Por que Ernesto Araújo deve ser processado por crime de responsabilidade
Telmário Mota*
No Dia da Independência comuniquei ao Presidente da República que estou pedindo o impeachment do Chanceler Ernesto Araújo. As medidas de hostilidade do Ministro contra o governo da Venezuela não consultam o interesse nacional. As relações internacionais não são lugar para manifestações ideológicas quixotescas, mas de acentuado, prudente e responsável pragmatismo. Foi assim que se portou nossa política externa para com a Venezuela desde o Presidente Ernesto Garrastazu Médici e continuou com os presidentes Ernesto Geisel, Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Lula
Sou senador de Roraima. Não será o caricato senhor Juan Guaidó, autoproclamado Presidente de um governo tão imaginário quanto as fantasias do Chanceler, que assegurará o fornecimento de calcário para a agricultura roraimense, energia, documentos necessários às transações comerciais no solo venezuelano e os direitos dos brasileiros que vivem no país vizinho.
Diferente do Ministro, que se move por fantasias ideológicas e luta contra fantasmas da sua imaginação, como o “comunavírus”, eu sou filho de Roraima. As fantasias do Ministro são nocivas à vida real do meu povo. Roraima não é uma fantasia ideológica, mas uma realidade econômica, social, política e cultural. Roraima é de onde eu vejo o mundo.
Roraima suporta sozinha as consequências do súbito aumento populacional na habitação, saúde, educação, segurança. Os serviços públicos estão sobrecarregados. A União somente tem repassado valores para a logística da operação Acolhida. A população de Boa Vista é obrigada a conviver com um verdadeiro campo de refugiados na sua área urbana.
A situação somente não é mais grave porque eu, no exercício legítimo da diplomacia parlamentar e contando com o apoio de parlamentares venezuelanos do Parlamento do Mercosul, do Chanceler da Venezuela Jorge Arreaza e do embaixador da Venezuela no Brasil Alberto Castellar, obtive do Presidente da República do país vizinho a reabertura da fronteira, que havia sido fechada como resposta à tentativa atabalhoada e midiática de Ernesto Araújo de impor uma ajuda humanitária fake, que visava apenas a humilhar o governo vizinho e derrubá-lo para impor um aliado incondicional dos EUA, o caricato Juan Guaidó.
Com o fechamento da fronteira, a maior parte dos estabelecimentos comerciais de Pacaraima fecharam as suas portas e a economia roraimense, quase absolutamente assentada na produção primária, ameaçava entrar em colapso com o corte do fornecimento do calcário, por exemplo. A energia fornecida pela usina de Guri foi interrompida e não podíamos exportar os nossos produtos para o país vizinho.
Com a reabertura da fronteira que consegui pela diplomacia parlamentar, o crescimento do PIB de Roraima em 2019 foi de 4,3%, o melhor resultado em seis anos, impulsionado pelas exportações para a Venezuela, especialmente de alimentos, enquanto o Brasil amargou um preocupante crescimento de 1,1%.
Por isso, Roraima não aceita escalada de hostilidades de Ernesto Araújo contra o governo da Venezuela. Não aceitamos (i) a sua participação no grotesco espetáculo de ingresso forçado de “ajuda humanitária”, (ii) o esvaziamento da nossa representação diplomática pela retirada de diplomatas brasileiros, (iii) a expulsão dos representantes diplomáticos venezuelanos em plena pandemia do Coronavírus (que foi impedida pela ação enérgica e constitucional do Procurador Geral da República e do Supremo Tribunal Federal) e, no dia 4 de setembro, (iv) a declaração de “persona non grata” aos representantes do governo da Venezuela, o que equivale a retirar-lhes as imunidades diplomáticas e, como efeito prático, conseguir por vias oblíquas o que o Supremo Tribunal Federal lhe impediu de fazer.
Por que a declaração de “persona non grata” aos diplomatas venezuelanos agora, em plena pandemia? Por que agora senão como um ato político de socorro às dificuldades eleitorais do republicano Donald Trump? Por que agora senão como um ato de ingerência explícita nos assuntos internos da Venezuela, de sabotagem do processo de pacificação interna em curso no país vizinho, às vésperas das eleições parlamentares marcadas para 6 de dezembro pelo novo Conselho Nacional Eleitoral constituído por amplo acordo na Mesa de Diálogo Nacional, para a qual estão habilitadas 89 organizações políticas?
Diante desse ato extremo de radicalização ideológica, captura e instrumentalização da política externa brasileira por parte da uma espécie de “internacional da extrema direita”, tão repugnante, vil e anacrônica como a internacional comunista, real ou fictícia, não posso me calar.
O Congresso Nacional precisa saber que rumo o Presidente Bolsonaro pretende seguir. Se o caminho da pacificação anunciado pelo Presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, Vice Presidente Hamilton Mourão, na Sessão de Debates Temáticos convocada a meu requerimento, ou o rumo da catástrofe que resulta dos atos hostis do Chanceler. O rumo indicado pelo Vice Presidente é o da concertação pan-amazônica , da integração e gestão pacífica e compartilhada da Amazônia pelo Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, da reativação do funcionamento da Organização do Tratado da Cooperação Amazônica. A indesejável consequência das fantasias ideológicas de Ernesto Araújo é vulnerabilidade nos mais de 2 mil km de fronteira com a Venezuela. A quem isso interessa?
Diante disso, comuniquei ao Presidente que tomarei as medidas cabíveis para que o Ministro seja responsabilizado por crime de responsabilidade. Mas, também, uma vez que apenas extremismo ideológico e irracionalidade gratuita não explicam suficientemente a obsessão do Chanceler contra a paz com a Venezuela, ingressarei com Representação na Procuradoria Geral da República para que determine investigação a respeito da movimentação financeira do Ministro em nível internacional. Há de haver coelho nessa toca.
Venho de longe e carrego como legado de meus antepassados o compromisso com Roraima e o Brasil. O meu bisavô, Coronel Mota, educador e Juiz de Paz, foi o primeiro prefeito de Boa Vista. O seu primeiro filho, o tio Vitor, morreu lutando pelo território nacional contra os ingleses. Junto
com ele estava o meu avô, Pedro Rodrigues, o último comandante do Forte São Joaquim do Rio Branco. Nasci numa comunidade indígena.
com ele estava o meu avô, Pedro Rodrigues, o último comandante do Forte São Joaquim do Rio Branco. Nasci numa comunidade indígena.
Aprendi com a minha mãe, Ana, índia Macuxi, e com o meu pai, o vaqueiro Tuxaua Pereira, a amar as pessoas e a ter coragem na vida. Os meus antepassados arriscaram suas vidas para defender o povo de Roraima e o território nacional e um deles, o tio Vitor, a perdeu pela Pátria. Diante disso, aqui estou, pequeno Davi, sob a luz inspiradora dos meus antepassados, colocando na funda a pedra certeira que deitará por terra o maldito Golias que quer atirar o nosso povo a uma guerra fratricida contra um povo vizinho com o qual mantemos seculares e pacíficas relações de integração econômica, social e cultural.
Telmário Mota é senador da República (Pros-RR)
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16 jun, 2020