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sexta-feira, 18 de junho de 2010

O Brasil a caminho da estupidez - exagerada e rapidamente

Sinto ter de voltar a este assunto constrangedor -- para mim como cidadão brasileiro, sair por aí dizendo a sua pátria amada e mãe gentil está regredindo para uma estupidez ancestral -- mas tenho de fazê-lo pela lógica do ofício de blogueiro amador.
Um blog, por definição, é um espaço público de discussão, e não apenas um exercício narcisístico de exibição pública. Quem faz um, corre o risco de ouvir o que não quer, e aí pode ficar quieto e deixar passar ou entreter o diálogo e o debate. Faz parte do jogo.
Como sou um debatedor de ideias, me compraz responder aos meus comentaristas, geralmente no espaço próprio, que são como essas notas de final de livro que ninguém lê.
Quando é o caso, pela importância do assunto, tomo a iniciativa de "promover" o comentário a post en bonne et due forme, para continuar a discussão em campo aberto, como se diz.
É precisamente o caso deste meu post:

O Brasil a caminho da estupidez - agora sim tenho certeza disso

Um dos meus leitores habituais escreveu o que segue, que transcrevo em itálico, dando a ele a chance de ser bem lido, ouvido, refletido.
Como discordo em 150% do que ele escreveu, retomo mais abaixo para comentar, e agravar o caso, não o dele, pois não ataco pessoas, mas das ideias subjacentes aos seus argumentos, que procuro desmantelar metodicamente, sem qualquer animosidade para com seu autor, pois entendo que ele apenas reflete o estado das "ideias" (!!??), passavelmente estúpidas, que tem curso neste país a caminho da estupidez coletiva (sinto muito ter de ofender as almas sensíveis, mas não tenho por hábito ser tolerante com o que considero serem ideias erradas, e prejudiciais ao nosso desenvolvimento cultural e intelectual.
Segue o que disse o meu interlocutor, cujo nome preferi ocultar neste post, pois não vem ao caso. Ele poderia ser o José Saramago, aliás referido no texto, que eu responderia igual ao que faço.

[Comentarista] deixou um novo comentário sobre a sua postagem "O Brasil a caminho da estupidez - agora sim tenho ...":

EXAGERADO

É difícil aquilatar com precisão quantitativa em que consistiu a contribuição dos índios, dos negros e dos portugueses na formação do povo brasileiro. Dizer, contudo, que "o índio ou o africano em pouco ou nada contribuíram" é de um exagero atroz, uma visão - ou cegueira? - eurocêntrica exacerbada, praticamente beirando as bordas do racismo. O jornalista Janer Cristaldo aparenta não ter conhecimento do livro "Casa Grande e Senzala" de Gilberto Freire, um dos marcos basilares da sociologia brasileira, que aborda o tema da contribuição dessas diferentes culturas na formação do Brasil sem resvalar para o pieguismo. Ele também parece não conhecer psicopedagogia infantil. Há um tempo certo para se ensinar que "papai Noel e contos de fadas" não existem. Quero dizer, há certos temas que não precisam ser expostos para as crianças enquanto não tiverem suficiente maturidade. Por que falar de massacres, genocídios, adultérios, intrigas, entre outras desumanidades, para mentes que ainda estão em formação? Que se veja, primeiramente, o lado positivo das coisas. Mais tarde, os defeitos aparecerão.

PS. A literatura portuguesa está de luto hoje. Faleceu Saramago.

Postado por [Comentarista] no blog Diplomatizzando... em Sexta-feira, Junho 18, 2010 11:58:00 AM


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Bem, agora é comigo, e procedo como Jack o Estripador, como se diz frequentemente.

1) "É difícil aquilatar com precisão quantitativa em que consistiu a contribuição dos índios, dos negros e dos portugueses na formação do povo brasileiro."
PRA: Não, não é. Basta você olhar em volta. Vive numa taba, sai todo dia para pescar e caçar, tem uma metalurgia primitiva e vive numa sociedade sem escrita? Vivemos, não numa sociedade portuguesa, ainda que eles tenham sido o PRINCIPAL aporte para a nossa formação cultural, mas numa sociedade europeia, com grande contribuição étnica de africanos de diversas origens (que por isso mesmo não constituem uma cultura unificada) e levíssimas tinturas indígenas, tão leves que são imperceptíveis, a não ser na toponímia geográfica e para por aí.
Eu não sei porque certos brasileiros -- mas isso acontece com outros latino-americanos, também, aliás todos perfeitamente europeus -- têm dificuldade em admitir essa realidade tão evidente que nem é preciso reafirmar. VIVEMOS NUMA SOCIEDADE EUROPEIA, e é dela que vem, QUANTITATIVAMENTE, as principais contribuições para o nosso modo de vida, para a nossa cultura, para o que somos como povo e civilização. Não há nada que o contestador possa fazer para negar isso, a menos que ele queira voltar a suas origens indígenas (que ele certamente não tem) ou supostas raízes africanas (que seria impossível ele ter, pois África existe apenas como referência geográfica, e não se encontra presente em NENHUM dos indivíduos que foram para aqui arrastados como escravos).

2) "Dizer, contudo, que "o índio ou o africano em pouco ou nada contribuíram" é de um exagero atroz, uma visão - ou cegueira? - eurocêntrica exacerbada, praticamente beirando as bordas do racismo."
PRA: Não, não é. Racismo é querer negar a presença MAJORITÁRIA da cultura branca em nossa formação e realizações culturais. Me constrange ter de pedir ao meu comentarista que olhe em volta de si e conclua, em plena sanidade, que, de fato, o índio e o africano em pouco ou nada contribuíram para o que somos atualmente. Não há exagero nisso, trata-se de um statement of fact, uma mera constatação, que só não enxerga quem tem enorme preconceito contra a cultura europeia e ocidental de forma geral. Achar que isso é eurocentrismo é o mesmo que achar que o uso do sistema métrico nos torna todos "galocêntricos", já que foi na Revolução Francesa que se aprovou o novo padrão, hoje quase universal (com exceção de alguns "bárbaros" americanos, que ainda não se renderam ao sistema métrico, para seu prejuizo, aliás, mas não se pode pedir aos americanos que sejam racionais o tempo todo). A bobagem anti-eurocêntrica é tão grande que paro este comentário por aqui.

3) "O jornalista Janer Cristaldo aparenta não ter conhecimento do livro "Casa Grande e Senzala" de Gilberto Freire, um dos marcos basilares da sociologia brasileira, que aborda o tema da contribuição dessas diferentes culturas na formação do Brasil sem resvalar para o pieguismo."
PRA: Bem, convido o meu comentarista a dizer isso ao Janer Cristaldo e esperar a resposta desaforada que ele certamente vai receber. Gilberto Freire foi sem dúvida um grande sociólogo e antropólogo, mas transformar a sua obra de interpretação do BRASIL COLONIAL em padrão obrigatório de compreensão do BRASIL ATUAL é de uma cegueira metodológica digna de quem acha que a Bíblia ainda tem a explicação certa para as origens da Terra e da vida na Terra. A sociedade colonial brasileira, mais a nordestina do que as do sul, tinha sim grande influência dos povos indígenas e africanos que estavam sendo incorporados na leve camada de ocupação portuguesa dos séculos 16 a 18. Agora considerar que isso se mantém no Brasil urbanizado, maciçamente penetrado por levas e levas de imigrantes europeus nos últimos 150 anos, é digno daqueles Amish people dos EUA, que pretendem ainda viver como se estivessem no século 18, antes da invenção do mundo moderno, com seus carros e eletricidade. Sinto muito mas isso ofende minha imperfeita condição de cidadão atento para a cronologia do mundo.

4) "Ele também parece não conhecer psicopedagogia infantil. Há um tempo certo para se ensinar que "papai Noel e contos de fadas" não existem. Quero dizer, há certos temas que não precisam ser expostos para as crianças enquanto não tiverem suficiente maturidade. Por que falar de massacres, genocídios, adultérios, intrigas, entre outras desumanidades, para mentes que ainda estão em formação? Que se veja, primeiramente, o lado positivo das coisas. Mais tarde, os defeitos aparecerão."
PRA: "Ele" é ainda o Janer Cristaldo, a quem sugiro que meu interlocutor envie seus comentários para mim incompreensíveis. Ele acha que se pode falar que os índios viviam em harmonia com a natureza, que eles eram ecologicamente corretos avant la lettre, mas que não se pode dizer que eles comiam os inimigos vencidos em batalhas, que eles praticavam o infantícidio e o abandono dos mais velhos na floresta, que os africanos praticavam, sim, a escravidão, muitos séculos antes da chegada dos europeus naquele continente, que os traficantes muçulmanos foram responsáveis por números incomensuravelmente mais elevados de escravização de africanos (e isso até uma data recente, pois a escravidão só foi extinta na Arábia Saudita em 1961, e na Mauritânia em 1975, e isso ainda não se concretizou), enfim que todo mundo era bonzinho na natureza pré-colombiana e africana, e que só os europeus foram malvados e impediram os dois povos de exercerem a sua "verdadeira natureza".
Esse tipo de bobagem é tão grande que eu só posso recomendar ao meu interlocutor que leia mais história e aprenda um pouco sobre a realidade das coisas.
Finalmente: se as crianças podem ouvir que o lobo mau comeu a vovózinha, qual é o problema de dizer que os potiguares comeram o bispo Sardinha?

5) "A literatura portuguesa está de luto hoje. Faleceu Saramago."
PRA: Pode até ser. Reconheço que ele escreveu algumas obras interessantes, mas seu estilo divergente dos padrões formais a que estamos acostumados tornava sua leitura um exercício um pouco mais complicado do que outras obras mais "normais". Enfim, literatura é uma questão de gosto.
Mas se a literatura portuguesa está de luto, a política contemporânea se libertou de um grande idiota, e a economia mais ainda. Sua adesão às mais abjetas ditaduras comunistas no mundo atual -- como o fez em relação a Cuba até uma data ainda recente, só divergindo, parcialmente, quando Fidel mandou fuzilar alguns balseros que tentavam simplesmente fugir do inferno cubano -- e sua postura anticapitalista e antiglobalizadora, só provam uma coisa: que grandes escritores podem ser também péssimos avaliadores das realidades políticas e econômicas do mundo atual. O apoio que Saramago deu a Cuba durante anos e anos seguidos não era apenas indecente e imoral, mas era também criminoso, pois um grande escritor como ele poderia contribuir para minimizar, que fosse um pouquinho, o sofrimento de todo um povo sob uma das mais abjetas ditaduras que se conhecem. Coloco-o, junto com Garcia Marquez, na categoria de assassinos intelectuais, de cúmplices morais de ditaduras comunistas, de inocentes inúteis na grande causa dos direitos humanos, das liberdades democráticas e da dignidade humana. Pessoas como ele, que poderiam ter se pronunciado sobre esses crimes e não o fizeram, são anões morais e não merecem nenhum respeito da parte dos que se batem pela afirmação desses direitos.

Bem, creio que era o que tinha a comentar sobre o que disse meu interlocutor.
E sinto ter de confirmar, mais uma vez, que vejo o Brasil caminhando rapidamente para a estupidez. Infelizmente, corrigir tudo isso vai levar tempo, pois o tipo de argumento exposto acima pertence à categoria das verdades reveladas que se ouvem todos os dias em nossas escolas e universidades.
A caminho da decadência, Brasil...
(mas sem a minha conivência ou complacência).
Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 19.06.2010)