Interesses corporativos unem PT e bolsonaristas no Congresso
Maior partido de oposição se alinha à base do presidente em votações de projetos que beneficiam classe política e enfraquecem órgãos de controle
30 de outubro de 2021 | 05h00
BRASÍLIA — A votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que aumenta o poder do Congresso sobre o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), na semana passada, contou na Câmara com uma inusitada união entre o PT, maior partido da oposição, e aliados do presidente Jair Bolsonaro. Embora a proposta tenha sido rejeitada, não foi a primeira vez que os adversários se juntaram para apoiar medidas que beneficiam políticos e enfraquecem órgãos de controle. Levantamento da consultoria Inteligov, feito a pedido do Estadão, mostra que os petistas se alinharam ao líder do governo em uma a cada dez votações nominais, desde 2019.
Houve um casamento de interesses, por exemplo, no projeto que afrouxou a Lei de Improbidade Administrativa, sancionado nesta semana por Bolsonaro. O texto aprovado foi o do relator, Carlos Zarattini (PT-SP), com apoio do líder do governo, Ricardo Barros (Progressistas-PR), nome do Centrão. Os 52 deputados do PT foram a favor da medida, que dificulta a punição de políticos ao exigir a comprovação de “dolo específico”, ou seja, a intenção de cometer irregularidade.
O PT e o governo também se aliaram quando estavam em jogo interesses partidários. Foi assim nas votações do novo Código Eleitoral, que fragiliza a fiscalização das contas de partidos; da proposta que permitia a volta das coligações – barrada no Senado –; e da que retoma a propaganda das legendas no rádio e na TV. Nos três casos, o PT votou 100% fechado com a orientação do Planalto.
O levantamento da Inteligov indica que esta situação ocorreu em 349 das 3.672 votações nominais realizadas na Câmara e no Senado desde que Bolsonaro tomou posse, em 2019. O cálculo leva em conta votações de projetos, PECs, medidas provisórias e requerimentos do Legislativo, como pedidos para retirar uma proposta da pauta.
‘Sobrevivência’. Para o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper, há nessas alianças um instinto de sobrevivência da classe política. “No caso da PEC do CNMP e da Lei de Improbidade, há uma agenda de blindagem. O governo e o PT têm, hoje, claramente uma agenda contra esse tipo de medida, em que pese já terem ambos levantado a bandeira contra a corrupção.”
“Todos estão olhando para o próprio umbigo e as bases eleitorais exigem recursos. Não há preocupação com a transparência”, disse o analista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) Neuriberg Dias.
Nos últimos anos, o Congresso aumentou as emendas parlamentares e passou a destinar recursos diretamente para Estados e municípios. Trata-se das chamadas “emendas cheque em branco”. O modelo foi criado a partir de uma PEC da presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), mas encontrou maior adesão na base do governo. Em 2021, sete em cada dez deputados que usaram essas emendas votaram com o governo em 70% das ocasiões, apontou a Inteligov.
‘Política’. “Esses são temas da política, não se trata de oposição e situação. Na Lei de Improbidade, temos o abuso do MP sobre o julgamento de pessoas que, por questões apenas administrativas, são retiradas da vida política. Outra questão é a vida do povo, e aí o Bolsonaro está fora da democracia”, disse o líder do PT na Câmara, Bohn Gass (RS).
Mesmo na pauta econômica, porém, houve convergências, como na reforma do Imposto de Renda. A bancada petista votou em peso para aprovar a medida, que, além de reduzir impostos de empresas, cria uma cobrança sobre lucros e dividendos.
Pautas comuns
Emendas
Petistas e governistas votaram juntos no projeto que determinou a execução obrigatória de emendas parlamentares de bancada, ampliando o poder de deputados e senadores sobre o Orçamento.
Improbidade administrativa
Também se alinharam na análise do projeto que afrouxou a Lei de Improbidade Administrativa, dificultando a punição a políticos.
Coligações
A proposta que previa a volta das coligações nas eleições para o Legislativo, prática proibida com o intuito de reduzir o número de legendas no País, uniu petistas e parlamentares governistas.
Código Eleitoral
O novo Código Eleitoral, que prevê regras mais brandas para o uso de recursos públicos por partidos, reduz a fiscalização e tira poderes da Justiça Eleitoral, teve apoio tanto do PT quanto de parlamentares bolsonaristas.
Ministério Público
Os adversários votaram juntos na proposta que mudava a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e aumentava a influência do Congresso no órgão, responsável por fiscalizar a atuação de procuradores.
Propaganda
Projeto que retoma a propaganda gratuita de partidos políticos no rádio e na TV, suspensa em 2017 após a aprovação do Fundo Eleitoral, obteve votos de petistas e de parlamentares governistas.