de uma empresa de investimentos nos Estados Unidos, deverá ser nomeado para assessor especial no Ministério das Relações Exteriores, uma espécie de conselheiro, ligado diretamente ao gabinete do chanceler Ernesto Araújo. (Cf. Daniel Rittner, “Amigo de Bannon, Gerald Brant pode quebrar tabu e ter cargo no Itamaraty”, 5/6/2020). A notícia causou estranheza, dentre outras razões, porque o indicado não é da carreira diplomática. Uma das reações indignadas veio do ex-ministro Celso Amorim. Se confirmada esta nomeação, afirmou, representaria “um estupro” na diplomacia brasileira; “uma coisa inexplicável, uma violência sem tamanho. Um tiro final no Itamaraty” (Cf. “Amorim: nomear aliado de Bannon no Itamaraty é um estupro” in https://www.brasil247.com/mundo/amorim-nomear-aliado-de-bannon-no-itamaraty-e-um-estupro ).

Quais são as credenciais de Gerald Brant e o que ele representa? Para simplificar a resposta, recorro a um episódio relatado pelo professor da University of Colorado Boulder, Benjamin Teitelbaum em seu recente War for Eternity – Inside Bannon’s Far-Right Circle of Global Power Brokers (Guerra pela Eternidade – Dentro do círculo de extrema direita dos poderosos globais de Bannon, Dey St./HarperCollins, 2020). 

Em janeiro de 2019, Teitelbaum foi convidado para um jantar na casa de Steve Bannon – ex-CEO do portal de extrema direita Breitbart News, ex vice-presidente da Cambridge Analytica, ex-coordenador da campanha de Donald Trump e ex-estrategista chefe na Casa Branca. O evento celebrava o encontro do anfitrião com Olavo de Carvalho, referência doutrinária do recém-eleito governo de Jair Bolsonaro no Brasil. Entre os seletos convidados americanos e brasileiros estava Gerald Brant. Depois do “Pai Nosso” de agradecimento pela refeição, o investidor propôs um brinde e saudou: “Isto é um sonho se realizando. Trump na Casa Branca, Bolsonaro em Brasília. E aqui em Washington, Bannon e Olavo de Carvalho, face-a-face. Este é um novo mundo, amigos” (pp. 164-165). Ao longo do jantar os presentes descreveram as perspectivas do governo Bolsonaro e, em resposta a uma pergunta de Bannon sobre qual a posição de seus partidários, declararam unânimes: “alinhamento com o Ocidente Judeu-Cristão”. (pp. 167).

Para os que já conhecem as relações entre a família Bolsonaro, Olavo de Carvalho, Ernesto Araújo e Steve Bannon, a eventual nomeação de Gerald Brant certamente não causaria qualquer estranheza. O que os une é a adesão a uma doutrina chamada Tradicionalismo.

O Tradicionalismo
War for Eternity é, de certa forma, uma introdução ao Tradicionalismo, com “T” maiúsculo para se diferenciar do simples tradicionalismo (conservadorismo), crítico do novo por acreditar que a vida era melhor no passado. Pesquisado e escrito, nas palavras do próprio autor, no espaço cinzento entre a etnografia e o jornalismo investigativo, o livro resulta de mais de 20 horas de entrevistas gravadas com Steve Bannon e muitas horas com outros adeptos do Tradicionalismo, direta ou indiretamente, a ele relacionados: extremistas radicais da AltRight, nacionalistas brancos (White Nationalists), membros da Ku Klux Klan e neonazistas. Gente como Daniel Friberg (Suécia) e Richard Spencer (EUA); Michael Bagley, Jason Reza Jorjani e John B. Morgan (EUA); Tibor Baranyi e Gabor Vona (Hungria). Somos também introduzidos a figuras como o místico armênio George Gurdjieff (1866-1949), o filósofo esotérico sufista suíço Frithjof Schouon (1907-1998) e a francesa defensora do nazismo Savitri Devi (1905-1982). Entre os mais proeminentes entrevistados, o russo Aleksandr Dugin e o brasileiro Olavo de Carvalho. O conjunto doutrinário que resulta e articula toda essa gente é, para dizer o mínimo, assustador. 

Não há no livro uma resposta organizada para a pergunta “o que é o Tradicionalismo? ”. Escrito primariamente para o público leitor estadunidense, War for Eternity está centrado em Steve Bannon, não só pelas posições que já ocupou no governo Trump, mas, sobretudo, pelo papel de articulador dos Tradicionalistas que busca exercer em nível mundial. O leitor (a) terá que garimpar os elementos que vão surgindo na narrativa para construir uma visão de conjunto desta bizarra forma de pensar. O que se segue é uma breve tentativa de síntese, parcial e seletiva, privilegiando o que se relaciona ao Brasil de Bolsonaro.

Embora haja importantes diferenças entre eles, os pais fundadores do Tradicionalismo são dois pensadores da primeira metade do século XX: o francês René Guénon (1886-1951) e o italiano Julius Evola (1898-1974). O primeiro, ex-católico, ex-maçom, convertido ao islamismo sufista. O segundo, racista, misógino e ligado ao fascismo de Mussolini. Teitelbaum registra: “René Guénon morreu paranoico e envolvido em conflitos com seus ex-seguidores em 1951, e Julius Evola passou seus últimos anos encafurnado no seu apartamento em Roma com um pequeno grupo de seguidores excepcionalmente radicais e perigosos – alguns deles, simples terroristas – e desprezado por muitos Tradicionalistas” (p. 133).

O Tradicionalismo é um “esoterismo religioso” que se “opõe à modernidade Ocidental e à ciência” (p.137). Uma de suas características básicas é a crença – que tem sua origem no Hinduísmo – de que o tempo histórico se desenvolve em ciclos: as idades de ouro, de prata, de bronze e das trevas. Cada um desses ciclos é representado por diferentes tipos de castas, ordenadas por uma hierarquia descendente: os padres, os guerreiros, os mercadores e os escravos. É uma visão fatalista e pessimista, de vez que esses ciclos se repetirão independentemente da agência humana. Apesar disso, Tradicionalistas militam para acelerar a passagem de um ciclo para outro. Eles acreditam que estamos vivendo uma era das trevas que deve ser implodida para que se retorne ao ciclo inicial, à idade de ouro. Nela viveremos numa sociedade não massificada, não homogeneizada materialmente, onde não existem valores universais – como democracia, comunismo e direitos humanos – mas sim diferentes espiritualidades sob a tutela de uma teocracia hierárquica. 

A modernidade é o oposto do Tradicionalismo. É ela que caracteriza a era das trevas. Ela promove o enfraquecimento da religião em favor da razão (Iluminismo), o declínio do que não pode ser quantificado matematicamente – espírito, emoções, o supranatural – em favor do que é material. A modernidade também envolve a organização de grandes massas de pessoas com fins políticos ou de consumo. Disso resulta a padronização e a homogeneização da vida social. A modernidade acredita no progresso, na criatividade humana que pode nos conduzir a um mundo melhor do que esse no qual vivemos. Tradicionalistas aspiram a tudo que a modernidade não é. Eles acreditam em verdades eternas, transcendentes e estilos de vida, não na busca do progresso.

A hierarquia é um dos sinais da sociedade sadia. Os inimigos da diferença são os universalismos, valores ou sistemas considerados verdadeiros para toda a humanidade e não para grupos específicos. Na modernidade, a democracia é frequentemente compreendida nestes termos, tratada até mesmo em documentos fundadores de estados-nações liberais como parte de um conjunto auto evidente de direitos emanados de Deus, simultâneos ao conceito de uma igualdade universal. 

Os Tradicionalistas adotam o que René Guénon chamou de “teoria da inversão” que é uma das características da era das trevas. “Tudo que você pensa que é bom, é ruim. Toda mudança que você considera progresso, na verdade, é regressão. Toda instância aparente de justiça, na verdade, é opressão” (p. 78). O sistema de valores do mundo moderno é, portanto, o oposto da verdade.

A este amplo quadro de crenças, se acrescentam, de acordo com diferentes matizes do Tradicionalismo, o racismo – a superioridade ariana – e a misogenia – os homens arianos constituem  a casta dominante da idade de ouro.

Os Tradicionalistas atuam através do que chamam de metapolitica, vale dizer, privilegiam o ativismo através da cultura – artes, entretenimento, espaços intelectuais, religião, educação – e não necessariamente através de instituições políticas tradicionais. “Se você consegue alterar a cultura de uma sociedade, você terá criado uma oportunidade política para você mesmo. Fracasse em conseguir isto e você não terá qualquer chance” (p. 61). 

Uma das manifestações concretas do Tradicionalismo – embora, por óbvio, ele não constitua sua única causa explicativa – é a ascenção ao poder de grupos políticos de extrema direita em diferentes partes do mundo, sobretudo a partir da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, em 2016.

O leitor (a) deve estar se perguntando: de onde sai o dinheiro? quem financia os Tradicionalistas? Teitelbaum não está exatamente preocupado em esclarecer esta questão. Todavia, pelo menos no caso de Steve Bannon, a fonte é publica e conhecida. Nos meses em que o livro estava sendo escrito ele recebia 1 milhão de dólares/ano do bilionário dissidente e exilado chinês, Guo Wengui (p. 94).

O guru Tradicionalista brasileiro
Em pelo menos quatro dos 22 capítulos do War for Eternity (10, 13,14 e 20), Olavo de Carvalho é o personagem principal ou merece destaque. Estudioso da extrema direita, Teitelbaum se interessou por ele quando, na primeira manifestação pública do presidente eleito Jair Bolsonaro, através de uma “live” caseira, viu que haviam quatro livros estrategicamente colocados na mesa à sua frente: a Bíblia, a Constituição Brasileira de 1988, Memórias da Segunda Guerra Mundial de Winston Churchill e O Mínimo que você precisa saber para não ser um idiota de Olavo de Carvalho. O vínculo com Olavo de Carvalho foi confirmado publicamente quando, em 1º de maio de 2019, o governo Bolsonaro concedeu-lhe o mais alto grau da Ordem de Rio Branco, criada para "distinguir serviços meritórios e virtudes cívicas, estimular a prática de ações e feitos dignos de honrosa menção” (Cf. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/05/bolsonaro-concede-a-olavo-de-carvalho-condecoracao-igual-a-de-mourao-e-moro.shtml ).

Comunista nos tempos de estudante, passou a se interessar por alquimia e astrologia, frequentando círculos ocultistas em São Paulo. Para a revista Planeta, “entrevistou extraterrestres e pessoas mortas” (p.129). Nesta época deu aulas de astrologia em livrarias e na PUC-SP. “Esoterismo era sua grande paixão” (p. 129). Desde a década de 70 ele tem contato com a obra de René Guénon, a quem considera “crazy”, mas julga que “escreveu muita coisa verdadeira” (p.169). Nos anos 80 esteve envolvido numa estranhíssima celebração Maryamiyya tariqa (uma ordem sufista), liderada por Frithjof Schuon que se considerava o herdeiro de René Guenon (pp. 129-136), em Bloomington, Indiana. Nesta época havia se convertido ao sufismo e se tornou muqaddam (facilitador) de uma tariqa em São Paulo. 

Olavo de Carvalho é um Tradicionalista “excêntrico” (p.128) à sua própria maneira, embora compartilhe pontos fundamentais com os pilares da doutrina. “Despreza a mídia e as universidades” (p.128). Acredita que “esquerdistas se infiltraram no sistema educacional brasileiro em preparação para uma revolução comunista” (p.168). Afirma literalmente: “se eu fosse mostrar a você fotografias das universidades brasileiras, você veria somente pessoas nus fazendo sexo. Eles vão para a universidade para fazer sexo e se você tenta pará-los eles se revoltam, começam a chorar, te veem como um opressor” (pp. 254-255). 

Ele se alinha totalmente com Steve Bannon “na condenação da China e na urgência de resistir à sua influência global” (p.166). Perguntado se temia a China ou o Islã, respondeu: “Eu acredito que a China é mais perigosa. Eles não têm um senso real de humanidade. Eles pensam que pessoas são coisas (...). Eles pensam que você pode substituir uma pessoa por outra. Eles não são boas pessoas” (p. 257).

Ao concluir sua análise sobre o debate público que Olavo de Carvalho travou com o Tradicionalista russo Aleksandr Dugin em 2011, Teitelbaum afirma: “O que, afinal, Olavo apoia? Primeiro e acima de tudo, cristãos de todos os países, Israel e nacionalistas conservadores americanos. Os hábitos sociais rurais dos americanos, em particular, parecem capturar alguma coisa sacrossanta para ele. Ele viu coesão crescente, caridade e voluntarismo quando o Estado se retirou da sociedade americana” (p. 182).

Desde 2005 morando numa zona rural do estado de Virgínia, nos Estados Unidos, agora católico – uma forma de intensificar sua oposição ao comunismo (p. 176) – Olavo de Carvalho passou a oferecer cursos pela internet (Youtube, Facebook) e pelo rádio. Obteve sucesso e “formou” vários quadros que hoje ocupam posições fundamentais no governo de Jair Bolsonaro: Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Abraham Weintraub (Educação) são apenas os mais conhecidos.

Tradicionalismo no Brasil
No capítulo final de War for Eternity, Teitelbaum observa: “Tradicionalismo em sua forma original não estimula preocupações com desigualdades e injustiças. Quando seu comando de arregimentar populações em torno de uma essência espiritual arcaica é combinado com uma ideologia que preserva sua própria versão apocalíptica – como o messianismo de cristãos evangélicos com a crença adicional de que a destruição terrena é necessária para uma utopia terrena, e não celestial – pode existir razão para alarme. Na verdade, para vários dos Tradicionalistas, esta filosofia oferece o pretexto não para a apatia (...) mas para seu exato oposto: a ação transformadora temerária na crença de que o mundo está prestes a mudar e, portanto, medidas audaciosas são justificadas. Tradicionalismo não vê razão para se subordinar à política” (pp. 280-281).
É neste contexto que se deve buscar a compreensão do que ocorre no Brasil de Bolsonaro. No caso específico da nomeação de Gerald Brant – empresário americano de extrema direita ligado a Steve Bannon – para conselheiro da política externa brasileira, há de se lembrar que o chanceler Ernesto Araujo discute Guénon e Evola fluentemente e que “mais do que o próprio Olavo, é um Tradicionalista” (p.165). No seu blog “Metapolítica 17 – Contra o Globalismo” (Cf. https://www.metapoliticabrasil.com/blog/ ) ele se apresenta: “Sou Ernesto Araújo. Tenho 28 anos de serviço público e sou também escritor. Quero ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista. Globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural. Essencialmente é um sistema anti-humano e anti-cristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo, cujo objetivo último é romper a conexão entre Deus e o homem, tornado o homem escravo e Deus irrelevante. O projeto metapolítico significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história”

O Tradicionalismo, vale dizer, a extrema direita, assumiu o poder no Brasil.

[Brasília, 15 de junho de 2020]
Venício A. de Lima é Professor Emérito da UnB e Pesquisador Sênior do CEBRAP-UFMG

sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

O caos da extrema-direita: os engenheiros do caos - João Paulo Charleaux

‘O caos criado pela extrema direita é calculado’

O cientista político Giuliano da Empoli fala ao ‘Nexo’ sobre os ‘engenheiros do caos’, que usam as redes para impulsionar a nova onda populista
O cientista político franco-italiano Giuliano Da Empoli pesquisa a relação entre as redes sociais e a ascensão ininterrupta da extrema direita populista no mundo.
Para ele, esse movimento – que no Brasil é liderado pelo presidente Jair Bolsonaro – é fruto de uma mistura entre intuição e cálculo. A intuição é parte da habilidade política desses novos líderes. O cálculo é parte do trabalho do que o autor chama de “engenheiros do caos” – nome dado por ele aos especialistas em transformar algoritmos em votos.
O tema foi exposto por Da Empoli em seu livro mais recente, cujo título é auto-explicativo: “Os engenheiros do caos: Como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições”, disponível em português, no Brasil, pela editora Vestígio.
No livro, Da Empoli mostra como a lógica do engajamento nas redes se sobrepôs à do engajamento político tradicional. Nas redes, o motor do engajamento é o susto, o medo, o escândalo e a superexcitação permanentes, não importando se o conteúdo que circula é verdadeiro ou falso.
Na política, o engajamento costumava ocorrer por um longo caminho de militância e busca de consensos. Esse caminho, diz ele, foi ultrapassado por uma lógica que demanda da política a mesma resposta satisfatória, imediata e narcisista que qualquer aplicativo promete hoje em dia. Os “engenheiros do caos” perceberam essa mudança e tomaram as rédeas do processo, em benefício da extrema direita populista atual.
Nesta entrevista, concedida ao Nexo por telefone, no dia 2 de dezembro, Da Empoli – que já foi conselheiro político do primeiro-ministro italiano Matteo Renzi e hoje dirige o centro de estudos Volta – falou sobre o trabalho desses “engenheiros do caos” no mundo e particularmente no Brasil atual.

Como os estrategistas dos atuais partidos populistas de extrema direita manipulam e se beneficiam da circulação de emoções negativas nas redes sociais, como raiva, ressentimento e desconfiança do eleitorado?

Giuliano Da Empoli Os engenheiro do caos, como eu os chamo no livro, são personagens que importaram para a política a lógica das grandes plataformas de internet. O Google, o Facebook e o Youtube têm no engajamento de seus usuários o principal parâmetro de sucesso. Esses engenheiros políticos funcionam da mesma forma – eles vão utilizar todos os conteúdos possíveis para conseguir o engajamento de seu próprio público.
Nessa empreitada, esses engenheiros analisam em detalhe as opiniões e preferências de seus apoiadores, aos quais eles não têm nenhuma obrigação de oferecer conteúdos coerentes. Nesse mundo do engajamento, a superexcitação é mais importante que todo o resto. Não importa se existem contradições entre o que é dito hoje e o que será dito amanhã ou entre o que é dito a um grupo de apoiadores e a outro grupo de apoiadores. O que importa é gerar o máximo de super excitação possível e, com isso, o máximo de engajamento. Essa é a nova lógica política.

O Partido 5 Estrelas criou na Itália uma plataforma online para medir em tempo real a opinião de seus simpatizantes. Tempos atrás, esse seria um sonho tornado realidade para qualquer defensor da democracia direta, inclusive à esquerda. Mas o sr. desconfia do método. Quais são suas críticas?

Giuliano da Empoli Há duas questões aqui. Uma é a questão específica do 5 Estrelas. A outra é a situação em geral. O 5 Estrelas diz ter criado uma plataforma digital para a participação direta, em intermediários, de seus apoiadores. Mas a verdade não é bem essa.
Antes disso, o Partido Pirata [criado na Suécia em 2006] tinha esse mesmo objetivo. A diferença é que o Partido Pirata tinha uma plataforma aberta, open source, no qual lidava com as opiniões de seus simpatizantes. O sistema desenvolvido pelo 5 Estrelas, ao contrário disso, é completamente opaco. Eles desenvolveram uma plataforma que é administrada por uma empresa privada. Isso é feito com possibilidades enormes de manipulação dos dados e com uma total falta de transparência.
Mas há ainda um segundo ponto sobre o qual eu gostaria de falar, um ponto mais geral em relação a essa ideia da democracia direta digital. Eu acho que esses instrumentos podem melhorar a democracia. Eu penso que a democracia representativa vai evoluir para levar em conta as novas tecnologias e as novas ferramentas. Acho que isso corresponde a uma necessidade real. A questão que vem depois disso é: a democracia representativa pode ser substituída por um sistema completamente digital e que governe a si mesmo? Francamente, eu acho que não.

O sr. diz no livro que o eleitorado espera hoje da política as mesmas respostas rápidas e eficazes encontradas em aplicativos como Uber e iFood. Essa é uma aspiração negativa, criticável? Por quê?

Giuliano da Empoli Não é necessariamente negativa, mas a rapidez com que a demanda dos consumidores é satisfeita hoje em todos os campos comerciais está em contraste radical com a lentidão dos processos democráticos, e sobretudo da democracia representativa, que é baseada na ideia dos processos lentos para gerar compromissos, para conseguir consensos e grandes maiorias. Então, há uma verdadeira diferença hoje entre os hábitos dos consumidores em todas as áreas e os ritos e procedimentos da democracia representativa.
Agora, é ruim que haja uma exigência de parte dos eleitores em relação ao output e à rapidez dos processos democráticos? Eu penso que é natural e é justo. Mas é um problema colocar a democracia no mesmo plano que uma aplicativo de telefone no qual a rapidez imediata é um elemento chave, assim como a satisfação imediata do ego e do narcisismo do consumidor. E é esse o problema que o movimento nacional-populista e que os engenheiros do caos sabem explorar muito bem.

As autoridades do atual governo brasileiro mantém nas redes sociais um clima permanente de susto, sobressalto, com anúncios inesperados, comentários chocantes e elogios à ditadura. Em que medida isso corresponde a uma comunicação espontânea e em que medida demonstra uma estratégia encontrada em outros governos populistas do mundo?

Giuliano da Empoli Há as duas coisas. Em geral, onde vimos a emergência desse tipo de movimento, há um animal político ou muitos animais políticos, como Donald Trump nos EUA, Matteo Salvini na Itália e Bolsonaro no Brasil, que são pessoas com uma tendência natural a se comportar dessa maneira.
Em seguida, eles se unem ao que eu chamo de engenheiros do caos. É a entrada em cena dos estrategistas, das plataformas, da tecnologia e da ideologia, que são muito mais sofisticados e que aplicam essa estratégia da superexcitação, do escândalo, mesmo das notícias falsas, das campanhas de desinformação, de maneira consciente e estratégica, porque é um método que funcionou bem, de maneira surpreendente, em muitos contextos. É um método que justamente busca criar o máximo de engajamento possível nas redes e que põe em crise a mídia tradicional e a mídia de massa, que são ultrapassadas e exploradas por esse movimento. Aí há certamente uma estratégia. Eu nem diria que é uma estratégia internacional, mas há um mimetismo internacional no qual esses atores copiam uns aos outros. Isso, com certeza.

Como a esquerda usa essas mesmas ferramentas tecnológicas? Essa corrente populista se manifesta em outros nichos ideológicos?

Giuliano da Empoli É preciso dizer que a nova política feita de análise de dados e da utilização massiva da internet e das redes sociais é algo introduzido sobretudo pelo progressismo e especialmente pela campanha de Barack Obama de 2008 e aperfeiçoado em seguida pela campanha do mesmo Obama em 2012, que usou muito de tecnologia de dados.
Depois, o movimento populista de direita tomou a liderança e, não contentes em usar essa tecnologia, subverteu completamente sua utilização. Trump, em 2016, por exemplo, despachou informações precisas para eleitores de Bernie Sanders dizendo que Hillary Clinton estava corrompida, que era uma candidata corrupta. Para as mulheres jovens, foram despachadas mensagens falando do escândalo sexual do marido de Hillary [o ex-presidente Bill Clinton]. Para os negros, foram despachadas informações que diziam que Hillary era contra questões raciais. Houve, portanto, uma exploração específica dessa tecnologia pelos populistas, mas hoje todo mundo joga o jogo das redes.

Qual sua percepção sobre Bolsonaro?

Giuliano da Empoli O Brasil é hoje um dos laboratórios políticos dessa nova forma de fazer política. Ele é um político que bagunçou valores tradicionais da política. Por exemplo: antes, se um membro do governo dissesse algo que não fosse verdadeiro, isso provocaria a queda do governo em questão. Hoje, Bolsonaro, assim como Trump e Salvini, faz uso de fake news e provocação para, em primeiro lugar, poder fixar a própria agenda. Como isso funciona? Mesmo para corrigi-lo, mesmo para se indignar, nós somos forçados a falar daquilo que ele quer que nós falemos. Isso é fixar uma agenda.
Em segundo lugar, com isso, ele demonstra sua liderança porque ele não entra na realidade das estatísticas, na realidade das coisas tais como elas são. Ele permanece no papel de um líder voluntarista mesmo contra a realidade.
Em terceiro lugar, ele realiza a promessa mais importante de todos os populistas, que é a promessa da punição das elites. Cada vez que Bolsonaro diz uma coisa, e que há indignação dos intelectuais, dos jornais, da esquerda, Bolsonaro, como todos os outros líderes populistas, realiza sua promessa principal, que não é a luta contra a criminalidade nem a arrumação econômica, mas a punição das velhas elites corruptas, que são consideradas responsáveis por uma situação que os apoiadores dele não aguentam mais.
Pode parecer um fenômeno um pouco absurdo, mas há forças muito profundas por trás de um movimento como esse. E é muito difícil de combatê-lo porque, além do mais, como Salvini e como Trump, Bolsonaro realizou algo que só [Joseph] Goebbels [ministro da Propaganda Nazista] tinha realizado – e eu não estou dizendo que Bolsonaro é igual aos nazistas: a ideia de que a instituição reforça a propaganda. Então, se você usa a instituição para difundir fake news, publicar imagens violentas e chocantes, você multiplica sua força porque você empresta à propaganda a força da instituição. Isso se transforma numa máquina muito poderosa. Estamos vendo isso nos EUA de Trump e no Brasil de Bolsonaro.

João Paulo Charleaux é repórter especial do Nexo e escreve de Paris

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Na pre-historia do nazismo - os 25 pontos do NSAPD (1920)


OS 25 PONTOS DO PROGRAMA DE HITLER

Estocado em HISTÓRIA · POLÍTICA
O “credo político” do que viria a tornar-se o Partido Nazista, esboçado por Anton Drexler e Adolf Hitler. Esses 25 “princípios condutores” foram trazidos a luz em 24 de fevereiro de 1920, diante de “uma platéia de cerca de duas mil pessoas, que aplaudiram efusivamente cada ponto”.
1. Com base no princípio de autodeterminação dos povos, exigimos a união de todos os alemães numa Grande Alemanha.
2. Exigimos para o povo alemão direitos iguais aos das outras nações, e a revogação dos Tratados de Paz de Versailles e de St. Germain-en-Laye.
3. Exigimos terras e território (colônias) para a manutenção do nosso povo e o assentamento de nossa população excedente.
4. Apenas os membros da nação podem tornar-se cidadãos. Apenas os que têm sangue alemão, independentemente de credo, podem ser membros da nação, portanto nenhum judeu pode ser membro da nação.
5. Aqueles que não são cidadãos devem viver na Alemanha como estrangeiros e submeter-se à lei dos estrangeiros.
6. O direito de escolher o governo e determinar as leis do Estado pertencerão apenas aos cidadãos. Exigimos portanto que nenhum cargo público, de qualquer natureza, seja no governo central, da província ou da municipalidade, seja ocupado por alguém que não seja cidadão.
Posicionamo-nos enfaticamente contra a corrupta prática parlamentar de preencher cargos seguindo meramente os interesses do Partido, sem atenção a questões de caráter ou aptidão.
7. Exigimos que o Estado faça seu dever primário prover condições de vida para os seus cidadãos. Se não for possível alimentar toda a população, os estrangeiros (não cidadãos) devem ser expulsos do Reich. 
8. Qualquer imigração adicional de não-alemães deve ser impedida. Exigimos que requeira-se de todos os não-alemães que entraram na Alemanha depois de 2 de agosto de 1914 que deixem o Reich imediatamente.
9. Todos os cidadãos devem possuir direitos e deveres iguais.
10. O dever primeiro de cada cidadão deve ser executar trabalho mental ou físico. Nenhum indivíduo deve desempenhar qualquer atividade que ofenda os interesses da comunidade no benefício de todos.
Exigimos portanto:
11. A abolição de toda renda não advinda do trabalho.
O rompimento da escravidão dos juros.
13. Em vista dos enormes sacrifícios em termos de vidas e propriedade exigidos de uma nação em tempos de guerra, o enriquecimento pessoal através da guerra deve ser visto como crime contra a nação. Exigimos portanto o confisco irrestrito de todos os lucros de guerra.
13. Exigimos a nacionalização de todos os negócios corporativos (consórcios de empresas). 
14. Exigimos o regime de participação nos lucros em grandes empreendimentos empresariais.
15. Exigimos o desenvolvimento intensivo de políticas de previdência para os idosos.
16. Exigimos a criação e a manutenção de uma classe média saudável, a imediata comunalização das grandes lojas de departamentos e seu arrendamento a pequenos negociantes sob taxas módicas, e que a máxima consideração seja demonstrada aos pequenos negociantes nos pedidos de compra emitidos pelo Estado e pelos municípios.
17. Exigimos uma reforma agrária adequada aos nossos interesses nacionais, a aprovação de uma lei que permita a desapropriação de terras para propósitos comunais sem necessidade de indenização; a abolição da cobrança do aluguel de terras e a proibição de toda atividade especulativa com a terra.
18. Exigimos a perseguição implacável daqueles cujas atividades mostram-se prejudiciais ao bem comum. Criminosos comuns, usurários, especuladores, etc, devem ser punidos com a morte, independentemente de credo ou raça.
19. Exigimos que a Lei Romana, que serve a uma visão de mundo materialista, seja substituída pela lei comum alemã.
20. O Estado deve estudar uma reestruturação completa do sistema nacional de educação (com o objetivo de abrir a todo alemão capaz e trabalhador a possibilidade de uma educação superior de modo a alcançar desenvolvimento pessoal). Os programas educacionais de todos os estabelecimentos de ensino devem ser alinhados com as exigências da vida prática. O objetivo da escola deve ser dar ao aluno, a partir do primeiro sinal de inteligência, uma compreensão da nação do Estado (através do estudo de assuntos cívicos). Exigimos a educação de filhos talentosos de pais pobres, de qualquer classe ou ocupação, às custas do Estado.
21. O Estado deve assegurar a elevação dos padrões nacionais de saúde através da proteção mães e crianças de colo; da proibição do trabalho infantil; da promoção da saúde física mediante uma legislação que preveja ginástica e prática desportiva compulsória; do apoio sistemático a clubes engajados na preparação física da juventude.
22. Exigimos a abolição do exército mercenário e a criação de um exército do povo.
23. Exigimos o combate judicial contra a deliberada inverdade política e sua disseminação pela imprensa. A fim de facilitar a criação de uma imprensa nacional alemã, exigimos:
(a) que todos os editores e contribuintes de periódicos circulados em língua alemã sejam membros da nação;
(b) que nenhum periódico não-alemão possa circular sem a expressa permissão do Estado. Estes não devem ser impressos em língua alemã;
(c) que os não-alemães sejam proibidos por lei de participar financeiramente ou de influenciar jornais alemães, e que a penalidade pela transgressão desta lei seja a supressão do periódico em questão e a imediata deportação dos não-alemães envolvidos.
A publicação de periódicos não alinhados com os interesses nacionais deve ser proibida. Exigimos a perseguição legal de todas aquelas tendências artísticas e literárias que corrompem a vida nacional, e a supressão de eventos culturais que violem essa exigência.
24. Exigimos liberdade para todas as denominações religiosas dentro do Estado, desde que não ameaçem a existência do mesmo nem ofendam a sensibilidade moral da raça alemã.
O Partido como tal defende um cristianismo positivo, mas não se submete a nenhuma denominação em particular. Ele combate o espírito judaico-materialista dentro e fora do nosso meio, e está convencido de que nossa nação pode alcançar saúde permanente apenas de dentro, e com base no princípio que diz: O BEM COMUM PRECEDE O INTERESSE PESSOAL.
25. A fim de implantar este programa por completo exigimos a criação de um forte poder central para o Reich; a autoridade incondicional do parlamento político central sobre todo o Reich e suas organizações; a formação de cooperativas baseadas em situação social e ocupacional com o propósito de aplicar nos diversos estados alemães a legislação geral aprovada pelo Reich.
Os líderes do Partido prometem trabalhar implacavelmente – se preciso for com o sacrifício de suas próprias vidas – para traduzir este programa em realidade.

sábado, 2 de fevereiro de 2019

O chanceler quer apagar a historia do Brasil - ELiane Brum (El Pais)

O chanceler quer apagar a história do Brasil

Como o ideólogo do governo Bolsonaro usa José de Alencar para pregar a assimilação dos indígenas e justificar a abertura de suas terras para o agronegócio

Chanceler Ernesto Araújo
Ernesto Araújo toma posse como ministro das Relações Exteriores, em 2 de janeiro de 2019.  Agência Brasil
“Vamos ler menos The New York Times, e mais José de Alencar e Gonçalves Dias”, afirmou o chanceler do bolsonarismo, Ernesto Araújo, em seu discurso de posse. Por quê?
Prestar atenção ao que diz o chanceler Ernesto Araújo tem se mostrado tarefa penosa, mas fundamental para compreender como a ideologia do Governo Bolsonaroestá sendo construída. O diplomata foi indicado por Olavo de Carvalho, considerado o “guru da nova direita” brasileira, desde sua casa nos Estados Unidos. Claramente, Araújo tem a pretensão de dar a base intelectual ao que o bolsonarismo chama de “nova era”. Se integrantes mais preparados do governo concordam, há dúvidas robustas para suspeitar que não. Araújo, porém, segue firme em seu propósito, publicando artigos onde consegue espaço.
O discurso de posse como novo ministro de Relações Exteriores é uma falsificação da história, com o objetivo de justificar o presente e o futuro próximo. Para fazer parecer que a estrutura parava em pé, o chanceler usou seu grego, seu latim e até mesmo seu tupi, abusou do recurso do name-dropping (ótima expressão em língua inglesa para aqueles que desfiam nomes e citações para impressionar o interlocutor), dos clássicos à cultura pop. Todos já bem mortos, para que nenhum deles pudesse contestar a citação. Nenhuma de suas escolhas é um acaso. Vale a pena se deter em cada uma delas porque, como já escrevi neste espaço, os malucos agora sapateiam no palco — e sapateiam com poder de destruição.
Ernesto Araújo é um personagem ainda obscuro para o Brasil, embora seja um diplomata de carreira do Itamaraty. Em seu discurso, ele dispôs de figuras e acontecimentos históricos, assim como artistas contemporâneos, como se eles estivessem misturados como bonecos de plástico numa prateleira, para serem usados ao gosto do freguês — e para o propósito do freguês. Arrancados de seu contexto e esvaziados de conteúdo, eles foram manipulados pelo chanceler para produzir a sua falsificação. Cada frase tem ali um objetivo.
Me detenho apenas em uma, que chamou particular atenção e foi reproduzida várias vezes na imprensa e nas redes sociais, com a qual abro esse artigo: “Vamos ler menos The New York Times, e mais José de Alencar e Gonçalves Dias”. Por quê?
Não é preciso ter inteligência acima da média para perceber que não faz nenhum sentido contrapor um dos mais importantes jornais do mundo, com edição diária, e dois escritores do romantismo brasileiro do século 19. O objetivo é exacerbar um nacionalismo que se ajoelha diante de Donald Trump, mas despreza a independência do New York Times; idolatra o WhatsApp e o Facebook de Mark Zuckerberg, mas achincalha a imprensa brasileira.
O chanceler quer menos denúncias bem apuradas e checadas contra Bolsonaro e contra os abusos do seu governo, documentados pelo Times e pelos principais jornais do mundo onde a imprensa é livre. Menos imprensa, convertida declaradamente em “inimiga pública”, por Bolsonaro e seus papagaios, porque querem falar diretamente com seus seguidores sem serem perturbados. Do contrário, teriam que responder perguntas difíceis e explicar depósitos de Queiroz na conta da primeira-dama.
Para não terem que prestar contas de seu governo ao público, é preciso destruir a credibilidade da imprensa. Sim, porque um tuíte ou um “live” no Facebook não é prestar contas, é apenas dizer o que quer, como faz a maioria, sem correr o risco de ser contestado com fatos e provas. O que os bolsonaristas querem fazer parecer democracia é apenas autoritarismo e já foi usado antes por governos totalitários, mas sem a enorme facilidade das redes sociais da internet.
O bolsonarismo quer inventar seus próprios fatos
A imprensa só faz sentido se fiscalizar o governo, qualquer governo. A frase do senador americano Daniel Patrick Moynihan (1927-2003) já se tornou clichê, mas ela é precisa: “Você tem direito a suas próprias opiniões, mas não a seus próprios fatos”. A luta dos bolsonaristas é para inventar seus próprios fatos, de modo que a realidade não importe nem atrapalhe seu projeto de poder.
Mas por que José de Alencar (1829-1877) e Gonçalves Dias (1823-1864), dois escritores do Brasil do século 19, que escreveram no Brasil imperial, durante o reinado de Dom Pedro II?
Essa escolha é capciosa, como todas as outras. E se refere a uma suposta identidade nacional. Alencar e Dias são expoentes do romantismo na literatura brasileira — um na prosa, o outro na poesia. Eles viveram e escreveram sua obra num momento muito particular do Brasil. O país se tornara independente de Portugal, o que significava que deixava de ser colônia dos portugueses.
Na visão dos homens daquela época (e eram majoritariamente homens, porque as mulheres, exceto raríssimas exceções, não tinham voz pública), era necessário criar uma identidade nacional. Para isso, seria preciso marcar essa identidade no campo da cultura. O Brasil deveria ter, ao mesmo tempo, uma literatura que o colocasse no mesmo patamar da Europa, que vivia a fase do romantismo, e ser ele próprio um novo que emergia após os séculos de domínio português. Gonçalves Dias e José de Alencar entregaram-se a essa tarefa. Não foram os únicos, mas tornaram-se referências do romantismo que inaugurava o que se chamou de literatura brasileira.
Para o ideólogo do governo, Bolsonaro seria uma espécie de Dom Pedro I declarando a segunda independência do Brasil
O chanceler de Bolsonaro exalta um momento da história do Brasil em que as elites se empenham em criar uma identidade nacional depois de o país ter sido colônia de Portugal. Araújo parece acreditar — ou quer que acreditemos — que o governo Bolsonaro está promovendo “o renascimento político e espiritual” do Brasil, como ele escreveu em um artigo. Ou, como afirmou em seu discurso de posse: “Reconquistar o Brasil e devolver o Brasil aos brasileiros”. Araújo quer que acreditemos que tudo o que aconteceu entre a independência do Brasil, a de 1822 — e a nova independência do Brasil, a que ele acredita estar sendo liderada pelo seu chefe, em 2019 — não existiu.
O ideólogo do governo parece sugerir que esse hiato de dois séculos foi um tempo de perdição do Brasil de si mesmo. “O presidente Bolsonaro disse que nós estamos vivendo o momento de uma nova Independência. É isso que os brasileiros profundamente sentimos”, afirma Araújo, que acredita ainda que suas cordas vocais libertam a voz do povo. Bolsonaro seria então uma versão contemporânea de Dom Pedro I, com sua espada em riste para libertar o Brasil. Não mais diante do riacho Ipiranga, agora no espelho d’água do Planalto.
O chanceler acessa esse episódio em dois momentos de sua vida, como ele mesmo relata no discurso de posse: “Eu me lembro da emoção que eu senti pela primeira vez, quando era Terceiro Secretário (do Itamaraty), que subi as escadas para este terceiro andar, e vi, logo ao subir a escada, o quadro da Coroação de Dom Pedro 1º e o quadro do Grito do Ipiranga. Imediatamente, eu, que tinha 22 anos, me lembrei de quando tinha 5 anos e assisti maravilhado no cinema ao filme ‘Independência ou Morte’, com Tarcísio Meira e Glória Menezes. E pensei: então tudo isso existe, né? Tudo isso existe... e tudo isso é aqui!”.
Pois é. Em outro ponto, com a sutileza de dar alguns parágrafos de intervalo, o admirador de Dom Pedro I e de Tarcísio Meira usa um tuíte para comparar Bolsonaro à rainha Elizabeth II, da Inglaterra: “Vou dar um exemplo do que temos para ouvir. É o comentário de uma pessoa que segue a minha conta do Twitter, que diz o seguinte... li isso ontem: ‘Antes eu não entendia o amor do povo da Inglaterra pela rainha. Agora entendo. Quando temos alguém que ama seu país e seu povo e os defende, ganha amor e respeito. Não conhecíamos isso antes de Bolsonaro’”.
Em nenhum momento os indígenas são citados nominalmente no discurso de posse do ideólogo do governo de extrema direita, o que em si já diz bastante coisa. Mas uma das línguas indígenas, o tupi, se faz presente. De que modo, porém? Na Ave Maria em tupi do padre José de Anchieta, jesuíta canonizado santo pela Igreja Católica. A língua do indígena usada para catequizá-lo numa religião alienígena às suas crenças. A escolha não é um detalhe. Sem a experiência da cultura, que confere carne à língua e conteúdo às palavras, a língua nada é. Apenas casca, como casca era o indígena do romantismo do século 19.
O bolsochanceler exalta José de Alencar, o escritor que fez do índio “um cavaleiro português no corpo de um selvagem”
O escritor José de Alencar é o principal expoente da prosa do que se chama “indianismo” na literatura brasileira. Em três livros — O Guarani (1857), Iracema(1865) e Ubirajara (1874) —, ele busca construir uma identidade nacional fiel aos princípios do romantismo. Como o romantismo europeu é marcado por uma ideia heroica do cavaleiro medieval, Alencar torna o indígena um cavaleiro medieval ambientado na exuberante paisagem tropical do Brasil.
O indígena, habitante nativo que vivia na terra antes do domínio europeu, seria o herói genuinamente brasileiro da nação que se declara independente da metrópole. Mas com todas as qualidades atribuídas à cavalaria, na Idade Média, transplantadas para seu corpo e sua alma. A coragem, a lealdade, a generosidade, a partir de um ponto de vista que servia à manutenção do sistema feudal, e o amor cortês. Para escritores da época de José de Alencar e de Gonçalves Dias, que viviam o período pós-independência do Brasil, escrever era um ato de patriotismo. Eles teriam de dizer com sua obra o que é “ser brasileiro”. É também essa referência que o ideólogo do governo procura resgatar e enaltecer.
Os negros, corpos escravizados que moviam a economia do Brasil e serviam às suas elites, não estavam presentes como formadores de uma identidade nacional nestes romances de fundação. Se os escritores buscavam uma identidade nacional, ela era forjada dentro da matriz europeia. Como seria possível escrever em língua portuguesa, a do colonizador, sem ser colonizado na linguagem, foi uma questão crucial para a qual Alencar e outros também tentaram dar uma resposta no século 19. Mas este é um tema longo para outra conversa.
Em artigo no Nexo, Vinícius Rodrigues Vieira, professor-visitante do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), afirma: “Araújo — assim como as alas mais conservadoras do governo — ambiciona o retorno a uma identidade nacional pré-freyriana, ou seja, antes das ideias que ficaram associadas a Gilberto Freyre. Em suma, o ideal de sincretismo encarnado na malfadada expressão ‘democracia racial’. Não à toa o ministro citou em seu discurso de posse o romancista José de Alencar, cujas obras claramente buscavam no indígena harmonizado com o colonizador as raízes de nossa nacionalidade, sem considerar o legado africano”.
“Crede-me, Álvaro, é um cavalheiro português no corpo de um selvagem!” A frase é de D. Antônio de Mariz, fidalgo português e um dos fundadores da cidade do Rio de Janeiro na obra de José de Alencar. Assim o personagem é descrito em O Guarani, primeiro romance indianista do escritor, publicado na época como folhetim, com grande sucesso: “Homem de valor, experimentado na guerra, ativo, afeito a combater os índios, prestou grandes serviços nas descobertas e explorações do interior de Minas e Espírito Santo. Em recompensa do seu merecimento, o governador Mem de Sá lhe havia dado uma sesmaria de uma légua com fundo sobre o sertão, a qual depois de haver explorado, deixou por muito tempo devoluta”.
O “cavaleiro português no corpo de um selvagem” é Peri, um indígena do povo Goytacá, que desde que salvou da morte Cecília, a filha do fidalgo, um “anjo louro de olhos azuis”, é adotado pelo clã dos Mariz. Peri passa a viver numa cabana perto da casa da família, uma espécie de castelo onde o escritor reproduz as relações de vassalagem do feudalismo que o Brasil nunca teve, mas parte da Europa sim.
Peri faz todas as vontades da moça, a quem serve como um cão de estimação. Diz Isabel, outra personagem: “Pedirás a meu tio para caçar-te outro que farás domesticar, e ficará mais manso do que o teu Peri”.
Peri era manso, domesticado. Mas valente. Quando D. Diogo, filho do fidalgo, mata por acidente uma Aymoré, este povo indígena tenta vingar-se matando Ceci, mas é impedido por Peri. A tensão cresce entre a família portuguesa e o povo indígena. Peri arma então a estratégia de envenenar-se para combater os Aymoré. Como essa etnia mantém o ritual de canibalismo, devorando os valentes vencidos, ele será comido depois de morto e assim exterminará também o inimigo.
A pedido de Ceci, Peri suspende seu sacrifício heroico. Ao final do romance, Dom Antônio entrega Ceci a Peri para que ela seja salva. Mas só entrega a filha se Peri converter-se ao cristianismo: “O índio caiu aos pés do velho cavalheiro, que impôs-lhe as mãos sobre a cabeça. — Sê cristão! Dou-te o meu nome. Peri beijou a cruz da espada que o fidalgo lhe apresentou, e ergueu-se altivo e sobranceiro, pronto a afrontar todos os perigos para salvar sua senhora”.
O “bom selvagem” é aquele que pode ser assimilado pela “civilização”
Peri e Ceci fogem então numa canoa e são surpreendidos por uma tempestade. Depois, os dois somem no horizonte. José de Alencar termina sua obra com a ideia de que o casal formará a identidade do novo Brasil. “Horizonte”, a última palavra do romance, é ao mesmo tempo futuro e o país que se descobre.
Este é o indígena que aparece no discurso do chanceler, ao citar José de Alencar. Uma identidade nacional forjada por um “cavaleiro português no corpo de um selvagem”, que luta contra um povo indígena diferente do seu para salvar sua adorada senhora branca, filha do colonizador, e que se converte ao cristianismo para fundar com ela o futuro nos trópicos. Peri, o indígena, é o “bom selvagem” que oferta seu corpo para ser assimilado pela civilização.
Ao criar esse herói romântico no século 19, supostamente indígena, Alencar sofreu críticas por desprezar a realidade. Mas o escritor deve ser compreendido no seu contexto. Que Araújo o faça no século 21, usando José de Alencar e desprezando todos os debates culturais daquela e de outras épocas, poderia ser apenas um ataque contra a inteligência. Mas o chanceler do bolsonarismo também precisa ser entendido no contexto do governo que ele tenta justificar não apenas como um governo, mas como uma “nova era”.
O bolsonarismo é um projeto de poder em que até mesmo Bolsonaro pode ser tornar um mero adereço – ou nem isso
O bolsonarismo é um projeto de poder com diferentes forças internas e possivelmente antagônicas, em alguns temas, como o futuro próximo deve mostrar. Como todo projeto de poder, está em disputa. Em algum momento, talvez o próprio Bolsonaro, que dá nome à ideologia em construção, seja apenas um adereço — ou nem mesmo isso.
Há um tema, porém, em que os diversos grupos que formam o capitalismo messiânico que governa o país parecem coincidir, guardando uma eventual ressalva por parte de uma parcela dos militares, cuja posição ainda não está totalmente clara. Este tema é o futuro dos indígenas. Ou, mais especificamente, o futuro das terras indígenas.
A escolha deste indígena com atributos morais europeus, representado pela alusão a José de Alencar, não é um acaso. Este indígena, que na obra do escritor manteve apenas as características do corpo e a cor, vai ser branqueado pela matriz europeia da loira Ceci dos olhos azuis para fundar o Brasil pós-independência. É amor cortês, mas também é assimilação brutal. Sobre Peri, a quem não conhecemos porque Alencar também não conhecia, nada sabemos.
Vale a pena lembrar a declaração do hoje vice-presidente, Hamilton Mourão. Ao justificar ter dito durante a campanha que o país herdou a “indolência” dos indígenas e a “malandragem” dos negros, o general resgatou sua mestiçagem e a colocou a serviço do apagamento do racismo estrutural do Brasil: “Em nenhum momento eu quis estigmatizar qualquer um dos grupos, até porque nós somos um amálgama de raças. É só olharem para mim. Eu sou filho de amazonense, minha vó é cabocla”.
O que o bolsonarismo anuncia entender por “mestiçagem” é assimilação. É o que Bolsonaro afirmou de várias formas na campanha, com a brutalidade habitual: “O índio é ser humano como nós”. Quem será que pensava que o índio não era humano?
É importante seguir perguntando. O que é, neste contexto, “ser humano como nós”, Bolso? O populista explica que o índio “quer ter o direito de 'empreender' e 'evoluir', o índio quer poder vender e arrendar a sua terra. Mas avisa: “Os índios não querem ser latifundiários”. No entender do novo presidente, ser humano latifundiário o índio não quer ser.
Antes do bolsonarismo, a tática da direita era dizer que os índios não eram mais índios. Era duvidar da “autenticidade”. Como se um indígena usar celular o tornasse menos indígena. Ao deixarem de ser considerados indígenas, os diferentes povos perderiam o direito à terra. Essa tática ainda persiste. Mas a nova direita representada por Bolsonaro é mais esperta. Ela não nega o indígena, e sim afirma uma suposta igualdade do indígena ao branco. Não para que os indígenas mantenham seus direitos constitucionais, mas para que os percam.
Mais tarde, logo após a eleição, Bolsonaro ainda afirmaria: “E por que no Brasil temos que mantê-los reclusos em reservas como se fossem animais em zoológico? O índio é um ser humano igualzinho a nós e quer o que nós queremos, e não pode se usar a situação do índio para demarcar essas enormidades de terras que, no meu entender, poderão ser sim, de acordo com a própria ONU, novos países no futuro”. Só para constar: a ONU nunca disse que as terras indígenas serão países do futuro.
O bolsonarismo tenta transformar terra indígena em mercadoria para exploração de grupos privados
O que o discurso do “ser humano como nós” encobre? Pela Constituição de 1988, as terras dos indígenas são de domínio da União. Aos indígenas cabe o usufruto exclusivo de suas terras ancestrais, mas elas seguem sendo públicas. Uma das principais missões de Bolsonaro é justamente abrir essas terras públicas para exploração e lucros privados.
Uma parcela significativa das terras indígenas está na floresta amazônica. Fazem limite com grandes plantações de soja e criação de boi. Têm sido pressionadas — e invadidas — para o cumprimento do ciclo: desmatamento da floresta para comércio ilegal de madeira, colocação de cabeças de boi para garantir a posse da terra, venda da terra para plantação de soja. Em algum momento do processo, legalização do “grilo” pelo governo do momento, com anistia aos ladrões de terras públicas — ou aos que compram as terras públicas roubadas pelos ladrões.
Ao tornar o indígena um ser humano que quer converter a terra em mercadoria, o discurso ideológico tem como objetivo fazer com que soja e boi possam avançar sobre a floresta hoje protegida. A quem isso vai beneficiar? Não a mim e a você. Mas sim aos grandes criadores de gado e aos grandes grupos plantadores de soja para exportação.
A mudança que os bolsonaristas — o que inclui o agronegócio mais atrasado do país — querem na Constituição vai permitir também a mineração. Não por cooperativas de garimpeiros, sempre criminalizados, mas por grandes grupos transnacionais, apresentados como empreendedores. A quem isso vai beneficiar? Não a mim e a você.
Seis em cada dez brasileiros discordam da redução das terras indígenas
É fácil perceber que o melhor para o conjunto dos brasileiros é manter a terra ocupada pelos indígenas como terra pública — e a floresta em pé. Como mostrou pesquisa recente do DataFolha, a maioria já entendeu isso: seis em cada dez brasileiros discordam da redução das terras indígenas.
O objetivo do bolsonarismo com relação às terras quilombolas é o mesmo: abri-las para a exploração por grupos privados. Era essa a ideia por trás das ofensas do então candidato durante a campanha, que chegou a dizer que os quilombolas não serviam “nem para procriar”. Descendentes de escravos rebelados, os quilombolas têm o título das terras ocupadas pelos antepassados, mas seu uso é coletivo.
Quando o indígena não tem nome próprio no discurso do chanceler Ernesto Araújo é este o propósito. Ao aparecer assimilado no nome de José de Alencar, o indígena já não é. Virou “ser humano igualzinho a nós”. E suas terras ancestrais são mercadorias como as “nossas”. O chanceler de Bolsonaro sabe muito bem a quem serve quando tenta forjar uma identidade nacional para um Brasil que afirma ter renascido pelas mãos de seu chefe. Ele não cita os indígenas, mas afirma enfaticamente em seu discurso que trabalhará pelo agronegócio.
A floresta amazônica é estratégica para evitar que o aquecimento global supere os 1,5 graus Celsius nos próximos anos. Isso não é opinião, é pesquisa científica de alguns dos melhores cientistas do mundo, que trabalham há décadas com a crise climática. Para que o aquecimento global não avance, a floresta precisa ficar em pé. Como manter a floresta em pé se o bolsonarismo se comprometeu a abrir as terras indígenas para exploração?
É preciso criar uma ideologia, como faz o bolsonarismo. Nela, o indígena supostamente teria como aspiração maior da sua vida se tornar branco “como nós” e passar a tratar a terra como mercadoria, ansioso por arrendá-la aos grandes grupos exportadores de soja e carne ou às grandes mineradoras transnacionais. É preciso também afirmar que mudança climática é um complô marxista, como o chanceler de Bolsonaro já escreveu, para não encontrar resistência ao entregar a Amazônia em nome do nacionalismo.
O chanceler criou um departamento específico para o agronegócio no Itamaraty e extinguiu o departamento que cuidava do clima e de energias renováveis. A mensagem é clara. O atual presidente do Brasil fez ainda mais. Transferiu a Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, fundadora de uma ONG acusada de incitar ódio contra os indígenas. Os evangélicos, grupo que a ministra representa, têm todo o interesse em ampliar a presença da sua religião entre os povos originários. A eles também interessa que o índio seja “ser humano como nós”, o que neste caso significa ser evangélico neopentecostal.
Bolsonaro entregou o banco de sangue aos vampiros
Bolsonaro, como garoto obediente ao agronegócio mais truculento, aquele que se confunde com agrobanditismo, foi adiante: entregou a responsabilidade pela demarcação das terras indígenas e quilombolas para o Ministério da Agricultura, comandado pela pecuarista Tereza Cristina, conhecida como “musa do veneno”, pelos serviços prestados como congressista às indústrias transnacionais de agrotóxicos. Como comentou um jornalista estrangeiro: é o mesmo que entregar o comando do banco de sangue aos vampiros.
O problema para o bolsonarismo se chama “realidade”, já que o planeta não vai parar de aquecer por causa das mentiras de Bolsonaro e de seu chanceler. Mas até isso ficar claro para seus seguidores, a destruição já estará consumada e os grupos que compõem o bolsonarismo já terão multiplicado seus lucros. Se os lucros são de poucos, o prejuízo sobrará para todos. Para os mais pobres e os mais frágeis, o sofrimento será maior e chegará primeiro. Já chegou. Basta ler a imprensa séria para descobrir. Ou lembrar quem sofreu mais com a última crise da água em São Paulo.
O ideólogo do governo afirma ser preciso ler menos o New York Times e mais José de Alencar também porque a imprensa internacional tem apontado duramente o perigo que Bolsonaro representa para o planeta. A importância do Brasil no cenário internacional é dada principalmente pela floresta amazônica. E não para exploração de produtos primários como soja, carne e minérios, mas sendo floresta.
Converter a floresta em matéria-prima de exportação é o pior negócio da história, inclusive para a agropecuária
A conversão de floresta em matérias-primas para exportação pode beneficiar a economia a curto prazo. Isso interessa aos ultraliberais do atual governo, como interessou aos governos do PT, que foram um desastre para a Amazônia. Mas é claramente o pior negócio da história para todos. Inclusive para a agricultura, como sabe o setor esclarecido do agronegócio, que, infelizmente, é minoritário no Brasil.
Nem Bolsonaro nem seu chanceler sabem quem são os indígenas, como vivem e o que fazem. Nem acham que precisam saber. Se a mentira que criaram serve a seus interesses imediatos, para que serviria a realidade?
Para os não indígenas que se interessam em conhecer os indígenas, o primeiro fato a compreender é que não existe um indígena, e sim mais de 240 povos com cultura própria. Vale lembrar que a estimativa é de que havia mil povos antes da invasão europeia, no século 16. Hoje, os povos que sobreviveram às sucessivas matanças e às epidemias transmitidas pelos brancos são, ao mesmo tempo, eles mesmos uma enorme riqueza em sua diversidade cultural e também os maiores responsáveis pela proteção da biodiversidade das terras onde vivem.
Alguns ainda conseguem viver sem saber dos brancos, ou sabendo o mínimo possível, e para todos é melhor que continue assim. Outros, cujo contato com os brancos já foi estabelecido, encontram seus caminhos para gerar renda sem destruir o ecossistema. As terras indígenas, comprovadamente, são os maiores obstáculos à derrubada da floresta amazônica. Em 2018, o desmatamento na Amazônia atingiu o índice mais alto da década. Só no período eleitoral, o desmatamento cresceu quase 50%, comparado ao ano anterior, tão confiantes os desmatadores se sentiram com a certeza da vitória de Bolsonaro.
Em editorial desta semana, o Instituto Socioambiental, que faz a publicação mais completa sobre Povos Indígenas no Brasil, atualizada regularmente e disponível na internet, conta ao governo o que o governo não está interessado em saber. O mel dos índios do Xingu foi o primeiro produto indígena de origem animal com certificação orgânica e registro no Sistema de Inspeção Federal. Já está no mercado do sudeste do país. O óleo de pequi do povo Kisêdjê representou o Brasil numa feira do movimento Slow Food em Turim, na Itália. O cogumelo Yanomami é reconhecido internacionalmente no mundo da gastronomia. A pimenta Baniwa tem 78 variedades que são utilizadas na fabricação de chocolate, molhos e cervejas no Brasil e no exterior. Os indígenas Wai Wai, Xikrin, Kuruaya e Xipaya comercializam safras com toneladas de castanha para uma fabricante de pães e produtos derivados. A borracha dos Xipaya é utilizada por outra grande indústria brasileira. Os Kayapó e Panará vendem o cumaru para empresas internacionais de cosméticos produzidos artesanalmente.
Quem não existe não pode reivindicar terra na floresta tão cobiçada pelo setor atrasado do agronegócio
O que atrapalha a economia da floresta não é a proteção da floresta. Pelo contrário. O que atrapalha a economia da floresta é a invasão dos grileiros para explorar a madeira, botar soja e pasto para boi. É a anistia destes grileiros por governos como o de Lula e o de Michel Temer, que converteram criminosos violadores de terras públicas em representantes do “agronegócio” e membros do “setor produtivo nacional”. É a demora na demarcação dos territórios ancestrais, hoje paralisada por Bolsonaro. É a instabilidade e a total falta de apoio governamental, apesar de os produtos comercializados pelos indígenas pagarem todos os impostos. É a ignorância dos governos e de seus economistas. É um chanceler que quer reinventar o índio de José de Alencar para inventar um índio que não existe. Quem não existe não pode reivindicar a demarcação de suas terras na floresta tão cobiçada pelo setor atrasado do agronegócio.
O discurso de posse do chanceler é a tentativa de lançar as bases ideológicas do que está sendo chamado de bolsonarismo, aquelas que pretendem justificar tanto o armamento da população quanto a exploração predatória das terras indígenas e quilombolas. Seria importante que os professores das universidades, instituições tão atacadas por Bolsonaro e seus seguidores, usassem seu conhecimento para dissecar esse discurso naquilo que diz e naquilo que omite. E o fizessem na internet, onde todos têm acesso.
Foi na internet que os malucos passaram a dançar e um deles se tornou presidente. O debate tem que ser travado (principalmente) ali, como já perceberam uns poucos intelectuais. Da tarefa de resgatar a importância dos fatos, a prevalência da realidade e a honestidade do debate ninguém tem o direito de se omitir. Em especial quem é pago com recursos públicos.
Termino com outro trecho do discurso do ideólogo do bolsonarismo: “É só o amor que explica o Brasil. O amor, o amor e a coragem que do amor decorre, conduziram os nossos ancestrais a formarem esta nação imensa e complexa. Nós passamos anos na escola, quase todos nós, eu acho, escutando que foi a ganância ou o anseio de riqueza, ou pior ainda, o acaso, que formou o Brasil, mas não foi. Foram o amor, a coragem e a fé que trouxeram até aqui, através do oceano, através das florestas, pessoas que nos fundaram”.
O projeto de poder em curso quer inventar um passado apagando o passado que efetivamente existiu
Ernesto Araújo torna explícito que o “renascimento” proposto pelo bolsonarismo é criminoso. Seu projeto de poder não busca apenas moldar o presente a partir de premissas falsas como “ideologia de gênero” e “climatismo”, mas sim inventar um passado apagando o passado que efetivamente existiu. Antes será preciso explicar como “o amor” matou milhões de indígenas, extinguiu povos inteiros, e colocou à força no Brasil quase 5 milhões de escravos africanos, durante mais de três séculos. Seus descendentes ainda hoje vivem pior e morrem mais cedo.
José de Alencar sonhava com construir uma identidade nacional no século 19, em um país que acabara de se tornar independente da metrópole e precisava de um rosto para se legitimar como nação. Em seu discurso inaugural, Ernesto Araújo violenta dois séculos de debates culturais e ofende até mesmo a memória de Alencar. O chanceler quer, no início do século 21, apagar todo o passado. Como se o Brasil fosse uma página em branco que o bolsonarismo vai passar a escrever a partir do ponto zero da independência.
Nenhuma novidade. A “nova era” do bolsonarismo apenas copia os piores exemplos dos totalitarismos do século 20, que também quiseram forjar seu próprio mito e sua própria mitologia para justificar as atrocidades que cometeriam logo adiante. Como os dias mostraram, os cadáveres daqueles que destruíram teimam em viver como memória. Não esqueceremos. Nem deixaremos esquecer.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos, e do romance Uma Duas. Site: desacontecimentos.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum/ Facebook: @brumelianebrum